quinta-feira, 18 de julho de 2024

Vários Artistas - The Bridge School Concerts Vol. One [1997]

Em 1986, o casal Neil e Pegi Young fundaram a The Bridge School, uma organização sem fins lucrativos que ajuda crianças com problemas físicos e de fala, incluindo paralisia cerebral. A ideia veio após o nascimento do filho do casal, Ben Young, que nasceu com a doença. O casal buscava por escolas que auxiliassem o menino a se desenvolver, mas acabaram esbarrando e frustando-se com o que havia no geral, e assim, criaram a organização. Apoiados por diversos amigos, principalmente Jim Foreder e Dr. Marilyn Buzolich, os Young passaram a realizar uma série de concertos beneficentes para angariar fundos, os quais foram batizados de The Bridge School Concerts, os quais ocorreram anualmente entre 1986 e 2016, a maioria no Shoreline Amphiteather na Califórnia (somente em 1987 o concerto não foi realizado), até que em 2017, com o divórcio do casal, os shows deixaram de ocorrer. 

Em 1997, comemorando os dez anos da fundação da organização, saiu uma compilação com algumas das principais atrações que participaram dos eventos, através do CD The Bridge Concerts Vol. One. São 15 músicas no total, com vários artistas que trazem versões acústicas bem especiais e raras, e que alegram os fãs que curtem ouvir velhos clássicos de uma maneira um tanto quanto diferente (os anos das apresentações registradas acompanham o nome da faixa no track list abaixo).

Neil Young, Pegi Young e seus filhos

O CD começa com o próprio Yong, empunhando violão e gaita para mandar ver em uma bela versão de "I Am a Child", rara canção que saiu na coletânea tripla Decade. Seguimos com Tom Petty e "Shadow of a Doubt (A Complex Kid)", oirignalmente registrada no álbum Damn The Torpedoes (1979). É impressionante como o estilo de cantar de Petty lembra muito o de Bob Dylan e o destaque aqui é a velocidade do ritmo do violão. Ambas apresentações são de 1986. Da apresentação de 1988, temos a espetacular Tracy Chapman trazendo seu vozeirão e o violão para entoar uma das peças mais belas do CD, "All That You Have is Your Soul", que viria a aparecer no ano seguinte no álbum Crossroads. Aqui, temos um dedilhado é encantador, assim como a fabulosa e emotiva interpretação da cantora, que vivia o auge de sua carreira. 

O CD pula para 1995, com o The Pretenders, acompanhados da The Duke String Quartet (quarteto formado por dois violinos, viola e cello) fazendo uma animada versão de "Sense of Purpose", do álbum Packed! (1990), mas que ficou mundialmente conhecida pela versão igualmente acústica, mas sem cordas, de The Isle of View (1995). Seguimos no mesmo ano com Beck e "It's All In Your Mind", faixa que é a que menos me atrae no CD. O problema na de Beck para mim é sua interpretação morosa demais. Voltamos para 1993, e a surpreendente "The Road's My Middle Name", um fantástico blues saído das entranhas de nada mais nada menos que Bonnie Raitt, a qual além de cantar super bem, manda ver nos riffs e arpejos de blues, acompanhada pelo baixo e vocais de Johnny Lee Schell. O solo de Raitt aqui é outro ponto muito alto do CD.

David Bowie, em apresentação no The Bridge Concerts

Don Henley resgata "Yes It Is" do repertório beatle, com um belo arranjo vocal ao lado dos amigos Danny Kortchmar, Timothy B. Scmit, John David Souther e Jal Winding, levando o ouvinte novamente para o ano de 1986. Já do show de 1994, surge uma das faixas que mais surpreende em todo o CD, a qual é a adaptação de "Friend of the Devil", do Grateful Dead, que o Ministry faz. A banda, famosa por suas experimentações eletrônicas, e pais do metal industrial, surge totalmente despida, com Al Jourgensen sacudindo o violão, cantando a la Bob Dylan e mandando ver nesse veloz country rock totalmente incomum na discografia da banda. Certamente uma das melhores do disco. Os grandes Paul Simon e Art Garfunkel, acompanhados de banda, fazem uma interpretação visceral para "America", lindíssima, retirada do show de 1993. Para quem é fã do Yes, e nunca ouviu a versão original, certamente irá se surpreender com a delicadeza vocal da dupla. 

Outro ponto de ápice do CD vem com David Bowie e a fabulosa interpretação de ""Heroes"", do show de 1996, ao lado de Reeves Gabrels no violão e Gail Ann Dorsey no baixo e vocais. O interessante aqui são algumas adaptações que Bowie faz a letra original, como inserindo um trecho onde fala sobre problemas com álcool". O grandioso Pearl Jam apresenta, também do show de 1996, "Nothingman", de Vitalogy, numa bela versão acústica que nos remete, claro, a antológica apresentação da banda no Unpluged MTV. Já as irmãs Ann e Nancy Wilson vêm em 1993 com o projeto paralelo ao Heart, Lovemongers, fazendo uma versão fenomenal para "The Battle of Evermore", do Led Zeppelin. Para quem se entusiasma e/ou se emociona ao ver Robert Plant chorando ao ouvir a dupla cantando "Stairway To Heaven" no famoso concerto na Kennedy Center Honors, em dezembro de 2012, ouça o que elas fazem aqui e entendam um dos motivos de por que elas foram as escolhidas para fazer tal apresentação, com Nancy, em especial, dando um show a parte no mandolin, e claro, rememorando os doces vocais de Sandy Denny, deixando para a irmã o papel de Robert Plant.

Neil, Ben, Pegi e grande elenco em uma das apresentações

Depois do auge com as irmãs Wilson, a reta final cai um pouco, com Nils Lofgren e uma chorosa versão para "Believe", do show de 1991, destacando a participação especial da harmônica e vocais de Neil Young, Elvis Costello e a clássica "Alison", do show de 1990, e para levantar o ânimo da galera, Patti Smith e o mega-clássico "People Have The Power", da apresentação de 1996. Todas as faixas são ok, mas sério, depois da trinca Bowie, Pearl Jam e Lovemongers, o CD não necessitava seguir. 

Um volume 2 estava previsto, mas nunca saiu. Em 2016, a iTunes lançou um conjunto com 6 volumes com nada mais nada menos 80 canções retiradas das apresentações de 86 a 2016, mas daí já é outro tipo de prazer auditivo comparado com esse CD que facilmente você encontra em balaios e feirinhas de vendedores por um precinho especial, e que vale a pena levar para casa até para preencher aquele espaço que os colecionistas curtem de ter tudo que seu ídolo lançou. 

Contra-capa do CD

Track list

1. Neil Young – I Am A Child (1986)

2. Tom Petty – Shadow Of A Doubt (A Complex Kid) (1986)

3. Tracy Chapman – All That You Have Is Your Soul (1988)

4. The Pretenders & Duke String Quartet – Sense Of Purpose (1995)

5. Beck – It's All In Your Mind (1995)

6. Bonnie Raitt – The Road's My Middle Name (1993)

7. Don Henley – Yes It Is (1986)

8. Ministry – Friend Of The Devil (1994)

9. Simon & Garfunkel – America (1993)

10. David Bowie – "Heroes" (1996)

11. Pearl Jam – Nothingman (1996)

12. Lovemongers – Battle Of Evermore (1993)

13. Nils Lofgren – Believe (1991)

14. Elvis Costello – Alison (1990)

15. Patti Smith – People Have A Power (1996)

quarta-feira, 26 de junho de 2024

Cinco Discos Para Conhecer: As Parcerias de Gil


Gilberto Passos Gil Moreira, ou simplesmente Gilberto Gil, completa hoje 82 anos. Ministro da Cultura de Lula no período de 2003 a 2008, tendo inclusive sido responsável pela organização do gigante festival Viva Brasil Em Paris (2005), ao lado de Gal Costa, Daniela Mercury, Jorge Mautner entre outros, Gil é inegavelmente um dos maiores nomes da música nacional brasileira, e gostando ou não de suas canções, certamente você já ouviu ou reconhece clássicos de sua carreira logo na primeira audição. 

Um dos maiores arroz de festa da história, Gil tem em seu extenso currículo incontáveis projetos, participações especiais e shows ao lado de artistas do mundo inteiro. Essa lista de Cinco Discos Para Conhecer traz parcerias em duplas com cinco artistas renomados de nosso país, deixando espaço para os comentários trazerem outras sugestões de discos em duplas feitos por Gil, os quais eu admito que ficaram vários possíveis de fora. 


Gilberto Gil E Jorge Ben - Gil e Jorge Ogum, Xangô [1975]

Um dos discos mais experimentais da carreira tanto de Gil quanto de Jorge Ben. Aqui, o produtor André Midani largou os dois em um estúdio, acompanhados do baixista Wagner Dias e do percussionista Djalma Corrêa, para registrar e capturar a energia insana que a dupla já havia apresentado ao vivo no Phono 73 dois anos antes, e criar uma obra única. O clima é de improviso total, onde Gil (principalmente) e Jorge parecem se deliciar com as improvisações vocais e instrumentais. O álbum já abre com a inédita oração criada por Jorge Ben "Meu Glorioso São Cristóvão", com a dupla dividindo os vocais, mas certamente com Gil se destacando com suas vocalizações e falsetes, em uma das faixas mais curtas do álbum, "apenas" 8 minutos. Gil traz de seu baú as pérolas "Nega", cantada em inglês e com fortes influências de Bob Marley no estilo vocal, com mais de 10 minutos de duração, apenas com dois acordes ao longo de todo o improviso, a então inédita, e alucinante, "Jurubeba", com seus 12 complexos minutos de vocalizações e muita percussão, sendo algo muito interessante de se ouvir algo que praticamente foi criado ali, e a dupla "Essa É Pra Tocar No Rádio" e os insanos 13 minutos de "Filhos de Gandhi" (também inédita à época), com Gil sendo a principal atração na última, seja nos vocais seja no violão. Já dos arquivos de Jorge Ben brotam o gingado de "Quem Mandou (Pé Na Estrada)", sucesso com Wilson Simonal em 1973, o estonteante ritmo de "Morre O Burro, Fica O Homem", e principalmente os explosivos 15 minutos de"Taj Mahal", nos quais as experimentações vocais e o violão imparável da dupla, agora com apenas três acordes sendo mudados entre si, agitam as paredes da casa, sendo ambas as faixas de Ben (1972). Gil e Jorge interagem o tempo todo, vocal e instrumentalmente, tornando cada canção muito especial. É impressionante que a Phillips tenha tido culhões de lançar este disco duplo totalmente anti-comercial em 1975, mas não é impressionante o culto que o mesmo tem até hoje. Afinal, trata-se de uma das grandes obras da carreira de Gil, e por que não, da música nacional

Gilberto Gil (vocais, violões), Jorge Ben (vocais, violões), Djalma Corrêa (percussão), Wagner Dias (baixo)

1. Meu Glorioso São Cristovão

2. Nega

3. Jurubeba

4. Quem Mandou (Pé Na Estrada)

5. Taj Mahal

6. Morre O Burro, Fica O Homem

7. Essa É Pra Tocar No Rádio

8. Filhos De Gandhi

9. Sarro

Rita e Gil na turnê Refestança

Gilberto Gil e Rita Lee - Refestança [1977]

Gil e sua Refavela uniram forças com Rita Lee e a Tutti Frutti em uma turnê nacional durante outubro e novembro de 1977, registrada neste álbum que marca a primeira participação de Roberto “Zezé” de Carvalho em um disco da futura esposa Rita. O contexto da turnê surgiu um ano antes, quando a imagem da dupla ficou manchada por prisões porte de drogas (a de Gil inclusive sendo tratada com detalhes no documentario Os Doces Bárbaros). Os antigos parceiros de Tropicalismo criaram o projeto para poder reerguer suas carreiras. Cada um tinha seu espaço no show, e também apresentavam-se juntos. A Refavela traz toda a sua pimenta percussiva na inédita "Refestança", composição criada por Gil e Rita, abrilhanta a linda introdução de “Odara”, que havia acabado de ser lançada por Caetano no exclente Bicho (1977), e manda ver no peso em "É Proibido Fumar", de Erasmo e Roberto Carlos (até para ironizar o que aconteceu no anterior). O lado B do vinil é particularmente um show a parte de Gil, seja no gingado estilo Refazenda de “Eu Só Quero Um Xodó”, interpretando a inevitável “Ovelha Negra” da “comadre”, com grande tempero progressivo, ou comandando os vocais de Rita na clássica  "De Leve", versão abrasileirada de "Get Back", dos Beatles. Enquanto isso, a Tutti Frutti se apresenta junto de Gil e Rita dando bons ares roqueiros para “Back in Bahia”, “Giló”, ótima homenagem criada pela paulista para o baiano, e “Arrombou a Festa”, com uma divertida brincadeira de Gil e Rita na introdução, fazendo perguntas a plateia como se fossem repórteres. Destaque total para a arrebatante melhor canção do álbum, o resgate de “Domingo No Parque”, com Rita relembrando o Festival da Canção da TV Record de 1967, ao lado dos Mutantes, fazendo os backing vocals deste clássico que revelou o grupo para o Brasil, e aqui com um final apoteótico. Um ótimo disco inclusive em termos de qualidade na produção.

Gilberto Gil (guitarra, violão, vocais), Rita Lee (Vocais).

Refavela (Banda de Gilberto Gil)

Péricles Santana (guitarras), Moacir Albuquerque (baixo), Milciades Teixeira (Teclados), Carlos Alberto Chalegre (bateria), Lucia Turnbull (vocais de apoio), Willi (vocais de apoio), Djalma Corrêa (percussão)

Tutti Frutti (Banda de Rita Lee)

Luis Carlini (guitarras), Roberto de Carvalho (Guitarra, teclados, vocais), Lee Marcucci (baixo), Sergio Della Monica (bateria), Naila Scorpio (percussão)

1. Refestança

2. É Proibido Fumar

3. Odara

4. Domingo No Parque

5. Back In Bahia

6. Giló

7. Ovelha Negra

8. Eu Só Quero Um Xodó

9. De Leve (Get Back)

10. Arrombou A Festa

11. Refestança


Gilberto Gil e Milton Nascimento - Gil e Milton [2000]

Vários foram as parcerias de Gil nos anos 80 e 90, mas o salto para 2000 se deve justamente por este encontro gigantesco com o mineiro Milton Nascimento. Gil foi o responsável por apresentar Milton a Elis Regina, dando origem a uma série de grandes lançamentos da gaúcha qe revelaram o mineiro ao Brasil. Aqui, a dupla funciona super bem, mesclando seus estilos em uma peça única e exclusiva, e criando cinco novas faixas. Das cinco, para mim a melhor é a crítica ácida de "Sebastian", carro-chefe de Gil e Milton. Temos também "Trovoada", com seu ritmo nordestino no qual Gil canta a primeira parte da canção, deixando a segunda metade para Milton, acompanhado por uma interessante harmonia vocal, o rock cheio de críticas "Lar Hospitalar", em mais uma grande letra de Gil, e "Dinamarca",  com Milton ao piano e um espetacular arranjo por Wagner Tiso. Ok, esqueça a outra composição exclusiva de Gil e Milton para este disco, a caipira "Duas Sanfonas", com participação de  Sandy & Júnior, é muito fraca, concordo fortemente, assim como o baião "Baião Da Garoa" e o reggae destrutivo de "Something", que honestamente Gil, pra que você fez isso? Porém, é lindo ver Gil resgatando "Ponta De Areia (Theme)", pena que somente em vinheta, duelando com Milton na pérola "Canção Do Sal" (de Milton), ou emocionar junto do parceiro ao resgatar "Maria", de Luiz Peixoto e Ary Barroso, e principalmente "Dora", de Dorival Caymmin, com um esplêndido arranjo de cordas, e Bituca na sanfona. Já Milton traz toda a sua capacidade de interpretação para "Bom Dia" (de Gil e Nana Caymmi), acompanhado do Coro das Meninas do Colégio São José, fazendo um belo dueto vocal com Gil, e manda ver na reinterpretação de "Yo Vengo a Ofrecer Mi Corazón", de Fito Paez. "Xica Da Silva" (Jorge Ben) tem uma aura Santaniana para ninguém botar defeito, O disco rendeu uma boa repercussão de público e crítica quando da época do seu lançamento, além de uma extensa excursão que contou com apresentações, entre outras, no Rock in Rio III e no Festival de Montreux de 2001, e apesar de um pouco longo, vale a pena ser conhecido principalmente para quem curte a obra indiviudal de cada um dos artistas

Gilberto Gil (violão, guitarra, vocais), Milton Nascimento (vocais, violões, sanfona piano)

Sergio Chiavazzoli (guitarras), Wagner Tiso (teclados, piano), Arthur Maia (baixo), Alberto Contentino (baixo), Lincoln Cheib (bateria), Jorge Gomes (bateria), Naná Vasconcellos (berimbau)

Diversos outros músicos de estúdio

1. Sebastian 

2. Duas Sanfonas 

3. Ponta De Areia "Theme" 

4. Bom Dia

5. Trovoada

6. Something

7. Maria

8. Lar Hospitalar

9. Yo Vengo A Ofrecer Mi Corazón

10. Dora

11. Xica Da Silva

12. Canção Do Sal

13. Dinamarca

14. Palco "Theme"

15. Baião Da Garoa

Gil e Gal em Londres, 1971

Gilberto Gil e Gal Costa - Live In London Nov 25th 1971 [2014]

Gil e a musa da Tropicália possuem no mínimo 5 participações juntos (a saber: Tropicália Ou Panis Et Circensis - 68; Temporada de Verão - 74; Doces Bárbaros - 76; Trinca de Ases - 2018 e este aqui apresentado), além de Gil ter feito contribuições em álbuns da "Gaúcha" (como Gil apelidou Gal) como Gal Costa (1969), Gal (1969) e Cantar (1974). Este álbum é especialíssimo. O show no Student Centre da City University de Londres foi para alguns amigos e curiosos, e chegou ao mundo somente 40 anos depois. É um petardo para colocar o ouvinte na lona, em um clima que o próprio Gil define como "informal". Tudo começa calminho com "Coração Vagabundo", clássico da obra de Caetano gravada na estreia de Gal (junto de um ainda Caetano Velloso) Domingo (1967). Depois, o show desbanca para muitas improvisações e insanidades vocais / instrumentais, como já mostra a paulada "Sai do Sereno". Gil está super-feliz, conversando em inglês com a plateia, dando risadas em diversas vezes, vide a introdução de "Aquele Abraço" (dedicada a Dorival caymmi, João Gilberto e Caetano Veloso), e um espetáculo à parte com o seu violão, seja em "Oriente", "One O'Clock Last Morning, 10th April, 1970" ou "Como Dois E Dois", instrumento que Gal também se sai modestamente bem. Acompanhados de Tutty Moreno (percussão) e Bruce Henry (baixo), os baianos mandam ver em um show dividido em duas partes. A primeira tem Gal como atração central, levando a pequena plateia versões explosivas e recheadas de improvisos para "Chuva, Suor E Cerveja", "Vapor Barato" e o festivo Medley com "Maria Bethânia / Bota A Mão Nas Cadeiras". Ela está cantando como nunca aqui, deliciosamente sensual em "Falsa Baiana", "Dê Um Rolê" como só ela sabia ser (o que é ela se derrentendo por diversas vezes na frase "eu sou amor da cabeça aos pés"?) e o ápice do show de Gal,  "Acauã", onde ela explora sua voz de forma como você nunca irá encontrar em algum outro momento de sua carreira. A de se lamentar que por vezes, os vagidos vocais de Gil acabam diminuindo o clima que Gal traz sozinha. A segunda parte tem Gil enlouquecido, e é aqui que o bicho realmente pega. Giló está endiabrado em faixas longas e repletas de improvisos, tocando seu violão com uma agilidade ímpar, e claro, com muitas vocalizações maluquíssimas. Destacam-se os 8 minutos de "Expresso 2222" e "Procissão", os mais de 10 minutos de "Brand New Dream" e "Viramundo", essa com um longo solo de vocalizações e muita percussão, e os quase 12 minutos de muita insanidade em "Aquele Abraço", dando indícios do que viria a aparecer posteriormente no já citado Ogum, Xangô. Há espaço para as recriação abaianada de "Up From The Skies" (Jimi Hendrix) e a desconstrução de "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" (The Beatles). Vocais por vezes estourados, microfonia pegando, erros, um show legititamente ao vivo, e um registro único na carreira de ambos.

Gilberto Gil (vocais, violões), Gilberto Gil (vocais, violões), Bruce Henry (baixo), Tutty Moreno (bateria)

1. Coração Vagabundo

2. Sai Do Sereno

3. Vapor Barato

4. Como Dois E Dois

5. Dê Um Rolê

6. Medley: Maria Bethânia / Bota A Mão Nas Cadeiras

7. Chuva, Suor E Cerveja

8. Falsa Baiana

9. Acauã

10. Procissão

11. Brand New Dream

12. Expresso 2222

13. Aquele Abraço

14. Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band

15. One O'clock Last Morning, 20th April, 1970

16. Oriente

17. Up From The Skies

Gilberto Gil e Caetano Veloso - Dois Amigos, Um Século de Música / Multishow Ao Vivo [2015]

Caetano é sem dúvidas o maior parceiro musical de Gil. Ao lado do conterrâneo, são nada mais nada menos do que 8 lançamentos juntos e/ou com outros artistas (a saber, além deste aqui apresentado: Tropicália ou Panis Et Circensis - 68; Barra 69 - 72; Temporada de Verão - 74; Doces Bárbaros - 76; Brasil - 81; Tropicália 2 - 93; Especial - 2012), fora diversas apresentações e participações exclusivas em álbuns deles e/ou de outros artistas. Com mais de 50 anos de parceria, o clima é de desontração, como que se divertindo em plena sala. Assim, percebemos como essa parceria é afiada, seja nos acordes precisos dos violões (como Gil toca bem, barbaridade) ou nas harmonias vocais de "Andar com Fé", "Back in Bahia", "Eu Vim da Bahia", "É Luxo Só", "Nine Out of Ten" e "Nossa Gente (Avisa Lá)". É muito interessante Gil dando voz para clássicos de Caetano como "Coração Vagabundo", fazendo passagens sutis de violão em "Terra", ou batucando o violão durante "Sampa". Ao mesmo tempo, é um deslumbre ver eles resgatarem pérolas do repertório de Gil do porte de "Esotérico", "Filhos de Gandhi", "Marginália II", "Super Homem (A Canção)" e principalmente "Domingo no Parque". Como não curtir Gil brincando com a plateia em "Toda Menina Baiana", soturnamente batucar o violão cantando a tensa 'Não Tenho Medo da Morte" ou destruindo as mãos no violão da veloz "Expresso 2222",  além de emocionar cantando sozinho "Drão", de forma arrepiante. A dupla ainda traz sua primeira composição juntos, "É de Manhã", resgatam d'Os Doces Bárbaros "São João, Xangó Menino", fazem uma versão muito fiel ao original para a bela "Desde Que O Samba É Sama" (de Tropicália II), e criam o samba "As Camélias do Quilombo do Leblon" especialmente para este show, e fazem uma versão muito bela para "Come Prima". Falando em línguas estrangeiras, o que Gil faz em "Tres Palabras" é inexplicável! O mais interessante é que não há longos trechos onde os músicos aprensentam-se individualmente. Ambos dividem o espaço democraticamente, tornando o show uma peça realmente dos dois. Escolhi justamente o último lançamento da dupla principalmente por ser uma apresentação fenomenal desses gênios, apenas com violões, resgatando obras primas de seus vastos catálogos de criações, totalizando 28 (!) canções. 

Gilberto Gil (vocais, violões), Caetano Veloso (vocais, violões)

1. Back In Bahia

2. Coração Vagabundo

3. Tropicália

4. Marginália II

5. É Luxo Só

6. De Manhã

7. As Camélias Do Quilombo Do Leblon

8. Sampa

9. Terra

10. Nine Out Of Ten

11. Odeio

12. Tonada De Luna Llena

13. Eu Vim Da Bahia

14. Super Homem (A Canção)

15. Come Prima

16. Esotérico

17. Tres Palabras

18. Drão

19. Não Tenho Medo Da Morte

20. Expresso 2222

21. Toda Menina Baiana

22. São João, Xangó Menino

23. Nossa Gente (Avisa Lá)

24. Andar Com Fé

25. Filhos De Gandhi

26. Desde Que O Samba É Samba

27. Domingo No Parque

28. A Luz De Tieta

sábado, 22 de junho de 2024

Ouve Isso Aqui: Casais

                                       


Tema escolhido por Mairon Machado

Com Andre Kaminski, Anderson Godinho, Davi Pascale e Marcello Zappelini


Sei que esse tema já rolou por aqui em um Consultoria Recomenda, mas aproveitando o mês dos namorados, quis trazer algumas obras que ficaram de fora daquele Recomenda, e que acho que merecem uma atenção dos meus colegas. Vamos às pedras! (Mairon)
Ike & Tina Turner – Come Together [1970]

Mairon: Disco de total mudança na carreira do casal Ike & Tina Turner. Lançado em abril de 1970, traz uma guinada forte na direção musical do casal, influenciados por sua turnê abrindo para o Stones (inclusive participando do conturbado Concerto de Altamont, como filmado em Gimme Shelter). Se seus discos anteriores eram caracterizados por uma potência sonora avassaladora, aqui o que prevalece é a voz soberana de Tina sobre os arranjos e criações de Ike. Daí temos soul com vocalizações gospel (a cargo das Iketttes) em “Keep On Walkin’ (Don’t Look Back)”, “Why Can’t We Be Happy”, “Unlucky Creature”, rock suave em “Too Much Woman (For a Henpecked Man)”, e as embaladas “Contact High”, “It Ain’t Right (Lovin’ to Be Lovin’)” e “Young And Dumb”. Além disso, a provocante “Doin’ It” é um encerramento excitante para um álbum fabuloso, cujos grandes destaques vão para as versões de canções surgidas havia pouco tempo. No caso, a ótima faixa-título (que os Beatles tinham lançado em outubro do ano anterior), que como diz meu irmão Micael, todas as músicas dos Beatles ficam melhores em suas versões por outros artistas, “Honky Tonk Women” (que os Stones lançaram um pouco antes, em julho), muito fiel ao original, apenas com adaptações na letra para que a personagem central seja a própria narradora, “Evil Man”, com um belo naipe de metais, sendo outra que teve alterações na letra, já que essa é a mundialmente conhecida “Evil Woman (Don’t Play Your Games With Me)”, que o Black Sabbath imortalizou no seu álbum de estreia de 13 de fevereiro de 1970 (dois meses antes desse), e que o Crow tinha lançado originalmente em agosto de 69, e a espetacular “I Want to Take You Higher”, a mais “velhinha” das três, que o Sly and the Family Stone tinha colocado no mundo em abril de 69, e que aqui está totalmente fiel ao original, inclusive com o naipe de metais e os “boom-shaka-laka-laka-boom” dos vocais. Para perder o preconceito e conhecer uma das grandes duplas da história da música.

Anderson: Uma regravação muito forte e que traz o clássico dos Beatles para a praia do Soul e o R&B. A versão ficou muito energética e animada na voz da maravilhosa Tina Turner. Interessante, também, ficaram os arranjos e a guitarra funkeada de Ike em várias músicas como na ótima versão de “Too Much Woman”. Outro destaque, agora pela interpretação de Tina, é “Unlucky Creature” que conta com uma dramaticidade intensa enquanto a música em si faz uma ambientação para a atuação da artista. Destacaria também a intensidade da versão de “Honky Tonk Women” e a animação de “Contact High”. Por outro lado, esperava um pouco mais da versão do clássico “Come Together”, a versão é bem fiel à original, mas, uma vez que a proposta da reinterpretação ocorreu poderiam ter sido mais inventivos na proposta. Talvez o receio de mexer em um clássico tenha pesado. Por fim, gostei muito da versão de “Don’t it” que fecha o material muito bem. Com certeza é um material especial que merece a lembrança.

André: É um disco um tanto dolorido de ouvir em se tratando de contexto pelo fato de Tina ter sofrido horrores na mão de Ike Turner. É necessário “desligar a chavinha mental do contexto ruim entre eles” para apreciar uma dupla que fazia rocks com uma qualidade estupenda. Os covers também ficaram ótimos. Gosto mais dessa Tina Turner mais blues do que a pop dos anos 80 e 90. Ike também é um grande compositor e guitarrista. Um disco sem erros e excelente.

Davi: Todos conhecem a história conturbada do casal Ike e Tina Turner. Sendo assim, não é preciso dizer que Ike não era a melhor pessoa do mundo. É por essas e outras que precisamos separar a pessoa do artista. Afinal, não há como negar seu talento enquanto compositor e esse disco é uma prova disso. Misturando soul e rock, o LP mistura composições próprias com regravações e brilha tanto com a voz do furacão Tina Turner, quanto na qualidade do repertório. Entre os covers, a maior curiosidade fica por conta de “Evil Man”, originalmente lançada com o nome de “Evil Woman” pelo Crow (sim, aquela mesma que o Black Sabbath regravou), que ganha um singelo naipe de metais. A versão de “Come Together” não traz muitas novidades e a gravação não tem a mesma magia que tem a do fab four. Tem uma história de que certa vez, Ike Turner apontou uma arma para que Keith Richards demonstrasse como havia tocado na gravação de “Honky Tonk Women”. A faixa aparece aqui e dá para ver que ele foi muito bom aluno, só que assim como acontece com a versão dos Beatles, a música não chega nem perto da versão gravada pela trupe de Jagger e Richards. Entre as composições próprias, minhas preferidas estão no lado A: “Too Much Woman”, “Unlucky Creature” e “Young and Dumb”. Para a garotada que estiver lendo esse texto: ouça esse LP prestando atenção no (fabuloso) trabalho vocal de Tina e repare que muitos dos maneirismos vocais que Joss Stone faz hoje, já apareciam aqui. Será mera coincidência?

Marcello: O casal mais disfuncional dessa lista, como ficou provado pela autobiografia de Tina. Entretanto, musicalmente falando, como se davam bem! O talento inacreditável de Tina, aliado à guitarra, aos arranjos e produção de Ike Turner, gerou muitas coisas boas ao longo dos anos, e este Come Together não é exceção. O duo (que participara com B. B. King da turnê dos Stones em 1969) tinha começado a se distanciar um pouco do soul e rhythm & blues, gravando material mais rock, como atestam “Honky Tonk Women”, a faixa-título e “Evil Man”, que as pessoas conhecem da versão do Black Sabbath baseada no original do Crow (e, aliás, a versão dos Turner é mais parecida com a do Sabbath do que com a original), “Evil Woman”. Há ainda uma versão para “I Want to Take You Higher”, do Sly & The Family Stone, em que as Ikettes têm cada uma sua chance de brilhar e as outras oito músicas são de Ike. Dentre estas, os destaques vão para “It Ain’t Right (Lovin’ to be Lovin’)”, “Too Much Woman (For a Henpecked Man)” – conta outra, Ike: você quer que a gente acredite que era dominado pela Tina? – e “Keep on Walkin’ (Don’t Look Back)”. Apesar de tentarem conquistar o público mais rocker, Ike & Tina Turner não foram muito bem-sucedidos na empreitada, pois o álbum só chegou ao 130º lugar na parada geral da Billboard – ainda que tenha sido 13º na de soul. Mas o álbum seguinte, Workin’ Together, trouxe a enérgica versão de “Proud Mary”, que ganhou um Grammy e levou o LP ao 25º lugar na parada geral da Billboard.


Paul Kantner & Grace Slick – Sunfighter [1971]

Mairon: Esse disco foi o que me baseou para este Ouve Isso Aqui. De imediato, o tema que pensei seria “Somos Nós, Mas Com Outro Nome”, só que o fato de ser o mês de junho me remeteu aos casais e como não são todas as músicas que os parceiros do casal Kantner / Slick participam (a saber Spencer Dryden e Joey Covington na bateria, Jorma Kaunonen nas guitarras, Jack Casady no baixo e Papa John Creach no violino), Sunfighter entrou de qualquer jeito. Os pombinhos haviam acabado de parir a pequena China Wing Kantner, que teve uma linda canção em sua homenagem, levada pelo piano e os vocais dramáticos da mamãe, após pouco mais de 1 ano de relacionamento (lembrando que Grace já tinha tido um affair com o Dryden), e lançou esse álbum sensacional tendo além dos colegas da Jefferson Airplane uma série de convidados, que passam por Jerry Garcia, Graham Nash, David Crosby, entre outros, como o novato guitarrista Craig Chaquico (que veio a fazer parte da Jefferson Starship anos depois), mandando ver na pesada “Earth Mother”. O disco já abre com a pancadaria comendo solta em “Silver Spoon”, tratando sobre veganismo (algo incomum para a época) com destaque para o peso do baixo de Casady, o insinuante violino de Papa e os vocais hipnóticos e gritados de Slick, paulada que mostra o que o Jefferson Airplane estava fazendo desde Volunteers, e que se estende até o derradeiro Long John Silver. Esse estilo se mantém na espetacular faixa-título, dedicada ao ex-parceiro de Airplane, Marty Balin, com o casal dividindo os vocais como nos bons tempos de “Volunteers” e “We Can Be Together”, na alucinógena “Million”, onde Jerry Garcia abrilhanta na guitarra junto do piano de Slick, e também na longa “Holding Together”, outra a contar com a marcante guitarra de Garcia. Crosby e Graham são peças centrais na ótima “Look at the Wood” e na linda demais “When I Was a Boy I Watched the Wolves”, com uma introdução acústica incrível e variações muito interessantes, e ambas com uma excelente harmonia vocal. E tente não se assustar com a recriação do que seria o Titanic afundando em “Titanic”, ou com o enigmático piano de “Universal Copernican Mumbles”, acompanhado de barulhos muito soturnos e um vocal ainda mais tétrico por Kantner. Assombroso em um disco assombrosamente ótimo!

Anderson: Não poderia faltar algo psicodélico pra valer e cá estamos. O álbum possui uma atmosfera criada tanto pelos vocais de Grace quanto pela instrumentação que vai de pianos/teclados, distorções de guitarra que achei um tanto excêntricas, violões e diferentes influencias como folk ou jazz em algumas passagens. As músicas não são, no geral, muito extensas mas demandam parar para absorver tudo que está acontecendo, vale o tempo disposto nesse trabalho. Quem curte um som intenso e complexo vai gostar. Particularmente me atraíram a primeira música: “Silver Spoon” com seus quase seis minutos (minha melhor experiência), curiosamente a, também extensa, “When I was a Boy I Watched the Wolves” me agradou bastante. No geral, não me agradou como os demais trabalhos da lista, me falte mais coisas dessa época na cabeça para poder contextualizar melhor o material. Assim de bate pronto, não me chamou muita atenção.

André: A riqueza instrumental é grande, há caras fodas como David Crosby e Graham Nash tocando, mas o casalzinho do Airplane não andava muito inspirado por aqui. Sinto falta de composições mais marcantes como faziam no Jefferson Airplane (e mesmo no Jefferson Starship) que aqui parecem mais sobras e lados B de ambas as bandas, mas com o acréscimo de mais instrumentos. A que eu gosto mais é a faixa título “Sunfighter”, com o restante bem abaixo do que todo esse time de músicos já produziu na vida. Não é um disco ruim, mas um menor na discografia particular do casal (que juntos, pelo que eu saiba só lançaram este mesmo).

Davi: Esse álbum é basicamente um trabalho solo de Paul Kantner com a participação de Grace Slick. Na maior parte das músicas, a voz dela fica em segundo plano, o que realmente é uma pena já que eu gosto muito mais da voz dela do que da dele. O disco captura bem aquela sonoridade San Franciso, com violões folk e arranjos sutis, e impressiona pelo time de convidados que contou, com nomes de peso como Graham Nash, David Crosby e Jerry Garcia. O disco é bom e deve agradar aos fãs de Jefferson Airplane. Contudo, para mim, o grande destaque é mesmo a faixa de abertura onde temos Grace Slick comandando a música que fez para provocar seus vizinhos vegetarianos que queriam doutriná-la. A letra era tão forte que muitas pessoas pensavam (e ainda pensam) que era uma ode ao canibalismo. Interessante…

Marcello: Grace Slick e Paul Kantner iniciaram um relacionamento ainda nos anos 60, quando ela ainda estava casada com o primeiro marido (Jerry Slick) e tivera um caso com o segundo baterista do Jefferson Airplane, Spencer Dryden Os dois tiveram uma filha, China Wing Kantner (que nome mais era de Aquário!), que aparece na capa. Paul já gravara um disco com ela e os amigos da cena de San Francisco antes, “Blows Against the Empire”, e convidou a turma toda novamente neste álbum (Jack Casady, Jorma Kaukonen, Papa John Creach, Spencer Dryden e Joey Covington, do Jefferson Airplane; Jerry Garcia, do Grateful Dead; David Crosby e Graham Nash; o futuro guitarrista do Jefferson Starship, Craig Chaquico; e mais um monte de gente), que abre com a voz poderosa de Grace na excelente “Silver Spoon”. Kantner assume o vocal solo em “Diana Part 1” e “Sunfighter” (que traz Steven Schuster e parte da turma do Tower of Power nos sopros). “When I Was a Boy I Watched the Wolves” e “Earth Mother” são ótimas músicas que não fariam feio num álbum do Airplane. “Million” traz Jerry Garcia para formar uma espécie de Grateful Airplane em outro destaque do disco. Em “China”, Grace mais uma vez assume o vocal solo e homenageia a bebê do casal. “Universal Copernican Mumbles” é levada nos teclados, numa música diferente das demais, mas não menos interessante. A música mais longa do LP, “Holding Together”, encerra o álbum com brilho. Grace e Paul ainda colaborariam no álbum “Baron von Tollbooth & The Chrome Nun”, com David Freiberg e outros colegas de San Francisco, e, por anos, no Jefferson Starship. O relacionamento entre os dois durou até 1975, e Grace casou-se novamente no ano seguinte; quando Paul trouxe o Jefferson Starship de volta, ela colaboraria com o ex-companheiro, mas desde o início dos anos 90 ela se mantém afastada da música. Kantner, infelizmente, morreu em 2021.


Wings – Venus and Mars [1975]


Mairon: O casal Paul e Linda McCartney formaram o Wings, tendo como álbum cultuado Band on The Run. Porém, penso que é em Venus And Mars que Linda conseguiu mostrar algum talento para estar ao lado de um gigante musical como Paul. A técnica da garota era ínfima, mas pelo menos aqui ela aprendeu a ser “um pouco” mais instrumentista e fazer música. Os seus acordes no sintetizador na faixa-título já são uma pequena demonstração disso. Ela traz intervenções precisas do sintetizador em faixas como “Love Song”, “Medicine Jar”, e principalmente, além dos sintetizadores, nos vocais de apoio em “Magneto and Titanium Man”. Sua contribuição nos teclados e vocais de “Listen to What the Man Said” dão um charme a mais para essa boa faixa. Curto bastante o clima alegre de “Rock Show”, que também tem um sintetizadorzinho interessante ao seu final, o rock lisérgico de “Spirits of Ancient Egypt”, cantada por Denny Laine, e também com boa participação de vocais e sintetizadores por Linda, e a delicadeza de “Treat Her Gently – Lonely Old People”, que fecha muito bem esse belo disco. E para os fãs xiitas dos Fab-4, divirtam-se com “Call Me Back Again”, “Letting Go” e “You Gave Me The Answer”. Comentar sobre o trabalho de Paul aqui é desnecessário, já que nos anos 70, o cara ainda estava em alta criativamente. Joguem as pedras, mas para mim esse é o melhor disco da carreira de Paul, inclusive junto aos Beatles.

Anderson: Os anos 70 são incríveis, sempre me surpreendo com a qualidade e diversidade de coisas. Não conhecia o Wings que, liderado pelo Paul McCartney, faz um som Rock and Roll, com uma sonoridade pop em vários momentos. Talvez, pudesse enquadrar alguma coisa de soul, mas muito sutil no meu entender. O material começa fervendo com a ótima intro “Venus and Mars” casada com “Rock Show”, pegada que aparece em “Medicine Jar” só que aqui de modo mais pesado. Dentre outros destaques coloco “Magneto and Titanium Man”, música dinâmica, criativa e animada que me lembrou, por algum motivo, o que Queen faria posteriormente. Já “Letting Go” me chamou a atenção pela mescla de instrumentos que apontam um tanto para o soul, só que mais lento, algo que é presente nos Rolling Stones. Teclado, metais, guitarras na medida certa. Pra não me estender, poderia falar das baladas do álbum mas vou destacar a ótima “Call me Back Again” que me lembrou o Joe Cocker pela estrutura ascendente da música. Recomendadíssimo esse disco!

André: Confesso, nunca fui lá grande fã nem do McCarta solo e nem do Wings. Fui escutar esse disco sem nenhuma expectativa e me surpreendi positivamente com o que ouvi. Entre os besouros, o meu favorito ainda é o Harrison e sim, gosto mais do Ringo solo do que do Mac. Mas ele subiu alguns degraus no meu conceito apresentando uma sonoridade rica e classuda, diferente daquela coisa mais juvenil dos Beatles (que gosto tanto). Linda aparece legal aqui com seus backing vocals e colaborando nas composições e instrumentais. Me animei a ir atrás de outros discos do baixista canhoto, devo ter escutado os álbuns errados.

Davi: Paul McCartney é sobrenatural. Depois de ter feito parte dos Beatles (uma das maiores bandas da história do rock), ele criou mais um grupo de primeiríssima linha: os Wings. Venus and Mars é o quarto registro do grupo e mais um grande trabalho com a assinatura de Macca. O disco, que traz composições de Paul McCartney e sua esposa, a sua ‘gatchinha’ Linda (como ele gostava de dizer em suas passagens pelos Brasil), tinha a tarefa ingrata de suceder o brilhante Band On The Run. E não é que eles conseguiram entregar um trabalho à altura? O álbum é bem variado e demonstra muitas das facetas de Paul. O lado A, iniciando com “Venus and Mars/Rockshow” e encerrando com “Letting Go”, é simplesmente perfeito. Nenhuma música descartável. No lado B, temos como destaques; o blues “Call Me Back Again”, o single “Listen What The Man Said”, além de “Treat Her Gently – Lonely Old People”. Um dos grandes álbuns do sir Paul McCartney e o melhor dessa lista, sem sombra de dúvidas.

Marcello: Paul & Linda McCartney, mais Denny Laine, Jimmy McCulloch e Joe English (em algumas músicas, Geoff Britton): Wings em 1975, perto do auge da popularidade, e tentando ser uma banda de verdade, não um veículo para Paul. Quando recebi a lista, pensei comigo: por que esse disco e não Ram, creditado ao casal? De minha parte, nada contra: gosto muito de Ram, mas Venus & Mars sempre esteve perto do topo na minha lista do melhor que Macca fez em toda a sua vida. As músicas são creditadas a Paul e Linda (mas, honestamente, não sei o que Linda efetivamente contribuiu), à exceção de “Medicine Jar” (de McCulloch e Colin Allen; o guitarrista se encarregou do vocal principal) e “Crossroads Theme”, vinheta que encerra o disco, de autoria de um certo Tony Hatch. Os dois lados do álbum começam com a linda faixa-título, forte candidata ao posto de minha balada favorita de Paul. “Rock Show” é uma das músicas mais roqueiras de Paul, e daria nome ao filme que documentou a turnê mundial de 1976 do Wings. “Call Me Back Again” e “Letting Go” são mais bluesy, algo não muito comum na obra de Macca, “Listen to What the Man Said” e “Magneto and Titanium Man” são aqueles rocks descompromissados típicos dos anos 70 (a segunda, uma música ótima para uma letra ridícula), e ainda tem a curiosa “Spirits of Ancient Egypt” (com vocal de Denny Laine), a bela “Love in Song” e a linda “Treat Her Gently – Lonely Old People” – espere sentir o peso da idade para ver se você não se emociona com ela. Vou me estender nessa que é minha música favorita do disco; a balada mistura uma declaração de amor ao reconhecimento de que a velhice traz o fantasma da solidão. O truque genial foi seguir a música com o tema da mais popular soap opera da época na Inglaterra, “Crossroads”: Macca imaginou um casal de idosos assistindo à novela na TV. Ainda que inferior ao excelente Band on the Run, Venus & Mars prova que Macca poderia ter sido o melhor dos quatro na carreira solo – se tivesse tido saco para tentar provar isso. Confesso que quando soube da morte de Linda, achei que Paul não se recuperaria – mas ele continua ativo e excursionando.


ABBA – The Album [1977]

Mairon: Todo mundo sabe que o ABBA era constituído não por um, mas por dois casais. O que poucos sabem é que The Album é o último de Bjorn Ulvaeus e Agnetha Faltskog (o outro casal era Benny Anderson e Anni-Frid Lyngstad) juntos. As consequências para a separação de Bjorn e Agnetha, após quase 8 anos juntos (6 como casados), são diversas. A insegurança familiar de Agnetha, os excessos de viagens, e também, o fato de Bjorn e Benny buscarem sempre uma perfeição tanto para fãs quanto para a imprensa. Aqui, a dupla alfa tentou calar a boca de muitos críticos, que em pleno 1977, com o nascimento do punk, alegavam que os suecos não eram capazes de compôr “música séria”. Foi com essa expressão em mente que nasceu obras-primas como a progressiva “Eagle”, que ganhou anos depois, entre outras, uma pesada versão feita por Sargant Fury, além do grupo punk Leatherface recriá-la de forma muito interessante, o rockaço “Hole In Your Soul”, que me remete muito ao que Styx faria anos depois, e claro, a suíte “The Girl With The Golden Hair”. Dividida em três partes (originalmente, a suíte era composta por quatro partes, apresentadas somente ao vivo, e que podiam superar facilmente os 25 minutos), é “inspirada” nas carreiras de Agnetha e Frida (o que teria sido mais um motivo para a separação do casal), e teve sua primeira parte como um dos grandes sucessos do grupo, a delicada “Thank You For The Music”. Porém, são nas outras duas partes que vejo os méritos dessa suíte. Afinal, o que Frida faz com a voz em “I Wonder (Departure)” é embasbacante, mas nada, nada supera a violência progressiva musical que Benny e Bjorn construíram para “I’m a Marionette”. É indescritível, só colocar as caixas de som no talo e admirar o solo de guitarra, as orquestrações e a harmonia vocal perfeita das meninas aqui. Uma pena a banda não ter registrado em estúdio “Get On The Carousel” (a quarta parte citada), que concluía a história muito bem, o que não impede do encerramento com “I’m A Marionette” ter sido no mínimo brilhante. Aos que já estão torcendo o nariz, saibam que nada mais nada menos que o Ghost fez uma versão para essa faixa, e ao meu ver, bem menos assustadora do que a original. Seguindo, naquilo que o ABBA era exclusivo em fazer, que era pop de melhor qualidade, nasceu a atemporal “Take a Chance On Me”, com sua inesquecível harmonia vocal de introdução, e as passagens de sintetizadores permeando as vozes de Agnetha e Frida. Se “I’m A Marionette” foi coverizada pelo Ghost, saiba que “Move On”, linda faixa com inspirações andina, teve uma versão feita por Rob Rock (que também regravou “Eagle”) com Tobias Sammet nos vocais (!). Um dia irão dar valor as baladas do ABBA como fazem com Fleetwood Mac por exemplo, já que o arranjo de “One Man, One Woman”, que já traz em sua letra indicios de que a coisa não estava bem entre Agnetha (voz principal) e Bjorn, ou então a suave soul de “The Name of the Game”, com seu complexo e fantástico arranjo vocal inspirado nos Beach Boys, mas que aqui é feito com um trabalho hercúleo de encaixe de vozes impossível de se reproduzir, e que como o próprio Bjorn atestou, somente Agnetha e Frida seriam capazes de fazer. Não é o melhor disco da banda, o que atribuo ao seguinte, Voulez-Vous, papo para um Recomenda ou Ouve Isso Aqui Discos de Separação, mas The Album é um disco a ser descoberto!

Anderson: Os suecos do ABBA são uma grande unanimidade dentre a geração Boomer e entre muitos dos Mileniuns, fato. Particularmente meu conhecimento não passa dos clássicos ouvidos pelos meus pais. Ao ouvir (pela primeira vez diga-se de passagem) um material completo da banda ficou um sentimento ambíguo de que realmente não é a sonoridade que me cativa, mas que foi uma audição agradável. Apesar de algumas coisas conhecidas como a, insuportavelmente animada, “Take a Chance on Me”, a sem sal “Eagle” ou a sonolenta “Thank You fot the Music” me chamou muito mais atenção as românticas “One Man, One Woman” e “I Wonder” (que com um solo no estilo Primal Fear em Tears of the Rage ficaria interessante). Porém, as que mais gostei foi a surpreendente “Move On” com uma sonoridade e ambientação muito gostosa em que percussão e instrumentos de sopro (ao que parece gravados com sintetizadores e teclados) proporcionam uma experiência diferente no álbum, e ainda a melhor do álbum: “I’m a Marionete” que traz um som orquestrado muito poderoso. No geral, particularmente, é um ótimo material de pop em sua concepção, mas me soa bem datado, não me empolga apesar de saber de sua importância para a música.

André: Sei que o Mairon ama essa banda, acho eles legaizinhos também, mas nunca me fizeram querer botar roupas coloridas e mostrar meus passos de dança por aí. É um disquinho divertido, com as vocalistas suecas cantando muito bonitinho, mas sem aquela coisa que me empolga. Mas isso sou eu em uma época não muito bem humorada de minha parte. Acho que eu mudaria de opinião se eu ouvir este disco uns anos depois.

Davi: Embora seja um dos grandes nomes da música pop, e eu seja um admirador de música pop, ainda não me aprofundei na discografia do Abba como deveria. Tenho alguns discos deles em minha coleção, mas não tenho tudo ainda. Esse é um dos que me faltam, sendo assim, ouvi ele pelo Spotify e a primeira impressão foi de um bom disco, mas não espetacular. O disco começa maravilhosamente bem como a belíssima “Eagle”, emendando no divertido hit “Take a Chance on Me” e nas bonitas “One Man, One Woman” e “The Name of the Game” (mais um grande hit do grupo sueco), mas o nível cai em “Move On” e a partir daí, a única que me chamou realmente a atenção foi “I´m a Marionette”, responsável por fechar o LP. É indiscutível a qualidade dos músicos e a influência deles na música pop, mas eu provavelmente teria indicado álbuns como Arrival ou Abba. De todo modo, foi bacana vê-los por aqui.

Marcello: Como alguém que cresceu ouvindo Rolling Stones, Led Zeppelin, Deep Purple, Black Sabbath, Uriah Heep, Pink Floyd e Emerson, Lake & Palmer, eu fui musicalmente educado para desprezar o quarteto sueco. Ao longo dos anos, passei a respeitar os dois casais (Anni-Frid, Benny, Agnetha e Bjorn), mas continuou não gostando; admito que são bons cantores, que a banda de apoio era ótima, que Benny e Bjorn são mestres em compor músicas que grudam no ouvido da gente, mas não adianta, não são para mim. Anos atrás, ouvi o catálogo completo do grupo, e o deixei de lado; ao reouvir esse The Album, fiquei surpreso com a pomposa “Eagle”, mas músicas como “Take a Chance on Me” e “One Man, One Woman” passam muito longe do meu gosto e me lembraram das razões para não gostar do ABBA. “The Name of the Game” me soou meio reggae, um ritmo que pouquíssima gente associaria à Suécia; atestando a versatilidade do grupo. “Move On” impressiona pelos vocais, em especial pela voz solo da bela Agnetha, mas é apenas um aperitivo para “Hole in Your Soul”, melhor música do disco, na minha opinião – apesar de, curiosamente, deixar a desejar no quesito vocais, o ponto forte do quarteto. O álbum se encerra com as três partes de “The Girl with the Golden Hair”, “Thank You for the Music”, “I Wonder (Departure)” e “I’m a Marionette”, que, com mais de doze minutos, mostra que o ABBA buscava fugir um pouco da sua fórmula consagrada. The Album acompanhou The Movie, filme sobre a banda lançado mais ou menos na mesma época, liderou a parada inglesa e chegou ao 14º lugar na Billboard – prova do massivo sucesso do grupo, até hoje uma das bandas que mais vendeu discos na história. O ABBA tem seu lugar na história do rock, mas nunca me atraiu e provavelmente nunca me atrairá.


Elis Regina – Transversal do Tempo [1978]

Mairon: Esse aqui vai trazer discussão, certeza que geral vai torcer o nariz, mas foda-se. O papel de Cesar Camargo Mariano neste disco é fantástico. Ele comanda os arranjos para a esposa Elis desfilar a sua técnica, que aqui estava perfeitamente mais que perfeita. Logo de cara, ele já manda ver no seu mais novo brinquedinho, um moog, introduzindo “Fascinação”, na qual Elis arrebenta acompanhada pelo piano sempre emotivo. Mas vem mais: o piano dá o tom dramático de “Sinal Fechado”, uma das obras mais complexas de Chico Buarque, que Elis canta numa naturalidade invejável. E então entra a bandaça formada por Nathan Marques (guitarras), Crispin Del Cistia (guitarra, teclados), Dudu Portes (bateria) e Fernando Sizão (baixo), para interpretar versões apocalípticas de “Deus Lhe Pague”, intrincadíssima e progressiva para abrir um sorriso na cara amarrada de Robert Fripp, Os arranjos de Cesar desconstróem clássicos da MPB do porte de “Boto” (Tom Jobim), com acordes tensos no piano elétrico, “O Rancho Da Goiabada” (João Bosco e Aldir Blanc), mandando ver no piano elétrico e acrescida com uma monumental “Construção” (Elis se rasgando em tristeza aqui, e que arranjo sombrio), tendo apenas a vinheta da polêmica inserção de “Gente” (Caetano veloso), e até a “Saudosa Maloca” de Adoniran Barbosa, aterrorizante o que Cesar e Elis fazem nessa. O auge da dramaticidade, soturna e desconstrução musical vai para “Meio Termo / Corpos”, com um show a parte do violão e da guitarra de Nathan, e canções de letras pesadas que Elis e Cesar jogam na cara dos fãs com um descomunal desprezo aos arranjos originais. Fecham o play versões depressivas (e belas) de “Cão Sem Dono” e “Querelas do Brasil”, mas com um forte tom de que “a vida continua” através da empolgante “Cartomante” de Ivan Lins. O casal permaneceu juntos, entre brigas, idas, vindas e o temperamento sempre “apimentado” de Elis Regina, por mais 2 anos, criando no mínimo mais duas grandes obras (Elis … Essa Mulher, e Saudades do Brasil). O show Transversal do Tempo percorreu e foi aclamado pelo mundo, e também recebeu fortes críticas justamente por seu teor complexo e pesado. Já o álbum Transversal do Tempo peca por ter as músicas “cortadas” do nada muitas vezes, mas ainda hoje, 20 anos depois de ouvir ele pela primeira vez, ainda me choca. Quem sabe um dia lancem a obra em sua totalidade.

Anderson: Realmente uma lista complexa e diferente esta proposta pelo nosso querido Mairon! Elis Regina é uma referência em muitos sentidos e, mesmo sem conhecer sua obra a fundo, imagino que esse ao vivo é uma prova de seu gigantismo como artista. Pois bem, é impressionante o que essa mulher canta! Não gosto de material ao vivo, não ouço quase nada dessa categoria, mas fiquei realmente abismado com esse disco. Logo de cara “Fascinação” já eleva o nível a um patamar altíssimo. Feita a aposta, na sequência “Sinal Fechado” continua intensamente!! Extremamente emocionante a canção de Paulinho da Viola, mas que com a voz de Elis se torna algo surreal. Todavia não para por aí, a terceira é “simplesmente” “Deus lhe Pague” do Chico Buarque que traz um arranjo agressivo e icônico, e, novamente, Elis deita e rola! Ela destrói tudo por meio de uma interpretação que faz jus a cada palavra da música. Esse começo arrebatador da espaço para experiências em um degrau mais abaixo, porém ainda assim muito bom! Após um “intervalo” com o pot-pourri de O “Rancho de Goiabada” e uma breve interpretação de “Construção”, entra uma bossa nova de “Saudosa Maloca”. Creio que a ideia não é uma resenha, mas é difícil de não comentar todas as músicas. Vou parar por aqui destacando, ainda, as versões lindas de “Boto”, e o ótimo pot-pourri de “Meio Termo/Corpos”, lembrando que todas as músicas ficaram fenomenais.

André: Cara, acho que esse é o disco mais “pesado” da Elis que eu já ouvi na vida. Tem guitarras aqui. Guitarras de verdade, com overdrive e tudo mais. O baterista Dudu Portes batendo forte, com viradas e tudo mais. Uma interpretação intensa, forte, não sei o que o César Camargo Mariano fez com ela, mas eu gostei. Discaço hein Mairon, acertou em cheio aqui.

Davi: Elis é considerada, por muitos, a maior cantora da música brasileira e ouvindo esse álbum dá para entender o porquê. Nessa apresentação gravada no Teatro Ginástico (Rio de Janeiro), a pimentinha transborda emoção em cada uma das interpretações, além de ter uma invejável técnica vocal. Embora eu goste muito de seu trabalho inicial, é indiscutível que sua obra toma outro nível quando seu marido César Camargo Mariano assume as rédeas. Todo esse cuidado com o arranjo também é perceptível no show. O concerto não está completo. Inicialmente seria lançado um volume 2 com as outras faixas, mas o projeto acabou sendo abortado. Sabendo da importância da Elis e do barulho que causou na época, se eu trabalhasse na gravadora, nem teria corrido esse risco, teria lançado um álbum duplo de uma vez. Voltando ao álbum em questão, colocaria como destaque os clássicos absolutos “Fascinação” e “Querelas do Brasil”, além de “Sinal Fechado” e “Cartomante”. Se você tem interesse na música brasileira, além do rock/metal, diria que essa é uma audição obrigatória.

Marcello: Gravado ao vivo em apresentação da turnê do mesmo nome, realizada em 1977, Transversal do Tempo traz a melhor cantora da história recente da MPB – ao menos na minha opinião – ao lado do marido tecladista, produtor, arranjador, diretor musical, o que mais você quiser, César Camargo Mariano. Se o ABBA eu desprezava, Elis – e toda a MPB – eu não me interessava. E não me interesso, admito. Por isso não posso comparar esse disco com a produção da cantora, ou as versões de músicas conhecidas com outras. Abrindo com a linda “Fascinação”, com Elis soltando toda a extensão de sua voz privilegiada, o disco traz outro clássico da música brasileira (“Saudosa Maloca”), bem como “Sinal Fechado”, que mostra que só um talento como o de Elis consegue fazer você ouvir uma música do Paulinho da Viola sem sentir saudades do autor. “Querelas do Brasil” é outro destaque absoluto, com um acompanhamento fantástico dos músicos de apoio em um arranjo quase jazzístico. César Camargo Mariano é um tecladista de mão cheia e a banda é excelente, e o desempenho de Elis é impecável (só não curto muito a voz dela na versão de “Deus Lhe Pague”). O álbum se encerra com “Cartomante”, uma aula de domínio de voz no autor Ivan Lins (não entendam errado, o cara canta bem, mas Elis é covardia). Diferentemente do ABBA, este aqui eu vou ouvir mais vezes no futuro.

sábado, 8 de junho de 2024

W. A. S. P. - The Crimson Idol (Reissue Edition) [1998]

Há algum tempo, trouxe aqui aqui uma resenha detalhada sobre um dos maiores lançamentos da década de 90, The Crimson Idol. O quinto disco da carreira do W. A. S. P. , que completa hoje exatamente 31 anos de seu lançamento, é um álbum conceitual narrando a ascensão e queda do astro do rock Jonathan Aaron  Steele, e não vou entrar nos detalhes centrais do disco, deixando para o leitor acompanhar a matéria citada acima.

CD single de “Hold On To My Heart”, trazendo as bônus “When The levee Breaks”, “Hold On To My Heart” (acústica) e “The Idol” (Acústica)

Musicalmente, temos uma paulada do início ao fim. Comandado pelo baixista, vocalista, guitarrista, compositor, produtor e faz tudo Blackie Lawless, o W. A. S. P. tem aqui sua obra definitiva, na qual o rapaz está acompanhado de Bob Kulick (guitarras), fazendo talvez a melhor performance de sua carreira, assim como o batera Frankie Banalli (outro baterista, Stet Howland, também se faz presente). O álbum gerou quatro singles, a saber “Chainsaw Charlie (Murders in the New Morgue)”, “The Idol”, "Hold On To My Heart" e “I Am One”, os quais foram relativamente bem sucedidos nos charts.

Para os colecionadores, o W. A. S. P. é uma banda que sempre traz novidades em seus lançamentos de singles, e não foi diferente com os da época de The Crimson Idol. O primeiro deles, de “Chainsaw Charlie (Murders in the New Morgue)”, saiu em uma tiragem limitada de um pacote contendo três mídias, chamada The Chainsaw Pack, assim como uma versão 12". A The Chainsaw Pack é constituída de uma pasta plástica com 3 bolsas, uma para cada um dos lançamentos individuais, os quais foram: um compacto de 7″ Picture Disc; Um compacto de 7″ etched com uma mensagem gravada a mão no vinil, feita por Lawless; e o CD single. Como novidades musicais, temos "Phantoms In The Mirror" (presente na versão 12", CD single e no 7" etched) e a faixa "The Story Of Jonathan (Prologue To "The Crimson Idol") Part 1" (presente na versão 12" e CD single), a qual narra a primeira parte da história presente no encarte que acompanha o Vinil e CD originais.

Versão Vinil Escarlate de “The Idol” (acima), trazendo a segunda parte de “The Story Of Jonathan (Prologue To The Crimson Idol)”; Versão Shaped de “The Idol”, tendo a inédita “The Eulogy” no lado B

"The Idol" recebeu versões em 12" e dois compactos 7" (vinil vermelhovinil vermelho e vinil shaped). A versão 12" traz a segunda parte de "The Story Of Jonathan (Prologue To "The Crimson Idol")" e a inédita "The Eulogy", as quais estão, de forma separadas, em cada um dos compactos 7". "Hold on to My Heart" saiu em uma tiragem trazendo uma versão editada desta incrível balada, acompanhada de uma versão para "When The Levee Breaks" do Led Zeppelin e versões acústicas para "The Idol" e "Hold On To My Heart". Já o single de “I Am one” saiu em uma versão 10" com a faixa  gravada ao vivo na espetacular apresentação da banda no Monsters of Rock Festival de 1992, assim como mais três faixas daquele show: "Wild Child", "Chainsaw Charlie" e "I Wanna Be Somebody". O resto do show foi levado para os fãs através da edição em CD do compacto de "I Am One", com a mesma faixa junto de "The Invisible Boy", ""The Real Me" e "The Great Misconception Of Me".

Vinil 10″ de “I Am One”, com quatro faixas ao vivo no Monsters of Rock de 1992

Obviamente que um colecionador do grupo irá desejar (e eu particularmente me falta só o CD de "I Am One", como mostram as imagens ao longo do texto, retiradas da minha coleção) ter todos esses itens diferentes, mas para quem não é colecionador, mas gostaria de ter todas as músicas, em 1998 saiu uma edição remasterizada de The Crimson Idol, dupla, apresentando além de The Crimson Idol na íntegra, todas as canções bônus citadas acima.  A formação nessa apresentação de Donington é de Lawless (guitarra, vocais), Doug Blair (guitarra, vocais), Stet Howland (bateria) e Johnny Rod (baixo, vocais), e pode ser encontrada na íntegra no Youtube. Mesmo com qualidade baixa na visão, o som é ótimo, sendo que quase todo The Crimson Idol é interpretado. E é o grande atrativo desta reedição.


The Chainsaw Pack, trazendo três diferentes formatos (CD single, 7″ etched e 7″ picture”) para a clássica faixa “Chainsaw Charlie” (Murders In the New Morgue)”, trazendo como novidade “Phantoms In the Mirror” e a primeira parte de “The Story Of Jonathan (Prologue To The Crimson Idol)”


Afinal, conferir a complexidade das canções ao vivo é bem interessante. Apesar de algumas falhas, a mais gritante em uma entrada totalmente atravessada de um acorde dos teclados durante "I Am One", a pancadaria come solta, e ouvir "The Great Misconception Of Me" ao vivo é de tirar o chapéu. Esta reedição, originalmente lançada no Japão e Reino Unido, posteriormente teve uma nova adaptação, em 2007, também no Reino Unido e Alemanha. Em 2012, foi a vez da Argentina, através do selo Icarus, relançar a obra nesse formato, e ano passado, a Hellion Records trouxe essa fantástica edição para o Brasil, acompanhada do lançamento oficial em nosso país do álbum ao vivo Double Live Assassins, originalmente lançado em 1998, fazendo o registro da turnê de Kill Fuck Die, álbum que marcou o retorno do guitarrista Chris Holmes para a banda. Mas isso já é papo para outro post, ficando este como uma forma de comemorarmos os 32 anos de The Crimson Idol, e uma indicação de aquisição agora possível de ser feita sem passar por taxações e/ou perdas através das compras internacionais via Discogs, Ebay e afins. Vale muito a pena!

Contra-capa da edição inglesa de The Crimson Idol Reissue Edition

Track list


1-1 The Titanic Overture

1-2 The Invisible Boy

1-3 Arena Of Pleasure

1-4 Chainsaw Charlie (Murders In The New Morgue)

1-5 The Gypsy Meets The Boy

1-6 Doctor Rockter

1-7 I Am One

1-8 The Idol

1-9 Hold On To My Heart

1-10 The Great Misconceptions Of Me

1-11 The Story Of Jonathan (Prologue To The Crimson Idol)


2-1 Phantoms In The Mirror

2-2 The Eulogy

2-3 When The Levee Breaks

2-4 The Idol (Live Acoustic)

2-5 Hold On To My Heart (Live Acoustic)

2-6 I Am One (Live Donnington 1992)

2-7 Wild Child (Live Donnington 1992)

2-8 Chainsaw Charlie (Murders In The New Morgue) (Live Donnington 1992)

2-9 I Wanna Be Somebody (Live Donnington 1992)

2-10 The Invisible Boy (Live Donnington 1992)

2-11 The Real Me (Live Donnington 1992)

2-12 The Great Misconceptions Of Me (Live Donnington 1992)

domingo, 19 de maio de 2024

Notícias Fictícias Que Gostaríamos Que Fossem Reais: Encontradas Fitas Reveladoras de Elis, Caetano, Gil e Gal



Notícias Fícticias que Gostaríamos que Fossem Reais é uma sessão da Consultoria do Rock onde apresentamos notícias fictícias, mas que poderiam se tornar reais em algum momento de nossas estadas aqui na Terra. A intenção não é gerar polêmcias ou controvérsias sobre determinados fatos, mas apenas incitar a discussão sobre o que ocorreria se o mesmo fato chegasse a acontecer.

No último dia primeiro de abril, o publicitário Gustavo Mayrink revelou ao mundo uma descoberta que era tido por alguns como ficção, e que durante muito tempo, povoou as conversas de bar como uma espécie de Mito Grego, mas que agora, através deste verdadeiro achado de Mayrink, torna-se real. Trata-se nada mais nada menos do que duas fitas cassetes que encontrou durante uma reforma na casa de seu falecido pai, o jornalista Geraldo Mayrink. Segundo Mayrink, o filho: "Nós resolvemos modificar o forro da sala, fazer umas adaptações luminosas e tal, com o objetivo de tornar a casa um museu sobre a história de meu pai. Para isso, precisávamos rebaixar parte da laje de sustentação da mesma. Foi quando ao começarmos a fazer o rebaixamento que o pedreiro encontrou esta caixa de metal com a inscrição 'A Primeira Vez'". Achamos estranho por que meu pai nunca foi de esconder algo da gente, mas a letra era dele. Foi então que decidi romper o cadeado que lacrava a caixa e encontrei as caixas individuais com as fitas, e algumas fotos (N. R. apresentadas ao longo do texto)".

O Compacto da Philips  com os quatro gigantes

Ao colocar as fitas para tocar, surgiram, quase 50 anos depois, as primeiras audições de um ambicioso projeto criado em meados de 1975, e que durou apenas 3 meses, batizado Os Doces Apimentados, unindo no mesmo palco Elis Regina, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa. Este projeto teve sua embriogênese ainda em 1974, quando a gravadora Philips resolveu produzir a bolacha Lupiscínio Rodrigues Na Interpretação De Caetano Veloso, Elis Regina, Gal Costa, Gilberto Gil, uma homenagem ao maior compositor gaúcho na qual os quatro artistas interpretam pérolas do cancioneiro de Lupiscínio (a saber "Esses Moços" por Gil, "Cadeira Vazia" por Elis, ambas inéditas e exclusivas para o compacto, adicionadas de "Volta", por Gal e "Felicidade", por Caetano).


Apesar de unir canções inéditas com outras já gravadas, no lançamento do compacto o quarteto se uniu de forma discreta no Copacabana Palace em junho de 1975, o que acabou gerando muitos boatos e histórias de que iriam criar algo juntos. Como nada surgiu nos anos seguintes, tudo parecia ser uma lenda urbana, mas as fitas encontradas por Gustavo revelam que realmente, o projeto foi adiante. Na primeira fita estão gravações dos ensaios que o quarteto estava fazendo ao lado de uma super banda formada por Cesar Camargo Mariano (piano, teclados e marido de Elis à época), Perinho Santana (guitarra, teclados), Luizão Maia (baixo) e Wilson das Neves (bateria). Já na segunda fita estão cerca de 20 minutos de uma entrevista especial de Mayrink junto a Elis e Caetano.

Gil, em ensaio de agosto de 1975

Para confirmar a veracidade das gravações, fomos atrás dos três membros vivos envolvidos no projeto: Gil, Caetano e Cesar Camargo Mariano. Gil se manifestou com uma alegria estupefata sobre o caso: "Ah, Elis. Eu era apaixonado por Elis. Ela era linda. Ela tinha uma força da natureza enorme dentro de um corpo tão pequeno, que não tinha como não se apaixonar. Eu faria qualquer coisa pela Elis. Eu até fui naquela marcha contra a guitarra por que eu amava a Elis. Foi a mulher mais incrível que eu conheci". E sobre o projeto Gil? "Ah, o projeto? Ah, eu não lembro das coisas muito bem mais, então, eu vou deixar pro Caetano, ele sim tem boa memória".

Gal em ensaio de julho de 1975

Cesar foi mais suscinto sobre o projeto: "Meu amigo, se a Elis não queria falar sobre isso, quem sou eu para falar sobre?". Coube a Caetano explicar o que aconteceu, e o baiano então não poupou palavras: "Olha cara, já que essa coisa aí surgiu do meio dessa loucura de divulgação de fita, dessa maluquice de uma coisa de 50 anos atrás vir assim, sem ninguém falar pra ninguém, então, é que é difícil, entendeu, de falar de algo inifalável, de que foi guardado num cofre à sete chaves dentro de um baú de mais sei lá, sete, vinte, quarenta cadeados, entendeu, por que não se podia falar disso". Mas Caetano, você lembra do que aconteceu? "Olha cara, eu lembro, eu tenho uma boa memória, e tenho bem claro tudo que aconteceu, entendeu. Eu não sei o que o Mayrink gravou, até onde ele gravou, o que tem nessa fita, entendeu. Mas eu sei o que aconteceu". E você pode nos contar, Caetano, por que o projeto não foi para a frente? Gil falou que você falaria. "Gil falou?". Sim, ele disse que você tem uma boa memória. "Mas Gil não pode sair assim, falando de uma coisa tão íntima, tão apropriadamente pessoal de minha pessoa, assim. Mas então, se assim, a gente pudesse voltar no tempo, eu gostaria de realmente poder saber o que o Mayrink registrou".

Resolvemos então ouvir as fitas junto de Caetano, através de um encontro entre Gustavo Mayrink e o baiano, no qual Mayrink salientou: "Aprendi a gostar de Caetano 40 anos após ele xingar meu pai de burro". Essa história é um dos memes clássicos, hoje em dia, no qual, em entrevista para a TV Cultura, Caetano chama o jornalista de burro e muito mais. Ao ouvir as palavras vindas de Gustavo, Caetano sorriu afavelmente.

Então, logo na caixa com a inscrição "ENSAIO", podemos ouvir algumas canções registradas com as vozes de Elis, Gil, Caetano e Gal. Fala Caetano: "Nossa cara, isso é muito hilário. Não sabia que ele tinha gravado isso não. Eu acredito que esse é o nosso ensaio de 05 de agosto de 1975, e que foi um dos últimos. Eu lembro por que foi pouco antes do meu aniversário de 33 anos, e naquela noite eu e Dedé íamos ter um jantar junto com Gil e Sandrinha, para confraternizar esse momento importante que eram os 33, uma idade marcante de alguma forma". Ao longo da audição, Caetano mostrou-se emocionado, e podemos perceber a construção de ao menos duas canções conhecidas. "Ah, essa era a versão inicial de 'Os Doces Bárbaros'. Vejam a Elis cantando aqui oh, a diferença oh 'Peixe Espada, peixe luz, Doce  e apimentado Cuzcuz'. A gente fez essa ligação inicial com a comida, depois mudei para bárbaro Jesus", comenta Caetano sobre uma animada versão inicial para o que hoje conhecemos como "Os Mais Doces Bárbaros".

Caetano e Gustavo Mayrink, minutos antes de ouvir as fitas

"Gente, olha que lindo isso!", exalta um encantado Caetano ao ouvir Elis e Gal fazendo as vozes para "Atiraste Uma Pedra", acompanhadas de piano e violão. "A Elis e a Gal faziam um par incrível de vozes. Uma pena que a gente só pôde conferir elas juntas naquele especial da Gal. A Elis estava tão diferente naqueles dias do especial, uma pena". Na sequência, as caixas de som passam para mais uma canção conhecida. "Essa a Elis colocou no repertório por exigência dela, tanto que ela incluiu nos shows dela posteriormente. Elis gostava muito de Bituca (N. R. Milton Nascimento). A gente manteve a música depois, como Doces Bárbaros", comenta Caetano sobre uma interessante versão de "Fé Cega, Faca Amolada", bastante próxima a versão que Elis veio a interpretar depois no famoso show de Montreux, em 1978.

Entre várias conversas e discussões entre o quarteto, a fita encerra o lado A, tendo no lado B Gal e Elis conversando sobre algumas canções que poderiam fazer dueto, enquanto Gil e Caetano estão fazendo a criação de ao menos duas faixas reconhecíveis: "Chuckberry Fields Forever" e "Esotérico". Há também uma breve passagem de Gal cantando "Volta" acompanhada ao piano. Provavelmente Mayrink deixou a fita rolando nesse momento, e a única canção completa apresentada é uma apenas com piano e violão (segundo Caetano, é Gil ao violão) de "O Seu Amor", com Gal, Elis e Caetano fazendo os vocais, encerrando então o lado B. "Estou curioso para saber o que vem na segunda fita", diz Caetano, e então, vamos para ela.

Caetano e Elis em encontro de junho de 1975

A outra caixa traz um "ENTREVISTA" bem trabalhado na parte inferior da tampa, e no momento em que Caetano vê a palavra, começa a dar gargalhadas. Perguntei o que havia acontecido e ele "Você entenderá ao final, você entenderá!". A entrevista começa com Mayrink perguntando para a dupla sobre qual é a proposta do show. Elis responde: "Estamos querendo fazer um samba do crioulo doido no palco, bicho. O maior barato que o Brasil já viu e ouviu. A gente vai unir nomes que representam um cenário musical legitimamente brasileiro de norte a sul deste país. Já que o Vinícius me apelidou de 'Pimentinha', então vamos colocar essa Pimentinha junto a melhor Pimenta do país, que é a baiana, né meu rei, para criar com esses doces de pessoas que são Gil, Gal e Caetano, Os Doces Apimentados".

Caetano surge na fita: "Vamos criar um palco diferente, que não fique naquela coista estática e careta dos shows atuais. Nossa ideia é que, já que vamos apimentar desde o nome, então precisamos tornar o palco quente". "Como será isso?" diz Mayrink. "Vamos fazer uma mudança na diagramação do cenário e das luzes. Mudanças de roupas serão uma constante, assim como fantasias. Pensamos em trazer uma conotação erótica através das nossas performances, com um vestuário diversificado que exalte nossos corpos, mas sem ser vulgar. E teremos muitas composições novas, minhas, de Gil, e até de artistas estrangeiros" segue Caetano. Elis complementa: "Queremos pegar os Ruy Guerra, os Vinicius de Moraes, alguns dos nomes de maior peso da América Latina, e inserir isso num caos nunca visto antes. Queremos fazer de tudo no palco né Geraldinho, provocar a plateia, chocar mesmo".

Elis em entrevista de agosto de 1975

Então Mayrink fala: "Mas essa união será algo revolucionária. Vocês são bárbaros", e Elis, em choque, de pronto salta: "Você é burro cara, que loucura! Como você é burro! Que coisa absurda! Como você nos chama de bárbaros? As atrocidades que esses povos fizeram, você não entende que queremos homenagear nosso país". Caetano ri enquanto comenta com o consultor: "Viu? A Elis não entendeu o lado do bárbaro. E na época, eu percebi que ela ficou muito irritada com o Mayrink. Foi então que em 1978 eu falei para ele que ele era burro, foi por causa da Elis. Por que eu entendi o que ela falou, e que agora essa fita está aí para mostrar. O Mayrink tinha esse comportamento que dava um toque de agressividade, e por isso eu quis lembrar dessa fala da Elis, até por que eu também estava puto com ela".

A fita encerra-se exatamente após o esporro de Elis, com um Mayrink de voz exaltada falando "porra Elis, qual é a tua?", e Caetano então segue contando sua versão da história. "Não havia como dar certo. A Elis tava com um pensamento muito modernista, cafona, de usar música francesa no palco, uma coisa tão provinciana. A gente acabou discutindo e então, como já havíamos criado várias canções, decidimos por chamar a Bethânia. Daí, para sacanear a Elis, a gente chamou o novo conjunto de Os Doces Bárbaros. Acho que foi por causa disso que ela concordou em fazer o que fez comigo naquele show do Transversal do Tempo, me imitando com aqueles trejeitos desengonçados, colocando 'Gente', que é uma música que eu cômpus e amo, com tanto deboche que não era quem eu sou como pessoa entende. Mesmo ela tendo me dito que foi coisa dos diretores, aquilo me magoou profundamente, sabe, por que ela já tinha dito aos quatro cantos que gostava de mim como gostava do irmão dela. Todo mundo sabe que não gostei dessa parte do show, aquele cartaz de Coca-Cola escrito ‘Beba Gente’. Era agressivo, uma bobagem. E o show também era esquisito, muito pra baixo e diferente do que havíamos feito com os Doces Bárbaros, e ocorreu mais ou menos na época que eu falei o que falei pro Mayrink. Mas a gente se acertou depois, e ela até bebeu conhaque rindo muito".

Geraldo Mayrink

Empolgado, Caetano amplia a polêmica. "A Elis era uma artista sofisticada da legítima música popular brasileira, mas ela tinha uma insegurança intelectual e de prestígio, no sentido de palco mesmo, e também de pessoa. E agora que elas já não estão aqui, preciso dizer também que a Gal tinha uma paixão reprimida pela Elis. E ela falou isso para a Elis. Tanto que a Gal chamou a Elis para o especial dela da Globo de 81, e você pode ver como a Elis fica o tempo todo sem olhar para a Gal, desorientada de estar diante daquele mulherão, que tinha uma paixão enorme pela Elis. Uma coisa louca de duas mulheres incríveis entende!".

Mas e agora Caetano o que será feito dessa fita? "Sei lá, isso faz tanto tempo. 50 anos que ninguém soube disso. Penso que o melhor a ser feito é deixar isso num museu, por que as pessoas irão ficar só imaginando o que podia ter saído daí. Saiu muita coisa boa. O palco da Elis durante o Falso Brilhante praticamente veio todo daí, assim como nossas fantastias d'Os Doces Bárbaros. Eu não faço questão de falar mais nada sobre isso. Vou seguir minha vidinha, fazendo essa turnê com minha irmã Bethânia, por que isso aí não me pertence mais. Que fique sendo uma notícia real para vocês da imprensa, e para aquele imbecil que achou que eu tinha colocado 'Elis' em 'Podres Poderes', por que no fundo eu queria mesmo, mas não iria colocar uma prosódia assim numa letra. No fundo, se um dia fizessem algo com isso, vai parecer que foi ficção".

Obs: Gustavo Mayrink disse que irá doar as fitas para o museu em homenagem à seu pai, com data de inauguração ainda a ser informada.

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