quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Lista - 1979 em discos: por Mairon Machado



Seguindo com a proposta do meu amigo e colega Ronaldo Rodrigues de trazer listas de melhores discos que completam aniversário fechado em 2019, apresento aqui meus preferidos de 1979.

Esse foi um ano ímpar (não só no número) para a história mundial. Margaret Thatcher chegava ao poder na Inglaterrra, tornando-se a primeira mulher Primeira Ministra da Grã-Bretanha. Na China, Deng Xiaopin abriu o mercado do país para o Ocidente. A guerra do Afeganistão começa exatamente nesse ano, em um dos momentos mais conturbados entre URSS e EUA.

Na música, o rock progressivo que havia assolado boa parte da década de 70 começava a se moldar para tornar-se o AOR. O punk rock e a Dance Music, que haviam estourado em 1977 com Sex Pistols e Bee Gees principalmente, migravam para o fim. Era a época da inserção de novas tecnologias, principalmente eletrônicos, culminando com o nascimento do pós-punk, que revelou, já nos anos 80, gigantes como U2, R. E. M., The Cure e por aí vai. Em paralelo, a NWOBHM entregava de bandeja para a década seguinte nada mais que Iron Maiden, Saxon, Def Leppard ... Dentre os diversos lançamentos daquela época, vários são os que até hoje perambulam nas vitrolas mundo a fora, e que na lista final de 1979 elaborada pelos consultores, os 10 melhores escolhidos foram:

1) Pink Floyd - The Wall

2) AC/DC -Highway To Hell

3) The Clash - London Calling

4) Michael Jackson – Off the Wall

5) Thin Lizzy – Black Rose: A Rock Legend

6) Motörhead – Overkill

7) Supertramp – Breakfast in America

8) Kiss – Dynasty

9) Van Halen – Van Halen II

10) Steve Howe – The Steve Howe Album

Ou seja, um apanhado relevante entre o progressivo (Pink Floyd, Supertramp e Steve Howe) e o rock pesado (AC/DC, Thin Lizzy, Motörhead, Kiss e Van Halen), além do pop de Michael Jackson e do punk de The Clash. Em minha lista de melhores álbuns que não constaram das listas gerais (veja aqui), não citei nenhum disco de 1979, mas não que fosse por que não havia mais nada a ser citado, é que em outros anos, em minha opinião, haviam materiais muito mais importantes a ser feito justiça. Mas, graças a ideia do Ronaldo, aqui posso resgatar mais 10 grandes discos de 40 anos atrás:


Keith Jarrett – Eyes of the Heart

O pianista de jazz Keith Jarrett sempre foi um perfeccionista ao extremo. Formado na escola de Miles Davis, o americano sempre teve um QI acima da média, o que acabava afetando seu genioso e genial cérebro. Comumente, vez por outra Jarrett estressava-se em seus shows, seja com barulhos da plateia, seja com os músicos, seja com o instrumento, seja com ele mesmo. Quando Eyes of the Heart foi gravado, ao lado dos também americanos Dewey Redman (saxofone), Charlie Haden (baixo acústico) e Paul Motian (percussão), em maio de 1976 na Áustria, de forma totalmente improvisada, parte da apresentação acabou sendo desprezada e proibida de publicação por conta do próprio Jarrett não ter gostado dessa gravação. Acredito que Jarrett ficou convencido de o que ele gravou nos 3 lados do vinil (sim, é um vinil duplo de apenas 3 lados) era o melhor que ele podia fazer na época, tanto que logo em seguida ele desmanchou o quarteto. Honestamente, E QUE MELHOR!!! O disco 1 traz a obra "Eyes of the Heart" em suas partes. A primeira é explorativa, começando com percussões e solos de saxofone e um logo solo de piano, em 17 envolventes e explorativos minutos. Quando a segunda parte surge, somente com Jarrett ao piano, o clima é totalmente outro, bastante sombrio e tenso. O solo é lindo e comovente, e na medida que os demais instrumentos (baixo e bateria) entram para acompanhá-lo, a tensão e ansiedade para saber o que virá mais adiante toma conta. Basta então Redman executar a primeira nota de seu saxofone para que tudo faça sentido. Foi exatamente nesse momento que meu coração apaixonado por Heavy Metal traiu o estilo, e se converteu ao jazz. Arrepio só de lembrar desse solo, que é curto, pouco mais de 3 minutos, mas que simplesmente coloca a casa abaixo, levanta a platéia (que não se contém e aplaude o que pode diante do olhar criterioso de Jarrett) e só por isso, faz de Eyes of the Heart um dos Melhores Discos de 1979, sendo que a sequência da obra ("Encore", uma faixa próxima ao free jazz, com um trabalho formidável de piano, e que serve para Jarrett mostrar um pouco de seus dotes ao saxofone) eleva o álbum a um dos Melhores Discos de Todos os Tempos! Ouça sem medo e sem preconceito.


Triumph – Just a Game

O Triumph é uma banda de cabeceira na minha formação, e muito por conta desse álbum. Foi o primeiro disco que ouvi e comprei do trio, influenciado por leituras que diziam que a banda era um primo próximo do Rush. Mero equívoco. O Triumph tem qualidades que o colocam a frente do Rush em várias situações, principalmente quando se trata de um hard rock bem feito. E é isso que os canadenses entregam nesse álbum, onde a divisão dos vocais entre o guitarrista Rik Emmett e o baterista Gil Moore é um espetáculo por si só. Mas vamos as músicas. A faixa-título é daquelas para se gritar em plenos pulmões em arenas lotadas, assim como a linda "Lay It On The Line", uma base simples de três acordes menores que simplesmente fazem você viajar junto da voz aguda e da guitarra afiada de Rik Emmett, um dos guitarristas mais injustiçados que conheço. O que ele faz ao violão na sensacional "Fantasy Serenade" é uma aula de estudo por meses. Ou no jazz  de “Suitcase Blues"? Meu Deus, sem palavras. O que o trio constrói no blues corta pulsos "Young Enough To Cry", que barbaridade, é lindo demais. Por outro lado, o grupo antecipou as trilhas de propagandas de cigarro em muitos anos, fazendo um hard oitentista em plena década de 70 com "Movin' On", "American Girls" e "Hold On". Há um forte apelo para conquistar os jovens americanos, mas quem disse que isso é ruim? Ninguém em 1979 fazia algo se quer próximo do que o Triumph fez com Just A Game, e por isso, ele está aqui hoje! Discão!!!


Pierre Moerlen’s Gong – Downwind

Depois de sair do maluquete Gong, e participar do projeto Gong Expresso, o baterista Pierre Moerlen resolveu montar um timaço sob o pseudônimo de Pierre Moerlen's Gong. E esse timaço tinha os exímios Hansford Rowe (baixo), François Causse (percussão) e Ross Record (guitarras). Assim, nasceu Downwind, uma joia do jazz rock advindo no final dos anos 70, e que é totalmente oposto ao que o Gong fazia. Nomes como Mick Taylor, Mike Oldfield, Steve Winwood e Benoit Moerlen fazem participações mais que especiais. Conheci esse álbum por conta da versão revisitada de "Jingo" (famosa com o Santana), aqui batizada de "Jin-Go-Lo-Ba", e que não tenho palavras para descrever o que a banda faz nessa interpretação no mínimo fenomenal. A linha original percussiva foi mantida, assim como a empolgação e vibração, mas o tempero que o vibrafone e a percussão de Moerlen deu para faixa, puta que pariu, é extremamente delicioso. Só isso já valeu comprar o disco, mas ao ouvir Downwind na íntegra, me deparei com um disco simplesmente soberano e muito bem construído. Primeiro de tudo, quer sentir um grande arrepio na espinha e ver como somente dois músicos podem construir uma pérola, ouça "Emotions", somente vibrafone e violino (além de um suave sintetizador). O nome já diz tudo!! A faixa de abertura, "Aeroplane", em nada lembra as experimentações viajantes de seu ex-grupo, fazendo uma mescla de jazz rock com pop de altíssima qualidade, ainda mais na presença do belo solo de Ross. O swing de "What You Know", com um belíssimo solo de Taylor, é para sair dançando pela casa. Que delícia é sentar num sofá com uma bela dose de uísque e ouvir "Xtasea", uma faixa suave, que desce redondo no cérebro. Moerlen é o nome do disco, sem dúvidas, sobressaindo na sensacional e percussiva "Crosscurrents", intrincada faixa com um excelente trabalho de vibrafone por parte de Benoit. E quem não vibrar com os doze minutos enlouquecedores de vibrafone, percussão, sintetizadores, guitarra e saxofone da faixa-título, na qual Oldfield e Winwood dão suas colaborações, é por que tem sérios problemas de ouvidos. É um clássico disco sensacional a ser descoberto por admiradores de música, independente do estilo, e que em cada audição, conquista mais e mais espaço em minha admiração.

Frank Zappa – Joe’s Garage Acts II & III

1979 foi um ano sensacional para Frank Zappa. O americano lançou nada mais nada menos que cinco LPs, sendo dois duplos. Destes cinco, um dos duplos (este que vos apresento) é o encerramento da maluquete história de um jovem guitarrista chamado Joe, que arrancou os cabelos da mídia e dos políticos norte-americanos, já que o objetivo da Garage de Joe é narrar a história (fictícia) de um governo tentando acabar com a música através de leis, perseguições e outros atributos que são contados durante o desenvolvimentos dos dois LPs. Se o presidente Bozo curtisse Zappa, certamente saberia o que é Golden Shower, já que esta é apenas uma das várias polêmicas que Zappa mete o bedelho sem dó nem piedade. Para quem não é um iniciado na obra do bigodudo, talvez o disco soe um tanto quanto arrastado ou sem sentido, principalmente pela mescla de estilos, vozes robotizadas (o Central Scrutinizer, que mantém a lei) e muitas conversas que fazem parte do enredo na Garagem de Joe. Mas para quem curte as invenções (e sonzeiras) hilárias de Zappa, tipo "Keep It Greasey" ou "Stick It Out" , aprecia os solos esquisitóides mas contagiantes ("He Used To Cut The Grass", "Outside Now" ou "Packard Goose"), mas principalmente, entende um pouco de inglês e tem a mente aberta para viajar pela criação do artista, Joe's Garage é um prato cheio. Mas vou resumir o por que desse álbum estar aqui em apenas uma canção: "Watermelon In Easter Hay". O solo imaginário de Joe, depois de tantas turbulências pessoais, é tão lindo que chorar será algo natural enquanto você o escuta. Falei sobre essa Maravilha, bem como resumi a história dos dois álbuns, aqui, então, apenas coloque ela para rodar no youtube, no carro, no seu player favorito, e irá entender por que Joe's Garage Acts II & III é um dos melhores discos de 1979.

David Bowie – Lodger

O encerramento da fase Berlim de Bowie é o menos aclamado da trilogia (Low, "Heroes", Lodger), mas não por ser um álbum ruim. Ao contrário, Lodger não vence Low e "Heroes" por que esses discos são insuperáveis em qualidade e inspiração (tanto que os dois estiveram no pódio na lista de Melhores de 1977 feita pelo site), mas possui ótimas faixas que o faz no mínimo um dos grandes lançamentos de 1979. Uma coisa que chama a atenção de cara em Lodger em relação aos seus antecessores é que as inspirações no Krautrock se perderam. Poucas faixas têm aquele "som sombrio" que marca os álbuns de 1977, e aqui elas são a balada "Fantastic Voyage", as esquizóides "Red Money" e "Repetition" e a agitadíssima "Red Sails", uma das melhores faixas dessa trilogia, com inspirações nipônicas em suas melodias. Aliás, o grande diferencial de Lodger é esse, sair dos limites dos muros de Berlim e pegar influências mundias. As experiências eletrônicas de outrora acabam rumando para sons ainda mais distintos, como as percussões africanas de "African Night Flight", o clima oriental de "Yassassin" ou até experimentos vocais, como "Move On". Outras grandes faixas, que eu não me seguro ao ouvir e saio dançando fácil, é a enlouquecedora "Look Back in Anger" (ritmo contagiante para uma sonzeira animal) e "Boys Keep Swimming", que além de ser um som fantástico, ainda possui um dos clipes mais legais que o camaleão fez. O pop dançante de "D. J." foi o maior sucesso do disco. As canções são curtas, nenhuma ultrapassando 4 minutos, perfeitas para uma festa, e levam Bowie com tranquilidade para construir dos álbuns atemporais na sequência (Scary Monsters e Let's Dance), predominando como um dos gênios Pop nos anos 80.


Bruford – One of a Kind

Depois de sair do Yes, Bill Bruford investiu em várias outras bandas. King Crimson, Genesis e U. K. foram algumas delas, até que se deu conta que precisava montar sua própria banda para poder fazer o que curtia. O Bruford é um projeto maravilhoso que une com perfeição jazz e progressivo, através do trabalho não de Bruford, mas do animalesco Jeff Berlin (baixo), do perfeccionista Alln Holdsworth (guitarra, que Bruford "roubou" do U. K.) e dos teclados harmoniosos de Dave Stewart. Terceiro disco da banda, One of a Kind é sem sombra de dúvidas o mais complexo disco que tem a mão do baterista no processo de composição em toda sua carreira. Canções como a faixa-título, “Hell’s Bells”, “Five G” e “Fainting in Coils” extrapolam os limites de um baterista comum, além de ter Jeff Berlin em uma forma fantástica. O que esse cara faz nessas canções, e também na linda "The Abingdon Chasp", não é pouco, sendo uma boa amostra para os que afirmam que Jaco Pastorius foi o responsável pela revolução no baixo. Stewart também brilha com seus sintetizadores durante "Travels With Myself - And Someone Else" enquanto Holdsworth é o cara em "Forever Until Sunday". O encerramento com a Maravilha Prog “The Sahara of Snow” é o grande momento do LP. Suas duas partes mostram ao ouvinte muita quebradeira e intrincação. As batidas na caixa em contra-tempos, as viradas,  o prato levando o ritmo correto, é perfeição pura, sendo um grande panorama de por que Bruford ser um baterista inigualável, e simplesmente o melhor de todos os tempos em minha opinião. Para quem curte um jazz rock na linha do Weather Report, é um prato cheio, e certamente, um dos melhores lançamentos de 1979.

ABBA - Voulez-Vous

O ABBA pode torcer o nariz de muita gente, mas é inegável que sua música, em termos de pop, tem qualidades altíssimasa. Quando do lançamento de Voulez-Vous, o grupo passava por uma situação interna crítica, que era a separação do casal Björn e Agnetha. Musicalmente, eles viviam o auge de sua fase Dance Music, e entre tapas e beijos, o quarteto entrega aos seus fãs baladas clássicas que tocam até hoje nas festas de seus pais / avós, como "I Have a Dream" e "Chiquitita", e uma das melhores trilhas para os embalos de sábado a noite. Afinal, como segurar o esqueleto com tanto swingue através de "As Good As New", “Does Your Mother Know”, a canção mais Bee Gees que o Bee Gees nunca gravou, não querer sair de carro pelas ruas, sozinho ou acompanhado de uma ceva, cantando o refrão de "The King Has Lost His Crown", o peso da guitarra em “Lovers (Live A Little Longer)“, contrastando com as orquestrações incrivelmente criadas pela dupla Benny / Björn (seriam eles a maior dupla de compositores da história do Pop?) e principalmente, com aquele riff árabe e o ritmo da faixa-título, fácil fácil Top 3 na carreira da banda, e cujo clipe atesta ainda mais quão linda era Agnetha. Que música fantástica!! Perdidas entre tantas faixas boas, outras faixas igualmente contagiantes, mas que vão conquistando o coração aos poucos surgem a cada audição, no caso "Angel Eyes", “Kisses of Fire” e “It It Wasn’t For the Nights”. Podem jogar as pedras, mas vou largar ainda mais pimenta para defender esse disco: só no Brasil, vendeu mais de um milhão e meio de cópias, e no resto do mundo também foi um gigante de vendas, atingindo o primeiro lugar em doze países. Ou seja, aquela frase de que se unanimidade significasse qualidade, mosca não comeria merda, acho que de nenhuma forma se encaixa aqui. Para um disco que vendeu tanto em 1979, sua menção entre os Melhores lançamentos desse ano é extremamente sensata. E musicalmente, ele merece sim essa citação!



Saxon - Saxon

Esse para mim é um dos melhores discos de estreia de todos os tempos. A vitalidade e energia que o quinteto britânico entrega em pouco menos de meia hora é de uma exemplar qualidade que me atiça a garganta quando vejo headbangers defendo outro nome da NWOBHM (vocês sabem bem quem) em comparação ao Saxon. O baixão e o riff empolgante de "Rainbow Theme", seguida pela baladaça "Frozen Rainbow", com aquele solo magistral das guitarras de Paul Quinn e Graham Oliver, impressionam de cara, e particularmente, foi emocionante conferir as duas ao vivo em março desse ano. Mas ainda há mais qualidades para Saxon estar aqui. Os hits "Backs to the Wall" e "Militia Guard", essenciais nas apresentações da banda para levantar o público, as variações de "Judgment Day", com magistral interpretação vocal de Biff Byford, aquele riff clássico mas sempre bem vindo para a cabeça em "Big Teaser" e "Stallions of the Highway", e o agito de "Still Fit To Boogie", são o recheio de um disco essencial para quem quer conhecer as origens do rock pesado que tomou conta dos anos 80. O Saxon ainda faria discos melhores e mais importantes que sua estreia (Wings of Steel, Crusader, Strong Arm of The Law), mas cara, para uns novatos, Saxon é de tanta qualidade que ficar entre os dez mais de 1979 é justíssimo.


Scorpions – Lovedrive

Para mim essa foi uma das maiores surpresas em não comparecimento nas listas. Para um pessoal todo metido a metaleiro, tinha tanta certeza que Lovedrive estaria na lista que acabei nem citando ele. Pois errei brutalmente. E que lástima Lovedrive não estar lá. A presença de Michael Schenker retornando a banda em “Another Piece Of Meat”, com fortes inspirações em Led Zeppelin e um riff grudento, na faixa-título, uma das melhores canções do grupo pós-Uli Roth principalmente por conta de seu baixo galopante, e na pancada instrumental “Coast To Coast”, a qual tornou-se obrigatória nos shows do grupo a partir de então, já fazem de Lovedrive um disco no mínimo histórico. Na verdade, Lovedrive é um divisor de águas na carreira da banda. O hard rock da fase Uli está bastante presente através da citada "Another Piece of Meat" (repito, que baita som), “Loving You Sunday Morning”, que tornou-se um clássico de cara, e na pegada “Can’t Get Enough”, para mim a segunda melhor do disco, atrás apenas de “Coast to Coast”, e onde Jabs emula Uli descaradamente. Por outro lado, a banda passa a voltar seus ouvidos para as baladas, e aqui, o centro das atenções fica para a linda “Always Somewhere” (introdução que me lembra muito "Simple Man", do Lynyrd Skynyrd) e a arrepiante baladaça “Holiday”, uma das interpretações mais marcantes de Klaus Meine, que foi a partir daqui que começou a ganhar mais espaço como compositor e como artista. Único ponto fraco é o reggae no sense de “Is There Anybody There?”. O que os alemães tomaram quando gravaram isso, nem eles sabem. Tirando ela, Lovedrive é um clássico, simplesmente isso, e se você quiser saber mais sobre esse álbum, pode acompanhar aqui.


Elis Regina - Elis, Essa Mulher

Elis, Essa Mulher é um disco de retorno da pimentinha para a Música Popular Brasileira. Depois da esplendorosa turnê Transversal do Tempo (que culminou no excelente álbum homônimo, de 1978), Elis assinou com a WEA, e reencontrou-se com o samba que marcou sua carreira no final dos anos 60, com uma empolgante versão para agitada “Cai Dentro” e a irônica e divertida “Eu Hein Rosa!”, responsáveis por abrir ambos os lados do vinil, e o samba-choro “Pé Sem Cabeça”. É um álbum muito maduro e romântico, que marca bem a fase pessoal de Elis em 1979, com um relacionamento estável ao lado do marido Cesar Camargo Mariano e o sucesso dos shows Falso Brilhante e o citado Transversal do Tempo. Elis explora temas bastante voltados para a intimidade feminina, concentrando-se principalmente nas relações amorosas, e assim ouvimos as belas baladas “Altos e Baixos” e “As Aparências Enganam”, essa com uma excepcional performance de Cesar ao piano, os boleros “Beguine Dodói” e “Bolero de Satã”, o último com participação especial de Cauby Peixoto, e a dolorida e fantástica interpretação de Elis para “Essa Mulher”, uma das mais fortes e arrepiantes de sua carreira. Que música! Que letra! Outra interpretação fantástica é de "Basta de Clamares Inocência", um samba tradicional do mestre Cartola que com Elis virou um jazz rasgado, sofrido, com um groove singelo e contagiante de Luizão Maia, e certamente, com lágrimas correndo dos olhos da cantora em estúdio. Mesmo com tanta música boa, o álbum ficou marcado pelo clássico “O Bêbado E A Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc, e que é realmente uma senhora canção. Desde o acordeão de Chiquinho, passando pela letra enorme e complicada, com uma melodia encantadora, ela tornou-se o hino da anistia, e colocou Elis como uma das referências artísticas contra a ditadura, algo que ela havia lutado e muito durante os anos 70. Só por ela, Elis, Essa Mulher já entra nos 10 Melhores Lançamentos Mundiais de 1979, e com o conjunto da obra fechado, se torna para mim disparado o Melhor Disco Nacional lançado há 40 anos.

Menção honrosa: Led Zeppelin – In Through the Out Door

Gravado entre muitos problemas pessoais de Jimmy Page e Robert Plant, In Through The Out Door é considerado por muitos (eu incluso) como o álbum mais fraco do Led Zeppelin. Mas mesmo o álbum mais fraco do Led é digno de ser um dos Melhores lançamentos de seu ano. A guitarra de Page acaba sendo encoberta pelos teclados e sintetizadores de John Paul Jones, o principal responsável por conseguir lançar este disco. O disco começa bem, com a viajante “In the Evening“, repleta de efeitos na guitarra de Page. Essa é a única canção que Page aparece mais, e aqui percebemos a mudança na voz de Plant, com um timbre diferente do comum, sem tantos agudos e com algum efeito. O recheio do álbum é meia-boca, com “South Bound Saurez”, “Fool in the Rain” e “Hot Dog”, que parecem sobras inacabadas de Houses of the Holy. O grupo se recupera com a animalesca “Carouselambra“, um tour de force de mais de dez minutos, dividido em três partes, variando com climas orientais, outros mais lentos e muitas partes intrincadas. Temos também “All My Love”, uma das mais lindas baladas de todos tempos, contando com o mais famoso solo de Jones nos teclados. “I’m Gonna Crawl”  antecipa o que viria a ser a carreira solo de Plant nos anos oitenta, e é uma triste despedida para uma das maiores bandas da história. Por isso, essa menção honrosa em 11°.

sábado, 19 de outubro de 2019

Ouve Isso Aqui: O rock ao vivo de 1979

 




Por André Kaminski

Tema escolhido por Ronaldo Rodrigues

Com Davi Pascale e Mairon Machado

1979 é marcante por ser um momento de agigantamento do rock, ainda que os nomes que dominaram o fim dos anos 60 e a década corrente toda estavam saindo de cena ou experimentando uma incômoda sinuca conceitual. Novos nomes do chamado rock de arena estavam a mil por hora e as bandas produziam sons sob medida para o público já maduro do rock ouvir em seus rádios e carros. O rock estava cada vez mais distorcido, acelerado e intenso, pavimentando o heavy metal oitentista, abandonando gradativamente uma instrumentação muito elaborada e indo mais direto ao ponto. Essa lista tenta capturar, em discos ao vivo, um pouco da riqueza musical do período.



UK – Night After Night

Ronaldo: O UK iniciou-se como um quarteto estelar, mas pouco meses depois da estreia foi convertido a um poderoso trio com a presença do baterista Terry Bozzio. Uma repaginação também foi trazida pelo baterista, dando um gás extra na parte musical da banda. Esse álbum captura passagens da banda pelo Japão e é, na opinião de muitos apreciadores, o melhor momento da banda, já que praticamente tudo neste disco ao vivo é melhor do que nas respectivas versões de estúdio. A pegada da banda é mais poderosa, Eddie Jobson mostra que fazia miséria com seus vários teclados e não precisava de overdubs e que John Wetton era absolutamente soberano em sua posição de baixista/vocalista. Essa energia adicional na performance fez com que a blenda pop-progressivo de arena da banda funcionasse perfeitamente. O disco é recheado de maravilhosos momentos instrumentais e um entrosamento apenas possível para músicos de altíssimo calibre. As versões de “Nothing to Loose” e “Time to Kill” (em explosiva interpretação progressiva à la ELP) figuram fácil entre as melhores coisas gravadas em 1979.

André: Não tem muito o que falar dessa bandaça ao vivo. Que desempenho sensacional do tecladista Eddie Jobson. John Wetton no baixo e vocais e Terry Bozzio na bateria não deixam por menos. Um petardo atrás do outro. Rocks incríveis e detalhe para a ausência de guitarras. Que por sinal, não fizeram nenhuma falta.

Davi: Eis uma banda que nunca tinha parado para ouvir. Claro que conheço os músicos envolvidos. Especialmente o John Wetton (quem sempre admirei pelo trabalho no Asia, especialmente) e o Terry Bozzio. Esse já gravou com meio mundo e tem uma técnica e uma precisão impressionante.O tecladista e violinista Eddie Jobson completava o lineup. Aqui, não tinha guitarrista, mas dei uma pesquisada sobre os caras e vi que o Allan Holdsworth toca no primeiro álbum. Com certeza, pegarei para ouvir em breve. Voltando ao álbum, gostei bastante da sonoridade da banda. Como de se esperar, o som dos caras é bem progressivo. O lado B é onde estão as músicas com mais improviso, onde se fazem valer como destaque “Alaska” e “Time to Kill”. Essa última com grande influência de Yes nos arranjos. No lado A, as interpretações são um pouco mais contidas. Claro que existem algumas quebradas de tempo aqui e ali, mas nada muito viajado. Inclusive, algumas canções como “Night After Night” e “Nothin´ to Lose” trazem um acento pop no trabalho vocal. Disco muito bom que, muito provavelmente, entrará para minha coleção em breve.

Mairon: No final dos anos 70, muitos dos anfitriões do rock progressivo começaram a reformular seu som, levando ao que hoje conhecemos como AOR. O UK é um dos precursores desse estilo. Uma super banda formada inicialmente por John Wetton, Eddie Jobson, Bill Bruford e Allan Holdsworth (que time), que lançou o impecável U. K. em 1977, mas acabou separando-se após a estreia. Com Terry Bozzio substituindo Bruford, e sem as guitarras de Holdsworth, lançaram Danger Money (1978) e esse ao vivo, o qual registra as apresentações no Sun Plaza e no Seinen Kan de Tóquio. Com duas inéditas (“Night After Night” e “As Long As You Want Me Here”), e faixas dos dois primeiros álbuns, o U. K. apresenta-se como um embrião de Asia, conforme atestam “Caesar’s Palace Blues”, “Nothing To Lose” ou “Rendezvous 6:02”, tendo o diferencial o uso de sintetizadores e do violino elétrico de Jobson, o dono de tudo por aqui. Na verdade, essas são as principais atrações de Night After Night, sendo impossível não apreciar Jobson em faixas trabalhadas como “Alaska” (quebradeira fenomenal), “Time to Kill”, e principalmente, as influências clássicas do loiro na dupla “Presto Vivace” / “In The Dead Of Night”, essa última forte candidata a melhor faixa da banda. Curiosamente, essas duas faixas são do disco de Bruford, talvez por isso mesmo eu as curta mais. Confesso que já gostei mais desse disco, mas ouvi-lo novamente, depois de um bom tempo sem passar na vitrola, trouxe uma nostalgia que até me arrancou uma lágrima aqui.


Queen – Live Killers

Ronaldo: O Queen já estava no topo (ou muito perto dele) do rock naquele fim dos anos 70, sendo um dos principais representantes do rock de arena na Inglaterra. Esse disco ao vivo representa com toda a propriedade o poder de fogo da banda ao vivo. Os 4 músicos estavam em um nível de entrosamento que apenas bandas em seu ápice conseguem transparecer com tanta voracidade. E é possível perceber o quanto um disco ao vivo é bom quando as versões ao vivo superam as equivalentes em estúdio. No palco, todas as plumas e excentricidades dos discos de estúdio ficam pra trás e uma descarga de distorção golpeia o ouvinte nas poderosas versões de “Let Me Entertain You”, “Bicycle Race”, “Now I’m Here”, “Don’t Stop Me Now” e “Brighton Rock”. Um desfile de clássicos do Queen setentista captado magnificamente. Até mesmo as baladas e piano-rocks ganham uma dose extra de agressividade e vigor. Indispensável!

André: Interessante a diferença entre o Queen de estúdio e ao vivo. No primeiro, temos uma banda cheia de traquejos instrumentais, sonoridades inovadoras, ritmos inesperados e uma pomposidade que deixa tudo mais épico. Mas ao vivo a banda era visceral. Rock das entranhas mesmo, com Brian May socando riffs de guitarra e Roger Taylor judiando da bateria. É inexplicável as razões do disco na época ter sido tão criticado. Amei a versão de “39” desse disco.

Davi: O Queen sempre foi uma banda enigmática. Nos álbuns de estúdio, nunca se sabia o que iriam aprontar. A criatividade dos caras não tinha fim. Ao vivo eram um caso à parte. A banda era conhecida por seu profissionalismo acima de tudo. Sendo assim, um álbum ao vivo do Queen é uma audição quase obrigatória. O Live Killers marca o fim da fase mais visceral, antes de começarem a experimentar mais a fundo a sonoridade mais pop. O show é marcado pela voz marcante de Freddie Mercury e o som inconfundível da guitarra de Brian May. O repertório mistura clássicos como “Keep Yourself Alive” e “Tie Your Mother Down” com lados B como “Get Down, Make Love” e “I´m In Love With My Car”, todas interpretadas com uma garra fora do comum. O set acústico se destaca pelas belas versões de “39” e “Love of My Life”. Não há como deixar de citar ainda o número “Brighton Rock”, com o belo solo de Brian May, além da ótima versão do clássico “Now I´m Here”. Obrigatório!

Mairon: Cara, lembro até hoje da primeira vez que ouvi Live Killers. Havia juntado uns trocos e fui comprar o disco por 15 reais (caríssimo na época), e escolhi este por causa de “Bohemian Rhapsody”. Lembro que sai da loja correndo, e acabei tropeçando, me espatifando no chão, mas o disco, graças a Freddie Mercury, não quebrou. Quando eu coloquei o lado A na vitrola, e saiu a explosão da versão pesada de “We Will Rock You”, seguida pela pancada de “Let Me Entertain You”, eu me assustei: “Cara, isso era o Queen?”, pensei … “Death on Two Legs” dá ainda mais peso para Live Killers, e assim, resistir a algo tão espetacular foi inútil para quem tinha uns 10 anos de idade. Então, começa uma espécie de medley, com “Killer Queen”, “Bycicle Race”, dois grandes clássicos, Roger Taylor soltando a voz em “I’m In Love With My Car”, as viagens de “Get Down, Make Love”, cara, eu tava no paraíso. Nem sentia a delicadeza “You’re My Best Friend”. O lado B vinha com uma pegada acústica (“Dreamers Ball”, “Love of My Life” e “’39”), entremeadas por duas pancadas (“Now I’m Here” e “Keep Yourself Alive”). Nessas alturas do campeonato, depois de ter ouvido o público cantando “Love of My Life”, Mercury brincando com a voz em “Now I’m Here”, e minha air guitar ter derrubado muita coisa no quarto, eu não estava mais no paraíso, eu estava realmente lá no dia da gravação do disco. Quando o Lado C foi para a agulha, e “Don’t Stop Me Now” estourou as caixas de som, seguida pela magnífica interpretação de “Spread Your Wings”, e deixando o gol aberto para que Brian May metesse para a rede em “Brighton Rock”, ali eu vi que o Queen era a maior banda de todos os tempos, e desde então, isso nunca mais modificou-se em minha cabeça. Há, ainda o lado D, o mais “fraquinho” do disco, já que tem só “We Will Rock You” na sua versão original, “We Are The Champions”, “Bohemian Rhapsody”, “Tie Your Mother Down” e “Sheer Heart Atack”, causando um verdadeiro ataque de coração com tamanha vitalidade, energia, tudo o que o rock ‘n’ roll pode entregar de bom. Se fudê Ronaldo, que baita indicação!!!


UFO – Strangers in the Night

Ronaldo: O álbum parece uma coletânea e consta de inúmeras listas de melhores álbuns ao vivo de toda a história do rock. Não a toa! o UFO neste álbum é puro veneno e colocou no palco dessa apresentação em Chicago o seu melhor repertório e sua melhor performance possível. As guitarras são nítidas e tem uma relação siamesa; o vocal de Phil Mogg é irrepreensível, assim como o baixo de Pete Way. Rock n’ roll pesado na veia, com músicas empolgantes, instrumental de primeira grandeza, solos de guitarra memoráveis e uma pegada que transborda em cada sulco desse álbum. Não sei se aquilo realmente aconteceu ou se foi montagem, mas é emocionante ouvir a plateia vibrar no início da levada de “Doctor Doctor”.

André: Caras, eu me pergunto porque caralhos não nasci uns 30 anos antes nos Estados Unidos ou no Reino Unido. Isso aqui é de fazer o cérebro simplesmente escorrer pelo nariz de tão derretido que ficou. Olha o que Schenker fez nessa versão de “Lights Out”? Puta merda, eu acho que estou há muito tempo sem ir atrás de discos ao vivo, isso aqui me fez parecer que estou perdendo um tempo precioso ignorando apresentações marcantes para ficar ouvindo só produções de estúdio.

Davi: Considerado por muitos como um dos grandes álbuns ao vivo de todos os tempos, Strangers In The Night apresenta o Ufo em seu auge. Durante muito tempo acreditou-se que esse disco não havia retoques, mas como já era de se esperar, houve algumas gambiarrinhas, sim. Paul Elliot chegou a declarar em 2008 que as canções “Mother Mary” e “This Kid´s” haviam sido gravadas em estúdio e o publico havia sido acrescido na mixagem. Contudo, isso não faz com que esse disco deixe de soar mágico. Os caras estavam em seu melhor momento, com sua melhor formação. O repertório traz clássicos imortais do porte de “Only You Can Rock Me”, “Love You To Love”, “Lights Out”, “Doctor Doctor”, “Too Hot To Handle”, mas o grande momento é mesmo a versão mortal de “Rock Bottom” com um solo inspiradíssimo de Michael Schenker. Aula de rock n roll!

Mairon: Este é facilmente um dos melhores discos ao vivo da história. Perde talvez somente para o Fillmore do Allman Brothers. Uma banda afiadíssima, que mesmo sabendo ser a despedida de seu principal guitarrista, fez uma turnê para arrancar os cabelos dos fãs de tanto balançar a cabeça. O álbum começa lentamente, com “Natural Thing”, “Out in the Streets” e “Only You Can Rock Me”, rocks simples que preparam o terreno para as grandes audições que virão. Afinal, é impossível não pular pela casa gritando ao som da clássica “Doctor Doctor”, principal faixa da banda. Igualmente, como se segurar em “Lights Out” e “Too Hot To Handle”? Mas o centro de tudo é Michael Schenker. O diabinho está verdadeiramente endemoniado. Ele mostra seus dotes de peso em “Mother Mary” e “This Kids”, sacode com riffs certeiros em “I’m a Loser” e “Shoot Shoot”, estraçalha no solo final da linda “Love To Love” ou na ponte de “Let It Roll”, mas principalmente, o que ele faz em “Rock Bottom” não dá para descrever com palavras. Um solo fantástico, eterno, que por muitos anos será falado nas rodas de música mundo a fora, e que mostra que mesmo com todos os problemas “extra-campo”, e por trás de toda a marra, Schenker tem muita razão de se sentir O fodão. DISCAÇO com letras garrafais!


Neil Young – Live Rust

Ronaldo: Neil Young ainda tinha plateia cativa naquele fim de anos 70, mesmo tentando se equilibrar entre suas raízes folk e os rocks mais diretos que faziam a cabeça da moçada da época. Mas o fato é que o som que projetou Young estava em franca obsolescência naquela ocasião, ainda que para os ouvidos de hoje tudo que ele apresentou em Live Rust soe atemporal, já que sua capacidade como compositor é incontestável. A primeira sessão do disco é toda acústica, na qual pontos fundamentais de sua faceta folk são apresentados, com destaque para uma linda versão de “My My, Hey, Hey (Out of the Blue)”. A parte elétrica começa com a clássica “When You Dance I Can Really Love” e passeia por outros momentos igualmente clássicos como “Cortez the Killer”, “Cinnamon Girl” e “Like a Hurricane”, na qual Young não economiza em solos poucos ortodoxos e muita intensidade.

André: Não posso dizer que Young é um de meus artistas de cabeceira, mas eu não tenho como criticar este cara encarando a plateia. Escutar execuções singelas e perfeitamente afinadas como a de “I am a Child” é de muito bom gosto. Neil Young é um pouco diferente dos outros artistas aqui apresentados; é daqueles que fazem um show milimetricamente perfeito, com execuções de solos límpidos e caprichados, diferentemente de outras execuções mais “orgânicas” ao vivo. Devem ter sido apresentações incríveis para quem estava na plateia.

Davi: Neil Young sempre foi conhecido por suas guitarras estridentes repletas de microfonias, mas também pela sutileza de seu violão, sua gaita bem colocada, seu piano sutil. E, claro, sua habilidade como compositor é indiscutível. Esse é um trabalho bem marcante em sua trajetória. Acredito que para quem não esteja muito familiarizado com sua enorme discografia, seja uma interessante porta de entrada. Aqui, temos um pouco de cada um desses universos. O disco começa com o Neil Young mais acústico, explorando sua faceta mais folk, onde vale um destaque para a interpretação de “Comes a Time” e a belíssima canção “After The Gold Rush” com Neil nos pianos. A partir do lado B, temos uma apresentação elétrica ao lado do emblemático Crazy Horse, onde o músico canadense coloca toda sua emoção em versões avassaladoras para clássicos do porte de “Cinnamon Girl”, “Like a Hurricane”, “Hey, Hey, My, My”, “The Loner”, além de trazer mais uma interpretação acústica, a lindíssima “The Needle and The Damage Done”. O melhor trabalho ao vivo de Neil Young, na minha opinião.

Mairon: Havia ouvido esse álbum há muitos anos atrás, não lembro quando. Mas lembro que me decepcionei bastante com o disco. Ouvindo agora, modifiquei um pouco minha opinião. São quatro lados bem definidos. Temos música folk dylanesca de melhor qualidade no lado A (“I Am A Child”, “Comes Time” e a clássica “My, My, Hey Hey (Out of The Blue)”, misturadas com uma dolorida e bela canção com voz e piano (“After Gold Rush”), com Young soltando seu vozeirão. O lado B é constituído de pedradas elétricas certeiras para pular pela casa como na magnífica apresentação do velhote no Rock in Rio de 2001 (“When You Dance”, “The Loner”, “Sedan Delivery”), intercaladas pela deliciosa dupla amolecedora de corações “The Needle and the Damage Done ” e “Lotta Love”. O lado C traz a suavidade, com o country-rock de “Powderfinger”, a baladaça mega-clássica “Like a Hurricane”, “Hey Hey, My My (Into the Black)” e “Tonight’s the Night”, para arrancar as lágrimas do ouvinte. Ouvindo agora, já achei um bom disco, mas ainda não me animo a naufragar nos oceanos discográficos colecionísticos do bardo canadense.


Cheap Trick – At Budokan

Ronaldo: O material foi gravado em 1978, mas veio ao mundo e aos charts em 1979. Indiscutivelmente, uma banda melhor no palco do que no estúdio, onde sua música pode realmente se mostrar devidamente empolgante e bacanuda. Tão despretensiosa quanto animada, a fórmula do Cheap Trick é tão eficiente que espanta o fato de como outras tantas bandas não conseguem fazer o mesmo. É um pop rock ardido, daqueles que se parece com o chiclete pisado que fica dias nos nossos sapatos. Os vocais são certinhos e tudo é no lugar, bem equilibrado em termos instrumentais; mas de forma alguma isso pode ser interpretado como uma fraqueza da banda, como se ela não tivesse nada a oferecer. É uma equação sonora difícil de descrever de tão simples que é, mas muito fácil de ser curtida.

André: Os gritos agudos da plateia já dão ideia de que o Cheap Trick na época atraia principalmente o público feminino. E a mulherada deve ter ficado de queixo caído com a performance dos cabeludos americanos neste disco cheio de versões ainda mais pesadas de rocks como “Lookout” e “Big Eyes”. Aqui há de se destacar o brilhante desempenho do baterista Bun E. Carlos, que simplesmente arregaçou. Como o bom gosto do Ronaldo em sugerir discos é praxe, esta seleção para esta matéria foi simplesmente incrível e prazerosa.

Davi: Excelente recomendação. Esse LP é clássico. Acredito que tenha sido a porta de entrada de muita gente para o universo do Cheap Trick. A minha foi por esse e pelo LP Dream Police. Essa banda sempre foi muito boa de palco. Robin Zander sempre teve uma boa voz e a banda sempre teve uma energia fora do comum. A gravação não esconde a euforia do publico, o que sempre joga a favor em álbuns do tipo. Nunca curti muito discos ao vivo onde o som do publico fica muuuito pra trás. Some tudo isso à um repertório de primeira grandeza com músicas divertidíssimas como “Come On, Come On”, “Big Eyes” e os megaclássicos “I Want You to Want Me”, “Surrender” e “Goodnight”, e o que temos é um trabalho empolgante e que se faz essencial na coleção de um rocker que se preze.

Mairon: Esse disco é impressionante. A força de um grupo novato levando ao delírio as ninfetas nipônicas é visceral ao longo de sus 42 minutos. É gritaria das guriazinhas de olho puxado o tempo inteiro. Me lembra bastante a potência do Slade Alive!, mas só que ainda mais forte. O som do Cheap trick é um rock visceral, perfeito para animar noitadas de ceva e festa. Tanto é que a versão para “Ain’t That a Shame” (Fats Domino) é alegria pura através do slide de Rick Nielsen! “Clock Strikes Ten”, “Goodnight Now” e “Hello There” são de uma pancadaria adimensional, assim como “Big Eyes”, onde o vocal Robin Zander gasta a garganta de tanto gritar. “Come On, Come On” tem uma batida de rock dos anos 50 que me agrada muito, ainda mais com as altas doses de distorção. “I Want You to Want Me” e “Lookout” possuem uma ingenuidade punk que os caras do punk nunca tiveram em suas canções de amor. Até um quase épico o Cheap Trick entrega aos fãs, a ótima “Need Your Love”, talvez melhor canção da carreira dos americanos, principalmente pela sensacional sequência de solos que abrange boa parte de seus quase 10 minutos. A única faixa que acho mais abaixo das demais é justamente o mega-clássico “Surrender”, que possui uma pegada mais oitentista a qual foge da visceralidade apresentada nas demais canções. É um disco clássico, obrigatório de ser ouvido ao menos uma vez, e depois, cada um decide o que fazer com o mesmo.

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Rick Wakeman - G'olé! [1983]




A carreira do tecladista britânico Rick Wakeman é recheada de altos e baixos. Com mais de uma centena de discos lançados, é impossível que um artista tenha todos eles agradando aos seus fãs, mesmo alguém como Wacko. Porém, há um álbum em especial que nunca ouvi um fã dizer: "Bah, eu gosto muito desse disco", pelo contrário. Quando se trata de G'Olé! - The Official Film Of The 1982 World Cup, a trilha sonora oficial da Copa de 1982, sempre ouço dos fãs que é um dos piores discos já lançados na história do progressivo. Mas eu não consigo concordar.

Lançado em 1983, G'olé! possui as participações especiais de Jackie McAuley e Mitch Dalton nos violões, e da bateria precisa do sempre fiel companheiro de Wacko Tony Fernandez. Vale aqui lembrar um pouco da carreira de Wacko até chegar em G'olé!. Com sua formação clássica, o músico destacou-se no Strawbs, indo parar no Yes onde conquistou sua fama com o aclamado Close to the Edge (1972). No ano seguinte, lançou-se em carreira solo, e o álbum Six Wives of Henry VIII praticamente colocou o nome Rick Wakeman no mesmo patamar do que o de sua então banda Yes. Journey to the Centre of the Earth (1974) e The Myths and Legends of King Arthur and the Knight of the Round Table (1975) fizera tanto sucesso que a estrela de Wakeman foi elevada ao ápice, e com apenas 26 anos, era um dos mais famosos músicos do mundo. 

Clássicos (ou não) devidamente autografados

Com isso, convites para fazer trilhas apareceram à Wacko, e assim vieram Lisztomania (1975), trilha do filme homônimo que narra a história do músico e compositor húngaro Franz Liszt, e White Rock (1977), trilha para os Jogos Olímpicos de Inverno de Innsbruck, Áustria, no mesmo ano. Com essas trilhas, Wakeman pode explorar um lado mais comercial em sua carreira, totalmente em paralelo com os contemporâneos lançamentos da época, No Earthly Connection (1976) e Criminal Record (1977), álbuns conceituais onde as explorações progressivas e instrumentais são levadas a extremos.

Ao mesmo tempo, a vida pessoal de Wakeman estava muito turbulada no final dos anos 70. Problemas financeiros levaram o músico a vender seu Rolls Royce para ajudar a pagar uma dívida de quase 350 mil libras, uma imensa fortuna para época. Isso é uma das razões para que Wakeman tenha aceitado fazer a trilha de White Rock, mas ele acabou gostando desse tipo de som, o que culminou em Rhapsodies (1979), esse sim, um álbum difícil de se ouvir gostando por completo e último com a gravadora A & M, que acompanhou a trajetória do loiro desde o início. 

Wakeman com o Yes em 1978

Em paralelo, ele havia voltado ao Yes, lançando o excelente Going for the One (1977) e Tormato (1978), partindo para uma extensa turnê que acabou registrada em Yesshows (1980). Brigas internas fizeram com que Wacko e o vocalista Jon Anderson pedissem demissão do Yes, e assim, o tecladista entra nos anos 80 completamente no limbo.

Após assinar com a Charisma, sai o conceitual 1984 (1981) e mais uma trilha, agora para o filme de terror The Burning (1981) e Rock 'n' Roll Prophet (1982) que pouco agregaram na discografia, e principalmente, nas finanças do músico, ao ponto de ele se declarar "sem gerente, sem dinheiro e sem casa". Assim nasce G'olé!, com Wakeman tentando se reestruturar financeiramente, independente do que gravar. Acho esse um disco bem interessante de se ouvir, com climas diversificados, sem firulas magníficas ou marcantes mas tão pouco sem ser pobre o suficiente para ficar pegando pó nas prateleiras. 

O selo inglês é em formato de bola ...

"International Flag" abre os trabalhos com um belo tema dos sintetizadores e do piano, e com a presente marcação da bateria de Hernandez. Esse tema é repetido por diversas vezes, e certamente foi usado em muitas formaturas mundo à fora."The Dove (Opening Ceremony)" mostra Wakeman usando com delicadeza do moog e de sintetizadores, em uma bonita faixa que realmente nos dá a sensação de ver as equipes adentrando o estádio de futebol. O piano é o instrumento central da linda "Wayward Spirit". A introdução parece uma sequência para "Awaken", com um dedilhado feroz e agitado. A entrada do riff central modifica a canção, apresentando uma linda faixa onde Wakeman chega a solar com o moog, mas é o piano que permanece sempre como o instrumento chefe da canção, em solos muito tocantes.

"Latin Reel (Theme From G'olé)" é uma faixa que confesso desnecessária. O ritmo alegre e popular lembra as piores canções do ABBA, o que seria algo muito bom de se ouvir se aparecesse, em algum momento, as vozes de Agnetha e Anne-Frida, mas aturar os teclados faceiros de Wakeman, e uma percussão sem-vergonhamente sem-vergonha realmente é difícil. Pule a faixa e vá para "Red Island", uma faixa sensacional, onde sobre uma marcação precisa de baixo e bateria, teclados e coral comandam as variações musicais de uma música bastante climática, até a bateria conduzir o coral para nos remeter aos melhores momentos de Journey To The Centre of The EarthO Lado A encerra-se com "Spanish Holiday", um espetáculo sonoro bastante intenso por parte das diversas variações de instrumentos de solo por Wakeman, e contando com uma importante participação do dedilhado veloz do violão de Jackie McAuley e Mitch Dalton, além da bateria sempre competente de Tony Fernandez.

Já a versão nacional ...

"No Possibla", onde Wakeman abusa dos sintetizadores, e junto com a bateria e o baixo, faz um ritmo bem dançante para nos conduzir à segunda metade do LP, ainda mais com as inspirações flamencas nos acordes do moog.  "Shadows" é outra bela canção, comandada pelo piano elétrico, o ritmo de baixo e bateria, moog, e depois de uma diversa sequências de solos, e uma incrível virada no final da canção, torna-a forte candidata a melhor disco.

Sintetizadores apresentam "Black Pearls", bonita faixa com Wakeman brilhando ao piano e moog.  "Frustration" traz todo o clima de frustração após uma eliminação, em uma faixa sombria, somente com sintetizadores, que parece surgida das melhores viagens da brilhante mente de Vangelis. "Spanish Montage" é um belo duelo de clavinete e violão clássico / flamenco. A participação do violão é muito similar à Steve Howe, e é impossível não abrir um sorriso enquanto a canção vai passando por nossa mente. "G'olé", assim como "Latin Reel", é outra faixa alegre e desnecessária, com grande excesso de sintetizadores, que conclui o álbum de forma um pouco abaixo de sua média geral, mas ainda assim, bastante aceitável perto de outras trilhas sonoras que surgiram nos anos 80, inclusive do próprio Wakeman ...



Track list

1. International Flag
2. The Dove (Opening Ceremony)
3. Wayward Spirit
4. Latin Reel (Theme From G'olé)
5. Red Island
6. Spanish Holiday
7. No Possibla
8. Shadows
9. Black Pearls
10. Frustration
11. Spanish Montage
12. G'olé
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