domingo, 29 de setembro de 2019

Livro: Rita Lee - Uma Autobiografia [2017]


Em janeiro de 2017, através da Globo Livros, chegou às lojas o alaranjado livro Rita Lee - Uma Autobiografia, trazendo a história da Rainha do Rock nacional, Rita Lee Jones, narrada pela própria. Para os fãs da cantora que fez sucesso ao lado de Mutantes, Tutti Frutti e principalmente, do marido Roberto de Carvalho, Rita conta sua vida como uma vovó sentada diante dos netos comendo bolinho de chuva e tomando chá, e apresentando muitas fotos pessoais (algumas ilustrando essa matéria).

A facilidade na escrita de Rita torna a leitura fácil e rápida. Através de diversos mini-capítulos, e tentando seguir uma ordem cronológica, a autora narra desde sua infância cheia de peripécias ao lado das irmãs no casarão da Vila Mariana em São Paulo, sob os olhares severos e rígidos do "General" papai Charles, até o presente momento, quando decidiu aposentar-se de vez do brilho dos holofotes e viver a vida ao Deus dará. Isso sem jogar muita merda no ventilador, inclusive do seu próprio. O tom depreciativo em termos de diversos nomes citados ao longo do texto, e da própria família de Rita (a qual ela chama de Família Buscapé) pode ser até engraçado de início, mas não convém para um livro de tão importante relevância, já que estamos tratando do maior nome feminino do rock nacional.


Com o pai Charles e o filhote de jaguatirica Guna

Mas voltando as merdas na vida de Rita, uma delas é o fato de ter "perdido a virgindade" com um técnico da máquina de costura Singer que foi consertar a máquina de sua mãe e enfiou uma chave de fenda em sua vagina, isso quando ainda era criança. Nessa mesma época, a menina Rita ficou tão nervosa em sua primeira apresentação em público, tocando piano, que acabou se urinando em pleno palco. Outros grandes problemas surgem ao longo do livro, como a sua conturbada relação com o álcool, que a levou a ser internada por diversas vezes em clínicas de reabilitação. Ainda, Rita trata sem rodeios do acidente que esfacelou o seu maxilar e quase a impediu de cantar em meados dos anos 1990, justamente por conta da bebida, e de várias de suas operações (mastectomia, hemorroida, cordas vocais, retirada da vesícula) e da suspeita de Mal de Parkinson. Ou seja, toca na própria ferida sem medo de sentir dor.

Em termos de carreira musical, Rita apresenta primeiramente sua fase junto aos Mutantes, com a fusão das Teenage Singers (grupo vocal que contava com Rita entre os membros) com os Wooden Faces (que contava com o que Rita chama de triumvirato dos mano: Sergio Dias na guitarra, Arnaldo Baptista no baixo e Cesar Baptista na bateria) no grupo O'Seis. As participações nos programas de Ronnie Von, Quadrado e Redondo, Divino Maravilhoso, Astros do Disco, bem como os festivais da época, e até a peça de teatro O Planeta dos Mutantes, estão presentes sem muitos detalhes, assim como comentários muito breves sobre os cinco discos que Rita lançou junto ao grupo.


Rita no final dos anos 60

De interessante, ficam a seção de fotos para a capa de A Divina Comédia ... Ou Ando Meio Desligado, realizadas na cada dos Baptista, e que segundo a autora, por terem sidos pegos nus na cama da mãe Baptista, foi o estopim para que a mãe de Rita obrigasse o casamento entre ela e um dos irmãos, mesmo ela namorando um flautista chinês chamado Thomas O. Lee, a passagem do grupo pela Europa, com Rita afirmando ter ficado constrangida com o lançamento de Technicolor (álbum intencionalmente gravado para lançar o grupo no Velho Continente, em 1970, mas que só viu a luz do dia nos anos 2000), os dias na Cantareira, período em que gravaram Jardim Elétrico, e claro, o desbunde com o fim do grupo, quando repentinamente, segundo Rita, durante um ensaio, Arnaldo falou: "A gente resolveu que a partir de agora você está fora dos Mutantes porque nós resolvemos seguir na linha progressiva-virtuose e você não tem calibre como instrumentista" ... "Uma escarrada na cara seria menos humilhante". Será? Vale citar que nesse ponto do texto, Rita já se vangloreia do seu álbum de estreia, Build Up, na qual o maior destaque, "José", foi uma música que ozmano detestaram, e que ela tinha muito orgulho.

No limbo entre Mutantes e Tutti-frutti, Rita traz uma viagem lisérgica para a Inglaterra, o dia em que conversou com Jimmy Page na Bahia, o jantar ao lado de Eric Clapton, quando convidou uma "amiga mala" que literalmente acabou com a noite, a formação da Cilibrinas do Éden, ao lado de Lúcia Turnbull, e como ela roubou as cobras de Alice Cooper (Mouchie e Angel) durante a turnê do americano pelo Brasil em 1973, isso com a ajuda do roadie (e novo affair) de Rita, Andy Mills.


No paraíso, com o marido e filhos

Da família ao lado do marido Roberto de Carvalho, há as histórias de seu início de relacionamento, o medo de Roberto não querer assumir ser o pai do primogênito Beto Lee, o nascimento dos três filhos, um aborto por conta de uma gestação extra-uterina, que a artista se condena até hoje, os sucessos dos discos lançados no final dos anos 70, início do 80, quando a rotina disco-show torna-se tão exaustiva que Rita, frustrada com lançamentos pouco inspirados, acaba decidindo parar com as turnês, e curtir muitas férias em lugares paradisíacos.

Também aparecem comentários sobre o programa Radioamador, que Rita apresentou na Rádio 89 FM, o programa TVLeeZão da MTV, e o sucesso da turnê Bossa 'n' Roll, que Rita fez ao lado de Alex, já que Roberto estava morando nos EUA na época da turnê (início dos anos 90). Também é comovente o relato da viciada Rita sobre seus conturbados problemas com o álcool, que quase acabaram com a família e a levou por diversas vezes à clínicas de reabilitação, além de uma queda feia que fraturou o maxilar e deixou Rita sem falar por alguns meses.


Uma das várias participações do "Ghost Writer"

Para trazer dados importantes que a autora esqueceu, o livro usa de um "ghost writer", o fantasminha Phantom (na realidade Guilherme Samora, um dos maiores colecionadores da vida de Rita no país), e que entrega diversas informações importantes ao leitor. Dentre elas, destacam-se: a primeira gravação das Teenage Singers, no raríssimo álbum autointitulado de Prini Lorez (1964); a estreia dos Mutantes no programa de Ronnie Von em 15 de outubro de 1966; O sucesso de Fruto Proibido (1975), que Rita diz que foi apenas um "disquinho bacana"; o inesquecível show de Ribeirão Preto, pós-prisão, quando os fãs subiram ao palco e arrancaram pedaços da roupa dela, enquanto ela seguia cantando, mesmo grávida; ...

Algumas pessoas recebem subcapítulos especiais, no caso Hebe Camargo, que ajudou a promover a carreira solo de Rita, Elis Regina, que tirou Rita da cadeia, onde ela ficou presa, grávida, por porte de maconha, algo que ela confessa ter sido uma grande injustiça, Ney Matogrosso, o cupido entre ela e seu marido, Roberto de Carvalho, João Gilberto, que convidou Rita para uma participação especial da Globo, e gravou a canção "Brazil com S", e Thomaz Green Morton, o Homem do Rá, que praticamente destruiu (segundo Rita) com a apresentação dela e do marido na apresentação do Rock in Rio de 1985. Até Yoko Ono é citada, sendo esta responsável por vetar canções/versões que Rita iria registrar no álbum Aqui, Ali Em Qualquer Lugar.

Mas nem tudo é uma maravilha no livro. Para começar, em diversos momentos Rita se perde divagando na sua relação com seus animais de estimação (cachorros, cobras, tartarugas, gatos e até onça), festas particulares e presenças de ilustres, como Bill e Hillary Clinton, e não traz detalhes das gravações de seus discos, seja com os Mutantes, seja com o Tutti Frutti. Sobre as gravações de seus principais clássicos com Roberto, Rita fala que "eram momentos de pura criação após grandes noitadas de sexo", e apenas isso. Parece que só uma boa trepada é o suficiente para criar um clássico.


Imagens do livro

O pior é quando fica extremamente chato de estar se lendo o livro e do nada, uma citação menosprezando Arnaldo aparecer. Parece amor retraído, ou então, necessidade de aparecer. Rita realmente coloca toda sua mágoa com o ex-mutante em diversos momentos, dentre eles, quando insinua que ele apenas está fingindo sequelas da famosa queda do terceiro andar do hospital psiquiátrico lá em 1982. Para quem não sabe, Arnaldo foi internado em um hospício e de lá, jogou-se na tentativa de escapar, ficando em coma durante um bom tempo e tendo sequelas gravíssimas até hoje.

Segundo Rita, Arnaldo resolveu jogar-se no dia do aniversário dela, de uma clínica meia-boca para "esquisitinhos" depois de ter queimado o piano da mãe. Rita foi avisada por uma fã de "Loki" que ele estava internado como um indigente. Graças a ela e Roberto, transferiram ele para o Hospital Samaritano, aos cuidados da fã (Lucinha, atual esposa de Arnaldo), que usava "cabelo vermelho e franjinha no melhor estilo Rita Lee". Tempos depois, ela ligou para Arnaldo fingindo ser uma secretária de Kurt Cobain, e ele falou fluentemente e sem gaguejar em inglês. É de um tremendo mal caratismo expor isso de tal forma, e principalmente, afirmar isso. Ainda, relata que durante seu casamento, "Arnaldo comia todas, enquanto eu dava umas voltas com Danny (cachorro de Rita) e fingia não saber nada". Muita mágoa e insinuações criminosas para pouco proveito de leitura ...


No quarto bordel da Rua Pelotas

Antes, ela já destrói a família Baptista. Liberal para sua época, "todos sofriam de renite, respiravam pela boca, babavam muito e cuspiam quando falavam". "Serginho, o caçula gordinho, nunca leu um livro na vida, raramente escovava os dentes, ..., o Sancho Pança do mano mais velho". Sobre Arnaldo, "das vezes que tentamos transar, foi broxante, eu sentia nojinho das babadas dele, que confessou que comigo era bem menos emocionante do que com uma boneca inflável". Se essas informações são verdadeiras, qual a necessidade dessas informações ao leitor? Sejamos honestos ... Ainda, Rita também relata que durante a turnê de Bossa 'n' Roll, tentou fazer um show de reunião com ozmano, mas que acabou não vingando justamente no momento que Arnaldo viu Sergio no palco, ficando revoltado e dizendo que não tocaria com alguém que usa Fender e não Gibson, na velha rivalidade transistorizados x valvulados. "Loki saiu indignado junto da fã-esposa-clone-da-rita-lee e eu, a bruxa que condenou os mutas ao ostracismo, fiquei lá, posando de paisagem".

Primeiro, Mutantes no ostracismo?? Segundo, para que insistir em chamar Lucinha de "clone de Rita Lee"??? É muita pretensão, exibicionismo, ou amor enrustido através de ciúmes mesmo? E digo ciúmes por que quando ela mesma se chama de A Lôka, com essa grafia, já no final do livro, não tem como não sentir uma pontinha grande de saudades do ex-marido ...


Pelada na praia

Para completar, e por que não, dar uma de advogado de defesa, esse parágrafo entrega o que eu tento dizer. Ao falar sobre a mudança que o trio Mutante passa do primeiro para o segundo disco: "Não que ozmano (n. r. Sergio e Arnaldo) fossem desimportantes dentro dos Mutas, muitíssimo pelo contrário, a virtuosidade de Sergio era fato inegável, apenas sua técnica instrumental se mostrava inversamente proporcional ao talento como compositor. De nós, era o que cantava melhor, apesar da mania de imitar Paul McCartney, o que eu considerava vergonhoso. Arnaldo tinhas ótimas ideias, tocava piano e baixo legal, em matéria de ousadia estava anos-luz à frente. Quanto a mim, não tocava nem cantava porra nenhuma". Ou seja, é muita auto-depreciação sem necessidade.

Todos sabemos como os Mutantes foram importantes para o mundo da música, tanto que recentemente, um canal russo elegeu o grupo como o segundo grupo brasileiro mais importante de todos os tempos, atrás apenas do Sepultura, e como nomes como David Byrne e Kurt Cobain, entre outros, babam pelo som dos caras. Então, esse tipo de declaração é no mínimo sem sentido, para não dizer outra coisa. Na obra definitiva sobre sua vida e carreira, que ficará para a eternidade e gerações pesquisarem quem foi Rita Lee, é triste ler tanto ódio e rancor.


A bebê Rita ao lado dos pais e irmãs


A analogia da turma do Bolinha e do Mágico de Oz com os colegas de MPB da época é tão ridícula e pedante quanto a citação que Rita faz para Chico Buarque (no baile, Rita avacalha também com Elis, Aninha, Edu Lobo, Geraldo Vandré e Sérgio Ricardo, além do grupo MPB-4). Outra que sofre nas mãos de rita é a "governanta-empresaria" Mônica Lisboa, que apesar de não ter o nome citado no livro, aparece por diversas vezes, sendo acusada de responsável por acabar com a carreira do Tutti-Frutti, e de usar do nome Rita. Durante as gravações de Entradas & Bandeiras, a mixagem foi totalmente realizada por Luis Carlini, que deixou o álbum "um festival de guitarras atropelando voz, vocais, teclados, baixo ... virou um disco do moço". Com isso, Rita se considera a mocinha ingênua de uma novela colombiana, ludibriada pelo cartel de Medellin (composto por Luis e da Governanta).

Por fim, têm informações muito complicadas de se acreditar. Primeiro, no capítulo Nojinho, ela afirma ter nojo das coisas, que não gosta de dar selinho e coisa e tal. É estranho no mínimo essa informação, já que no dia do lançamento deste livro, Rita distribuiu selinhos aos montes, e no próprio livro ela se auto-elege a criadora do selinho da Hebe ... Mas a pior delas é a pior delas é a de uma Bad Trip ao lado de um amigo (Baratão), no Rio de Janeiro, quando os dois pegaram meio quilo de cocaína e ficaram cheirando durante três dias sem parar. Qualquer um que acompanha programas de investigação criminal ou polícia sabe que meio quilo de cocaína é MUUUUUUUUUITA cocaína, e que se cada um tivesse consumido 250 gr de cocaína em três dias, com certeza não teriam durado para contar a história. É ler e fingir acreditar ...


No lançamento de seu livro


Enfim, o livro é tranquilo de ler, principalmente para quem quer uma linguagem "jovem", mas a ausência de informações pertinentes com uma carreira musical tão ampla, a quantidade de comentários azedos e pouco acrescentadores de conteúdos, e principalmente, o excesso de informações pessoais totalmente inúteis, tornam Uma Autobiografia aqueles casos que você lê uma vez e nunca mais pega novamente. E vamos agora reler o (também) criticado A Divina Comédia dos Mutantes, que para Rita, o autor apenas deveria ter ficado Calado (Carlos Calado é o autor do livro).

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Ecstatic Vision - For The Masses [2019]



O grupo norte-americano Ecstatic Vision, formado por Doug Sabolik (guitarra, órgão, vocais),  Michael Field Connor (baixo), Kevin Nickles (saxofone, flauta, guitarra) e Ricky Kulp (bateria), lançará amanhã, dia 20, seu terceiro álbum, For The Masses. Depois de Sonic Praise ter conquistado a América em 2015, e Raw Rock Fury ter chocado a mesma América com experimentações em 2017, o grupo ano passado mostrou de onde havia tirado suas inspirações, com o ótimo EP de covers Under The Influence.

Neste EP, temos duas homenagens para o Hawkwind, com “Born To Go” e “Master Of The Universe”, o peso do MC5 em “Come Together”, e um tributo ao Zam Rock, através dos grupos Chrissy Zebby Tembo & The Ngozi Family, com a faixa “Troublemaker”, e “The Bad Will Die”, sonzeira do grupo Keith Mlevhu. É exatamente uma continuação dessas influências, porém construídas através de ideias próprias, que temos na audição do ótimo For The Masses.



O som industrial, com barulhos de sirenes, sintetizadores e percussões, toma conta na vinheta de abertura "Sage Wisdom", que nos prepara psicologicamente para as insanidades musicais que virão ao longo de pouco mais de meia hora de música. "Shut Up And Drive" começa com o baixo carregado de distorção puxando o riff junto de efeitos, para explodir na guitarra e bateria, em um ritmo que dá vontade de sair pulando pela casa. A mistura de riffs pesados, efeitos sonoros e os vocais carregados de efeitos lembra de imediato Hawkwind da fase Warrior On The Edge of Time, o que já alavanca muitos pontos para os americanos. O riff fica repetindo-se durante toda a canção (sete minutos e quatorze segundos), enquanto os vocais são alternados com solos de guitarra regados de muito ácido. Lisergia pura!

Mais efeitos de sintetizadores aparecem em "Yuppie Sacrifice", a mais longa do álbum, com quase 9 minutos de duração. É uma doida e embalada faixa, com uma bateria poderosa que comanda o ritmo tribal e a voz de Doug carregada de efeitos. Destaque para o surpreendente solo de saxofone, e a acidez de uma guitarra carregada no wah-wah. "Like a Freak" coloca a casa para baixo. Um riff potente de baixo e guitarra, pancadaria na bateria e um vocal fulminante, numa espécie de punk rock misturado com heavy metal na melhor linha do MC5, que literalmente, deixa o ouvinte enlouquecido.



A faixa-título parece ter brotado de algum álbum esquecido do Gong. Uma maluquice sem tamanho, onde uma bateria dilacerante estraçalha os nossos ouvidos, enquanto vozes, sintetizadores, saxofone à la Coltrane e outros instrumentos de difícil identificação tentam sobreviver a massa sonora que está saindo das caixas de som. Um free jazz rock insanamente sensacional!! A sombria "Magic Touch" nos remete novamente às viagens do Hawkwind. Sintetizadores caprichosamente assustadores, e vocalizações idem, preparam o ambiente para um baixo com distorção ao extremo, e percussões africanas, arrebentarem as caixas de som. De forma inesperada, e oposta ao caos sonoro da percussão e baixo, uma flauta sola ao fundo da parede sonora criada pelo Ecstatic Vision, como uma segunda faixa imersa sob a primeira. Genial! A entrada dos vocais carregados de efeitos apenas servem para apimentar ainda mais a insanidade musical dos americanos, e a faixa encerra-se com um riff sabbhático da guitarra.

For The Masses tem na sua conclusão "Grasping The Void", outra faixa magnífica, onde a mistura dos instrumentos de sopro (flauta e saxofone) e a distorção do baixo e da guitarra, além de uma bateria com um ritmo pulsante, são sensacionais. Vocais carregados de efeitos, hipnotização sonora fácil, enfim, um encerramento que resume toda essa bela obra de 2019.

Não é um disco fácil de se ouvir, e que você irá reproduzir por diversas vezes ao dia, mas com certeza, no momento certo, For the Masses pega de tal jeito que fica impossível não abrir um sorriso com esse retorno ao lisérgico início dos anos 70 sem ter usado qualquer alucinógeno. Grata surpresa!




Track list

1. Sage Wisdom
2. Shut Up And Drive
3. Yuppie Sacrifice
4. Like a Freak
5. For The Masses
6. The Magic Touch
7. Grasping The Void

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Discos Que Parece Que Só Eu Gosto: The London Symphony Orchestra Featuring Ian Anderson - A Classic Case (The London Symphony Orchestra Plays The Music Of Jethro Tull Featuring Ian Anderson)[1985]





Ao mesmo tempo que o rock 'n' roll se consolidava nos anos 60, e tornava-se uma potência nos anos 70, discos com orquestra e rock se tornaram lançamentos tradicionais. A fusão dos dois rendeu pérolas como Days Of Future Passed (The Moody Blues e London Symphony Orchestra, de 1967), Concerto For Group and Orchestra (Deep Purple e The Royal Philharmonic Orchestra, de 1969), Ekseption 00.04 (Ekseption e The Royal Philharmonic Orchestra, de 1971), Live - In Concert With The Edmonton Symphony Orchestra (Procol Harum e a orquestra citada no título, 1972) ou Journey To The Centre of the Earth (Rick Wakeman e a London Symphony Orchestra, de 1974), entre outros,. Uma única orquestra registrando rock 'n' roll em arranjos clássicos, era algo que poderia levar a música clássica para o jovem público dos anos setenta, e por que não, fazer com que alguns jurássicos apaixonados pelas obras de Bach, Beethoven, Chopin e cia., deixassem de torcer o nariz para a música dos cabeludos.

Como podemos ver, tanto as orquestras do Royal Philharmonic quanto a do London Symphony têm participação importante nesse mundo sinfônico + rock, e foram ambas que resolveram incrementar suas discografias, fazendo com que na segunda metade dos anos 70, uma espécie de lançamento se tornasse figura carimbada quase que constantemente. Tratava-se de gravações de músicas clássicas do estilo por uma orquestra. As primeiras gravações desse tipo foram as de Tommy (London Symphony Orchestra, de 1972) e Tubular Bells (The Royal Philharmonic Orchestra, de 1975).

A The Royal Philharmonic preferiu seguir com regravações para um único artista, e assim foram lançados Performs The Best Known Works Of Rick Wakeman (1978), Plays The Beatles - 20th Anniversary Concert (1982), Plays The Queen Collection (1982), ABBAPHONIC - ABBA's Greatest Hits (1983), Objects Of Fantasy - The Music Of Pink Floyd (1989), enquanto eventualmente trabalhou com Frank Zappa (200 Motels, de 1971), David Bedford (Star's End, de 1974), Ramases (Glass Top Coffin, de 1975), Renaissance (A Song For All Seasons, de 1978), além de seguir sua co-irmã, lançando em 1982 Hooked On Rock Classics, com regravações de Beatles, Stones, Derek and the Dominos, Survivor e outros (1982).


Alguns dos álbuns de clássicos do rock interpretados pela Royal Philharmonic Orchestra

Digo seguir a co-irmã por que foi a London Symphony quem resolveu primeiro ampliar sua homenagem ao rock, isso em 1977, quando gravou Classic Rock, coletânea dupla (no Brasil saiu em duas partes) que apresenta sucessos como "Bohemian Rhapsody" (Queen), "Life on Mars" (David Bowie), "Paint it Black" (Rolling Stones), "Whole Lotta Love" (Led Zeppelin), "God Only Knows" (Beach Boys) e mais 13 grandes clássicos de baluartes do rock, de Beatles a Ike & Tina Turner. Esse álbum inova ao re-aaranjar as canções do rock em um estilo bastante clássico, com metais e cordas simulando as guitarras, vocais e teclados, além da presença da bateria, único instrumento mais próximo ao rock.

Em 1979 veio Classic Rock Rhapsody In Black, outra coletânea de sucessos do rock 'n' roll, e a partir dos anos 80, a London Symphony trouxe Classic Rock - Rock Classics (1981), Classic Rock Rock Symphonies (1983), Rock Classic 5 - Themes And Visions (1983), The Power Of Classic Rock (1985), Classic Rock Countdown (1987) e Classic Rock - The Living Years (1989), que além de buscar clássicos do rock na década de 60 e 70, também atualizava peças do rock dos anos 80 em arranjos sinfônicos. A London Symphony, diferentemente da Royal Philharmonic, especializava-se em registra obras de diversos artistas, mas em 1985, resolveu apostar novamente no formato de um álbum exclusivo de um artista, e o homenageado da feita foi o Jethro Tull.


Alguns dos lançamentos da série Classic Rock, com a London Symphony Orchestra

Acompanhada pelo líder flautista, vocalista, violonista, batedor de escanteio, falta, pênalti e também goleiro e técnico do Jethro Tull Ian Anderson, além de participações especiais do guitarrista Martin Barre, do baixista Dave Pegg e do tecladista Peter Vitesse, ou seja, a formação do Jethro Tull que gravou o controverso Under Wraps (1984), e que precisava fazer alguma coisa para poder "arrumar o filme" que havia sido queimado bastante, a London Symphony Orchestra entrou nos estúdios com a intenção de lançar um álbum de Natal em 1985, e assim nasceu A Classic Case (The London Symphony Orchestra Plays The Music Of Jethro Tull Featuring Ian Anderson). Os arranjos ficaram a cargo de David "Dee" Palmer, que acompanhou o Jethro Tull durante boa parte da década de70, ora fazendo arranjos orquestrais ora sendo tecladista.

Porém, parece que o tiro acabou saindo pela culatra. O disco em si acabou sendo tão renegado quanto Under Wraps, e quase todos os fãs de Jethro Tull que eu conheço acabam desprezando seu lançamento. Nosso próprio colega, André Kaminski, ao fazer a Discografia Comentada dos britânicos, se quer mencionou UMA LINHA para A Classic Case. Desconheço as razões para o André ter feito isso, e tão pouco o julgo mal, mas isso só atesta que A Classic Case é um álbum esquecido na vasta discografia de Anderson e cia.


Contra-capa da versão internacional

Porém, eu realmente não entendo isso. Esse foi um dos primeiros discos ligados ao Tull que conheci (Aqualung, Thick as a Brick, The Broadsword and The Beast e Benefit vieram todos juntos à esse, através de um amigo do Micael que é apaixonado pela banda), e foi um caso de amor a primeira ouvida. A união de orquestra com a flauta furiosa de Anderson me causou um impacto muito forte, o suficiente para que A Classic Case se tornasse meu disco favorito da banda por muitos anos (até ouvir A Passion Play), e principalmente, ter sido minha primeira aquisição dos caras. Além disso, o repertório escolhido a dedo mistura canções de todas as fases do Tull, sendo então uma bela entrada ao mundo musical dos britânicos.

A super clássica "Locomotive Breath" surge com o poder das cordas entoando o riff inicial do piano. Os metais emulam os vocais, e o grande destaque é a flauta de Ian Anderson, que repete as linhas vocais e o magistral solo desse petardo de Aqualung (1971) em sua totalidade. O dedilhado de violão mais famoso da história dos britânico introduz "Thick As A Brick". As cordas fazem a parte vocal, e ao longo de pouco mais de quatro minutos, temos aqui apenas três partes do clássico álbum homônimo de 1972, contando novamente com a presença importante da flauta de Anderson, mas sem impactar tanto quanto a original.


Lado A

"Elegy" é uma das mais belas faixas registradas em A Classic Case. A combinação entre orquestra e a flauta causa emoções fortíssimas até em uma estátua. Um registro perfeito, que supera inclusive o original, lançado em Stormwatch (1979), assim como "Boureé", um espetáculo orquestral que impressiona pela sua imposição sonora logo de início, até baixo e flauta trazerem o consagrado riff de Bach. Na sequência, o que ouvimos em Stand Up (1969) está também registrado aqui, com Anderson mandando ver no solo de flauta, e a orquestra fazendo intervenções pontuais. Fechando o Lado A, a surpreendente "Fly By Night". Gravada por Anderson no seu álbum solo Walk Into Light (1983), aqui ela mantém o mesmo arranjo oitentista registrado originalmente, mas ganhou um clima de trilha sonora de filme de ficção científica através da orquestra, o que elevou em muitos pontos sua criação e inserção no álbum.

Outro super-clássico, "Aqualung", abre o lado B com a orquestra assumindo todos os postos. Um dos principais sucessos da banda, aqui é tratada com toda a honra e grandiosidade que merece, sem tirar uma nota do lugar. "Too Old To Rock 'n' Roll To Young To Die" é outra que a orquestra encaixou super bem. A guitarra da introdução está presente, as cordas emulam os vocais de Anderson, o saxofone. Tudo encaixadinho e agradável aos que apreciam a obra. O Medley com "Teacher", "Bungle In The Jungle", "Rainbow Blues" e "Locomotive Breath" possui a participação de Anderson na flauta, e os metais fazendo uma participação dançante e boa para aumentar o som durante a audição.


Lado B

Para fechar o álbum, uma versão praticamente idêntica para "Living In The Past", com o baixão, flauta e tudo mais, e "Warchild", uma faixa soberana, com uma orquestração que modificou totalmente o arranjo original, tornando-a muito mais próxima a grandes trilhas sonoras do que a pérola progressiva do álbum homônimo de 1974, e que encerra com chave de ouro esse rico trabalho clássico,

Depois, vieram We Know What We Like: The Music Of Genesis (1987), e só nos anos 90 a London Symphony resolveu investir alto nesse tipo de lançamento, com cinco discos em 1994 - Symphonic Music Of The Rolling Stones, Plays The Music Of The BeatlesPlays The Music Of Abba - Symphonic RockFortress: The London Symphony Orchestra Performs The Music Of StingOrchestra On The Rock - Queen - The Long Goodbye - dois em 1995 - Symphonic Music Of Procol Harum e Plays The Music Of The Eagles, além do disco Symphonic Music of Yes, outro projeto com arranjos de David Palmer, ao lado de Bill Bruford, Steve Howe e Jon Anderson. A partir dos anos 2000, pararam os lançamentos desse tipo, até por que a nova geração musical já havia praticamente abandonado o estilo clássico, mas A Classic Case ficou para a história, tanto pelo seu ousado - na época - estilo de adaptação de canções progressivas com arranjos clássicos como por ser um dos álbuns ligados ao Jethro Tull menos comentados em toda sua história, seja para bem ou para o mal. Concordam?
Contra-capa da versão americana e britânica


Track list

1. Locomotive Breath
2. Thick As A Brick
3. Elegy
4. Boureé
5. Fly By Night
6. Aqualung
7. Too Old To Rock 'n' Roll, Too Young To Die
8. Medley (Bungle in the Jungle / Rainbow Blues / Locomotive Breath)
9. Living in the Past
10. Warchild
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