quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Ouve Isso Aqui: Bandas Satíricas



Por André Kaminski

Tema escolhido por André Kaminski

Com Davi Pascale, Fernando Bueno e Mairon Machado

Letras ridículas, tiração de sarro, temáticas bobagentas… esse é o tema desta edição. Na época em que fui sorteado para escolher o assunto, eu estava justamente ouvindo o Massacration e me veio aí a ideia de comentarmos sobre bandas que escolhem o lado do humor como temática de suas letras. Seja tirando sarro do estilo que escolheram para tocar, ou mesmo de outros gêneros musicais, as bandas satíricas podem não se esmerar muito em suas produções ou em sua técnica, mas com certeza divertem e divertiram muito os seus fãs. Conhece mais delas? Recomende mais algumas nos comentários!



Mamonas Assassinas – Mamonas Assassinas [1995]

André: Passam-se os anos e não tem jeito, seu único disco de estúdio continua me divertindo com suas paródias, tiradas bem feitas e bom humor. “Vira Vira”, “Jumento Celestino”, “Lá vem o Alemão” e tantas outras canções das quais a inspiração eram os estilos brasileiros em alta nos anos 90 misturadas a um rock pesado e divertido. Fico imaginando o que eles iriam tirar sarro se estivessem vivos. Certeza que ali pelo fim dos anos 90 seria o samba do É o Tchan, as boybands e aquelas bandas frescurentas de britpop, nos anos 2000 seria o emo e as cantoras pop, e na década atual o sertanejo universitário, os rappers e as cantoras de axé. Isso é claro se a banda não rompesse antes devido ao sucesso subir a cabeça. Uma pena mesmo, fica só na imaginação.

Davi: Muito bacana essa lembrança. Não apenas vivi a explosão do fenômeno, como curti bastante na época. Tive, inclusive, a felicidade de assisti-los ao vivo. Esse disco é bem inteligente e muito bem feito. Os rapazes satirizavam diversos estilos de música: pagode, sertanejo, música brega… Tudo costurado com a base do rock n roll e o vocal sempre irônico do Dinho. Um dos motivos da formula ter funcionado tão bem é que eles eram genuinamente engraçados. Nas entrevistas com os músicos, ria-se tanto quanto na audição do disco. As letras, politicamente incorretas ao extremo, eram muito bem sacadas. O medo que eu tinha é que, como eles caíram nas graças da criançada, que acabassem ficando infantilizados. Infelizmente, nunca saberemos o que iria acontecer no segundo trabalho, mas as boas lembranças ficam… Momentos de destaque: “Chopis Centis”, “Mundo Animal”, “Robocop Gay” e “Bois Don´t Cry”.

Fernando: Os Mamonas Assassinas foram um fenômeno. Eles conseguiam unir crianças, adolescentes adultos que gostavam de todos os estilos musicais possíveis. Suas misturebas musicais passavam desapercebidas pois o que todo mundo queria ouvir mesmo eram as piadas e sacadas geniais, apesar de politicamente incorretas. Aliás, fico me perguntado como seria se uma banda assim surgisse hoje em dia. Acredito que a patrulha não deixaria ser a sensação que foi na época. Também penso como seria se não tivessem tido aquele fim horrível. Um segundo disco poderia manter as coisas em alta, mas não sei se conseguiriam fazer sucesso por muito mais do que isso pois um dos trunfos que tinham era o fator novidade.

Mairon: O que eu precisava comentar sobre esse MAGNÍFICO disco já foi dito aqui e aqui. Não tenho nada o que tirar nem pôr.


Lordi – Get Heavy [2002]

André: A primeira vez que ouvi esta banda e este disco, logo após a sua vitória na Eurovision de 2006, foi paixão logo de cara. Divertidos, engraçados, com clipes toscos e fantasias ainda mais e fazendo um hard rock pesado com influências de Kiss e Gwar e refrãos grudentos, é basicamente tudo o que mais gosto em um hard rock. Tirando sarro de filmes de terror, do rock e de monstros, o Lordi me cativa com a sua sonoridade moderna mas com um quê de datado dos anos 80.

Davi: E finalmente parei para ouvir um álbum do tão falado Lordi. O grupo sempre foi muito comparado ao Kiss, mas nunca vi muita semelhança. O visual deles me lembra mais o Gwar do qualquer outro grupo. E a sonoridade deles é bem mais moderna utilizando-se de bastante teclados, samplers… A audição foi satisfatória, mas por todo o auê em torno deles, esperava um impacto maior. Os músicos são bons, o disco é bem gravadinho, as músicas são construídas de maneira correta, mas o vocal principal não me agradou tanto e senti falta de uma faixa realmente forte. Aquela que te cativasse e te fizesse ouvir de novo e de novo e de novo… Os backings são muito bacanas e remetem à cena hard dos anos 80, mas me fica a impressão de algo faltando… “Would You Love a Monsterman” e “Monster, Monster” são as minhas favoritas.

Fernando: O som do Lordi é tão bem feito que difícil até notar que é uma banda engraçadinha, pois para isso precisaríamos ter um inglês mais apurado e muita gente não presta atenção nas letras. Nas letras e visual é uma mistura de Kiss, Rod Zombie e Alice Cooper e pode animar qualquer festa sem problemas. Entretanto o disco cai bastante na sua segunda metade. Não ouvi o resto dos discos para saber se seguem o mesmo padrão.

Mairon: Sonzinho bacana que me lembrou muito as bandas de hard dos anos 90. Foi inacreditável quando eu percebi que era um álbum de 2002, e finlandesa ainda por cima.Mas sim, a banda é da década de 90. É um hard bem tocado, que dá para animar festas, com vocais bem trabalhados, instrumental ok, nada demais, e nada de menos. Não conseguia destacar uma música em especial, mas posso dizer que na maior parte do tempo, eu jurava que estava ouvindo algo do Ugly Kid Joe. Porém, o “recheio do disco” não me agradou (“Icon Of Dominance”, “Not the Nicest Guy”, “Hellbender Turbulence”) por culpa de uns teclados tinhosos, que não fizeram sentido nenhum para mim. Porém, quando “Biomechanic Man” começou a tocar, um sorriso se abriu automaticamente em meu rosto. QUE SONZEIRA!!! Uma das melhores músicas que conheci esse ano!! Não virei fã da banda, até por que não é um estilo que aprecio muito, mas não foi de forma alguma uma incomodação ouvir isso aqui, e obrigado André por me apresentar “Biomechanic Man”.


Massacration – Gates of Metal Fried Chicken of Death [2005]

André: Como filhote tardio da MTV brasileira que sou, adorava assistir Hermes e Renato, Total Massacration e tudo mais. Meu amigo comprou o disco logo que ele foi lançado e rimos muito ao som de “Metal is the Law”, “Evil Papagali” e “Metal Glu-Glu” com a participação mais do que especial do meu ídolo de infância, Sergio Mallandro. Sem contar a homenagem ao “The God Master” Costinha. O som é pouco trabalhado e até mesmo simplório, mas o bom humor e essas letras são demais. Bruno Sutter e o inesquecível Fausto Fanti (R.I.P.), agradeço demais por esta pérola da música brasileira.

Davi: Lembro quando o álbum foi lançado, muitos headbangers ficaram putos e muitos músicos ficaram incomodados com a brincadeira dos humoristas do Hermes e Renato. Já era esperado. Os caras conseguiram se infiltrar no circuito, sendo convidado para participarem de diversas publicações voltadas ao segmento, começaram a abrir shows de artistas internacionais (assisti eles 2 vezes: na edição do Live n Louder que trouxe o David Lee Roth ao Brasil e na primeira apresentação realizada pelo Twisted Sister por aqui). Mais do que isso, os caras foram direto na ferida. Pegaram todos os clichês do gênero. Desde o visual com cabelos compridos e roupa de couro até o discurso do metal acima de tudo e de todos. E o pior que o produto final era muito bom. Bem tocado, bem gravado e bem cantado (ops, gritado). Há realmente algumas letras que poderiam ser mais elaboradas (sim, entendi que são piadas), mas há algumas tiradas que são geniais como a introdução do cara narrando uma receita com voz demoníaca, o “ai, ai, ai, em cima, embaixo, puxa e vai”, “a passagem é 1 real”, mas nada supera o refrão de “louro quer biscoito”. É um disco que ainda me diverte…

Fernando: O que eu acho de mais legal do Massacration é que a sátira que faziam/fazem pega na veia dos estereótipos do metal, mas com uma visão de quem é do meio e não de alguém de fora. Alguns dos elementos podem até passar desapercebidos para quem não ouve metal. Q questão do Deus Metal é uma delas. Já tive que explicar o motivo disso para amigos não iniciados. Por tudo isso muita gente torce o nariz pois sabemos que os fãs de metal muitas vezes não gostam que mexam em seu estilo sagrado. Várias bandas são fonte de inspiração ali, mas é inegável que o Manowar foi mais explorado. Mas como falei na crítica sobre o Mamonas Assassinas, acho que o fator novidade já não é mais o mesmo e isso diminuiu bastante a curiosidade que tinha sobre eles.

Mairon: Lembro que quando o Massacration surgiu, dava na cara para ver que a banda era uma piada. E óbvio, ao colocar Gates of Metal Fried Chicken of Death para rodar, de cara já ouvimos a “receita de bolo” de forma demoníaca sendo entoada, e as risadas começam de cara. O riff do “ai, ai ai ai, em cima embaixo puxa e vai” marcou muitas festas roqueiras país a fora. “Metal Glu-Glu” é sensacional!!! “Metal Dental Destruction” é uma das piadas mais criativas já feitas no mundo do Metal. “Feel the Fire… From Barbecue” é uma sonzeira desgraçadamente matadora. Diversão garantida do início ao fim, muito bem tocada e muito bem cantada (Detonator para mim tem uma baita voz, e joguem as pedras). Quem acompanhou a MTV nos anos 2000 viveu uma fase única do canal. Além do programa do Hermes e Renato, era impossível não se deleitar de risos com Rock Gol, Fudêncio e o Top Top MTV. Era uma maravilha!! Acho que nunca tinha ouvido esse disco em sua integridade, e foi com muitas risadas e apreço que curti o segundo melhor álbum dessas recomendações. “Loiroooooooooo, loiro quer biscoitooooooooooooooooooooooooo!!!!!”


Dethklok – The Dethalbum [2007]

André: Tirando uma com o death metal, o Dethklok surgiu baseado em um desenho que passava no Cartoon Network chamado Metalocalypse. O desenho fez uma espécie de “sucesso cult” e isso fez com que Brendon Small (criador do desenho e o líder vocal aqui) compusesse canções parodiando os clichês do heavy e do death metal. Gene Hoglan do Dark Angel maceta a bateria aqui em canções como “Murmaider” (que inspirou esta animação incrível do Batmetal) e “The Lost Vikings” (tirando uma com o viking metal). O desenho acabou e com isso a banda também se foi. Mas surpreendentemente, Brendon Small retornou com a banda para um show ainda este ano no Adult Swim Festival que será em novembro. Na torcida para que ele volte a compor nesse projeto e lance um disco novo.

Davi: Esse eu não conhecia. Pelo que entendi, o álbum foi criado como trilha de uma série televisiva. A banda foi criada por conta do programa. Ou seja, em outras palavras, trata-se de um Monkees do mal. A sonoridade deles é mais puxada pro death metal melódico. Brendon Small, conhecido no mundo das animações, é o responsável pela execução de guitarra, baixo, voz e teclado. Continuo não curtindo muito esse tipo de vocal, gutural ao extremo, mas achei o trabalho dele razoável, dentro do gênero. Para quem não é um cantor profissional, está ok. O trabalho de guitarra é bem elaborado e conta com bons riffs. Para gravar a bateria, Brendon recrutou o experiente Gene Hoglan, logo, não preciso dizer que está bem tocada. Esse cara é monstro… Em resumo: o disco é bem feito, mas achei a audição cansativa. Não me cativou…

Fernando: Não conhecia, mas só de ter Gene Hoglan na bateria já me fez querer ouvir com mais atenção. A banda na verdade é uma dupla com Brendon Small fazendo todo o resto. Porém perdi o interesse rapidinho. Algumas ideias legais aqui e ali, mas no geral dificilmente voltarei a ouvir.

Mairon: Os caras resolveram fazer sátira com Death Metal, e o resultado, é essa coisa aqui. Instrumentalmente, um trabalho impecável, com belas linhas de guitarra e uma bateria monstruosa. O problema é o vocal. Que coisa chata esse gutural irritante, que parece que o cara está com a garganta totalmente irritada. Tortuoso ouvir 50 minutos dos vocais. Quando ficava só instrumental, joinha, mas cada vez que entrava o vocal, tinha vontade de torcer o pescoço do André. Enfim, espero nunca mais ouvir algo similar a isso.


Austrian Death Machine – Total Brutal [2008]

André: Eu gosto de thrash metal. E eu gosto dos filmes do Arnold Schwarzeneger. Os dois juntos me divertiram demais. Várias músicas aqui contém frases icônicas do ex-Governator, além das referências aos filmes com sua participação. Tim Lambesis fez uma homenagem engraçada demais ao lendário ator e as vinhetas com Chad Ackerman imitando Arnold ficaram muito hilárias. Some isso a um thrash pesado e curta não só esse, mas os outros dois discos que foram lançados nos anos subsequentes.

Davi: Outro projeto que não conhecia. Esse eu já achei mais bacana. Capitaneado pelo Tim Lambesis (As I Lay Dying), aponta para uma sonoridade mais thrash. Disco pesadaço, trabalho vocal bacana. Agressivo, mas inteligível. Esse tipo de vocal, já curto. O álbum, na realidade, é uma homenagem ao ator Arnold Schwarzenegger. As letras são todas inspiradas em filmes do ator como O Último Grande Herói, Exterminador do Futuro, Um Tira No Jardim da Infância, etc. Essa é a razão do desenho dele estampar a capa do álbum e também de terem contratado Chad Ackerman para uma imitação do ator, utilizada como vinheta entre as faixas. A imitação é a pior do mundo, não engana nem uma criança de 3 anos. Comentários como “você acha que tudo soa o mesmo? É claro que soa o mesmo porque é tudo brutal” também são ridículas e dispensáveis, mas as músicas são muito boas. Agora, não sei se é do arquivo que peguei, mas tem várias faixas onde o volume cai um pouco no meio da música e depois volta. É assim mesmo? De todo modo, é um álbum divertido.

Fernando: Outro que não conhecia. Gostei demais da capa que casou perfeitamente com o som remetendo ao thrash oitentista. Nunca gostei do chamado crossover thrash e aqui temos bastante influência. Também temos umas pitadas aqui e acolá de new metal, que também não me agrada, mas no todo gostei mais do que o Dethklok.

Mairon: Sempre tento analisar as audições de bandas satíricas de duas formas: desprezando o conteúdo lírico; prestando atenção no instrumental. O Austrian Death Machine musicalmente é impecável. O cérebro do projeto é Tim Lambesis, malucaço que toca todos os instrumentos do disco, com exceção dos solos de guitarra e alguns outros poucos instrumentos, já que o disco é repleto de convidados. E cara, ele toca tudo MUITO BEM. O disco soa ótimo nos ouvidos, um thrash metal na linha Anthrax. É paulada atrás de paulada, com destaque para arranjos interessantes (“Here Is Subzero, Now Plain Zero” e “I Am a Cybernetic Organism, Living Tissue Over (Metal) Endoskeleton”) e quebra-pescoços formidáveis (“It’s Not a Tumor”, “Rubber Baby Buggy Bumpers” e “Who Is Your Daddy, And What Does He Do?”). A ideia de usar o Arnold Schwarzenegger como influência pode tranquilamente ser abstraída ao longo da audição. E em termos de dar risada, o encerramento com “Not So Hidden Track” é simplesmente hilário!!! Os momentos em que há “a voz de Arnold” aparecendo são passáveis, e não comprometem à música, apenas trazendo essa satirização estabelecida pelo projeto. Gostei do que ouvi, mas não irei colocar nas prateleiras.

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Livros: Novos Baianos (A História Do Grupo Que Mudou a MPB) [2014]


Luiz Galvão é um dos mais renomados poetas, diretores e letristas de nosso país. Ao lado de Moraes Moreira, Paulinho Boca de Cantor e Baby Consuelo (hoje do Brasil), fundou no início dos anos 70 o grupo Novos Baianos, que simplesmente redefiniu a Música Popular Brasileira ao unir samba, rock, frevo e diversos outros estilos em um som único. Isso gerou clássicos atemporais, tais como "Preta Pretinha", "Mistério Do Planeta", "Tinindo, Trincando", "Quando Você Chegar", "Swing de Campo Grande", entre outras grandes obras regravadas de outros artistas, como "Brasil Pandeiro" (Assis Valente), "Na Cadência do Samba" (Ataulfo Alves e Paulo Gesta), "Brasileirinho" (Pereira Costa e Waldir Azevedo) e "O Samba Da Minha Terra" (Dorival Caymmi), só para citar alguns.

A história de essas e outras grandes canções do grupo, bem como da vida particular de Luiz Galvão, e claro, curiosidades advindas dos baianos, é registrada no livro Novos Baianos (A História do Grupo Que Mudou A MPB), lançado em 2014 pela editora Lazuli. O contexto central é uma ampliação de Anos 70 Novos Baianos, lançado pela editora 34 em 1997, com mais histórias e também uma atualização (e imagens) sobre a banda pós tal livro, já que ainda em 1997, o Novos Baianos fez uma reunião que acabou resultando no ótimo disco ao vivo Infinito Circular (1998).


Para quem é fã do grupo por conta dos seus principais álbuns (no caso, o clássico e insuperável Acabou Chorare - 1972, e Novos Baianos F. C. - 1973), irá se deliciar com o autor das letras contando a origem e a inspiração para a criação de sua obra. Galvão narra com detalhes o que significam, por exemplo, a abelha abelhinha de "Acabou Chorare", por que enquanto corria a barca eu ia lhe chamar em "Preta, Pretinha", as travessuras do moleque brincando de velho, me chamando de Pedro em "Quando Você Chegar", entre outras histórias de canções menos memoráveis, tais como "De Vera" (primeira parceria com Moraes), “Dona Nita e Dona Helena”, “Só Se Não For Brasileiro Nessa Hora”, "Ferro Na Boneca" ou "Escorrega Sebosa".

O primeiro show da banda, no Teatro Vila Velha em setembro de 1969, participação defendendo "De Vera" no Festival da Record do mesmo ano (onde nasce o nome Novos Baianos), os complicados dias vivendo em São Paulo, a influência do chorinho nas composições do grupo, bem como a criação dos primeiros Trio Elétricos na Bahia, são alguns dos grandes êxitos que Galvão traz para o leitor. Até mesmo os filhos dos novos baianos são apresentados como nomes representantes da MPB.


O livro não segue uma ordem cronológica, mas de fácil leitura, nos surpreende ao longo de suas 300 páginas com histórias pessoais de Galvão, que envolvem desde os problemas com drogas e diversos relacionamentos com muitas mulheres, até ancorar no porto milagroso da esposa Janete, os conflitos políticos e sociais com a ditadura, e as peladas clássicas na Vargem Grande, onde o grupo se instalou em regime comunitário, jogando muito futebol e perdendo muito dinheiro. Vale ressaltar que mesmo assumindo que consumia maconha como uma atividade rotineira, o autor revela que abandonou as drogas há muito tempo, e que quando percebeu o mal que as mesmas fazem, arrependeu-se de ter usado as mesmas. Acho interessante que ele fala abertamente sobre isso, sem problemas.

Agrônomo de carteirinha, mas poeta de coração, Galvão acabou criando uma grande amizade com recém finado João Gilberto, que acabou apadrinhando ele e os amigos baianos no Rio de Janeiro, cidade onde os Novos Baianos fizeram fama, ainda mais com a introdução dos membros do grupo Os Leif’s, de onde surgiram Pepeu Gomes, Dadi e Jorginho (guitarrista, baixista e baterista respectivamente). Tudo isso também está apresentado com riqueza de detalhes e muito bom humor. Aliás, o relacionamento de Pepeu e Baby também entra na jogada, mas em nenhum momento trazendo babados ou polêmicas, sempre com muito respeito e zelo pelos colegas, assim como todas as citações aos demais membros da banda. Mesmo a saída de Moraes Moreira é tratada de forma ocasional, como algo natural perante o momento que o músico vivia em 1975.


Além das páginas com a história narrada por Galvão, temos também a presença da Discografia e todas as letras das canções registradas pelo Novos Baianos, duas entrevistas feitas pelo autor (uma com Capina e outra com Rogério Duarte), o Um Apêndice Que Resiste Á Cirurgia, com letras inéditas de Galvão e também imagens da carreira do grupo, bem como um texto do ex-presidente José Sarney, publicado na Folha de São Paulo de 25 de abril de 2003, enaltecendo as virtudes e importância do Novos Baianos para a cultura brasileira.

Por outro lado, o livro peca ao praticamente eximir-se de contar a história da banda pós-saída de Moraes, deixando uma sensação de que a banda acabou do nada, mas é um mero detalhe. Afinal, para um grupo tão importante quanto o Novos Baianos, é impossível dizer que sua história um dia irá acabar.

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Maestrick - Espresso Della Vita • Solare [2018]



Como é bom quando recebemos um material de uma banda que já conhecemos, e melhor ainda quando esse material te surpreende positivamente. Há alguns anos, o Maestrick figurou nas nossas páginas através do EP The Trick Side Of Some Sons, na qual o trio paulista homenageia diversos baluartes do rock clássico, e que, como muito bem resenhado pelo Micael em tal oportunidade, tornava-se difícil de ouvir sem uma comparação a sério com os homenageados, com o Maestrick ficando muuuuuuuuuuuito aquém em todas as canções.

Pois eis que o tempo passa, e o grupo formado por Fabio Caldeira (vocais, piano, teclados), Renato "Montanha" Somera (baixo, vocais guturais), Heitor Matos (bateria, percussão), faz uma série de nove apresentações na Europa no ano passado, quando visitou Suíça, Itália, Polônia e República Tcheca, e lança Espresso Della Vita • Solare, que causou um alvoroço muito grande aqui e lá fora. Honestamente, consigo facilmente entender o alvoroço que muitos canais da imprensa especializada fizeram para o trio, já que o disco ocupou a primeira posição como Melhor Disco de 2018 nos sites O Subsolo e Gaveta de Bagunças, e a segunda posição de Melhor Disco de 2018 pela rádio Cangaço Rock e nos sites Road To Metal, Terreiro do Heavy Metal e Metal na Lata. Até a japonesa BURRN! avaliou o disco com a nota 86/100, a frente de gigantes como Anthrax e Spock's Beard.



Espresso Della Vita • Solare é a primeira parte de um disco duplo conceitual e traz uma observação da vida humana pela perspectiva de uma viagem de trem. Ele conta com a participação do guitarrista e produtor Adair Daufembach, além de uma série de convidados, destacando a Solare Choral (um coral formado por 3 sopranos, 5 altos, 5 tenores e 3 baixos), e a Solare Orchestra (4 violinos, 1 viola, 1 violoncelo, flauta e tímpano).

O álbum começa com a vinheta "Origami", uma espécie de "Overture" para a jornada musical que irá ser apresentada por pouco mais de uma hora e dez minutos, com destaque para a bateria de Matos. "I A. M. Living" traz o baixo de Somera em evidência, e a parte instrumental chama a atenção novamente pelo belo trabalho de bateria, além da guitarra fazer seu serviço com perfeição. Aqui há a participação do coral e da orquestra, mostrando ao ouvinte que os brasileiros vieram com grandiosidade. Boa faixa para apagar de vez qualquer má-vontade que possa ter ficado anteriormente.


"Rooster Race" começa com um lindo dedilhado de viola caipira feito por Caldeira, e até a participação de um berrante (Neemias Teixeira), em uma faixa veloz, que mistura heavy metal com elementos da música caipira, também muito boa de se ouvir. O piano e o ritmo dançante de "Daily View" mudam totalmente a sonoridade do álbum. Com vocalizações muito bem encaixadas e a suavidade sonora, parece que estamos ouvindo aquelas canções que o Queen usava para preencher seus discos no início da carreira, como "Seaside Randezvous", "Good Old-Fashioned Lover Boy", entre outras. A orquestra aparece com força em "Water Birds", que lembra bastante Sagrado Coração da Terra, divergindo apenas durante o belo solo de Daufembach.

"Keep Trying" é um som mais acessível, não tão pesado, lembrando bastante o grupo Apocalypse, e que traz criatividade ao citar, na letra, discos e canções do Rush. O coral introduz a suíte "The Seed". Dividida em doze partes, é uma faixa de quinze minutos, daquelas que você deve parar tudo que está fazendo para apreciar suas variações, e principalmente, o exímio trabalho de guitarra, baixo e bateria. Sensacional!! O baixo galopante de "Far West" mostra influências country junto ao peso metálico, em mais uma canção bastante criativa.


O lado acústico da Maestrick aparece na balada gospel "Across The River", mudando novamente o direcionamento musical do álbum e mostrando mais diversidade na música dos paulistas. "Penitência", única canção em português, traz um complicado repente feito por Moacir Laurentino e Sebastião da Silva, e em nada se assemelha ao que já tínhamos ouvido anteriormente nesse disco. Parece outra banda em outro mundo musical, misturando peso com o ritmo nordestino. Genial! Voltamos às lembranças do Apocalypse em "Hijos de La Tierra", trazendo parte da letra em espanhol e elementos latinos. O álbum encerra-se com a mini-suíte "Trainsition", uma faixa suave levada pelo riff do piano (martelando na cabeça por algumas horas) em uma longa e envolvente introdução, que nos apresenta mais uma canção bastante trabalhada, para fechar tranquilamente um álbum que nos dá muito o que pensar.

Primeiro, como é bom ver que o Maestrick é outra banda quando compõe suas próprias canções. Bom gosto e muita técnica são os destaques. O bom gosto, principalmente, aparece não só na qualidade das harmonias e composições, mas também no luxuoso encarte de mais de 20 páginas que acompanha o CD, lançado no formato DIGIPACK. O guitarrista Adair Daufembach bem que poderia manter-se fixo. Seu trabalho é impressionante, e eleva a qualidade do álbum em muitos pontos. Por fim, resta aguardar Espresso Della Vita: Lunare, e esperar que o trio continue com o bom gosto musical, investindo nas suas composições e desistindo de coverizar clássicos.


Track list

1.  Origami
2 I A. M. Living
3 Rooster Race
4 Daily View
5 Water Birds
6 Keep Trying
7 The Seed
8 Far West
9 Across The River
10 Penitência
11 Hijos De La Tierra
12 Trainsition



Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...