quarta-feira, 27 de maio de 2009

O Terço



Mutantes, Secos & Molhados e Novos Baianos são os nomes mais citados quando falamos de rock nacional dos anos setenta, lançando álbuns que são em sua maioria facilmente encontrados, claro que às vezes com preços exagerados, mas que valem cada centavo investido. Depois destes, temos ainda Bacamarte, Som Imaginário, Módulo 1000, Quintal de Clorofila, Som Nosso de Cada Dia, Recordando O Vale das Maçãs, entre outras bandas que, apesar de muitos de nós conhecermos, sabemos que lançaram poucos discos, os quais viraram objetos de brigas nos sebos espalhados pelo país, e até pelo mundo. Porém, existe uma banda que faz esse meio termo, vários álbuns lançados, alguma facilidade em compra (dois discos pelo menos você sempre encontra nas lojas) e raridades garimpadas a preço de ouro (outros dois álbuns). Estou falando de O Terço.

No Rio de Janeiro de 1968, a fusão do Joint Stock Co., formado por Vinícius Cantuária (bateria), Jorge Amiden (guitarra), Sérgio Magrão (baixo) e César de Mercês (guitarra), e os Hot Dogs, do qual o guitarrista Sérgio Hinds fazia parte, dava origem ao grupo Os Libertos, formado por Sérgio, Vinícius e Mercês, com o último tocando baixo. Em pouco tempo, Os Libertos passaram a se chamar Santíssima Trindade. Já no início de 1970, Mercês foi substitúido por Amiden, com Sérgio indo para o baixo e, assim, adotaram o nome de O Têrço, com acento circunflexo.

Grupo formado, passaram a ensaiar e se apresentar em diversos festivais Brasil afora, tais como o Festival de Juiz de Fora, onde ganharam o prêmio principal com a canção "Velhas Histórias", e o Festival Universitário do Rio de Janeiro, onde ficaram em segundo lugar com "Espaço Branco". 


O som folk rock dos garotos, com um vocal bem trabalhado e cheio de falsetes, não demorou a chamar a atenção das gravadoras, e logo, conseguiram um contrato com a Polygram, que colocou o trio para gravar em poucos dias, lançando ainda em 1970 o auto-intitulado álbum O Têrço. Nele, encontramos um disco fortemente influenciado por The Band e Buffalo Springfield, entre outros nomes do folk rock internacional, com destaque para faixas como "Plaxe Voador", "Velhas Histórias" e "Yes, I Do". 

A banda chegou a causar certa polêmica com a capa do disco, onde aparecem sentados com calças jeans e descalços dentro de uma igreja, com um terço entre o trio. Em outubro de 1970 ainda participaram do V Festival Internacional da Canção, classificando "Tributo ao Sorriso" em terceiro lugar. Nesse ano, participaram do estranhíssimo espetáculo Aberto para Obras, no Teatro de Arena, ao lado do Módulo 1000 e outros artistas.

Sérgio decidiu seguir carreira ao lado de Ivan Lins, abrindo espaço para a volta de Mercês. Porém, o tempo ao lado de Ivan foi curto, fazendo com que Sérgio retornasse para O Têrço, assumindo as guitarras e deixando o trio agora como um quarteto. De cara, lançaram o compacto duplo "O Visitante", contando com as músicas "Adormeceu", "Doze Avisos", "Meio Ouvinte" e "Teatro da Área Extraída da Suíte".


Passaram a usar cada vez mais do experimentalismo em seus ensaios, e além disso, a construir seus instrumentos. Nessa época, foi feita a famosa "Tritarra", uma guitarra de três braços que Amiden empunhava para executar as difíceis peças que a banda começava a criar, bem como o violocenlo elétrico que Sérgio tocava. Esse violoncelo pode ser ouvido, por exemplo, em "Doze Avisos". Os novos intrumentos foram apresentados ao público no VI Festival Internacional da Canção, em 1971, onde a música "O Visitante" alcançou o quarto lugar.

Porém, após a participação no VI FIC Amiden discutiu com os demais integrantes, abandonando o barco. Para evitar problemas futuros, os remanescentes registraram o nome da banda, agora como O Terço, sem acento, e voltaram a ser um trio, enquanto Amiden montou a banda Karma, ao lado de Luiz Mendes Jr (violões) e Alen Terra (baixo). O Terço passou a acompanhar o cantor Marcos Valle, participando no fantástico álbum Vento Sul, com destaque para a esquisita canção "Democústico", culminando este projeto com a apresentação da banda ao lado de Valle no Festival do Midem, na cidade de Cannes, França.

A ida à França e a colaboração com Valle deu contato ao pessoal do O Terço com o rock progressivo, influenciando bastante na musicalidade da banda. Isso pode ser conferido no compacto com "Ilusão de Ótica" e "Tempo é Vento", onde até mesmo as letras estão mais trabalhadas. Sérgio passa a tocar viola e a estudar cada vez mais. Nessa nova fase lançam o fantástico álbum O Terço, abrindo assim sua principal fase no cenário nacional.



As guitarras distorcidas de Sérgio abrem o álbum e a faixa "Deus", com bastante peso e marcações. Os vocais aparecem com a presença do órgão Hammond de Maran Schagen executando o tema da canção. As vocalizações se fazem presentes no refrão, mostrando que, apesar de estar incrementando peso e técnica, a banda mantinha sua essência. 

"Você Aí" tem uma introdução bem anos sessenta, com a colaboração de Chico Batera na percussão. A guitarra de Sérgio está em destaque nos dois canais, e a levada quase samba rock dá um clima brazuca parecido com as canções do álbum do O Têrço. Destaque para o solo de saxofone de Zé Bodega duelando com a guitarra de Sérgio. Essa faixa ainda conta com um naipe de metais executado por Paulo Chacal (tumba), Paulo Moura e Mauro Senise (sax alto) e também o órgão de Maran. 

O disco segue com a bela "Estrada Vazia", cheia de vocalizações, variações de volume e violões. "Lagoa das Lontras" retoma as guitarras distorcidas, narrando sobre um local onde "todos fossem um só". Sérgio está cada vez melhor nos riffs, e a cozinha manda bem nos acompanhamentos. O lado A encerra com "Rock dos Elvis", que é nada mais nada menos do que um rockzão bem no estilo Jovem Guarda.

O melhor deste álbum ficou reservado para o lado B, com a canção "Amanhecer Total". Dividida em cinco partes ("Cores / Despertar pro Sonho / Sons Flutuantes / Respiração Vegetal / Primeiras Luzes no Final da Estrada - Cores Finais") e com a participação de Luiz Simas (Módulo 1000) nos teclados, ela ocupa todo este lado em seus quase vinte minutos de muita loucura e viagem. 

O início com "Cores" traz somente a voz de Patrícia Valle cantando a letra "Branco branco, amarelo, Pôr-do-sol, Luz e sol, Luz do sol, Arco-íris brilhando no céu azul", acompanhada pelos violões de Sérgio e os efeitos de Chico Batera, no melhor estilo Jamie Muir, entrando então no "Despertar pro Sonho", com o violão sendo acompanhado por sons de mata e floresta. As escalas de Sérgio soam indígenas, até a entrada de Luiz Simas. Os vocais então trazem as lindas letra e melodia, acompanhadas pelos violões e por intervenções de mini-moog e percussão. 

Camadas de teclados nos levam aos "Sons Flutuantes", numa viajante sessão com Sérgio cantando sobre essas camadas, para daí entrar na melhor parte da canção, a marcada "Respiração Vegetal", onde guitarra, teclado, baixo e moog fazem diversas escalas, com Vinícius tocando cirurgicamente. Baixo e guitarra fazem escalas pesadas, com o órgão interferindo sobre a levada de bateria. A guitarra então sola super distorcida, para assim os vocais assumirem novamente o posto principal. Temos então o solo de órgão acompanhado pela sessão instrumental anterior, muito pesada, e que repete a estrofe mais uma vez, com a mesma sessão rítmica. Destaque para a intrincada peça criada por Mercês e Cantuária para acompanhar o solo de órgão. 

O piano de Maran muda o clima em "Primeiras Luzes no Final da Estrada - Cores Finais", numa linda melodia onde a letra de "Cores" é repetida diversas vezes sobre camadas de piano, moog, teclados, baixo e bateria. Nada mais nada menos que divino!

Mesmo sendo um belo álbum, colocando o nome do O Terço no cenário nacional, Vinícius foi parar na banda de Caetano Veloso, sendo substituído por Luiz Moreno. Sérgio Magrão foi convidado para tocar baixo e Mercês assumiu a função única de letrista e compositor. Com a ajuda de Milton Mascimento, conhecem o multi-instrumentista Flávio Venturini, que havia acompanhado o pessoal do Clube da Esquina e tinha um talento incomum no Brasil, e que assume os teclados do grupo. Participam do álbum Nunca, de Sá & Guarabyra, e tornam essa formação a considerada clássica do O Terço, ao lançar, em 1975 o espetacular Criaturas da Noite.


O disco contém no mínimo quatro clássicos do rock nacional, começando com um deles, o hino "Hey Amigo", com o seu famoso refrão que foi cantado à plenos pulmões pelos jovens na década de setenta. O LP segue com a interiorana "Queimada", com seus violões e violas que também fizeram dessa canção um clássico. "Pano de Fundo" mostra o talento de Venturini sob uma levada e vocalizações que lembram as canções dos Mutantes de Sérgio Dias. Mercês colabora na parte percussiva dessa faixa. Destaque para a parte final, com uma baita levada de baixo e com Sérgio mandando ver na guitarra. 


Venturini muda de instrumento, assumindo primeiro o piano na viajante instrumental "Ponto Final", de Luiz Moreno, a qual conta com as vocalizações de Marisa Fossa. Nela, Venturini se aventura em solos de moog, órgão e piano. Sérgio também sola, mas é Venturini o destaque da canção, encerrando com uma bela presença do órgão. O fim do lado A ocorre com a hard "Volte na Próxima Semana", com um refrão grudento e muito órgão.
O lado B abre com outro clássico, "Criaturas da Noite". O que falar de uma canção que está entre as dez mais conhecidas do rock nacional? Com arranjos do maestro Rogéro Duprat, "Criaturas da Noite" virou uma das peças centrais da banda, sendo pedida nos shows até os dias de hoje. "Jogo das Pedras" retoma o clima de "Queimada", com os violões tendo maior destaque. 

Por fim, uma das melhores suítes do rock nacional, a linda instrumental "1974". Composta por Venturini, essa faixa retrata a importância da entrada do tecladista, dando enfim uma cara de grupo para O Terço. A faixa começa com a introdução ao piano e com o baixo executando os acordes para Sérgio trazer o tema principal. As marcações se fazem presentes, trazendo o tema principal com as famosas vocalizações de Sérgio ("Na-na-na-na-na-na-na-naaaaaaaaa") e novamente as marcações, para modificar um pouco o tema principal e também as vocalizações ("Da-ra-ri-ra-tu-ra-raaaaaaa Di-ra-ri-ra-ra-raaaaaaaaaa") em uma marcação hipnotizante, com a guitarra executando as mesmas notas das vocalizações. 

Os riffs mudam, com Venturini solando sobre um segundo tema instrumental, levando a música para um clima embalado, onde Sérgio sola com um efeito de reverb muito legal. A parte mais viajante então chega, com Venturini se virando em um polvo para executar os teclados, enquanto Sérgio emite vocalizações tristes, acompanhadas por notas de guitarra mais tristes ainda. O baixo de Magrão dá o toque suingado para a música, passando um clima de apreensão, onde o ouvinte não consegue imaginar o que vai vir. Sequências de baixo, bateria e guitarra intercalam sobre os teclados de Venturini, levando ao tema final da canção, com mais um solo de Sérgio e as últimas vocalizações, feitas somente com o acompanhamento do piano. Guitarra e sintetizador duelam por alguns segundos, para assim Sérgio solar e encerrar essa faixa que , com certeza, tem que ser ouvida e reouvida com todo o carinho e a atenção que se deve dar a uma obra-prima, e que foi eleita pelos fãs da banda (eu incluso) como a melhor música do O Terço em todos os tempos, nas mais diversas enquetes.


Criaturas da Noite foi lançado na Europa em 1976 numa versão rara, com as músicas cantadas em inglês e com o nome de Creatures of the Night. Foi o álbum mais bem sucedido da banda, com o compacto de "Hey Amigo" vendendo milhares de cópias e com direito até a apresentação de "1974" como peça musical coreografada, fato este ocorrido em 1977 através do artista argentino Oscar Araiz. Muitos consideram o melhor álbum de todos os tempos do rock nacional. Em sua versão original o LP trazia uma arte muito bonita, chamada A Compreensão, obra de Antônio e André Peticov, além de um encarte e poster gigante do grupo caught in the act. É claro que essa versão, quando encontrada, é disputada a tapa nos sebos, valendo alguns barris de cerveja. Existe também uma outra versão com o poster sendo a capa do álbum, e que muitos achavam que tratava-se de um álbum ao vivo da banda quando a mesma foi lançada.

O Terço tornava-se então um expoente do progressivo nacional, ao lado dos Mutantes de Sérgio Dias, participando como um dos headliners dos festivais Águas Claras (1975), Banana Progressiva (1975), Hollywood Rock e Temporada de Verão. Em 1976 a banda isolou-se em uma fazendo no interior de São Paulo, seguindo os passos de Novos Baianos, Mutantes, entre outros. Lá, construiram as canções para o próximo álbum.


Lançado no mesmo ano, Casa Encantada mantém o nível de Criaturas da Noite, porém sem nenhuma suíte. O nome do álbum se deve exatamente a casa localizada no km 48 da BR-116. O álbum vendeu tão bem quanto seu antecessor. Nele, O Terço volta um pouco aos elementos da MPB, mas continua com a linha progressiva.


O disco abre com os violões e a letra em espanhol de "Flor de La Noche", que muda para um rockzão bem anos setenta, com letras em português, bastante órgão e guitarras, contando também com a percussão de Zé Eduardo. Venturini está demais no uso dos teclados, e o vocal fica por conta de Luiz Moreno, assim como na faixa seguinte, "Luz de Vela", outro rockzão, com direito a naipe de metais construídos por Mr Duprat. 

"Guitarras", composta por Sérgio, mostra todo o talento do guitarrista, acompanhado pelos acordes viajantes de Venturini e pela levada cadenciada da canção, que é alternada para um "quase samba", com direito a cuíca de Zé Eduardo e vocalizações doidas sobre o solo de Sérgio.

"Foi Quando Eu Vi Aquela Lua Passar" retoma os violões de "Flor de La Noche", nos fazendo sentir em um lual na beira da praia, e mostrando para os que acham que sabem o que é tocar violão como fazer uma música acústica. O maestro Duprat aparece na canção seguinte, a linda "Sentinela do Abismo", com destaque para a introdução medieval de Venturini, com direito até ao uso de flautas, tocadas por Mercês. Venturini também faz os vocais nessa canção. "Flor de La Noche II" encerra o lado A com a letra em português de "Flor de La Noche", em um ritmo bluesy.


A clássica "Casa Encantada" abre o lado B. Assim como "Creaturas da Noite", essa canção ficou marcada entre os fãs do O Terço principalmente pelo arranjo construído por Venturini e Luiz Carlos Sá. Mercês participa na canção executando um animado solo de flauta. "Cabala" dá seguimento ao álbum. Construída por Venturini junto com Zé Geraldo, que também trabalhou nas orquestrações e tocou violão nessa faixa, temos um destaque especial para o ritmo progressivo, cheio de viradas no ritmo da canção. 

A instrumental "Solaris", de Luiz Moreno, mantém o clima progressivo, com Venturini viajando no órgão e piano elétrico. A cozinha Magrão/Moreno também tem destaque na faixa pelo acompanhamento na parte mais rápida da canção, onde Venturini manda ver no órgão. "O Vôo da Fênix" foi outra canção famosa deste disco, principalmente pela parte percurssiva de Zé Eduardo. Uma homenagem aos amigos Sá e Guarabyra encerra o álbum, com o velho folk rock dos tempos de O Têrço, em "Pássaro".


Após o lançamento de Casa Encantada, O Terço participou do filme Ritmo Alucinante e também do programa global Sábado Som. A banda fez uma média de 400 concertos entre os anos de 1975-1976, lotando teatros e eventos. Além dos festivais citados acima, vale a pena lembrar da homenagem que fizeram para os Beatles, junto com os Mutantes, em 1976. 

Novas músicas começavam a surgir, como "Raposa Velha" e "Suíte". Porém, Venturini decidiu sair e tentar a sorte ao lado de Beto Guedes. Mercês retorna definitivamente e junto com ele apresenta o novo tecladista, Sérgio Kaffa, que trabalha muito na gravação do compacto "Amigos"/"Barco de Pedra" e também do álbum Mudança de Tempo, lançado em 1978.


Contendo músicas instrumentais e belos arranjos, esse disco completa uma trilogia essencial em qualquer armário de colecionador. O LP abre com a embalada "Não Sei Não", carregada no piano e teclados. O vocal é acompanhado por um triângulo de baião, com destaque para os duelos de piano e guitarra, bem como o característico trabalho de Sérgio. 

"Gente do Interior" resgata O Têrço em um clima bem "fazenda", com piano, baixo e violões fazendo a base para a guitarra solar com o uso de steel. O refrão contém a participação da orquestra regida por Duprat, e a melodia da canção é muito bonita, principalmente pelas vocalizações. 

Os pianos voltam a se apresentar na instrumental "Terças e Quintas", que lembra bastante as canções progressivas de bandas como Gentle Giant e PFM, com bastante marcações e viradas. Os teclados também marcam presença, mas é a guitarra de Sérgio que manda ver em um dos melhores solos do artista. 


A gospel "Minha Fé" é embalada pelo órgão Hammond e pela levada suingada, contando com a participação de Rosa Maria nas vocalizações. O lado A encerra com a progressiva faixa-título, composta por Mercês, e que abre a música com o baixo de Magrão acompanhado por acordes de guitarra e pela marcação da bateria. As vocalizações da banda trazem a letra, acompanhados pelo ritmo inicial. A canção muda para um ritmo lento, com a guitarra fazendo variações no volume e com as vocalizações desejando as "mudanças" nos locais. Os dois temas são retomados, abrindo espaço para os solos de violão, órgão e guitarra.

O lado B começa com a jazzística instrumental "Descolada", que lembra o Som Imaginário de Matança do Porco, com um belo arranjo de piano e com a participação de Mercês solando com a flauta, além, claro, do excelente trabalho de Sérgio. A guitarra também introduz a faixa seguinte, "Pela Rua", outra com um embalo rock'n'roll bem anos setenta, com destaque para as tradicionais vocalizações e para a participação de Mercês tocando flauta. A música ganha um clima diferente após os seus quatro minutos, com o piano e teclados, acompanhados pela cozinha, marcando o tempo para Sérgio mostrar todo o seu talento em um riff contagiante. 

O bluezão "Blues do Adeus" mantém o alto nível do disco, começando somente com a guitarra e os vocais de Sérgio, com pequenas intervenções de piano. Após a introdução, o blues pega de primeira, com órgão, baixo e bateria mandando ver, no ritmo cadenciado de um bom blues e com a pitada vocal que O Terço sempre gostava de acrescentar em suas canções. Sérgio está fenomenal no seu solo. 


O disco encerra com a viajante "Hoje é Domingo", contando com um embalo nordestino, cheio de órgãos e guitarras. A cadência da música nos faz pensar que estamos atravessando montanhas dentro de um trem. O trabalho de Kaffa é excepcional, mostrando que ele poderia substituir, e bem, o ídolo Venturini. As intervenções de Mercês falando "hojé é domingo, pede cachimbo" soam como interferências sobre a letra da canção, mostrando como O Terço pretendia evoluir nos arranjos. O final é simplesmente sensacional, com Sérgio mandando ver na guitarra e levando O Terço para um destino promissor.

É neste álbum que surge o logotipo que caracterizaria a banda nos anos oitenta e noventa, e que foi criado por Guernot. A capa do álbum também teve duas versões, assim como Criaturas da Noite; uma com o logotipo sobre um fundo azul, e outra com o grupo olhando por uma janela, sendo que a primeira é muito rara. 


Na divulgação de Mudança de Tempo O Terço fez os seus primeiros shows internacionais, no chamado Concerto Latinoamericano de Rock. Foram três no Brasil (São Paulo, Campinas e Belo Horizonte) e dois na Argentina (em Buenos Aires, no Luna Park e em Rosário), sempre acompanhados pela banda Crucis, que iria ganhar uma homenagem no futuro álbum do O Terço, chamado Time Travellers (1993), com a faixa "Crucis".

Problemas com a gravadora e também a sensível mudança na sonoridade acabaram abalando as estruturas da banda, bem como o grave acidente de Sérgio, que o impossibilitou de continuar a tocar por um bom tempo, sendo substituído para completar a turnê de divulgação do álbum por Ivo de Carvalho. 


Ao fim da turnê, ainda em 1978, O Terço anunciava seu término. Luiz Moreno montou a banda Original Orquestra e participou do álbum de Elis Regina Ao Vivo, de 1979. Sérgio Magrão fundou, ao lado de Flávio Venturini, Cláudio Venturini, Vermelho e Hely Rodrigues, o famoso conjunto 14 Bis, enquanto Sérgio lançou seu primeiro álbum solo.

O Terço retornou em 1982, com Sérgio, Ruriá Duprat (teclados), Zé Português (baixo) e Franklin Paolillo (bateria), lançando Som Mais Puro, com destaque para a faixa "Suíte", dos tempos de Venturini. O grupo seguiu com diversas mudanças de formação, chegando a fazer os shows de abertura do Asia e do Marillion quando os mesmos passaram por aqui, além de lançar vários álbuns durante os anos oitenta e noventa, os quais não conseguiram retomar o sucesso de Criaturas da Noite e Casa Encantada.

Em 2001, O Terço se reuniu com a sua formação clássica - Sérgio, Venturini, Mercês, Magrão e Moreno - para participar de um show do segundo. Foi o pontapé inicial para uma reunião, que começou a tomar forma rapidamente. Porém, devido a uma parada cardíaca, Moreno veio a falecer em 2003, adiando o retorno por mais algum tempo. Em 2005 O Terço voltava a ativa com Hinds, Venturini, Magrão e Sérgio Mello subsituindo Moreno, feito registrado no CD/DVD Ao Vivo, onde o grupo tocou, entre outras, "1974", "Tributo ao Sorriso" e "Criaturas da Noite", e também teve a participação especial do talentoso Marcus Vianna.

Venturini retornou para sua carreira solo, mas O Terço continua fazendo shows, com a promessa do lançamento de um CD com músicas inéditas para este ano e que, esperamos, tenha um refrão grudento como "hey, amigo, cante essa canção comigo!!!!".

domingo, 24 de maio de 2009

Suck



O ano era 1970. No auge do apartheid, um leão rugia em uma pequena gaiola nos subúrbios de Joanesburgo, capital da África do Sul. E esse leão foi batizado com o sugestivo nome de Suck. Não apenas o nome era agressivo, mas as performances e atitudes de Stephen "Gil" Gilroy (guitarra), Saverio "Savvy" Grande (batera), Louis Joseph "Moose" Forer (baixo) e Andrew Ionnides (flauta e vocais) fizeram com que o leão sofresse represálias da conservadora elite africana.

As bandas de rock na África do Sul eram raras naquela época, principalmente pela precariedade do país e, como dito, pelo rigoroso sistema do apartheid. Mesmo assim, o Suck conseguiu ter seu momento de brilho, tornando-se hoje um dos principais nomes do cenário africano quando falamos de boa música.

A idéia da banda começou a ser formada a partir de Moose, que já havia trabalhado com o Peanut Butter Conspiracy em Salisbury, capital da Rodésia (hoje Zimbawe), Group 66 e também Billy Forest, esses já em Joanesburgo. Em uma loja de discos, Moose conheceu Gil, que havia chegado a África vindo de Londres há alguns meses, onde trabalhara com Mick Abrahans, ex-guitarrista do Jethro Tull. Ali, formou-se uma grande amizade, com ambos ouvindo e tocando direto. 

Logo, a idéia de formar uma banda cresceu e assim, foram atrás de mais integrantes. O primeiro a se brilhar na área foi Savvy Grande, um italiano que possuía experiências no Elephant e também em bandas alemãs (chamadas Oompah), sendo fortemente influenciado pela percussão da América Central. O encontro ocorreu em um clube no bairro de Hillbrow. Por fim, juntaram-se ao "já rodado" Andrew Andy Ionnides, que havia tocado no seu país natal, o Chipre, em bandas como o Blind Melon Jefferson, October Country e Meenads. Andy era um talento nato, tocando flauta, piano, guitarra e cantando incrivelmente, virando logo a atração principal nos bares de Joanesburgo, o que chamou a atenção dos demais integrantes do novo conjunto.

A idéia inical para o nome era algo que fosse tão escandaloso quanto as performações e canções que o grupo pensava em fazer, e, para tal, foi escolhido Fuck. Porém, os amigos convenceram-nos que com aquele nome, na África do apartheid, jamais conseguiriam fazer algo mais do que apanhar e serem presos. Daí, Suck foi a alternativa.


A banda começou a fazer vários ensaios, influenciados pelas nomes do lado oeste do planeta, como Grand Funk, Deep Purple, King Crimson, Black Sabbath, Jefferson Airplane e Big Brother & The Holding Company. O Suck estava formado havia três semanas, mas o impacto que causava na gurizada que comparecia nos seus shows chamava a atenção de muita gente, principalmente pela performance insana de seus músicos, com destaque maior para Andy, um doido no melhor estilo Iggy Pop, que rolava sobre vidro, ajoelhava-se diante da platéia e chegava a ser açoitado por Gil em pleno palco, mostrando como as pessoas anti-apartheid eram tratadas. 

Andy ficou conhecido como o Jim Morrison africano, principalmente pelas obscenidades extra-palco. Além disso, as constantes destruições dos equipamentos em pleno palco e as simulações de mutilação chocavam ainda mais a platéia, que saía estarrecida quando Gil assumia o microfone para dizer em alto e bom tom, "Nós somos a FUCK!!!!". Em uma de suas apresentações foram assistidos por Clive Calder, um Peter Grant africano que era respeitadíssimo entre as gravadoras daquele continente. Rapidamente, Calder propôs aos garotos um contrato com a finalidade de gravar um álbum e sair em turnê ao lado da Otis Waygood Blues Band e também da Freedom's Children .

Clive conseguiu um contrato com a filial da Parlophone e logo a banda caiu na estrada. O primeiro grande show foi no Milner Park, mais precisamente no Rand Easter Show, um dos principais eventos da capital africana, causando um estardalhaço geral na platéia. O tipo de comportamento do grupo nunca havia sido visto (e ouvido) pela comunidade conservadora da África do Sul, sendo classificada como uma "abominação corrompendo o cérebro dos jovens" pela imprensa. 

Os garotos também passaram a ser comentados não só pelo comportamento, mas pelos seus trajes, que contavam principalmente com cada integrante carregando uma determinada arma: Moose possuía uma faca-bowie (tipo a do Rambo), Gil um martelo, Andy uma pistola Magnum Cold Python 357 e um chicote cat-o-nine, que era o mesmo usado nas apresentações. O auge da insanidade do Suck ocorreu durante um show no Joburg City Hall, onde Moose saiu correndo atrás do vocalista do Freedom's Children, Brian Davidson, com um martelo.


Assim, foram barrados de entrar em diversas cidades, o que acabou prejudicando, e muito, na divulgação da banda pelo mundo, mas não em Joanesburgo, onde conseguiram entrar em estúdio por oito horas para gravar o fantástico álbum Time to Suck. Em seis horas estava pronto um álbum fantástico e que causou muitos problemas para os integrantes. O principal deles era a censura africana, que proibía as letras agressivas da banda, levando Time to Suck a virar um disco repleto de covers. 

O lado A abre com "Aimless Lady", do Grand Funk, a qual virou o primeiro (e único) compacto do grupo. O início com o baixo de Moose executando os riffs de Mel Schacher, trazem a voz de Andy cheia de reverbs e com a linha vocal totalmente diferente da de Mark Farner. Além disso, a canção está bem mais pesada, em uma linha mais Black Sabbath e com um solo de guitarra dos mais furiosos que já ouvi. 

Saindo do hard, o Suck viaja no progressivo de "21st Century Schizoid Man", do King Crimson. No início temos um pequeno erro da banda (que não sei se foi proposital), entrando no riff principal. A voz de Andy está ainda mais distorcidada, mas seguindo a mesma linha vocal de Greg Lake. A pauleira pega solta na viajante sessão instrumental criada por Robert Fripp, onde, com o Suck, o destaque fica para a guitarra de Gil, que mesmo não tendo toda a técnica do criador do Crimson consegue arrancar solos rasgados de seu instrumento. 

O final do lado A é de tirar o chapéu. Os africanos arrasam nos quase dez minutos de "Season of the Witch", do Donovan, superando, e muito, a versão melosa original e o cover feito desta mesma canção por Julie Driscoll. A flauta de Andy, acompanhada pelos acordes suaves da guitarra, lembra bandas psicodélicas como o Family. Segue-se um duelo de flauta e guitarra acompanhado lentamente pela cozinha. A sessão instrumental estende-se por quase três minutos, onde dá pra viajar bastante, ganhando um pique lentamente, até Andy entrar com a letra. 

O acompanhamento da banda é totalmente viajante. Savvy está fenomenal nas batidas de caixa e Gil sola sua guitarra com muito feeling. Andy esganiça sua garganta ao máximo e Moose destrói o baixo em uma precisão jazzística de tirar o fôlego. Toda a doideira nos dá direito até de ouvir um pequeno solo de Savvy, mostrando por que virou um músico requisitado no futuro. Após o solo de bateria, Andy volta gritando tudo o que pode, acompanhado pelo seguimento embalado criado pelos africanos para esse clássico dos anos sessenta, encerrando com a flauta solando igual a introdução e com Andy quase chorando ao microfone, em um lamento dolorido e angustiante. Realmente, é a faixa mais doida do álbum, e talvez a melhor no pequeno repertório suckiano.

O lado B abre com outra do Grand Funk, "Sin's a Good Man's Brother". A introdução é diferente da versão do GFR, mas logo temos os riffs de Mark Farner sendo executados por Gil. Esta é a cover que mais se assemelha à versão original em todas do LP, mesmo que aqui tenham conseguido um peso ainda maior que com o GFR. "I'll Be Creeping", do Free, vem em uma versão mais agitada e pesada do que a original, com destaque para a marcação do baixo. 

A única faixa da banda, "The Whip" dá sequência ao álbum na melhor linha do Black Sabbath, com o riff sendo executado pelo baixo e guitarra, acompanhado pelas batidas fortes e precisas da bateria de Savvy. A letra é a mais "calma" do repertório suckiano, criticando a família e as atitudes imbecis dos adolescentes, em frases como "I don't care whit my mother says". A linha vocal é agressiva, sendo sempre intercalada pelo riff principal. Hardzão puro em pouco mais de dois minutos. 

A purpleana "Into the Fire" também lembra bastante a versão original. O embalo é o mesmo e a linha vocal também, até por que a voz de Andy lembra bastante a de Rod Evans, primeiro vocalista do Deep Purple. O solo de Gil é bem diferente do de Blackmore, e claro, a ausência dos teclados também é sentida, mas não faz falta, pelo contrário, só atrapalharia o peso extra que a banda colocou. Por fim, "Elegy", do Colosseum, encerra o álbum na linha hard que o grupo se caracterizou, com muito peso e gritos alucinados de Andy.

Com os shows e o lançamento do disco contendo apenas uma canção própria, a banda marcou seu território como uma das mais estranhas de todos os tempos. Porém, a pouca divulgação do álbum fez com que ele ficasse engavetado nas lojas, tornando-se muito raro em sua versão original. Os desgastantes abusos feitos pelos quatro integrantes, e principalmente por Andy, levaram ao fim do grupo em menos de um ano na ativa. Dívidas (os integrantes viviam com pouco mais de um rande por dia, o que equivale em reais a aproximadamente 25 centavos!!!!), viagens, censura e, principalmente, as fortes críticas e represálias da polícia e imprensa africanas deixaram o grupo com a marca de ovelha-negra na cena roqueira da África. Desiludidos, divulgaram oficialmente o fim em dezembro de 1970, oito meses após sua criação.


Em 1972 foi lançado o raríssimo álbum Rock Today with the Big Heavies, que é uma compilação com as principais bandas da África. Ali contamos com a presença da Otis Waygood Blues Band em seis faixas, Freedom's Children em cinco faixas e o Suck interpretando "Aimless Lady", "21st Century Schizoid Mand", "The Whip" e a inédita versão para "War Pigs", do Black Sabbath, que para mim é a melhor cover do Sabbath em todos os tempos. 

O início é arrepiante, com sons de sirene e bombas, bem como vozes que lembram Hitler, envolvidas por vidros quebrados e gritos de pessoas sendo mutiladas. Lembro de quando minha esposa ouviu isso pela primeira vez entrou no quarto perguntando se eu estava vendo um filme de guerra. Realmente, é assustador!!! Os riffs de Iommi e companhia aparecem, seguidos por Andy fazendo um grito de lamento acompanhado por um grito agudo e ensurdecedor, até chegar na parte da letra, tal qual o original. A parte agitada deste clássico é bem diferente em suas bases. Somente a linha vocal é a mesma, mas a guitarra está com as cordas abafadas e é interessante ouvir também a presença de um sintetizador ao fundo, tocado por Andy. O solo de guitarra está similar ao de Iommi, mas incrementando novas notas e seguindo escalas bem diferentes em determinados pontos. Após a segunda parte da letra, temos os famosos riffs de encerramento, acompanhados por Andy, que faz os "o-o-o-o-o-o-o-o-o" que Dio iria incrementar à música na sua primeira passagem pelo Sabbath.

Após o término do Suck, Gil Gilroy teve uma breve participação ao lado da banda Rat, abandonando totalmente a música depois disso. Permaneceu na África do Sul trabalhando na Mame Enterprises, que era a primeira empresa especializada em filmes eróticos naquele país. Abriu sua própria cervejaria em West Ran, onde elabora uma das principais cervejas da África, a Gilroy's. Gil continua tocando, mas apenas por prazer, participando de bandas de jazz na capital africana.

Savvy Grande continuou trabalhando em bandas como Omega Ltd, Stagecoach, Jack & The Beanstalk, Lesley Rae Dowling, Shag, Razzle, David Kramer e Jonathan Butler. Virou professor de bateria para crianças em uma escola chamada Merton Barrow's. Sua última banda foi a Late Final, e atualmente procura novos grupos para trabalhar.

Moose Forer continua até hoje como músico. Ao lado de Gil, participou da Rat por pouco tempo. Como produtor, foi um dos responsáveis pelo surgimento de Trevor Rabin (Yes) na banda Rabbit. Atualmente toca na banda Sounds Like Thunder.

Andy Ionnides foi para a Rodésia, onde integrou a Hedgehopper's Anonymous, e também envolveu-se com a Rat por um tempo, bem como o Rainbow e o Faggott. Após isso, passou a trabalhar com seu irmão, Reno Ionnides, em uma loja de vendas de filmes. Regenerado, fundou uma banda gospel e foi trabalhar com outro irmão, George Ionnides, em Port Elizabeth, em uma empresa de lavagem de roupas, e também em restaurantes. Criou um bar muito famoso em East London, onde, exatamente quando começou a ganhar o dinheiro que tanto buscou na música, faleceu em 16 de outubro de 2000 devido a problemas cardíacos.

Em sua curta carreira o Suck abalou as estruturas do rock africano, e, infelizmente, devido a ignorância e burrice de autoridades, que não entedem o que é o verdadeiro significado da palavra arte, nos deixou apenas esse belíssimo e único registro.

domingo, 17 de maio de 2009

O encontro de Buddy Rich e Max Roach


O ano era 1959. O lugar, os estúdios de gravação da Verve, localizados no coração de Nova York. Ali, muitas pessoas sentiram o chão tremer. Nada mais nada menos que dois gigantes monstruosos na arte de tocar bateria enfretavam-se em uma batalha cujas proporções causaram impacto em todo o mundo. Para auxiliá-los, cada um dos dois contou com o apoio de soberbas bandas de apoio. Estou falando do magnífico encontro entre Buddy Rich e Max Roach. 


Antes desse duelo acontecer, Rich já havia feito outras batalhas com Louis Bellsom e também Gene Krupa. Nascido em 30 de setembro de 1917 em Nova York, Rich caracterizou-se por uma poderosa mão esquerda, com rufos impressionantes e levadas que mudaram a concepção de como tocar jazz. Além disso, seus divertidos improvisos e principalmente o seu carisma faziam com que até as crianças passassem a admirá-lo, chegando ao ponto de Rich duelar com estrelas como Animal dos Muppets e também Jerry Lewis. Os longos solos de Rich são achados raros nas obras para bateria, sempre inovando com batidas rápidas nos pratos ou até mesmo solando em seu banquinho. Rich passou por diversas big bands, como a de Tommy Dorsey e a de Benny Carter, e formou a sua própria, onde, além de seus solos, viu crescer o talento de um ás no saxofone, Steve Marcus.


Max Roach já vinha de uma linha um pouco mais diferente. Nascido na Carolina do Norte em 10 de janeiro de 1924, foi morar em Nova York no mesmo bairro onde crescia o garoto Rich, o Brooklyn. Roach começou cedo a tocar em grandes apresentações, sendo a primeira delas na banda de Duke Ellington quando tinha apenas dezesseis anos. Dono de uma técnica incomensurável, onde alternava sequências de variações rápidas nos bumbos e caixa (similar ao que John Bonham faria nos anos setenta), Roach foi o responsável pelo chamado amadurecimento do jazz, tocando não só apenas pelo improviso mas também pela sabedoria e pela arte de compor na bateria, criando um novo estilo, o bepop. Com uma formação mais sólida, tocou ao lado de Dizzy Gillespie, Charlie Parker, Thelonius Monk e Coleman Hawkins, além de ter feito parte de uma das principais formações do grupo de Miles Davis.

Na primavera de 1959, Rich estava com o seu quinteto tocando na famosa casa de jazz Birdland, em NY. Faziam parte do quinteto, além do próprio Rich, Phil Woods (saxofone), Willie Dennis (trombone), John Bunch (piano) e Phil Leshin (baixo). Roach, na mesma época, estava excursionando pelos Estados Unidos também com um quinteto, formado por ele, Stanley Turrentine (saxofone), Tommy Turrentine (trompete), Julian Priester (trombone) e Bobby Boswell (baixo). Porém, problemas particulares fizeram com que o mesmo voltasse para Nova York. A fama dos dois bateristas já era grande, e, através do jovem arranjador Gigi Gryce surge o convite para a gravação de um álbum com os dois. Gigi então ficou encarregado de elaborar os arranjos para os dois quintetos tocarem juntos, o que parecia ser um tanto difícil, já que também teria que encaixar espaços para os solos dos bateristas em meio a clássicos escolhidos a dedo dentro do repertório jazzístico.

Mas não foi. Em dois dias
Rich versus Roach estava terminado, com oito composições de excelente qualidade e muita técnica, além de ótima harmonia entre os dois quintetos. O disco abre com "Sing, Sing, Sing (With a Sing)", de Louis Prima. O piano de Bunch, junto dos coros realizados pelas orquestras, abrem a canção com o tema principal. Seguem as sequências de solos de bateria, começando por Rich. O tema principal é retomado, abrindo espaço então para Roach mostrar seu virtuosismo, ao mesmo tempo que Boswell o acompanha fazendo escalas no baixo. O tema principal é retomado, encerrando a faixa com um rufo ensurdecedor dos dois bateristas ao mesmo tempo. 

"The Casbah", composta por Gryce, lembra os brazilian jazz das décadas de quarenta e cinquenta, como Os Velhinhos Transviados e Pascoal Meirelles Trio. Rich está nos pratos e Roach nos sticks, acompanhando o tema principal. A ótima levada dos dois quintetos acompanha os solos de trombone (Julian Priester) e sax (Stanley Turrentine). Seguem então os solos de bateria, começando por Roach, depois Rich, e alternando seis vezes, com direito a um ótimo duelo nos pratos e viradas de bumbo. O tema original é retomado a partir da nova sequência de coros feita pelas orquestras. 

"Sleep", de Earl Lebieg, é uma paulada literal. O ritmo alucinado da canção, tal qual uma locomotiva sem freios, toma conta das caixas de som. Roach está no triângulo e woodblocks, com Bunch executando o tema principal no piano. A orquestra então passa a executar o tema principal, dando sequências aos solos, sendo que dezesseis compassos dos solos são feitos por músicos de Rich (Woods e Dennis) acompanhados pelo mesmo e outros dezesseis por músicos de Roach (Stanley Turrentine e Nat Turrentine), acompanhados de Roach. O piano de Bunch também marca presença, acompanhando os solos dos bateristas. 

O encerramento do lado A é sobrenatural. Após os dois dias de gravações os músicos (e até mesmo Gryce) acharam que já possuíam material suficiente para a gravação de um álbum. Porém, o pessoal de auxílio nos estúdios reclamou de não ter nenhum duelo somente entre os bateristas. Então foi sugerido isso aos dois que, óbvio, com a gana de tocar começaram um magnífica batalha, iniciando com Rich nos chimbals em oito compassos e seguido por Roach, nos pratos, também em oito compassos. O que se ouve é uma insana competição na tentativa de um superar o outro e vencer a tão falada "batalha de baterias", durante incríveis vinte e quatro desafios, todos com oito compassos para cada um fazer o que bem entendesse. Neles, Rich extrapola na velocidade de rufos enquanto Roach mostra ao mundo o valor das viradas certeiras. O uso de pratos é animalesco, com Roach parecendo um rinoceronte em busca de sua presa e Rich batendo suas mãos como as asas de um beija-flor. Por fim, os chimbals abrem espaço para rufos ainda mais ensurdecedores de ambos, culminando a batalha ensurdecedoramente com violentas batidas nos pratos. Simplesmente fora do comum. O nome da faixa é "Figure Eights" e é uma referência de como juntar dois monstros em um mesmo lugar do espaço.

Depois de recuperar o fôlego coloque a agulha no lado B e veja surgir "Yesterdays", de Jereme Kern e Otto Harbach. Rich está no cincerro e Roach nos sticks, com Bunch fazendo o tema principal no primeiro coro, seguindo com Stanley Turrentine executando o tema no segundo coro. O clima fica pesado na sequência de duelos, começando com Roach enquanto Rich acompanha no cincerro e depois com Rich quebrando tudo e sendo acompanhado por Roach nos pratos. Os duelos são fortes, bem mais pesados que em "Figure Eights", porém não tão rápidos. Após mais uma execução do tema principal, temos os solos de Woods e Dennis (acompanhados por Rich) e também Stanley Turrentine e Priester (acompanhados por Roach), encerrando com o tema principal. 

As duas faixas seguintes são aulas de democracia. "Big Foot" é a famosa canção de Charlie Parker, aqui totalmente recriada. A faixa inicia com dois coros da orquestra principal executando o belo tema principal, acompanhados por Roach. Os integrantes de ambas as bandas solam acompanhados por Rich e Roach, começando por Bunch, seguido pelos solos de Stanley Turrentine, Woods, Priester, Dennis e Nat Turrentine. Os bateristas então interrompem os solos individuais e começam seus solos, com Rich primeiro. O tema inicial é retomado pelas orquestras, agora apenas com Rich no acompanhamento, encerrando essa "Monalisa" do repertório parkiano

"Limehouse Blues", de Philip Braham e Douglas Furber, começa somente ao piano de Bunch acompanhado por Roach em um tema super bebopiano, que era o que Roach realmente gostava de tocar. Novamente uma sequência longa de solos rápidos aparece, começando por Woods, Dennis, Nat Turrentine, Stanley Turrentine, Priester e Bunch, sempre acompanhados por Roach. Rich então aparece para executar os coros da introdução e acompanhar o solo de Bobby Boswell. Temos um pequeno solo de Rich e outro de Roach, antes de Rich fazer o coro final e Bunch encerrar a faixa com o tema de encerramento da canção dos três patetas. 

Após o esqueleto estar totalmente quebrado de tanta pancada e técnica, "Toot, Toot, Tootsie, Goodbye", de Gus Kahn, Ted Fio Rito, Robert A. King e Ernie Erdman ainda retira o que restou de nossos corpos. No início temos Rich no bumbo e Roach nos pratos acompanhando os coros iniciais e também o tema principal. Começa então a longa sequência de duelos entre Rich e Roach, o qual ficou mais nos improvisos de ambos, já que não estava previsto um duelo nesta faixa. O tema principal é retomado, encerrando o álbum com a quebradeira geral.


No resultado final não houve um vencedor desta batalha, já que ambos foram soberbos em suas tarefas. A capa do álbum era bem interessante, com Rich e Roach entreolhando-se sobre as baterias como duas águias em busca de uma mesma presa. Além disso, o vinil possuía outra característica marcante: o ótimo estéreo. Isso fica comprovado na separação dos quintetos, já que você ouve perfeitamente o quinteto de Rich no canal esquerdo e o quinteto de Roach no canal direito. No Brasil, este álbum chegou em 1975 através da Mercury, com os relançamentos da série Jazz Masters.

Rich continuou sua carreira explorando cada vez mais a velocidade de seu braço esquerdo, vindo a falecer de ataque cardíaco devido a um tumor cerebral no dia 02 de abril de 1987. Recebeu uma devida homanegem em 1994 de um grande fã, o baterista do Rush, Neil Peart, através do tributo
Burning for Buddy, onde, ao lado da orquestra de Rich, comandada por Steve Marcus, tocaram diversos bateristas, como Bill Bruford, Marvin "Smitty" Smith, Omar Hakim, Billy Cobham e o próprio Peart. 

Max Roach também participou do tributo, interpretando duas canções. Nos anos sessenta atingiu seu auge como compositor, tendo lançado obras como We Insist! Max Roach´s Freedom Now Suite. Nos anos setenta Roach liderou a orquestra de percussão M'Boom. Faleceu no dia 16 de agosto de 2007 devido a problemas neurológicos.

Ambos os bateristas estão no
top of the tops dos mais citados entre os melhores de todos os tempos, e esse LP consegue registrar o porque disso, exatamente no auge da carreira de ambos.

domingo, 10 de maio de 2009

A fase final de Ozzy no Black Sabbath




Falar de Black Sabbath é algo relativamente simples, principalmente quando se comenta o início da banda, com todas as suas histórias de satanismo e magia negra, ou também das fases Dio e Gillan, menos pesadas porém não menos importantes. Mas dois álbuns do Sabbath sempre entram em rota de colisão quando o assunto é realmente a musicalidade da banda, mesmo que essa tenha se alterado bastante com a entrada de Glenn Hughes e, na sequência, com Tony Martin. Esses álbuns são Technical Ecstasy (1976) e Never Say Die! (1978).

O Black Sabbath vinham arrebanhando fãs por todos os cantos do planeta. O hard pesado da banda (ou heavy metal) fez sucesso atráves de álbuns seminais como Paranoid (1970), Vol 4 (1972) e Sabbath Bloody Sabbath (1973). Porém, Ozzy Osbourne (vocais) e Bill Ward (bateria) estavam envolvidos demais com drogas pesadas, enquanto Tony Iommi (guitarras) e Geezer Butler (baixo) buscavam novas sonoridades e menos pressão para tocar sempre pesado e ligado ao "demo". Dessa forma, a banda lançou o excelente Sabotage (1975), que mesclava todo o peso da banda em faixas como "Hole in the Sky" e "Sympton of the Universe", bem como jazz e progressivo em "Megalomania" e "The Writ", cheias de teclados executados por Mr Spock Wall (na verdade, Rick Wakeman escondido atrás de um pseudônimo).


Outros fatores começavam a abalar a banda. Primeiro, a saúde de Ward já não era mais a mesma, devido ao abuso de álcool e drogas. Segundo, o grupo não possuía um empresário, sendo que todas as assinaturas de contrato ficavam ou a cargo de Iommi ou de Ozzy, o que levou este último a se desgastar cada vez mais, largando vagarosamente toda a sua responsabilidade com a banda e deixando toda a pressão para Iommi. É exatamente nessa época que Ozzy chama Don Arden para ser seu secretário e conhece sua futura esposa/empresária, Sharon.

Sem a constante presença de Ozzy nos estúdios e também ao lado dos demais integrantes, Iommi ficou responsável pela composição das músicas e, obviamente, decidiu incorporar ao peso do Sabbath as linhas de jazz e blues que aprendeu durante seus estudos de guitarra, bem como o progressivo que havia conhecido quando esteve no Jethro Tull e que também sempre foi uma presença constante em suas audições. 


Em 1976 então surgia o brilhante álbum Technical Ecstasy. O disco conseguia trazer toda a desarmonia que a banda estava passando, principalmente pelo fato de Ozzy não aceitar as novas guinadas musicais, e o que se ouve é uma clara tentativa de Ozzy tentar resgatar o Sabbath dos tempos iniciais no meio das intrincadas peças criadas por Iommi, gerando um sabor todo especial. Ao mesmo tempo, Geezer mostrou-se sem criatividade para as composições, enquanto Iommi era um perfeccionista ao extremo, tocando muita guitarra para compensar o tempo perdido assinando papéis e decidindo o futuro da banda, influenciando nas inúmeras regravações das faixas e também no toque final do álbum.

O disco abre com a cacetada "Back Street Kids", onde as guitarras de Iommi, com riffzões tradicionais, nos trazem os vocais de Ozzy bem rasgados, tal qual manda o figurino sabbático. Os sintetizadores do novo tecladista, Gerald Woodruffe, também aparecem nessa faixa, na parte mais simples da canção. Após a ótima abertura, temos os teclados viajantes e a forte pegada de Iommi, Butler e Ward introduzindo a bela "You Won't Change Me", com Ozzy mandando ver acompanhado de muitos teclados. O peso das guitarras não é o mesmo dos discos anteriores, porém a melodia é linda, mostrando como o tempo de guitarra estava fazendo bem para Iommi. Um longo solo de Tony também pode ser ouvido, agora em uma parte mais agitada, e sempre acompanhada por pianos. 


"It's Alright", cantada por Bill Ward e com o mesmo ao piano, é, assim como "Changes", uma das mais lindas canções da banda em toda a sua carreira. Essa faixa ganhou fama nos anos noventa com a interpretação que o Guns N' Roses fazia em seus shows, sendo que muitos achavam que a mesma era uma composição de Axl Rose. O embalo lembra o de bandas do final dos anos sessenta, principalmente pela levada da bateria. O solo de guitarra, cercado de teclados, também é um ponto positivo para a canção. 

O lado A encerra com a doideira de "Gypsy". No início, somente a bateria forte de Ward traz a guitarra e o baixo apenas executando alguns acordes, acompanhados também pelos teclados e da letra cantada por Ozzy. Uma sequência de riffs mais pesados dá continuação a faixa, que começa a sofrer variações a partir do refrão, ganhando um clima bem viajante, com as guitarras executando temas marcados junto ao baixo sobre camadas de teclados, pianos e fortes batidas nos tambores e pratos de Ward. Ozzy canta agressivamente, e a guitarra toma conta, com um forte solo de Iommi, acompanhado por acordes de piano e pela levada "balança-cabeça" de toda boa faixa pesada.


O lado B abre com "All Moving Parts (Stand Still)", que lembra muito "Sweat Leaf", principalmente pela sua introdução. Porém, na metade da faixa temos as quebradas jazzísticas aparecendo novamente, principalmente pela guitarra e pela levada da bateria, com muitas variações, e com Butler, claro, não ficando atrás. A canção muda o ritmo, dando espaço para um pequeno solo de teclado antes de voltar a sua cadência original. 

Para quem nunca ouviu Sabbath, até aqui o álbum estava perfeito, mas ainda havia mais. "Rock'N'Roll Doctor" é um rockzão ao estilo Zeppelin, bem diferente de tudo o que o Sabbath já havia feito, sem muito peso e pronta para entrar nas FMs, tal qual havia acontecido com "Am I Going Insane (Radio)", do álbum Sabotage. "She's Gone" é de arrepiar. Os arranjos orquestrais e o violão da introdução nos trazem um Ozzy triste, cantando agonizantemente, acompanhado apenas pelas orquestrações, cravo e violão. O destaque vai para o belo solo orquestral no meio da canção, que é uma boa aula para aqueles que acham que "Still Loving You" é a melhor balada dor-de-cotovelo de todos os tempos, já que "She's Gone" está muito longe de ser somente uma balada dor-de-cotovelo. 

O disco encerra com a viajante "Dirty Women". O início da canção, com a voz de Ozzy camuflada por camadas de sintetizadores e guitarras, nos remetem a "Who Are You?" do álbum Sabbath Bloody Sabbath. Mas Iommi queria inovar, e, após os minutos iniciais, a faixa muda completamente, com um belo tema executado na guitarra, que dá novo pique à faixa, em um trecho instrumental com muitos solos de guitarra e a levada precisa da cozinha Butler/Ward, culminando na parte jazzy da canção, cheia de quebradas entre bateria e baixo, com guitarra e teclados executando o mesmo tema. O peso volta a tona, com Ozzy gritando ao mundo "oh dirty women, they don't mess around". O final é lento, dedilhado e seguindo a linha de faixas dos álbuns anteriores, mas a mescla instrumental construída por Iommi aqui não foi vista em nenhum outro trabalho do Sabbath. Com certeza, aqui encontramos as músicas mais bem elaboradas de toda a carreira do Black Sabbath.

Technical Ecstasy alcançou disco de ouro nos EUA e disco de platina na Grã-Bretanha, e é com certeza o mais versátil LP da banda. Porém, após a turnê Ozzy pediu o boné, decidindo se livrar das drogas e, principalmente, da pressão que Iommi estava colocando em cima dele e dos demais integrantes, já que o guitarrista estava incursionando e viajando demais sobre longos temas instrumentais (mais ou menos o que afastou Peter Banks do Yes, mas ai o papo é um pouco diferente). Sem Ozzy, a solução foi procurar um novo vocalista. Ward afundava-se cada vez mais em drogas e álcool, enquanto Butler seguia ao lado de seu amigo Iommi para manter o nome Black Sabbath na ativa.

O substituto foi Dave Walker (futuro Fleetwood Mac), que só fez algumas apresentações com a banda, participando também na composição de algumas canções. Porém, a reação do público perante a nova formação do Sabbath foi crucial para Iommi entregar os pontos e resolver chamar Ozzy novamente, aceitando as exigências do vocalista, principalmente na questão da reformulação das composições da fase Walker. Vale a pena ressaltar que, ao mesmo tempo em que Ozzy sofria com Iommi na época de Technical Ecstasy, ele também perdia seu melhor amigo, seu o pai, Mr Thomas Osbourne.


A reclusão de Ozzy por algum tempo fez com que sua cabeça ganhasse novas inspirações, não aceitando humilhações ou imposições de Iommi. E assim, em maio de 1978 começava a ser construído o oitavo álbum da banda, Never Say Die!, exatamente quando o grupo completava dez anos e partia para uma longa turnê em comemoração à data. 


Para a abertura, nada mais nada menos que os jovens do Van Halen foram convidados. Infelizmente, a falta de respeito do público perante o nome Black Sabbath foi o suficiente para irritar todo o pessoal do grupo, já que Ozzy, Iommi, Ward e Butler soavam datados, e o novo som vindo das guitarras de Eddie Van Halen fazia com que a gurizada esquecesse toda a tradição do metal pesado em busca de novos ares. A turnê com o Van Halen fez Ozzy enxergar o que já havia vislumbrado anos antes: o Black Sabbath tradicional estava afundando tal qual um Titanic.


O baixo público e as péssimas apresentações de Ozzy, com raríssimas exceções, como a que podemos assistir no DVD Hammersmith Odeon 1978, apressaram ainda mais o término do álbum, que foi lançado em outubro de 1978. Para os teclados, Don Airey era convocado, substituindo com exímia competência seus antecessores. O disco abre com o single mais vendido da banda (após "Paranoid"), a faixa-título "Never Say Die!". Com muito pique e riffs simples, essa canção marcou época nas apresentações da turnê de promoção do LP, e é lembrada pelos fãs como uma das melhores do grupo. 

"Johnny Blade" mantém o pique de "Never Say Die!", com Ward mandando ver. As sequências de riffs de Iommi também marcam presença, mostrando que a volta de Ozzy havia afetado bastante a forma de compôr do guitarrista, com destaque para o baita solo que o mesmo faz no fim da canção. O baixão de Butler e a marcação de bateria introduzem "Junior's Eyes". A guitarra de Iommi invade o cenário, cheia de wah-wahs, enquanto Ozzy canta a letra que escreveu em homenagem a seu pai. Essa canção já havia sido construída nos tempos de Walker, mas foi totalmente reformulada com a volta de Ozzy. O que se vê é um metal típico da fase de Ozzy nos anos oitenta, bastante rasgado e sujo. As intervenções de Airey também se fazem presentes, criando um clima espacial para a canção. 



O segundo single do álbum, e que também se saiu bem em vendas, encerra o lado A. "Hard Road" lembra bastante as faixas de Vol 4 e Sabbath Bloody Sabbath, principalmente pelos vocais de Ozzy. Todos os integrantes, inclusive Iommi, participaram dos backing vocals, que serviram como uma despedida das atividades de Ozzy com o Sabbath em um clima alegre e festivo, e que pode ser conferido no vídeo elaborado para esta composição.O lado B abre com "Shock Wave". O timbre da guitarra de Iommi executando o riff principal da canção muda bastante, e os vocais de Ozzy estão distantes. O refrão pesado nos faz imaginar que a canção ira seguir o peso tradicional da banda, mas um tema trabalhado trata de mudar nosso pensamento. Temos o solo de Iommi cercado pela quebradeira geral de Butler e Ward, mostrando que a partir do lado B Ozzy já não iria mais ser a figura principal da banda. 

A linda e trabalhada "Air Dance" dá sequência ao álbum. As guitarras de Iommi duelam com o baixo de Butler em mais um riff de primeira, em um clima bem hard. Porém, a canção muda sua introdução, com dedilhados de piano e violão servindo de base para Ozzy cantar sobre o acompanhamento de baixo e bateria. As intervenções de piano de Airey relembram as partes jazzíticas de Technical Ecstasy. Novamente a faixa ganha nova cara, com a guitarra trazendo o refrão, que é curto, retomando as viajantes dedilhadas de Airey. Após a repetição do refrão, a música fica lenta, com uma longa sessão instrumental, somente com piano e pratos. Escalas jazzísticas são ouvidas na guitarra de Iommi, enquanto Airey, Butler e Ward acompanham. 
Piano e guitarra solam juntos, dando espaço para uma parte mais agressiva e suja, mas que também não dura muito, ganhando realmente uma cara jazzística, com um solo de guitarra de Iommi acompanhado por um solo de moog, enquanto a banda manda ver num jazzão de primeira. Quando você menos percebe, os cinco minutos e pouco dessa louca e incrível faixa se passam, com os teclados de Airey executando riffs que não se equivalem a nada da música. Loucura geral!!! 

"Over to You" traz o clima de "Hard Road", contando com várias participações do piano elétrico de Airey e também com variações que somente Iommi poderia construir em uma banda de metal. Assim como "Hard Road", "Over to You" encerra de vez a carreira de Ozzy no Sabbath. 

Uma das mais polêmicas faixas dá sequência ao álbum. "Breakout" é uma instrumental construída com a guitarra duelando com um naipe de metais arranjado por Will Malone, enquanto temos um solo de sax dos mais furiosos sobre a levada lenta e cadenciada da banda. O naipe de metais se faz presente em toda a canção, que finalmente "liberta" o novo Sabbath, agora com Ward cantando a derradeira "Swinging the Chain", onde Ozzy também não participou. Apesar de muitos dizerem que ele é o responsável por tocar harmônica, na verdade este instrumento foi tocado por John Elstar. A quebradeira corre solta nessa faixa, principalmente nos solos de gaita.



Never Say Die! obteve platina na Grã-Bretanha e ouro nos EUA. A turnê de dez anos continuou entre trancos e barrancos, até que, em meados de novembro, o fim de uma era estava decretado. O "pingo no i" foi o cancelamento de um show em Nashville, devido ao fato de Ozzy não ter aparecido, já que tinha se chapado e embriagado tanto que ficou sem condições de sair do hotel onde estava hospedado, sendo encontrado dias depois pela camareira. Até um anúncio de sequestro já havia sido divulgado na imprensa (!). Pouco se sabe se realmente Ozzy foi despedido ou se ele mesmo pediu as contas, o que ficou foram oito álbuns de estúdio que marcaram para sempre a história do heavy metal. 

Ozzy montou a Blizzard of Ozz, revelando ao mundo o que os fãs da Quiet Riot conheciam - o genial Randy Rhoads - enquanto Iommi, Butler e Ward chamaram o divino Dio para lançar o espetacular Heaven and Hell em 1980 e brilhar com uma sonoridade mais pesada e crua, resgatando os antigos fãs e deixando de lado as experiências jazzísticas que embalaram o fim da primeira e mais importante fase da banda, e que para mim fizeram de Technical Ecstasy e Never Say Die! os melhores álbuns do Sabbath.

Diversas tentativas da volta do Black Sabbath com sua formação original foram feitas, tendo a participação do quarteto no
Live Aid de 1985, onde tocaram "Children of the Grave", "Iron Man" e "Paranoid", emocionando as quase 100 mil pessoas que lotaram o JFK Stadium na tarde ensolarada do dia 13 de julho. Tivemos também lançamento do CD Reunion em 1998, mas as mesmas tentativas sempre acabaram terminando quando necessitava-se colocar o preto-no-branco, já que um ou outro acabava não cedendo em diversos pontos. O final já havia sido decretado em 1978. Mesmo que você "nunca diga morra", ali realmente a formação original morria, entrando para a posteridade como um dos principais nomes da santíssima trindade do metal mundial, ao lado de Led Zeppelin e Deep Purple.

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