terça-feira, 21 de setembro de 2010

Ozzy Osbourne: Bercy, Paris, 20/09/2010



20 de setembro é uma data muito importante para mim. Conhecida no Rio Grande do Sul como o "Dia do Gaúcho", ela simboliza o inicio da Revolução Farroupilha, lá em 1835, marcando o dia em que a guerra entre farroupilhas e o império começara, dando origem a chamada República Sul-Riograndense e durando dez anos.

Exatamente nesse ano, passei meu primeiro 20 de setembro longe dos meus pagos, mais precisamente na cidade luz francesa, e para meu deleite, fui convidado por um grande amigo chamado Wilson a assistir um dos ícones do metal mundial, Ozzy Osbourne, durante a Scream Tour 2010, deixando a data de 20 de setembro ainda mais importante para ese que vos escreve. O show ocorreu no bonito Palais de Omnisports de Bercy. Como comparação, o lugar parece o Ginásio Gigantinho de Porto Alegre, porém um pouco menor.


Antes do Ozzy, Danko Jones e Korn seriam os responsáveis por aquecer a galera a partir das 19 horas. Isso foi o suficiente para eu e o Wilson concluirmos que tinhamos um certo tempo até ver a lenda viva do Ozzy, e então, pegamos o trem da Cité University por volta das 18:30, devidamente fardados com as tradicionais camisas rivais de Inter e Grêmio, uma homenagem ao 20 de setembro, e com um bom whisky Black & White nas mãos.

Chegamos em Bercy pouco depois do show da Danko Jones, mas isso não importava. Queriamos ver o Ozzy. Alguns brasileiros, uma fila muito rápida e entramos no Palais, que surpreendentemente estava com pouca gente. Garantimos um bom lugar, quase na frente do palco, e tinhamos como fundo uma enorme lona com o nome da próxima banda a tocar, Korn.


Quando o Korn entrou no palco, os franceses pareceram não estar muito à vontade com o som da banda. Eu honestamente não conhecia nada do grupo,e achei a mistura de Faith No More com algo mais pesado um pouco estranha, totalmente fora do que curto, mas não era nada,eu estava lá para ver Ozzy. Algumas músicas e até que a galera começou a agitar.

De repente, olho para a esquerda e Zinedine Zidane surge ao meu lado, agitando muito e cantando as músicas. Se vocês duvidam, olhem a foto abaixo. Fiquei uns bons minutos pensando se pedia uma foto ou não, mas como ele agitou pacas, não quis atrapalhar. Enfim, foi o primeiro grande momento do show, e mesmo que o cidadão seja um sósia, o que acho bem difícil pois era muito igual ao Zidane, já tem mais uma história para contar.


O Korn saiu do palco sem deixar saudade, pelo menos para mim, assim como o Zidane subiu para os camarotes, e ai começou uma rápida sessão da troca de palco, preparando tudo para o grande nome da noite. Diferente do que no Brasil, vários homens surgiram de tudo que é lado, e em poucos minutos, o pano do Korn deu lugar para um lindo fundo que Ozzy vem usando na turnê,com detalhes em alto-relevo que lembram o mar dependendo da luz projetada.

Olhei ao redor do Ginásio e vi que não estava lotado, ao mesmo tempo que me peguei pensando em como eu tinha chegado até ali. Ver Ozzy ao vivo é algo que sempre pensei desde criança, mas ver ele na Europa, nunca passou pela minha cabeça.

Enquanto eu viajava, uma voz já conhecida começava a gritar um cântico conhecido dos cantos de futebol, e então as luzes se apagam e Ozzy surge no centro do palco. Interessantemente, Ozzy se apresenta e firma um pacto com a gurizada, dizendo que "dará tudo o que puder para os fãs desde que os fãs dêem tudo que possam".

Pacto firmado, eu alucinando e o show começa com "Bark at the Moon". Quando eu me preparava para ser empurrado, levar cotovelada, chutar canelas, me senti sozinho, com todo mundo parado, balançando a cabeça e fazendo alguns air guitars. Ai entendi que o público francês não agita, e sim curte o som. Enfim, fiz a minha parte e cantei junto toda a letra, até chegar na nova "Let Me Hear You Scream", que ficou muito boa, onde Ozzy começou a interminável sequência de baldes de água na gurizada e também os tiros de espuma com a metralhadora.


A partir de então, o tecladista Adam Wakeman (filho do velho) puxou o riff mais bonito da carreira de Ozzy, começando "Mr Crowley". Lágrimas e arrepios tomaram conta de mim. Ozzy continua cantando como nos anos oitenta, e o seu jeito de andar que tanto o caracterizou, além dos dedos em V, fascinam e cativam quem vê.

Depois de surpreender com "I Don't Know" o show virou um espetáculo sem precendentes, com Ozzy desfilando clássicos do Black Sabbath, começando com uma matadora versão para "Fairies Wear Boots", inserindo "Suicide Solution" (outra surpresa que liquidou com minha voz) e chegando em "War Pigs", outra em que fui as lágrimas, com Ozzy relembrando Dio no solo final, fazendo a melodia da guitarra com a voz.


A ótima "Shot in the Dark" foi a deixa para Ozzy apresentar a banda. Wakeman nos teclados, Blasko no baixo e Tommy Clufetos na bateria foram apresentados um a um, até que Ozzy chegou no ótimo guitarrista Gus G, que fez um solo sozinho de tirar o chapéu. Muito influenciado por Zakk Wylde, inclusive utilizando o ventilador para levantar as melenas, o guri toca muito, e tem um timbre de guitarra muito próximo ao de Tony Iommi, que ficou evidente na canção a seguir, "Rat Salad".

Nessa última, Tommy fez um longo solo, e então Ozzy surgiu novamente no palco para cantar "Iron Man". Os franceses deliravam, mesmo não agitando nada, dava pra sentir o quanto eles estavam curtindo, mostrando civilidade e, principalmente, respeito aos demais presentes.


A sequência com "Killer of Giants", "I Don't Want to Change the World" e "Crazy Train" encerrou a primeira parte da apresentação, mas Ozzy não deixou o palco. Ficou cantando o cântico de futebol com a galera e perguntando se queríamos mais um som. Óbvio que sim, e então ele soltou "Mama, I'm Coming Home", linda demais, e fechou o bloco do bis com "Paranoid", onde cada nota foi tocada perfeitamente.

Finalmente os franceses soltaram a voz, e Ozzy, visivelmente emocionado, se ajoelhou no palco agradecendo aos fãs. Aos gritos de "Ozzy! Ozzy! Ozzy!", mandou ver em "Flying High Again", emendando com uma matadora versão para "Into the Void", onde Gus G soltou os dedos conforme Iommi. Juro que fechei os olhos e vi uma Gibson SG preta no palco. O som era perfeito, nítido, algo que jamais vi em nenhum show no Brasil, excelência britânica na terra dos croissants.


Ozzy encerrou o show e ficou mais alguns minutos no palco, cantando a música de futebol e agradecendo a todos os que estavam na frente do palco com apertos de mão e acenos.

As luzes acenderam e percebi que eu e Wilson já estavamos saindo de uma noite fantástica, mas que ainda não havia terminado. Passando pela mesa de som, um dos roadies viu a camisa do Inter e eu gritei "Brasil!". Ele abriu um sorriso e me entregou um roteiro do show, que juntamente com um bottom do Slayer que encontrei no chão, viraram minhas recordações materiais de mais um grande show que assisti na minha vida.

Valeu Wilson, e God save Ozzy!


Set list:

Bark at the Moon
Let Me Hear You Scream
Mr. Crowley
I Don't Know
Fairies Wear Boots
Suicide Solution
War Pigs
Shot in the Dark
Rat Salad
Iron Man
Killer of Giants
I Don't Want to Change the World
Crazy Train

Bis 1

Mama, I'm Coming Home
Paranoid

Bis 2

Flying High Again
Into the Void

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

It's A Beautiful Day



Por Mairon Machado

Final da década de 60. A lisergia e o psicodelismo da geração flower-power chegava no seu auge e começava sua auto-destruição, agregando a cultura da liberdade sexual com o "faça amor, não faça guerra" diversas fontes de pensamentos que divergiam das origens remotas de uma geração que pregava a paz acima de tudo.



Entre os expoentes musicais dessa geração, vários acabaram sobrevivendo para as gerações posteriores justamente após a morte dos mesmos, o que ocorreu quase que paralelamente à morte do flower-power, e que podem ser principalmente grifados nos nomes de Jimi Hendrix, Janis Joplin, Big Mama Cass e Jim Morrison.

Outros tantos mudaram a sonoridade e temática das canções, como Santana, The Who, Animals, ...., e muitos, mas muitos mesmos, morreram junto com os 3 Js (apesar dos integrantes ainda permanecerem vivos em sua maioria) e viraram obscuridades que somente nas últimas décadas passaram a receber o valor que lhes deve ser atribuído. Entre eles, está o excepcional grupo It's A Beautiful Day.



Primeira formação do It's A Beautiful Day

Tudo começou com um grupo chamado Orkustra, formado em 1965, e que fazia vários ensaios em um galpão sujo de San Francisco, sem ter membros fixos. Com o passar do tempo, algumas pessoas passaram a participar frequentemente das insanas reuniões da Orkustra, encaminhando para a montagem de uma banda. Entre elas estavam o violinista, flautista e cantor David LaFlamme, que tocara na Orquestra Sinfônca de Utah, e sua esposa, Linda LaFlamme, também de formação clássica e que tocava órgão e piano, além de Jaime Leopold e Bobby Bobosol, que anos depois faria parte da família Manson.



Entre 65 e 67 a Orkustra fez diversas apresentações, tocando inclusive nas principais casas de shows de San Franciso: a Avalon Ballroom e a Matrix, além de participar de programas da TV CBS como um dos expoentes da sonoridade californiana e também de um filme especial sobre San Francisco feito por Dick Clarke.


Ainda tocando com a Orkustra, David passa a fazer parte do grupo de Dan Hicks (que tocava no The Charlatans), chamado Hot Licks, junto com Leopold. O Hot Licks passa a fazer sucesso abrindo para os Charlatans, recebendo críticas positivas da imprensa, e chamando a atenção de vários interessados em empresariar a banda. Enquanto isso, a Orkustra começava a naufragar, principalmente pela falta de uma gerência causada pela saída de Linda, principal responsável por agendar as datas da Orkustra, e que voltara para a música clássica.


É ai que surge a figura do empresário Matthew Katz. Katz, que havia trabalhado nos embriões do Jefferson Airplane, Indian Puddin' and Pipe, Tripsichord Music Box e Moby Grape, sendo inclusive responsável pelos nomes um tanto quanto diferentes dos grupos, era um produtor falcatrua, que havia prometido mundos e fundos para os grupos por onde passou, mas na hora H, ficava com a grana e nada acontecia, e infelizmente para os membros que formariam o It's A Beautiful Day, nome também criado por Katz, isso não era de conhecimento dos mesmos.


O primeiro contato entre os LaFlamme e Katz ocorreu exatamente no verão de 1967, logo após o estouro da Moby Grape, com os LaFlamme explicando a situação para o produtor, dizendo que Linda não podia mais trabalhar como manager por ter que se dedicar a sua carreira clássica, mas que queriam continuar na ativa.


Katz concorda em produzir a Orkustra, mas com o passar dos dias, vê-se que as intenções de Katz vão além da Orkustra, estando interessado em algo mais chamativo. Pregando o talento vocal de David, ele ressalta que a banda deve mudar o rumo, compondo mais e empregando muito o trabalho vocal, algo como o The Mamas & The Papas já fazia na época.




A deliciosa e talentosa Pattie Santos


De cara, apresenta um achado: a suculenta e deliciosa cantora Pattie Santos. Com apenas 18 anos e trabalhando como balconista em um super-mercado, muitos alegam que Pattie entrou na banda por ser linda, com Katz prometendo tudo o que podia para ter uma chance com a garota, inclusive o sucesso musical. Essa história não passa de mito, já que Pattie além de extremamente gata, era dotada de uma poderosa voz, muito similar a de Grace Slick (vocalista do Jefferson Airplane), que as vezes levava a imprensa injustamente a comparações entre elas, o qual foi desenvolvido em anos cantando como voz principal em uma capela de San Francisco.


Pattie já fazia parte do que Katz batizara de It's A Beautiful Day, um agregado de músicos que nunca existiu de fato, e então, convidou os LaFlamme a fazerem parte deste grupo, levando os membros da Orkustra para lá, o que não ocorre de imediato, com David recusando a mudar o nome de sua banda.


Porém Katz continua a insistir na mudança de Norte dos LaFlamme, e finalmente David atende aos pedidos do produtor, começando então, no mês de agosto de 1967, uma das melhores bandas do psicodelismo de San Francisco, com David, Linda, Pattie e os demais membros da Orkustra ensaiando sob o nome de It's A Beautiful Day.


Uma das primeiras fotos da It's A Beautiful Day. Da esquerda para direita: David LaFlamme, Pattie Santos, Mitchell Holman, Val Fuentes, Hal Wagenet e Linda LaFlamme

David acaba não gostando do fato do It's A Beautiful Day divulgado por Katz ser apenas Pattie, mas enfim, os ensaios continuam no outono de 67, e logo David percebe que o baterista que o acompanhara na Orkustra já não serve mais para o projeto, saindo a caça de um novo músico. Eis que surgem dois garotos de 18 anos que ensaiavam em um caminhão que continha todo o aparato dos dois: Mitchell Holman (baixo) e Val Fuentes (bateria). Logo após serem apresentados aos LaFlamme, Val e Mitchell tem seu caminhão roubado, sendo então "adotados" pelos LaFlamme para conseguir novamente dinheiro para comprar seus equipamentos, o que facilmente levou-os a entrar no It's A Beautiful Day, assim como o guitarrista Hal Wagenet, que já era conhecido por tocar em outras bandas de San Francisco.



David passa a trabalhar como diretor musical, compondo, escrevendo e planejando as canções quase que por instinto, determinando inclusive aonde cada integrante deveria entrar com a participação vocal.


Enquanto isso, Katz fica ausente, sem se intrometer nem na organização de shows ou na produção de algo para gravadoras, o que frustava bastante ao casal LaFlamme, pois tinham colocado toda a esperança nas mãos do famoso manager. Na verdade, Katz pensava em adotar o mesmo sistema feito junto ao Moby Grape e ao Jefferson Airplane: tentar organizar o máximo possível de shows para então, assinar um contrato com uma gravadora, gravar um disco e cair fora com a grana.

Em novembro, com a pressão de David, Katz consegue uma verba para a gravação da primeira bolachinha do It's A Beautiful Day, tendo de um lado a canção "Bulgaria", composta ainda nos tempos de Orkustra, e do outro "Acquarian Dream", canção que nunca foi lançada oficialmente. O single foi gravado como uma edição especial para as rádios, tendo no registro o número SFS7, e obviamente, hoje é uma raridade sem preço tanto no mercado tradicional como no mercado negro da música.


A casa que sediou os primeiros shows do It's A Beautiful Day
Em dezembro, Katz organiza uma série de shows do It's A Beautiful Day na distante Seattle, onde ele em particular consegue um bom dinheiro. Assim, os primeiros shows são realizados no clube Encore Ballroom, que era controlado por Katz, o que não era de conhecimento do grupo, onde durante todo o gelado mês de dezembro de 1967 tocam durante 5 semanas todas as sextas e sábados, fazendo sempre dois shows por noite, tendo como cachê míseros 20 dólares para cada integrante tocar durante todo o tempo agendado.

Isso deixou os LaFlamme furiosos, afinal, novamente Katz sumia e deixava eles com as mãos abanando, sem dinheiro, passando fome e apenas com a promessa de que uma apresentação em San Francisco ocorreria em breve. Na volta a San Francisco, em janeiro de 1968, passam a tocar em pequenos clubes da cidade sem o conhecimento de Katz, o que graduamente passou a fazer com que o nome It's A Beautiful Day se tornasse conhecido pela região, principalmente pelas insanas sequências instrumentais onde David, Linda e Hal viajavam em longos solos.


Enquanto isso, Moby Grape, Quicksilver Messenger Service e Jefferson Airplane estavam virando monstros, com seus discos estourando por toda a costa oeste dos EUA. Dessa forma, abandonam de vez o fanfarrão produtor, que passa a correr atrás do sexteto tentando processá-los pelo uso do nome It's A Beautiful Day, o que deu muita dor de cabeça para David.


Após abrir para Big Brother & The Holding Company e Grateful Dead, surge então o grande momento para o grupo. A partir do empresário Bill Graham (dono das famosas casas Fillmore), são convidado a abrir o show de despedida do Cream no Oakland Coliseum, em 4 de outubro de 1968, substituindo ao Traffic, que estava com Steve Winwood doente para a ocasião. A sensacional apresentação do grupo e o apoio de Graham deram um contrato com a Columbia Records, permitindo a gravação do primeiro álbum, ao mesmo tempo em que uma longa batalha judicial corria entre Katz e os LaFlamme por causa do nome It's A Beautiful Day.


O fundamental álbum de estreia
Apesar de todos os problemas, em 1969 sai o álbum It's A Beautiful Day, que ao lado de Moby Grape, Cheap Thrills (Big Brother & The Holding Company), Surrealistic Pillow (Jefferson Airplane) e Electric Music for the Mind and the Body (Country Joe & The Fish) forma o quinteto essencial do flower-power californiano.

O disco abre com a clássica "White Bird", composta ainda nos dificeis tempos em Seattle, quando o grupo passou o rigoroso inverno de 1967 praticamente a pão e água. A triste canção começa com os teclados de Linda e o violino de David fazendo o tema inicial, trazendo os vocais de David e Pattie acompanhados por um leve andamento de baixo, bateria, além dos acordes de violão e do órgão, seguido pelo refrão e o lindo solo de violino, com Hal e Linda viajando nos acordes de seus instrumentos e Hal fazendo um lindo solo de violão acompanhado pelo baixo, percussão e órgão, onde as intervenções do violino de David é de levar as lágrimas, voltando a letra e seu andamento triste até o encerramento dessa ótima faixa de abertura.

"Hot Summer Day" vem a seguir, com o órgão de Linda fazendo o assustador tema inicial, caindo em uma espetacular balada latina comandado pelo baixo de Mitchell e pela harmonica de Bruce Steinberg, com David e Pattie dividindo os vocais, tendo destaque total para o trabalho do casal LaFlamme, com David solando ao violino, além das viajantes notas da guitarra de Hal. O crescendo final é de arrepiar, onde novamente Linda manda ver em belas notas do órgão.


A fantástica "Wasted Union Blues" surge com a ácida guitarra de Hal, típica do flower-power, e o piano carregado de Linda, com David viajando com a letra da canção, que vai ganhando ritmo como que um trem em andamento, ao mesmo tempo que Pattie passa a acompanhar os vocais de David. Quando pega embalo, é impossível ficar parado, ainda mais com o agitado solo de violino feito por David, com Linda comandando o ritmo das viradas de bateria e também das ácidas notas de Hal. Alucinante e fora do normal são boas definições para outro grande som.


O lado A encerra com a bela "Girl With No Eyes", onde o cravo de Linda faz a introdução para a bela e triste letra ser cantada por David, enquanto guitarra e cravo fazem notas e acordes ao fundo. Pattie participa em algumas frases, assim como o violino de David, chegando ao emocionante refrão, onde violino, guitarra e órgão executam as mesmas notas sob a linda melodia vocal feita por Pattie e David. Linda faz um pequeno solo no cravo e a letra é retomada, com a repetição novamente do refrão, encerrando com violino, guitarra e órgão fazendo algumas notas.




Capa interna de It's A Beautiful Day


Outro clássico surge abrindo o lado B, a imortal "Bombay Calling", já com os acordes iniciais e o violino trazendo o famoso riff da canção ao lado do piano elétrico. Esse riff se tornou famoso justamente pelo fato do tecladista do Deep Purple Jon Lord ter chupado na cara dura o mesmo para ser o riff da clássica "Child In Time", registrada no álbum In Rock (1970). As lindas notas orientais do violino são seguidas pela repetição das mesmas pelo órgão de Linda, com o violino entrando ao fundo e tomando conta das caixas de som, para então Hal surgir com um vigoroso e efusivo solo de guitarra, onde a cadência de baixo, bateria e órgão dão o pique para as viradas insanas do violino junto a guitarra.


Baixo e bateria ganham ritmos cavalgantes, com os LaFlammes travando um duelo de violino e órgão junto as vocalizações de David e Pattie, até Linda ficar solando no órgão, voltando então a guitarra e o violino para mais uma sequência de acordes, que levam a repetição do tema oriental inicial, encerrando a canção com um longo acorde de órgão que leva a faixa seguinte, a paulada "Bulgaria".

Um gongo abre os trabalhos de uma viajante canção, onde o violino faz um solo bem intimista, com percussão, órgão e a guitarra criando um ambiente sombrio e assustador. Os vocais de David surgem, mantendo uma linha oriental na melodia que fica ainda mais apavorante com o surgimento dos vocais de Pattie. Devagar, a canção vai ganhando corpo, com Linda delirando no órgão em longas notas.

O piano é o responsável pelo ritmo, e assim, vemos a cara de "Bulgaria", que similarmente a "Wasted Union Blues", vai crescendo com a adição da viajante guitarra de Hal e do baixo de Mitchell, até chegarmos ao eixo central da canção, com violino e vocalizações sendo o destaque principal entre os longos acordes de Linda que levam ao fantástico encerramento da faixa.

O LP encerra com a longa e viajante "Time Is", onde piano, baixo, violino e bateria comandam uma embalada sessão instrumental de abertura, lembrando as músicas tradicionais russas, que trás a tona um fantástico solo de Linda acompanhado pela esquizofrênica guitarra de Hal. David começa a cantar sobre o rápido andamento, com Linda solando entre cada estrofe cantada pelo marido. O órgão e a guitarra insanamente viajam ao fundo enquanto David grita "Time, Time, Time", e então temos uma longa sequência percussiva onde Linda faz um solo magistral no órgão. Admiradores de Jon Lord, ouçam e constatem por que o It's A Beautiful Day era fonte de inspiração para o Purple.

Barulhos percussivos de guitarra e baixo são adicionados a notas de violino, órgão e a percussão de Pattie e Val, levando a delirantes minutos de um free-jazz muito doido, onde Val fica sozinho solando na bateria, rufando na caixa enquanto alterna batida nos tons e rolos entre bumbo e caixa.

A voz de David trás a letra novamente entre a barulheira percussiva, e aos poucos, baixo, piano e guitarra seguem a sequência inicial da canção, uma paulada de tirar o fôlego de qualquer principiante no psicodelismo, fechando com chave de ouro um dos melhores álbuns do estilo.

A capa de It's A Beautiful Day foi feita por George Hunter e pintada por Kent Holliseter, baseada em uma revista que circulou pelos Estados Unidos por volta de 1900, e foi eleita a vigésima quarta capa mais bonita de todos os tempos pela revista Rolling Stone.

Do LP, o single de "White Bird", tendo "Wasted Union Blues" no lado B, alcançou a posição # 118 na parada da Billboard, e os vocais de David e Pattie passaram a ser reconhecidos em todo os EUA, com o It's A Beautiful Day finalmente prestes a conquistar seu lugar ao sol.

Porém, os LaFlamme acabaram separando-se, com Linda abandonando o grupo. Para seu lugar, foi contratado Fred Webb, mas a ausência de Linda podia ser sentida nos estúdios. Mesmo fazendo shows nos Fillmores, o It's A Beautiful Day passava por uma crise interna, e a saída foi agregar ao grupo a participação do Deus da psicodelia e dos filantrópicos alucinógenos Jerry Garcia, fundador e líder do Grateful Dead.


O primeiro LP sem Linda LaFlamme


Jerry foi para os estúdios junto com o It's A Beautiful Day sendo quase uma espécie de padrinho dos mesmos, e assim, em 1970, lançam o segundo álbum, Marrying Maiden, voltado mais para a música country, sem tanta psicodelia, mas que já abre com uma vingaça para o plágio do Deep Purple (que a essas alturas estourava com "Child In Time"), com a faixa "Don and Dewey" chupando claramente o riff da canção "Wring That Neck" do Purple, registrada no álbum do Deep Purple Book Of Taliesyn (1968).

Bateria, órgão, baixo e guitarra puxam o ritmo, trazendo o violino que executa o riff principal de "Wring That Neck". A seguir, o que temos é uma espetacular versão "beautifulniana" para o clássico do Purple, com David, Fred e Hal solando sobre o andamento jazzístico criado por Blackmore e cia., nesta que é disparada a melhor faixa do álbum, contando ainda com um interessante solo de harmônica feito por Mitchell, e que pode ser definida com a famosa frase "olho por olho, dente por dente".

"The Dolphins" muda o clima totalmente, com o piano elétrico apresentando o tema inicial, seguido por uma country-waltz feita por guitarra, baixo, violão e bateria. David canta suavemente, tendo o acompanhamento de Pattie e Fred no refrão, e no solo principal, destaque para o piano de Fred e para o violino de David.

A sessentista "Essence of Now" lembra The Mamas & The Papas com as vocalizações de Pattie e David. O início de baixo e bateria seguido por piano e os vocais distorcidos de David são responsáveis por essa sonoridade bem especial, em uma boa faixa, que antecede a instrumental "Hoedown".

Após uma contagem rápida, o violino de David manda ver em um country típico das fazendas texanas, solando de forma rápida e dançante, passando então para um solo de banjo feito por Jerry Garcia, que também é responsável pelo hilário solo de pedal steel guitar que vem na sequência. Mitchell sola na harmônica e então David retoma a ponta dos solos encerrando a festa com um pequeno duelo com o banjo.

O Lado A encerra com a interessante "Soapstone Mountain", onde o pesado riff de guitarra apresenta uma suave canção, na linha de "Essence of Now", com um refrão grudento e com Hal tocando de forma sublime. Destaque para o solo de órgão feito por Fred, que tem ao fundo um dos melhores andamentos feitos por Val e Mitchell, e também para a guitarra lisérgica de Hal que finalmente dá as caras no solo que leva ao encerramento da canção.


A segunda formação do It's A Beautiful Day

O lado B abre com a canção "Waiting For The Sun", uma rápida viajem lisérgica com vozes e um french-horn criando uma viajante sonoridade que leva para a melosa "Let A Woman Flow", um jazz suave, quase bossa-nova, com um acompanhamento feito por piano, baixo e bateria, além de intervenções do órgão e do violão sob os vocais de David. A bonita sequência instrumental onde piano e violino dividem as mesmas notas é o ponto principal desta canção, abrindo espaço paraa a sequencia da letra que é cantada em espanhol (!), com o violão executando batidas flamencas, retornando então ao ritmo inicial e a letra em inglês, encerrando com um rápido solo de violino.

"It Comes Right Down To You" é um jazz antigo comandado por guitarra e bateria, com Jerry novamente participando no pedal steel guitar e banjo, além de um clarinete tocado por Richard Olsen, seguida por "Good Lovin'", onde um ótimo solo de harmônica introduz para David surgir com a letra, destacando mais um refrão grudento cantado por David e Pattie, resgatando os ácidos acordes do primeiro álbum do grupo.

A linda "Galileo", com barulhos de vento e um dedilhado da guitarra seguidos por flautas, apresenta um poema declamado por Hal, ganhando mais peso com a entrada de uma espécie de "Bolero" de Ravel feito pela bateria, baixo e guitarra, para metais e violinos ficarem solando, retornando então ao encerramento do poema e da canção com um belo tema na guitarra.

O LP fecha com "Do You Remember The Sun", onde o dedilhado de "Galileo" dá origem as tristes vozes de Pattie e David, acompanhados por violão, baixo e bateria, tendo o sintetizador em viajantes intervenções, levando a um refrão forte e marcante.


Capa alternativa do segundo álbum

A capa de Marrying Maiden, assim como It's A Beautiful Day, é muito bonita. Tendo o nome de A Joint Venture, a pintura foi construída por James William Redo III e Roberto Perez-Dias, e só fica relegada a segundo plano justamente pelo fato da capa do LP de estreia ser muito bela. Existe uma segunda capa que também é tão bonita quanto a original, mas que não é muito conhecida dos fãs da banda.

Mais dois compactos foram lançados: "Soapstone Mountain" / "Good Lovin'" e "The Dolphins" / "Do You Remember The Sun", que não alcançaram nenhum número respeitável.

Apresentação em Bath


Apesar da baixa venda de Marrying Maiden, o It's A Beautiful Day continuava sendo requisitado para os festivais. Em 27 de junho de 1970 o grupo participou do The Bath Festival, ao lado de gigantes como Led Zeppelin, Pink Floyd, Santana e Frank Zappa.


O Woodstock holandês

Também no final de junho, ao lado do Floyd, Santana, Canned Heat, T. Rex, Family entre outros, o grupo participou do festival Stamping Ground - Holland Pop Festival, conhecido como Woodstock holandês, com uma apresentação delirante para mais de 350 mil pessoas em Rotterdam. Parte dessa apresentação pode ser conferida no DVD oficial do espetáculo, onde o grupo comparece com duas canções: "Open Up Your Heart", onde o filme mostra imagens do pessoal já na ressaca do festival, e a arrepiante e assustadora performance para "Wasted Union Blues", onde um temporal sem dimensões começa a cair no local do evento exatamente quando David começa seu solo. Debaixo de muito vento, raios, trovões e chuva pacas, o It's A Beautiful Day levanta a galera com um solo fantástico, enquanto as faces de David e Pattie (que inclusive ganha belos closes de suas pernas) são iluminadas pelos raios que estouram por toda a parte. Absurdamente insano!


A fantástica caixa trazendo os últimos dias do Fillmore

Após a sequência de shows, o grupo sofreu uma nova reformulação, com Tom Fowler (ex-Frank Zappa) e Bill Gregory substituindo Mitchell e Hal respectivamente. A estreia de ambos ocorre em 1971, no programa de rádio KSAN. Em julho, o grupo faz seus últimos shows no Fillmore West, deixando registrado no filme Fillmore e na caixa Fillmore: The Last Days uma magistral versão de quase 10 minutos para "White Bird".


O meio bom, meio médio disco do camelo

Entram em estúdios com a sensação de que o grupo estava perto do fim, e então gravam o derradeiro Choice Quality Stuff / Anytime. Lançado em 1971, o álbum que também é conhecido como "o disco do camelo" foi dividido em duas partes, e que caracterizam duas sonoridades bem distintas. O lado A, intitulado Choice Quality Stuff, é pesado e bem trabalhado, abrindo com "Creed of Love", onde o riff da guitarra e do baixo, seguido pelo violino, trás os vocais de David com as vocalizações de Pattie, em um ótimo hard que tem um dos grandes refrões da carreira do grupo, além de um ótimo duelo entre Bill e David.

"Bye Bye Baby" é um agitado blues que trás ao disco o que o It's A Beautiful day gostava muito de fazer em suas apresentações. A letra dessa canção é cantada por Pattie e David, e mais uma vez o solo de Bill é o destaque, dividindo espaço com o piano e com o violino cheio de efeitos de David.

A instrumental "The Grand Camel Suite" mantém o bom nível, com a guitarra e o violino fazendo o riff principal, levando a cadência do violino e do órgão com uma cozinha bem southern rock, para então termos os solos de David, Bill e também participações de vocalizações e violão.

"No World For Glad" tem uma bonita introdução ao piano, para então surgir o violino e a voz de David cantando a primeira estrofe da letra. Pattie faz a segunda estrofe e ambos cantam o hardiano refrão, onde Bill manda ver em mais um bom solo. David toca flauta nessa canção, e a sequência da letra se dá agora com a inversão na ordem das estrofes de Pattie e David.

O funk psicodélico de "Lady Love" vem a seguir, com ótima participação do baixo e do órgão, lembrando muito canções da Experience de Jimi Hendrix principalmente pelo ritmo e pelo baixo de Tom durante o solo de Bill.

Falando em ritmo, os percussionistas Jose Chepito Areas e Coke Escovedo e mais o tecladista Gregg Rolie, ambos do grupo Santana, participam da faixa "Words", uma paulada que não poderia deixar de lembrar as canções do Santana, com os vocais sensuais de Pattie que chamam bastante a atenção do ouvinte logo na primeira estrofe. David canta a segunda parte e entramos no fantástico solo de Gregg, seguida pela sequência percussiva puramente santana, levando a conclusão da faixa e ao encerramento do lado Choice ...

O lado Anytime já é bem mais calmo, abrindo com "Place Of Dreams", com a guitarra dedilhando entre notas de violino para trazer os demais instrumentos e os vocais de David, em uma canção bem sessentista.

A instrumental "Oranges & Apples", com seu órgão, violino e o trompete de Bill Atwood, lembra canções latinas em seu tema principal, com destaque apenas para o solo de órgão, seguida por "Anytime", onde Atwood participa novamente tocando os metais que fazem o tema principal. David canta outra leve e dançante canção, que tem o ponto alto no solo de saxofone feito por Atwood.

"Bitter Wine" trás de novo o pessoal do Santana, e o embalo é retomado em uma faixa que é cantada por Pattie e David juntos, encerrando o álbum com a ótima "Misery Loves Company", onde o estrondoso início da guitarra de Bill apresenta os vocais de David com as vocalizações de Pattie ao fundo. Bill é o destaque, solando como nunca, e a letra é retomada com um pique excelente, levantando a moral do álbum e do ouvinte.

A engraçada capa com o camelo andando pelo deserto e se imaginando dirigindo um carrão entre vários parceiros de corcovas, foi feita por George Benett, e chegou a causar alguma polêmica nos EUA por apresentar os testículos do mamífero. Somente um single foi lançado, com "Anytime" / "Oranges and Apples" (1972), que também não fez nenhum sucesso.


O ótimo e delirante ao vivo
Após o lançamento de Choice ..., o grupo partiu para mais uma turnê, a qual ficou registrada no fantástico At Carnegie Hall, lançado em 1972, contando com bombásticas interpretações para clássicos como "Bombay Calling", "Hot Summer Day" e "White Bird".


O último álbum, já sem David LaFlamme

O grupo continuou excursionando por mais alguns meses, até que David largou a banda por problemas contratuais e foi seguir em carreira solo. Patti, Val, Bill e Fred tocaram o barco com Bud Cockrell (baixo) e Greg Bloch (violino), lançando o bom It's A Beautiful Day ... Today em 1973, que contém ótimas canções como "Creator" e "Ain't That Lovin' You", mas que não apresenta a mesma sonoridade dos álbuns anteriores. Em 1974, o anúncio oficial do It's A Beautiful Day era feito.


A última formação do grupo


Em 1976, David regravou "White Bird", alcançando a posição # 89 nas paradas da Billboard, a maior que uma canção do grupo já obteve até então. David seguiu em uma carreira solo sem muito sucesso, fazendo shows e sempre tocando canções do It's A Beautiful Day. Inclusive, erroneamente existe em alguns sites um vídeo como sendo do It's A Beautiful Day em uma apresentação em um festival em 1978, o que na verdade não é fato. aquela é sim uma apresentação da banda de David, e não do It's A Beautfiul Day. Os demais membros do grupo permaneceram na obscuridade durante algum tempo.

Em 14 de dezembro de 1989, a linda Pattie Santos morre em um trágico acidente de carro. No enterro da vocalista, o re-encontro dos membros fundadores (a menos de Linda LaFlamme) faz surgir a ideia de re-ativar o grupo, ainda mais pela busca crescente de adolescentes atrás de mais canções da banda que inspirara uma das principais obras do Deep Purple, já que Ian Gillan havia declarado a importância do It's A Beautiful Day para a inspiração de Jon Lord.

Um ano depois, Fred Webb falecia, e novamente o contato entre Val e David dava origem a uma volta do grupo. Então, o It's a Beautiful Day voltava a ativa em 1997, ora com o nome original ora como David LaFlamme Band, apresentando David e Val da formação original, mais a nova esposa de David, curiosamente também chamada Linda LaFlamme, Toby Gray (baixo), Gary Thomas (teclados) Rob Espinosa (guitarras) e Michael Prichard (percussão).


Cartaz de divulgação de show nos anos 2000

Em 2001, a violinista Vanessa-Mae registrou uma versão para "White Bird", e pasmem, a canção alcançou a posição # 66 nas paradas inglesas. "White Bird" tornou-se um símbolo do grupo e, ao lado de "White Rabbit" (Jefferson Airplane), é uma das canções mais lembradas pela geração que vivenciou o famoso verão do amor e seus dias decorrentes, sendo uma das canções mais regravadas por outros artistas na história do rock.


It's A Beautiful Day hoje 

O It's A Beautiful Day permanece na ativa, fazendo excursões de divulgação dos velhos clássicos do grupo, assim como tantas outras bandas da época fazem na década atual, porém sem compor material novo, apenas resgatando velhas canções dos maravilhosos dias do grupo.
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