Muitos dizem que os maiores gênios do rock nacional foram Renato Russo, Cazuza e Arnaldo Antunes. Pois bem, eu concordo com isso somente no ponto de que esses artistas foram muito importantes para a musicalidade brasileira nos anos oitenta, mas creio que se não fossem outros três pilares, eles não teriam chegado aonde chegaram. Se não, vejamos: as letras de Cazuza, criticando a política e falando das coisas da vida, poderiam estar facilmente em algumas obras de Walter Franco, um gênio que poucos conhecem; Arnaldo Antunes e suas maluquices tem um certo tom de Arnaldo Baptista, com o emprego de sátira e realidade que também é difícil não se assimilar; por fim, as letras de Renato Russo, sejam políticas, históricas ou amorosas, encontram-se perfeitamente no imenso cardápio literário de outro verdadeiro gênio, Raul Seixas.
Raulzito (como era conhecido) foi um baiano nascido no dia 28 de junho de 1945. O pai, engenheiro ferroviário, conhecia diversas pessoas na cidade de Salvador, o que possibilitou ao então garoto de nove anos conhecer e se enturmar com filhos de americanos que viviam na capital baiana, graças à chegada da Petrobrás aquele estado. Eles foram os responsáveis pela formação musical de Raul, mostrando em vinil de 78 RPM gente que surgia na América, como Chuck Berry, Little Richard e, posteriormente, Jerry Lee Lewis e Elvis Presley, entre outros.
Durante a infância, Raul escrevia gibis que vendia ao irmão menor, quatro anos mais moço, onde um cientista louco chamado Mêlo era o personagem principal, e segundo o próprio Raul, uma parte dele mesmo: imaginativo, buscando respostas e viajando fora da lógica para lugares como Nada, Tudo, Vírgula Xis e Terra de Deus.
Durante os anos de 1952/56 frequenta o curso primário na escola particular da professora Sônia Bahia, e em 1956 funda o Club dos Cigarros. Entre 1957/59 entra para o ginásio do Colégio São Bento, empacando na segunda série por três anos, já que matava as aulas para ir ouvir música na loja Cantinho da Música. Ainda em 1958, no dia 12 de outubro, fundou o Rock Boy Club ao lado do irmão, Plínio Seixas.No dia 13 de julho de 1959 fundou o primeiro fã-clube brasileiro em homenagem a Elvis Presley, ao lado do amigo Waldir Serrão, sendo que Elvis ainda era um ilustre desconhecido por aqui.
Já em 1959 Raul montava sua primeira banda, os Relâmpagos do Rock, a qual passou a se chamar The Panthers. De Panthers o grupo mudou para Os Panteras, e tinha em sua formação Raulzito (vocal e guitarra base), Mariano Lanat (baixo), Antonio Carlos "Carleba" (bateria) e Thildo Gama (guitarra solo), que não durou muito no cargo, sendo substituído por Pedrinho Albuquerque.
A situação inicial do grupo era pouco além de precária. As guitarras eram somente violões com cordas de nylon, e o baixo feito de pau. Raul e Mariano acabariam construindo uma guitarra com um pedaço de tábua e o braço de um violão velho. Como amplificador, usavam o rádio do avô de Mariano, sendo que o fio para plugar a tal guitarra era tão curto que Raul tocava sentado em cima do rádio!Raulzito ingressa no Colégio Interno Marista em 1961, e consegue finalmente passar para a terceira série.
Pouco tempo depois, em 1962, Os Panteras conseguem um contra-baixo elétrico, o qual era uma guitarra acústica Del Vecchio pintada de amarelo e com cordas vindas de São Paulo. Para comemorar a chegada das cordas, os garotos "derrubaram" as garrafas de vinho do pai de Raul. Passaram a ouvir som cada vez mais e tirar músicas, conseguindo assim seus primeiros shows pelo interior da Bahia, tendo na formação Raul, Mariano, Carleba, Albuquerque, Stevens (saxofone) e Dudu (violão), sendo que Dudu e Stevens não ficaram mais do que três meses.
Nos shows algumas pessoas apareciam, mas um detalhe curioso é que, nos locais onde havia cadeira, a primeira fila estava sempre vazia. O motivo: Raul se atirava no chão segurando o microfone numa tentativa de imitar Little Richard, e aquilo agredia as famílias que iam aos shows, achando que o cantor, cujo nome é luaR, estava tendo um ataque epilético. Coisas da nossa cultura!
Em 1963 conseguem a primeira aparição na TV Itapoan, tocando Elvis no programa Escada do Sucesso, ao mesmo tempo em que Raul chegava à quarta série. Em 1964, com a chegada dos Beatles, Os Panteras passaram a angariar mais fãs na Bahia. Raul vai para o Colégio Ipiranga, onde desiste finalmente dos estudos.
O grupo toca durante seis meses seguidos na boate Dendê Clube, onde eram respeitados e admirados por inúmeras pessoas. Entram em estúdio pela primeira vez, registrando "Nanny" (de Gino Frey) e "Coração Partido", versão que o pai de Raul, Raul Varella Seixas, fez para a música "Musidem" de Elvis Presley. O compacto não foi lançado, mas uma versão chegou a rodar nas rádios.
Na mesma época, dois diferentes estilos de jovens começavam a predominar em Salvador: os frequentadores do Teatro Vila Velha, com gente como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Tom Zé; e os frequentadores do Cinema Roma, onde os "alienados" como Raul, Waldir e Mariano viviam aprontando. Como se vê, era a fonte de dois troncos da música brasileira, a Tropicália e o rock visceral.
Os Panteras começaram a aparecer em apresentações da Jovem Guarda, a mania nacional da época, tocando como banda de apoio para Jerry Adriani e Wanderléa, sendo que agora contavam com Carlos Eládio na guitarra solo, substituindo Albuquerque. No dia 03 de maio de 1966, durante o Festival da Juventude realizado no Cine Roma, foram obrigados a retornar ao palco cinco vezes, sendo ovacionados por mais de 2 mil pessoas. Ainda nesse ano, Raul inicia o namoro com Edith Wisner, com quem viria a se casar no dia 28 de junho de 1967. Nesse mesmo ano, Jerry Adriani levou os garotos para o Rio de Janeiro, onde fizeram muito sucesso. Na volta para a Bahia assinam com a Odeon, e assim, gravam o LP Raulzito e Os Panteras, lançado em 1968, um marco para a carreira de Raul, já que era o primeiro registro seu feito.
Totalmente influenciado pelo rock de Beatles (fase-inicial), Elvis, Little Richard e a Jovem Guarda, o LP abre com "Brincadeira", de Mariano, na guitarra tradicional de JG e com Raul cantando uma letra de reconciliação, acompanhado pelas vocalizações de Eládio e Mariano. O disco segue com "Por Quê? Pra Quê?", escrita por Eládio em um jogo de palavras incrível. Orquestrações comandadas por Orlando Silveira e um órgão dão um sabor especial a essa linda canção.
A cover "Um Minuto Mais (I Will)", de Dick Glasser, vem carregada de sopros e orquestrações, com Raul e Eládio duelando nos vocais, em mais uma canção bem Jovem Guarda. A linda "Vera Verinha" nos mostra outra vez o talento de Eládio, agora junto com Raul, no jogo de palavras. Uma balada fantástica, com um excelente arranjo vocal.
A cover para "Lucy in the Sky With Diamonds" dos Beatles, surge em "Você Ainda Pode Sonhar (Lindos Sonhos Dourados)". Talvez essa seja a canção mais conhecida do álbum, trazendo um arranjo fiel ao original, com uma leve mudança no refrão. O lado A encerra com "Menina de Amaralina", de Raul, tratando sobre saudades em um ritmo Beach Boys fase inicial, com um pequeno solo de guitarra, órgão e orquestração."Triste Mundo" abre o lado B cheia de sopros e com Raul narrando as dificuldades da vida, com letra de Mariano. As orquestrações dão um clima leve pra canção, que é uma das poucas a conter um solo de órgão.
A seguir, somente canções feitas por Raul, começando com "Dá-me Tua Mão" e o início pesado no baixo, com guitarra e bateria lembrando muito Os Incríveis. Raul e Eládio duelam no refrão, em mais uma interessante faixa. A melhor música do álbum, segundo Os Panteras, vem a seguir. "Alice Maria" é a consagração das letras de Raul. Frases como "Ali se formou", "Ali se acabou" e o título da canção vão se encaixando pouco a pouco, formando uma triste história de amor. Uma melodia quase que barroca, com destaque para os acordes iniciais da canção.
"Me Deixa em Paz" foi uma das primeiras composições de Raul. Feita em 1960, traz uma forte influência do rock americano, lembrando muito Buddy Holly, ainda mais com Raul abusando dos wows. O solo simples e direto da guitarra é o destaque da canção. Baixo e percussão trazem o "Trem 103", encerrando o álbum com a genial "O Dorminhoco", uma ode à preguiça que termina com um longo bocejo de Raul.
Claro, a participação dos outros membros nessas faixas foi creditada no álbum, mas segundo os mesmos Raul compunha 98% das canções, com os demais apenas fazendo uma pequena intervenção, o que levava Raul a colocar o nome do cidadão na mesma. A edição original do LP foi registrada em mono, sendo cobiçadíssima hoje em dia. Outras duas versões também saíram em LP, uma em 1984 e outra em 1989, ambas com o som em estéreo.
O disco vendeu muito pouco em sua tiragem inicial, principalmente pelo fato da divulgação ser nula, já que a idéia da Odeon lançar o álbum não existia, e sim, ter ele no catálogo apenas. Segundo o próprio Raul, "as músicas eram bonitas, mas fracas, e não tinham nada a ver com a época, já que falavam de agnosticismo. Eu não tinha nenhuma prática em composição, e acabei quebrando a cara".
Raul passou a lua-de-mel dentro de uma Kombi e trabalhava das 10 da manhã às 4 da madrugada para divulgar o disco. Se não fosse Jerry Adriani ter segurado um contrato com Os Panteras como banda de apoio, Raul teria seguido no que chamou de "época da fome" por muito tempo. Aos poucos, cada um dos Panteras seguiu sua vida arranjando emprego no Rio de Janeiro, com Raul tendo que fazer as malas e voltar para Salvador. Na capital baiana a desilusão bateu de vez, fazendo com que aumentasse o número de composições escritas por ele, com Raul enfiado no quarto afim de escrever um livro e recebendo comida pela porta.
Porém, uma luz no fim do túnel surge em 1970, quando o produtor da CBS, Evandro Ribeiro, entra em contato com Raul convidando-o para trabalhar como produtor para a gravadora. Evandro conhecera Raul através de uma canção que não havia sido gravada pelos Panteras, intitulada "Tudo o Que é Bom Dura Pouco", e disse que tinha interesse em gravá-la. Vale ressaltar que a CBS teve interesse no trabalho do grupo antes da Odeon, chegando a oferecer um contrato para eles, mas o nome Odeon pesou para os garotos. Raul aceitou o trabalho, substituindo o antigo produtor, Jairo Pires, e voltando para a Cidade Maravilhosa.
De volta ao batente, Raulzito começa a revelar nomes como Trio Ternura, Tony & Frankie, Sérgio Sampaio e Miriam Batucada, bem como Renato & Seus Blue Caps e Wanderléa. Foi o ponto-chave para Raul decidir que iria se meter na música, e dali mandar sua mensagem para o mundo, aprendendo coisas como o fato de as melhores músicas necessariamente estarem ou no começo ou no fim do LP, colocar as músicas para o público específico no meio, e a canção de trabalho estar entre a primeira e terceira do lado A, algo que não era seguido por ele, que colocava sempre o carro-chefe na última do lado B, com a intenção de fazer o ouvinte ouvir todo o álbum.
Ao mesmo tempo, Raul via nascer sua primeira filha, Simone Andrea Wisner Seixas, no dia 19 de novembro de 1970.
A liberdade nos estúdios da CBS era enorme, mas passou dos limites quando o diretor fez uma viagem em julho de 1971. Com toda aquela estrutura para ser consumida, Raul engoliu cada parte da CBS como um lobo ceando uma ovelha, dividindo o banquete com Sérgio Sampaio, Miriam Batucada e Edy Star, fazendo nascer um dos álbuns mais cultuados da música brasileira: A Sociedade de Grã-Ordem Kavernista Apresenta: Sessão das 10.
Miriam não era a primeira opção de voz feminina, sendo esta destinada para a esposa de Odair José, Diana. Porém, a forte identificiação com a música romântica acabou descartando a mesma, tendo seu nome substituído por Lena Rios, a mesma que defenderia "Eu Sou Eu, Nicuri é o Diabo", de Raul, no Festival Internacional da Canção de 1972. Na hora H, Miriam surgia com sua voz rouca e bom humor, conquistando Raul, Sérgio e Edy.
Segundo a lenda, o disco foi gravado às escuras, sem o conhecimento da gravadora, o que foi desmentido por Edy, dizendo que fora um trabalho profissional feito com total conhecimento da companhia. As gravações duraram quinze dias, com hora marcada no estúdio e às vezes com a presença do diretor artístico da CBS. Porém, o que não foi dito é que Raul meio que impôs a gravação desse LP.
A idéia inicial era de um álbum inspirado nos recém-lançados Freak Out! (Frank Zappa), Piper at the Gates of Dawn (Pink Floyd) e Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band (Beatles), bem como o Tropicália ou Panis Et Circensis de Rogério Duprat, Mutantes, Caetano, Gil e grande elenco. Assim, surgia o que o professor Marcelo Dolabela classificou como "uma releitura da Tropicália, sob o tom Jovem-Guarda-Profético-Humorístico".
Lançado ainda em julho, Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta: Sessão das 10 é um marco na contracultura nacional. O disco traz um deboche descarado do início ao fim, começando com uma vinheta de circo, onde o apresentador fala "Respeitável público, a Sociedade da Grã-Ordem Kavernista pede licença para vos apresentar o maior espetáculo da Terra", seguida pelas vocalizações dos quatro cantores em uma marchinha de carnaval chamada "Êta vida", cujos vocais são divididos entre Sérgio e Raul. Uma canção recheada de orquestrações e que trazna sequência a primeira das várias vinhetas que intercalam as músicas.
"Eu comprei uma televisão, à prestação, à prestação / Eu comprei uma televisão, que distração que distração" abre a clássica "Sessão das 10", com a mesma letra que iria figurar anos depois no álbum Gita, mas aqui cantada por Edy, em uma "homenagem aos boêmios da velha guarda". O lindo arranjo de flauta e cavaquinho é o destaque principal da faixa, assim como o tom debochado de Edy.
Sérgio e Raul voltam a dividir os vocais em "Eu Vou Botar pra Ferver", um samba-baião regado aà cuíca e guitarra baiana. Conversas de bar, uma guitarra enlouquecida e uma conversa de telefone totalmente chapada abrem "Eu Acho Graça", no ritmo do maracatu misturado com órgão e cantada por Sérgio. Essa canção poderia facilmente ser encontrada em algum álbum dos Novos Baianos.
"Há um hippie em pé no meu portão, no meu portão, no meu portão / Há um hippie em pé no meu portão, no meu portão, no meu portão" abre a bela "Chorinho Inconsequente", onde a guitarra distorcida introduz um lindo chorinho cantado por Miriam, bem no embalo dos anos 30. Orquestrações, cavaquinho, agogô e a intervenção da guitarra estão presentes em toda a música, que encerra com muitas vocalizações e barulhos, abrindo a faixa de encerramento do lado A, "Quero Ir", talvez a canção mais próxima do que Raul iria fazer posteriormente, misturando rock e baião, e aqui cantada por ele e Sérgio.
O lado B abre com a viola caipira de "Soul Tabarôa", com Miriam dando uma de Mussum falando "Eu vou cantar um soul musis". Outro baião, com uma bela levada e com a voz de Miriam soando muito sensual. Um violino abre espaço para o barulho da Avenida Rio Branco, em plena Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, onde um repórter da rádio Brasa Viva, ao saber que está no ar, pergunta a um transiente (Raul) se ele prefere música melodiosa ou barulhenta. A resposta: "Barulhenta né, eu sou jovem!!!", e assim começa "Todo Mundo Está Feliz", um gospel com piano e coral, que entoa o nome da canção seguido por Sérgio.
"Aos Trancos e Barrancos" é um sarcástico sambão sobre o cidadão que morava na favela e agora mora no Leblon, enquanto um naipe de metais e tímpano abre "Eu Não Quero Dizer Nada", uma balada cantada por Edy com direito a cravo e coral. O refrão tem um ritmo flamenco, com o final sambístico de levantar da cadeira.
Baixo e vocalizações na linha de "Pow R. Toc H." (Pink Floyd) contam a história de "Dr Paxeco", o herói dos dias úteis, ou seja, o trabalhador brasileiro. Raul usa novamente o jogo de palavras em um rock tropicalista carregado no órgão e nas guitarras, com todos os instrumentos, à excessão da percussão, tocados por Raul, encerrando o álbum com a vinheta "Finale", onde vaias e uma descarga levam tudo o que se ouviu para o esgoto.
Porém, o registro está muito longe de ser uma merda completa, e deve ser admirado com cuidado e sem preconceitos. Particularmente, considero este um álbum essencial e no mesmo nível de seu antecessor, Tropicália ou Panis Et Circensis, e seu posterior, Paêbirú, mostrando como o Brasil produzia sons delirantes.
Na época do lançamento o disco acabou falindo comercialmente, principalmente pelo fato de a gravadora ter torcido o nariz para o resultado final. Estranhamente, o LP foi retirado do mercado, com a CBS alegando que o álbum estava fora dos padrões da gravadora. Porém, foi relançado em 1975 pelo selo Entre, aproveitando a onda do sucesso que Raul vivia com o álbum Gita, e também em 1985 pela CBS, com o selo Veleiro. Em 1991, em uma pequena tiragem, a Sony (que havia comprado os direitos da CBS) acabou o recolocando no mercado pelo selo Columbia. Todas as versões são raríssimas, mas a original é a mais cobiçada, podendo valer quase 500 mangos.
Em CD, depois de muitos anos condenado ao ostracismo, o disco voltou às lojas em uma edição limitada da Rock Company (1995) e, depois, pela Sony (2000), sendo a última muito fraca, contando somente com a capa original, sem informações sobre a ficha técnica e fotos do grupo. Ambas as versões também são raras e infelizmente não sei dizer quem são os instrumentistas e arranjadores do álbum. Muitos falam que músicos de estúdio foram contratados, mas, como diz Raul, "isso não posso afirmar".
Após o lançamento do álbum, Raul produziu o compacto "Diabo no Corpo", de Míriam Batucada (1972), e o LP de estréia da Diana, saindo da gravadora meses depois desse último trabalho, indo parar na RCA Victor. Lá, influenciado por Sérgio Sampaio, inscreve-se no VII Festival Internacional da Canção, promovido pela Rede Globo, com as músicas "Let Me Sing, Let Me Sing" e "Eu Sou Eu, Nicuri é o Diabo", obtendo um relativo sucesso que o leva para a Philips, por onde lança o compacto "Let Me Sing, Let Me Sing" / Teddy Boy, Rock e Brilhantina".
Já em 1973 conhece o escritor Paulo Coelho através da revista A Pomba, onde Paulo era redator, e que continha um artigo falando sobre discos voadores, uma obsessão particular de Raul. Ao mesmo tempo, decide homenagear seus ídolos, construindo, juntamente com o amigo Nelson Motta, um álbum repleto de clássicos do rock'n'roll. Mas, por se tratar de um disco somente com covers, Raul foi proibido pela Phonogram de colocar seu nome na capa do álbum, já que um segundo material estava sendo preparado para ser lançado em seguida. A saber, Krig-ha, Bandolo!.
Assim, em maio de 1973, chegava às lojas o disco Os 24 Maiores Sucessos da Era do Rock, lançado pelo selo Polyfar e com os créditos para uma banda invisível chamada Rock Generation. O nome de Raul aparece de forma diminuta na contra-capa, constando como diretor de proudção.
É apenas um disco de rock, trazendo como o nome já diz, os vinte e quatro maiores sucessos do rock divididos em diversos pout-pourris, começando com "Rock Around The Clock" de Jimmy de Knight e Max C. Freedman, seguida por "Blue Suede Shoes" de Carl Perkins, "Tutti Frutti", de Little Richard, Joe Lublin e Dorothy La Bostrie, e "Long Tall Sally", de Little Richard, Entoris Johnson e Robert Blackwell. A entrada de "Long Tall Sally" nos faz relembrar "Rockixe", que apareceria em Gita, mas todas as canções seguem os arranjos originais. O guitarrista Gay Vaquer está infernal nas intervenções, usando wah-wah, alavancas e bends. Já o arranjo orquestral feito nas mesmas foi construído por Chiquinho de Moraes.
Dois clássicos brazucas vem a seguir, com "Rua Augusta", de Hervé Cordovil, num riffzão balança-esqueleto na melhor versão já feita para essa canção, e "O Bom", de Carlos Imperial, com uma brilhante participação da cozinha. Seguem "Poor Little Fool", de Sharon Sheeley, com o embalo acompanhado pelo piano relembrando os tempos de Os Panteras, e "Bernardine", de Johnny Mercer, com um teclado safado rolando em um country rock totalmente americano.
Clássicos nacionais em versão brazuca vem à tona, com "Estúpido Cupido (Stupid Cupid)", de Neil Sedaka, Howard Greenfield e na versão de Fred Jorge, contando com muito peso na guitarra, "Banho De Lua (Tintarella Di Luna)", de Bruno de Filippi e Franco Migliacci, também em uma versão de Fred Jorge, não tão sensual quanto a versão dos Mutantes, soando até quase que macabra com a levada do baixo e guitarra, e "Lacinhos Cor-de-rosa (Pink Shoes Laces)" de Mickie Grant, em mais uma versão de Fred Jorge, no embalo hard 70 com Raul detonando a garganta. Um detalhe interessante é que "Estúpido Cúpido" e "Banho de Lua" foram cantadas por um cantor de nome até hoje desconhecido. Por fim, "The Great Pretender" de Buck Ram encerra o lado A com os tradicionais u-u-uh e vocalizações.
O lado B começa com a sessão romântica de "Diana" de Paul Anka, e o sax mandando ver acompanhado do tradicional riff dedilhado da guitarra, "Little Darling" de Maurice Williams, recheado de uah-baps, "Oh! Carol" de Neil Sedaka e Howard Greenfield, fiel ao original e com um excelente trabalho vocal, e a linda "Runaway", de Del Shannon e Max Crook.
O rock nacional volta a ganhar destaque com "Marcianita", de José I. Marcone e Galvarino V. Alderete, na versão de Fernando César, que ficou famosa com Caetano e Os Mutantes, mas aqui numa versão pesadíssima, com Gay tocando muito e Raul substituindo "o que é iê-iê-iê" por "o que é rock and roll", e "É Proibido Fumar", de Roberto e Erasmo Carlos, outra muito pesada.
"Pega Ladrão" de Getúlio F. Côrtes tem um riff fenomenal de Gay, seguida por "Jambalaya" de Hank Williams, em uma versão mais pesada que a original, "Shake, Rattle and Roll", de Charles E. Calhoun, com destaque para a bateria, e "Bop-a-Lena", de Webb Pirce, que teria sua versão em português feita pelo próprio Raulzito no álbum Raul Seixas (1983), com o nome de "Babilina".
"Only You" de Ande Rand e Buck Ram, mantém a linha vocal que ficou famosa com os The Platters, enquanto que "Vem Quente Que Eu Estou Fervendo", de Carlos Imperial e Eduardo Araújo, encerra o álbum em uma versão embaladíssima.
Participaram do álbum, além de Raul e Gay, Bill french (bateria), Paulo César (baixo), Novelli (baixo), Luiz Paulo (sintetizadores) e Zé Roberto (piano).
O álbum não teve nada de divulgação, virando relíquia absoluta. Porém, em 1975, reapareceu no mercado em uma nova versão. Nesta, a capa trazia um retrato de Raul assinado por Luiz Trimano, e contando com um novo título, 20 Anos de Rock. Além disso, continha uma faixa instrumental chamada "Abertura", bem como a ordem das faixas era diferente. Assovios e aplausos foram enxertados para passar a impressão de ser um álbum ao vivo.
Em 1985 houve outra reedição, agora com o nome 30 Anos de Rock. Uma versão definitiva, tal qual foi concebida, foi lançada pela MZA Music em 2001, sobre a direção do produtor Mazzola e, segundo o qual, é fiel ao que Raul construiu em 1973.
Pouco tempo depois, em julho, Raul surgiria finalmente como um fenômeno através do álbum Krig-Ha, Bandolo!, e no ano seguinte, com Gita, viraria febre nacional, participando de programas da Rede Globo e consolidando sua parceria com Paulo Coelho.
Após anos vivendo sob a batuta da Globo, e consumindo bebida como pão, Raul faleceu há exatos 20 anos, no dia 21 de agosto de 1989. Lembro como se fosse hoje, na segunda-feira fria e chuvosa lá em Pedro Osório, a repórter Ilze Scamparini noticiando que Raul morrera devido a uma parada cardíaca provocada por pancreatite crônica, a poucos metros do hospital.
O corpo de Raul foi velado no palácio de convenções do Anhembi, com a presença de inúmeros fãs e pouquíssimos artistas, como Kid Vinil, Kiko Zambianchi e Zé Geraldo, sendo sepultado no dia seguinte, às 17 horas, no Cemitério Jardim da Saudade, em Salvador.
Achei lastimável no último domingo a Rede Globo, através do Fantástico, mostrar uma música perdida de Raul chamada "Gospel", a qual foi censurada, e re-criá-la nos estúdios com coral e instrumentos. Raul sofreu nas mãos da Globo como Pedro na cruz, e infelizmente, a emissora ao invés de fazer um programa especial contando tudo o que Raul fez para ela (como o SBT por exemplo fez nos 10 anos da morte dos Mamonas Assassinas), investe em um lançamento que, por melhor ou pior que seja e também pela sua validade histórica, só irá servir para aumentar o peso nos bolsos de gravadoras e espertos da vez.
Raul caminha ao nosso lado, e certamente sabemos que, um dia, ele irá nos beijar!