quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Ouve Isso Aqui: Metal nacional, fora do convencional



 Tema sugerido por: Fernando Bueno

Com André Kaminski, Davi Pascale, Mairon Machado e Ronaldo Rodrigues

Todos os discos abaixo mostram uma faceta diferente do metal nacional. Não sou daqueles que ficam defendendo o metal nacional apenas por ser feito aqui no nosso país. Eu defendo as boas bandas daqui. Se faz música boa, se eu gosto eu defendo do mesmo modo que faço com bandas de outros países. Acredito que o Brasil é um excelente celeiro de bandas de metal, falta um ambiente melhor (estúdios, produtores, agentes, empresários e principalmente profissionalismo). Tentei citar bandas que não necessariamente são as mais comentadas, mas também não tirei nenhum desses discos das catacumbas do underground nacional.


Armored Dawn - Viking Zombie [2019]

Fernando: O Armored Dawn nutre um certo tipo de implicância em parcela dos fãs brasileiros de metal. Acredito que a estratégia de marketing adotada pela banda, que os faz aparecer todo mês nas revistas e que acabou fazendo a banda ser quase onipresente fazendo shows de abertura de bandas estrangeiras em terra brasileiras, é responsável por isso. Eu gostei mais do disco anterior, Barbarians in Black, em que eles praticam um som mais na linha do épico, um pouco power metal, mais um pouco tradicional com algumas pitadas thrash. Porém escolhi esse disco, pois ao meu ver ele arriscaram um pouco mais. Nesse lançamento eles assimilaram alguns elementos de metal norte americano com algumas doses de Mastodon, Trivium e até mesmo o Avenged Sevenfold. Como essas bandas não são unanimidades aqui no Brasil fiquei curioso com a opinião dos amigos que participarão dessa sessão. Também fiquei pensando que talvez a intenção da banda seja tentar uma carreira lá no país do Trump.

André: Apesar de ser uma banda relativamente nova, a maior parte dos seus integrantes já estão há anos na música. Timo e Rafael estavam no Ravenland (e eu ouvi o único registro da banda). Também conheço o trabalho do Rodrigo no Korzus. Com um time desses, eu esperava uma pauleira daquelas unido a uma técnica acima da média por parte dos caras. Botei para ouvir e as três primeiras músicas parecem aquela coisa meio emotiva-metalcore demais para um disco que fala sobre vikings. Na quarta música as coisas melhoram e um heavy-power surge no instrumental, embora aqueles cacoetes metalcore sigam. Não abomino metalcore, mas esse estilo rítmico e vocal em grande parte do disco me incomodam um tanto. Não sei se era essa a intenção dos caras, mas esse lado "melodioso" sem ser do hard, do symphonic metal ou mesmo do pop, para citar alguns exemplos, não me agrada.

Davi: Esse eu já conhecia. Tenho o CD em casa. Demorei um pouco para ouvir o som dos caras, por causa da má impressão que tenho do Dr. Pheabes. Não gostei do show que assisti dos rapazes e, para piorar, a entrevista que li deles não ajudou a melhorar a imagem que tinha do grupo. De tanto que conhecidos meus comentaram sobre o grupo, resolvi dar uma chance e fui positivamente surpreendido. Não tenho ainda os dois primeiros álbuns, então não tenho como comparar a sonoridade entre eles. Aqui, eles apresentam um som pesado, melódico e bem resolvido. Algumas vocalizações soam um pouco radiofônicas (o que não considero ruim) e o álbum possui um pé na modernidade, perceptível tanto na mixagem quanto nos efeitos eletrônicos que costuram o álbum. Trabalho bem bacana. Vou correr atrás dos dois primeiros discos.

Mairon: Banda que me lembrou bastante o Avenged Sevenfold. Confesso que esperava outra coisa quando vi o nome da banda e o nome do disco, mas nunca esse metal moderninho e sem sal, e me admira ainda mais que o Fernando curta isso. Os tecladinhos são a pior parte, e se não fosse a guitarra, acho que tinha dormido. Mas confesso, jamais imaginaria que se trata de uma banda brasileira.

Ronaldo: É um metal moderno, com presença maciça de teclados, afinações mais graves que o usual e refrões fortes. As linhas vocais parecem emprestadas de outras vertentes do rock e não soam bem aderidas com as bases distorcidas e a bateria pesada praticada no disco. O disco dá uma engatada da metade para o fim, é preciso reconhecer. Mas no fim das contas, dessa espécie de choque de tendências o som do grupo acaba ficando um pouco diluído e exposto a um dilema que me parece não agradar nem aos fãs do metal tradicional (a exceção de uma outra passagem do disco, como a introdução de "Fire and Flames") nem aos adeptos do rock pós anos 2000.


Fanttasma - Another Sleepless Night [2013]

Fernando: Quando ouvi esse disco pela primeira vez eu não me conformei em saber que era seu único lançamento. Porém depois de um tempo fui descobrir que na verdade o disco foi gravado como resultado de um projeto de Rafael Lopes guitarrista que foi do Torture Squad. Ele compôs tudo e chamou o vocalista Thiago Andrade do Deadly Curse para gravar com ele, além de vários convidados como a Fernanda Lira do Nervosa. O estilo de composição me fez lembrar de cara o Paradise Lost ou o Amorphis em algumas passagens. Outras bandas que poderia citar são o Katatonia, Primordial, alguma coisa do Opeth e, notem, nenhuma outra banda nacional. O Brasil é tão forte no power metal e no metal tradicional, mas não tem muita tradição com o doom. Tudo foi feito com tanto cuidado que é uma pena que a banda não tenha tido continuidade. Pelo menos ficou esse registro aqui.

André: Fiquei positivamente bem impressionado com o trabalho desses caras. O único problema não com eles, mas comigo: não gosto muito quando eles aceleram as guitarras fazendo o tradicional "zumbido" black metal que tanto me incomoda. Mas quando estão apenas na parte doom, nossa, é excelente. Riffs graves e até mesmo "bonitos", vocal gutural bem encaixado e ótima produção. O que daria uma diminuída na nota são as letras que não fogem muito da melancolia típica. Se o mesmo capricho que eles tiveram com o instrumental fosse também com as letras, seria nota 10. Mas ainda assim, um ótimo disco e uma boa surpresa de se ouvir agora no final de ano.

Davi: Trio idealizado pelo ex-guitarrista do Torture Squad, Rafael Augusto Lopes. O álbum é pesado, arrastado, melancólico e chato. O trabalho de guitarra do Rafael é muito bom. O baterista Rafael Calbes manda bem, embora não tenha curtido o som que tirou do instrumento aqui (som magro demais). Infelizmente, o cantor põe tudo a perder. Vocal gutural da pior espécie. O saxofone de Alexandre Herrera não acrescenta muita coisa em “The Night Fever”. O melhor momento é a participação especial de Fernanda Lira (Nervosa). O trabalho vocal que ela realizou em “Life Is War” salvou a faixa e esse acaba sendo o único momento digno de nota desse EP.

Mairon: Banda que exagera no gutural, com um instrumental relativamente interessante, e que tem como melhor atração o fato do álbum ter apenas 30 minutos, os quais foram bastante tortuosos de aguentar. Tirando a surpreendente introdução de "The Night Fever", com direito até a um saxofone, o resto é quase que totalmente indeglutível. Os caras até criaram algo bem legal de se ouvir (de início) em "Life Is War", mas quando entra o gutural, destrói de vez. Fica a ideia bem interessante de misturar o saxofone com metal pesado, bem interessante mesmo.

Ronaldo: É particularmente difícil resenhar um trabalho em que todas as músicas tem o mesma clima e querem retratar a mesmíssima coisa. Se isso não puder ser chamado de repetitivo em termos conceituais, nada mais o pode. E sim, qualquer leitor pode acusar minhas resenhas de metal extremo de serem iguais, pois os discos do estilo que resenhei são em muito assim. Coisa para aficcionados.


Malefactor - Sixth Legion [2017]

Fernando: Se o ouvinte pegar os primeiros discos do Malefactor e comparar com os últimos vai achar que são bandas distintas. Parece até o que aconteceu com bandas como o Therion, Behemoth ou Rotting Christ. A evolução e adição de novos elementos ao metal extremo foi enorme. Desde que conheci a banda esse disco foi o que mais me agradou e foi o que mais ouvi e esse foi o critério para a escolha de um álbum para os representar aqui. Eu demorei para ouvir a banda por puro preconceito em relação ao nome. Achava que se tratava de mais uma daquelas bandas “podreiras” de metal extremo que em geral não me agrada, mas depois de ler uma entrevista (uma das mais legais que já li) com Lord Vlad na Whiplash eu tive que ir atrás.

André: Não conheço tudo do Malefactor, mas o pouco que conheço a banda sempre me pareceu um tanto irregular dentro dos próprios discos. Há músicas com riffs e arranjos incríveis enquanto outras faixas soam bem mais genéricas. Com o maior reconhecimento e melhores produções, além do avanço da tecnologia, permitiu que a banda pudesse explorar mais elementos diferentes em seu heavy metal, caso desse disco. Gostei principalmente da sétima música "Down at the Valley of the Great Encounter" e de todo o seu recheio harmônico. Já "Cross and Fiction" cai naquela linha de faixa esquecível por faltar talvez um gancho de guitarra melhor. E é assim entre várias outras músicas (e mesmo discos) que eu ouvi da banda fazendo com que ela lance bons trabalhos, mas nada muito além disso. Torço para que subam mais o nível e sejam mais conhecidos.

Davi: Sexto álbum da cultuada banda baiana. Já tinha ouvido falar no nome deles, mas não sou um profundo conhecedor de sua obra, portanto, fui dar uma pesquisada para saber o que me aguardava e notei que eles definem o som como unholy metal. Já perdi as contas de quantos gêneros existem dentro do metal, de boa... Impressionante notar que a porradaria aqui foi criada por apenas três caras. Eles fazem um som agressivo, mas sem deixar a técnica de lado, misturando momentos velozes com outros mais cadenciados. O trabalho vocal é bacana. Em relação ao repertório, não curti muito a faixa de abertura, o resto do álbum desceu de boa. Banda bem competente.

Mairon: Banda de metal bem pesado, com pitadas de death metal, mas mesclando um pouco de thrash aqui e um melódico acolá. Outra que exagera nos guturais, que novamente não curti, por que ainda vem carregados de efeitos, mas apreciei bastante os solos de guitarra da maioria das faixas. Destaque para o trabalho de composição de "Down at the Valley of the Great Encounter", a faixa que realmente mais gostei. O problema é que há algum tempo deixei de apreciar esse tipo de som, principalmente por conta dos vocais, e honestamente, Sixth Legion não me acrescentou muito em termos de gostar do Malefactor. Se ficasse só nos vocais naturais, a coisa seria diferente.

Ronaldo: Não tenho percepção musical suficiente para diferenciar os vocais guturais, as batidas frenéticas de bumbo duplo o baixo quase inaudível ou o timbre das guitarras deste disco de outros discos de metal extremo. Todas as músicas são extremamente pesadas, algumas envoltas em um clima mais épico e outras nem tanto, apostando mais na velocidade da execução. A se destacar apenas alguns solos de guitarra, com boas dobras harmônicas e muito bem construídos em termos de técnica.


Tamuya Thrash Tribe - The Last Guaranis [2016]

Fernando: Talvez o disco mais distinto dessa lista. Impossível também de não lembrar de Roots do Sepultura e Holy Land do Angra. O Tamuya Thrash Tribe certamente ouviu esses discos aí e expandiu as influências de música brasileira, cultura indígena e outras brasileiridades. O disco contém corais infantis de crianças guaranis, percussão de origem afro-brasileiras e até um cantor de samba fazendo participação, mas tudo dosado de forma muito bem pensada que não descaracteriza o thrash metal que é o elemento principal do todo. Tudo feito com muito esmero, inclusive o material físico de qualidade ímpar em relação aos materiais nacionais.

André: Quando se tem o começo do play, é impossível não lembrar da influência do Roots [1996] nesse tipo de sonoridade com faixas que misturam o folk nativo indígena nosso com o metal. Embora em boa parte das canções o instrumental também se demonstra "puro thrash" com vocais ao estilo death, o foco das letras e alguns elementos indígenas  e/ou regionais aparecem o que dá um sabor diferente ao disco. Dentre os cinco, é o melhor.

Davi: Aí está um disco que nunca tinha ouvido falar. Sendo o Tamuya uma banda de thrash que mescla o som deles com influencia indígena, é quase impossível não nos recordarmos de Roots. O bacana, contudo, é que nem de longe, eles são uma cópia do Sepultura. Pelo contrário, a banda possui uma identidade forte. Os arranjos são pesados e diversificados. O trabalho é muito bem gravado, os riffs são impactantes. O vocal canta a maior parte do tempo com gutural, mas é bem feito. As partes com vocal limpo casaram com o som da banda e ajuda a tornar o som deles mais criativo. Em “Senzala/Favela”, minha favorita, os caras enfiaram o Marcelo D2 fazendo um rap no meio da porradaria e ficou genial. Bom disco!

Mairon: Fernando se puxou aqui. Mais uma banda que nunca ouvi falar, agora com um disco conceitual voltado para a tribo indígena dos guaranis. O som dos caras é muito bem tocado, com ótimas passagens de guitarra, seja no trecho central de "The Voice of Nhanderu", em passagens de "A Call from Xapuri", no belo solo de"Tamuya" ou no riffzão de "Violence And Blood". E vejam só, "Vinte e Cinco" até parece uma obra de Xangai em um disco de Metal. Que coisa, não? As versões acústicas de "Immortal King" e "Tamuya" soam melhores que as originais. Acho que os vocais guturais soam um pouco quanto exagerados. As alternâncias nas línguas (ora em inglês, ora português, ora até em guarani), também não me foram de bom agrado, apesar dos trechos não guturais serem bem melhores do que os guturais. E o disco, duplo, é longo demais. Mas foi uma curiosa oportunidade de conhecer algo diferente.

Ronaldo: A coisa até inicia de forma bem empolgante, mas aí o vocalista decide fingir que canta e a coisa desanda, usando os efeitos guturais para simplesmente se esquivar de emitir qualquer nota musical com seu instrumento. Há boas batidas (algumas captando motivos brasileiros), bons riffs e bons solos ao longo do disco; nada que mudaria o curso da história mas que poderia tornar o trabalho realmente apreciável.


Yuri Fulone - Fernão Dias Paes [2019]

Fernando: É o disco conheci há menos tempo dessa lista. Não tem dois meses que comecei a ouvir isso aqui. Fiz um texto sobre o último disco do Moonspell e falei sobre a história dessa época em que se passa o tema tanto de 1755, o disco da banda portuguesa, quanto esse trabalho de Yuri Fulone, e o tema me interessou pelo mesmo motivo. Fulone é conhecido pelos seus álbuns cheio de músicas épicas e calcado em uma das principais especialidades nacional, o power metal. Logo no início uma voz que vai fazer todo mundo recordar a infância, afinal a voz do dublador de Wolverine e Esqueleto acompanhou a infância de muitos que estão na faixa dos 35-40 anos. Vale a pena acompanhar o álbum prestando atenção às letras das músicas que contam a história de um dos mais conhecidos bandeirantes. A história dessas pessoas é bastante controversa pois são tratados como vilões pela escravização de índios, mas também como heróis por serem responsáveis por expandir o território brasileiro, mostrando que a divergência de opiniões não é um assunto recente aqui no Brasil.

André: Não consegui ouvir o disco, exceto pelo teaser postado no youtube. Todavia, estou até prevendo a chatice que será os comentários politiqueiros dessa matéria por parte de certos indivíduos, pelo fato de termos aqui um disco conceitual da causa indígena e outro completamente oposto abordando um bandeirante famoso. Não vou ficar gastando as minhas deliciosas férias moderando essa merda, vocês que provocaram que se virem aí.

Davi: O músico Yuri Fulone começou a se destacar em uma banda cover do Rhapsody chamada Warpride. A influência do grupo italiano em seu trabalho salta aos olhos. Seja nos seus arranjos de teclados, seja nas linhas vocais com o cantor atacando a voz quase todo o tempo para cima, seja nas construções épicas, quase medievais. O garoto se juntou ao (ótimo) grupo Liar Symphony e trouxe ainda a (boa) cantora Nayara Camarozano e o famoso dublador Isaac Bardavid (a famosa voz do Esqueleto no Brasil). A ideia, como o próprio nome do álbum sugere, é contar a história do famoso bandeirante Fernão Dias Paes. No papel, tudo funciona incrivelmente bem. O resultado final, contudo, é mediano apenas, uma vez que as letras poderiam ter sido melhor elaboradas. De qualquer jeito, valeu a intenção.

Mairon: Outro disco conceitual que conta a história da bandeira liderada por Fernão Dias Paes, em 1674, rumo ao norte do país, em busca da lendária lagoa das esmeraldas, e que tem todo um climão épico típico de grandes produções metálicas. A história é cantada em português, o que ajuda a entendê-la tranquilamente, e o instrumental é bastante interessante, ainda mais para um lançamento bem recente. Interessante que no meio de tanto riff pesado, o que mais me chamou a atenção foi "Quando Voltarás", com um belo dedilhado de violão, e linda vocalização feminina. Outra boa faixa é "Esmeralda", com um climão prog que me fez até voltar o Spotify para ouví-la de novo. Fácil melhor música do disco. Passou rapidinho nas minhas caixas de som, e no geral, foi uma audição satisfatória.

Ronaldo: Interessante o caráter histórico dado por este trabalho, a escolha pelo português para as letras, bem como as passagens neo-sinfônicas que permeiam o disco e são um acréscimo muito positivo para o conjunto da obra. Como não sou grande conhecedor de metal sinfônico, não sei se a adoção da língua nativa é algo plenamente original
para retratar temas históricos. Os vocais são de alto nível, há farta instrumentação e riqueza de climas - partes tranquilas, trechos realmente densos e pesados e aquele clima pomposo que se espera de um trabalho com este tipo de temática.

domingo, 22 de dezembro de 2019

Aardvark - Aardvark [1970]





Cite um grupo de hard rock formado apenas por teclados, baixo, voz e bateria. Ok, você citou Emerson, Lake & Palmer, mas eles eram do rock progressivo. Cite outro. Triumvirat? Não, eles também eram do rock progressivo. Pois saiba que antes desses monstros do rock progressivo colocarem suas asinhas de fora para brilharem no mundo do rock sem o principal instrumento do estilo, a guitarra, a Escócia já fornecia um trio pesadíssimo, na linha do hard de grupos como Deep Purple, Uriah Heep e Atomic Rooster, batizado de Aardvark.
Stan Aldous, Dave Skillin, Frank Clark e Dave Watts

O quarteto foi formado em 1968 por Dave Skillin (vocais), ao lado de Stan Aldous (baixo, ex-Odyssey), Mick Crampton (bateria) e Dave Watts (teclados). A estreia do grupo em palco foi abrindo para a Jimi Hendrix Experience, em um show para 80 mil pessoas, na Alemanha. Watts não durou muito, sendo substituído por Steve Milliner. Em breve, Crampton foi substituído por Frank Clark, um jovem talento de apenas dezessete anos.

Essa formação que grava seu único álbum em agosto de 1969. Vale lembrar que o genial Steve Milliner (teclados) é ex-Black Cat Bones, grupo contou com a participação de Simon Kirke e Paul Kossof, antes dos dois formarem o Free. Aardvark por si só é suficiente para ser colocado no hall das grandes audições que você terá em sua vida, fazendo do Aardvark daqueles claros exemplos de banda que lançou apenas um disco, mas que ficou para a história engavetada em paredes piramidais gigantes, para serem descobertos anos depois por caçadores de tesouros.

Uma das principais atrações de Aardvark, que chegou às lojas no dia 09 de agosto de 1970, é o órgão matador de Milliner. Com formação clássica em piano na Huddersfield School of Music, e tendo passado pelo coral da catedral da igreja de seus pais com apenas 9 anos, ouvi-lo tocar certamente vai trazer lembranças de nomes conhecidos como Keith Emerson (The Nice, Emerson Lake & Palmer), Brian Auger ou Jon Lord (Deep Purple). A raríssima primeira edição de Aardvark saiu pelo selo Deram Nova, tanto em Estéreo quanto Mono, sendo que o título original, Put That in Your Pipe and Smoke It, foi vetado pela gravadora com medo de associação às drogas.
O grupo na contra-capa de Aardvark

O riffzão do órgão apresenta-nos "Copper Sunset", trazendo os vocais de Dave, em um som que lembra bastante o Atomic Rooster de Death Walks Behind You (também de 1970), e destacando o magistral e enlouquecedor solo de órgão por Steve. "Copper Sunset" encerra-se repentinamente, e então o piano e palmas nos levam para a linda e suave "Very Nice Of You To Call", uma joia auditiva de altíssima qualidade, lembrando passagens de Captain Beyond. Mas reafirmo, as duas citações que fiz até aqui são de bandas que lançaram seus álbuns pós-Aardvark. O solo de piano que Steve faz aqui é regado de influências jazzísticas, e o embalo da cozinha é simplesmente delicioso.

"Many Things To Do" é um hard psicodélico onde a bateria é mais presente. As melodias vocais são rasgadas, e as passagens de piano e órgão refletem bastante influências lisérgicas da Califórnia. O solo de Steve é pouco inspirado, até por que nessa faixa, o predomínio da bateria é o que chama mais a atenção. Já "Greencap" é a primeira canção a ultrapassar os seis minutos de duração. A introdução com hammond, baixo e bateria já chama a atenção, principalmente pela pancadaria. A entrada da voz distorcida de Dave empolga ainda mais. Delírio puro! A partir do momento que começa a sequência de solos, duvido você se segurar na cadeira! É hammond, piano, vibrafone, baixo, bateria, cada um fazendo um solo diferente, um sobre outro, em uma performance fantástica e assombrosa, que já fazem surgir a pergunta de como o Aardvark durou tão pouco! Para quem ama os ingleses do Atomic Rooster, é um grande choque saber que havia outra banda fazendo algo similar ali do lado.
Steve Milliner, Frank Clark, Stan Aldous e Dave Skillin

O lado A encerra-se com "I Can't Stop", a qual começa enigmática, com longos acordes de hammond, e aos poucos, bateria e baixo vão surgindo com marcações, chegando então ao riff de piano e hammond que leva a um rock agitado, com os vocais chorados de Dave clamando o nome da canção, um magistral solo de piano, bem como um trecho "Deep Purple nos seus momentos de viagem", com o órgão infernal sobre uma base pesadíssima de bateria e baixo, fechando muito bem a primeira parte de Aardvark.

Vozes, órgão e muito poder da cozinha explodem no lado B com "The Outing", faixa de quase dez minutos com o hammond sendo novamente o centro das atenções. Steve utiliza das mais variadas técnicas para emular desde Vincent Crane até Keith Emerson na sua fase The Nice. Viajante, carregada de doses de psicodelia, é uma faixa bastante delirante, que no seu longo trecho central, batizado de "Yes", remete as viagens lisérgicas do Pink Floyd, e foge do hard apresentado nas demais.
Registro das gravações de Aardvark


O disco segue com "Once Upon a Hill", única faixa do LP creditada a Aldous (todas as demais são de Skillin), com vocais distorcidos sobre camadas de órgão, e uma tímida passagem com flautas (não creditadas), e que está gravada de forma bem baixa, quase inaudível. Por fim, "Put That in Your Pipe and Smoke It" surge com um longo acorde de hammond, para baixo e bateria estourarem de forma enlouquecedora e Steve solar endiabradamente, numa performance instrumental avassaladora. É a faixa mais virtuosa de Aardvark, e que fecha com primazia uma obra atemporal.

Relançamento de 1985


Não à toa, este tornou-se o título oficial (finalmente) de um relançamento de Aardvark feito na Inglaterra nos anos 80, com uma capa diferente, e mais fácil de ser encontrado, já que a versão original, em Mono, lançada pelo selo Deram, tem o valor médio de venda no Discogs por R$ 968,46 reais!

O disco não vendeu, a Deram não promoveu a banda, Mick Lavender substituiu Milliner e logo, o grupo se desmanchou. Os anos passaram e em 2016, a dupla Dave e Steve lançou um segundo álbum, sob o título Aardvark 2 - Guitar'd 'n' Feathered, que não fez nenhum rebuliço nas paradas, mas ao menos, trouxe a uma nova geração de ouvintes a possibilidade de descobrirem uma das grandes jóias do hard setentista.

Skillin e Milliner em 2016

Track list

1. Copper Sunset

2. Very Nice Of You To Call

3. Many Things To Do

4. The Greencap

5. I Can't Stop

6. The Outing - Yes

7. Once Upon A Hill

8. Put That In Your Pipe And Smoke It
Track list
1. Copper Sunset
2. Very Nice Of You To Call
3. Many Things To Do
4. The Greencap
5. I Can't Stop
6. The Outing - Yes
7. Once Upon A Hill
8. Put That In Your Pipe And Smoke It



quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Test Drive: Olymp - Olymp [2019]



Com André Kaminski, Daniel Benedetti, Davi Pascale, Fernand Bueno, Mairon Machado e Micael Machado

Hoje, o Test Drive é sobre o EP do grupo alemão Olymp, que entrou em contato conosco por e-mail, mandando seu material. Veja a opinião de alguns de nossos consultores sobre Olymp.

André: Ao ouvir o início instrumental, já me lembrou na hora alguma faixa lado B do Iron Maiden. Quando entrou o vocal, me pareceu logo de cara o Chris Boltendahl do Grave Digger. Iron Maiden com o vocalista do Grave Digger parece ser algo legal não é? Infelizmente, nem tanto. É aquele típico trabalho "mazomeno" que não compromete mas também não empolga. A melodia instrumental é previsível, os riffs das canções são parecidos e o vocal parece inapropriado para esse tipo de canção. Há um momentinho bom aqui e ali, mas insuficiente para animar. Se fosse fazer uma recomendação aos caras, é se inspirar menos no Iron Maiden e mais no Grave Digger do começo da carreira sem a parte fantasiosa, quando eles eram mais speed metal. "Shut Down" é a melhor delas justamente por sair um pouco mais da linha Maiden. Enfim, mazomeno.

Daniel: Nostálgico. É assim que defino este EP, com apenas 4 canções que passam rapidamente. Se alguém me dissesse que se tratava de um disco resgatado diretamente dos anos 80, de alguma banda obscura da NWOBHM, eu possivelmente acreditaria. Fica evidente que a banda Olymp bebe fartamente (ou exclusivamente) nesta fonte supracitada, mas isto, a meu ver, não é um problema. As canções são baseadas no trabalho das guitarras, contando com ótimos riffs e solos bem legais, incluindo o uso amplo e irrestrito de guitarras gêmeas. Todas as faixas são boas, mas destaco “The Messanger” como minha preferida.

Davi: Foi com muita alegria que recebi o convite do Mairon para participar de mais um test drive. Essa é uma maneira muito bacana de ficarmos um pouco mais por dentro dos novos nomes que estão surgindo mundo afora. Sempre escuto os álbuns despido de preconceitos, e com a maior boa vontade do mundo, mas o escolhido dessa vez, não me cativou. Os garotos do Olymp apostam em um heavy metal tradicional, com bastante referência do som que era produzido na década de 80. (Até aí, lindo). Os arranjos deixam explícitos a admiração que eles têm pelo Iron Maiden. Algo perceptível em vários riffs e até algumas passagens de bateria. (Continua bonito). O problema é que as composições são fracas e falta malícia para os rapazes. (E escafedeu-se). Todas as músicas começam lento para crescer depois. Tudo bem, essa jogada existe não é de hoje e existem grandes músicas com essa fórmula. Só que não há necessidade de todas as músicas serem construídas assim. Seria interessante ter uma faixa mais direta, que já começa com a porrada comendo solta. A mixagem falta peso e, pior do que isso, deixa explícita a limitação dos músicos. O trabalho vocal também é bem fraquinho. Não tem uma passagem vocal que fique na sua cabeça. Falta personalidade, falta compositor, falta amadurecimento. Existem muitas bandas que começam sem prometer muita coisa e depois surpreendem se tornando grandes destaques na cena. Quem sabe esse não seja o caso deles? Não curti, mas boa sorte aos garotos.


Fernando: Lendo o press release que chegou para nós percebe-se que a banda é bastante ambiciosa, afinal “atingir o Olimpo dos deuses do metal” não é apenas um trocadilho com o próprio nome do grupo. Eles pelo menos entregam o que prometem, os riffs oitentistas, inclusive com timbragens bastante características da época, entretanto acho que ainda falta aperfeiçoar a parte vocal, que não é ruim, só não me parece ter um estilo próprio sendo forçadamente rouca em determinados momentos e com uns guturais aqui e acolá que não me parecem tão adequados. Mas no geral o que a banda apresenta deixa claro que se o objetivo é chegar ao topo do Olimpo o caminho ainda é longo e eles ainda nem saíram da cidade de Litochoro.

Mairon: O disco começa muito bem, com o riff pesado e grudento. Surgem as guitarras, e temos então a sensação de que voltamos aos anos 80, com o heavy metal muito bem tocado e o vocal bem encaixadinho, tudo certinho em "Lighting Eater". Aí fica a expectativa para o solo, e quando ele surge, é rápido e muito, muito simples. Tipo, qualquer iniciante na guitarra poderia fazer algo similar. O cara até tenta ser um "virtuose", mas por favor, falta bastante para isso. É o principal problema de Olymp, os caras tem uma ótima ideia de construção de música, mas os solos são tinhosos. "Fire and Fury" de novo investe em uma boa introdução, mas quando começa a música de verdade, é uma sequência de reaproveitamento do ritmo da anterior. O trecho central, que era pra ser "intrincado" e "trabalhado", como se fosse a parte progressiva do metal, é vergonhoso. Depois de 5 tediosos minutos, chega o solo, de novo, que qualquer mirim em guitarra faz, e principalmente, cria. "Shut Down" é ainda mais vergonhosa. "The Messanger" de novo começa bem, mas se perde em uma faixa longa e insossa, e com um solo no mínimo constrangedor. Enfim, parece um grupo de adolescentes tentando fazer NWOBHM. A coisa não é ruim, mas honestamente, para um bando de barbados, esperava muito mais.

Micael: Metal oitentista com ótimos riffs de guitarra, baixão "na cara" do ouvinte, vocais que, por vezes, chegam a lembrar os de Cronos, do Venom, e uma velocidade um tanto quanto contida nas execuções das faixas. Este é o som do quarteto alemão Olymp, que debuta neste 2019 com seu primeiro EP de quatro faixas e pouco mais de 23 minutos, o qual leva o nome da banda. Em sua página do bandcamp, o grupo anuncia uma "versão limitada" do disco, pois "não temos dinheiro suficiente para uma versão ilimitada"... E esta falta de grana transparece na produção da bolachinha, que realmente soa como se tivesse sido gravada 35 anos atrás, e que, embora tenha deixado tudo plenamente audível, não transparece ter sido influenciada pelos recursos "tecnológicos" dos dias atuais (o que, convenhamos, cai muito bem com a proposta sonora da turma). Passando longe do revival thrash que assola as bandas "novas" atualmente, o grupo se foca em uma sonoridade mais obscura, lembrando por vezes um Mercyful Fate em seus primeiros dias (na parte instrumental, pois as linhas vocais exploram um espectro sonoro completamente diferente), ou um Venom menos agressivo e com maior domínio de seus instrumentos (além de aqui e ali aparecer um toquezinho de Saxon setentista na mistura). Atenção para o costume dos germânicos de fazerem introduções completamente diferentes do restante da melodia de suas canções (você pensa que a coisa vai para um lado, e, de repente, o som toma uma direção completamente oposta do que você imaginou). Não espere virtuosismos, grandes solos emocionantes ou empolgantes, nem passagens "épicas" ou com alguma característica medieval (apesar dos mais de sete minutos da faixa de encerramento, "The Messanger", poderem nos enganar a princípio). A coisa aqui é hard rock metálico como se fazia bem no início dos anos 1980, e, se esta é sua praia, a diversão será plena e garantida. Sem destaques a apontar devido à regularidade do material, mas a indicação de uma atenta "orelhada" nas composições dos germânicos é totalmente apoiada. Confira!

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Evita - The Complete Motion Pìcture Music Soundtrack [1996]



Madonna sempre foi uma campeã de vendas em toda sua carreira. Com uma obra que abrange diversos estilos, mas calcada essencialmente no Pop, Madonna conquistou o mundo nos anos 80, tornando-se a maior artista feminina de todos os tempos, e a partir dos anos 90, apenas soube administrar - com muito talento e sabedoria - sua glória. Até hoje nenhuma mulher conseguiu superar o impacto que Madonna trouxe ao mundo com álbuns como Like a Virgin (1984), True Blue (1986), Like a Prayer (1990) ou Ray of Light (1998).

Praticamente todos os seus discos bateram recordes de vendas. Um deles fez um sucesso enorme na época de seu lançamento, mas hoje é pouquíssimo comentado, apesar de grandes qualidades. Falo da trilha sonora para o filme Evita, de 1996. O álbum que irei comentar é a versão dupla, oficialmente lançada em 1996, mas também vale lembrar que foi lançada uma versão simples, chamada Evita - Music from the Motion Picture, que contém apenas as principais canções do filme, e que igualmente com a versão dupla, fez muito sucesso. Como toda trilha sonora, há altos e baixos em Evita - The Complete Motion Picture Music Soundtrack (nome original do CD), mas no geral, é um disco que para mim surpreende, não só pelas canções, mas pelas participações de Antonio Banderas e Jonathan Pryce, que destacam-se como exímios cantores.

A versão simples

Apenas relembrando de onde surge o disco, o filme Evita é baseado no musical de mesmo nome, que fez muito sucesso nos anos 70. Lançado em 1976, Evita é mais uma obra da dupla Andrew Lloyd Webber e Tim Rice, os mesmos criadores do musical de sucesso Jesus Christ Superstar (com Ian Gillan, Yvonne Elliman, entre outros). Inspirada no filme Queen of Hearts (1972), que conta a vida de Eva Perón (1919-1952) e sua influência na história argentina a partir da ascensão ao poder de seu marido Juan Perón, como presidente do país, originalmente Evita é um álbum conceitual duplo, que acabou tornando-se uma produção de Teatro em 1978, em Londres, parando como um musical de extremo sucesso na Broadway em 1979.

Em 1996 foi refeita a ópera-rock no Cinema por Alan Parker, agora com Madonna como Evita, Antonio Banderas como Che, e Jonathan Pryce como Juan Perón, além de diversos outros atores / cantores fazendo a recriação da obra de 1976. É a sua trilha que narro agora, lançada no mesmo ano. A sequência musical é a mesma do álbum de 1976, começando com "A Cinema In Buenos Aires, 26 July 1952", quando uma seção de cinema é interrompida para anunciar o falecimento de Eva, levando a "Requiem For Evita", que apresenta um belo tema central na guitarra, repetido por trompas sobre um andamento marcial, e a forte presença do coral, explodindo nas cordas que repetem o tema central.

Antonio Banderas e Madonna na época de lançamento de Evita

Então, surgem os violões milongueiros de "Oh What a Circus", uma milonga bonita cantada por Antonio Banderas, que enaltece a história de Evita, com a melodia similar a da clássica "Don't Cry For Me Argentina", com uma seção central bastante rock 'n' roll, bem diferente da milonga inicial, com guitarra, bateria e piano fazendo a base para os vocais de Banderas. A canção para repentinamente, e um coral surge, trazendo a orquestra para repetir a melodia clássica citada antes, e Madonna abrilhantar o CD entoando o clássico refrão de "Don't Cry For Me Argentina".

"On This Night Of A Thousand Stars" é um tango tipicamente portenho, narrando sobre a noite de milhares de estrelas, com os vocais de Jimmy Nail. Sintetizadores e um ritmo latino apresentam "Eva and Magaldi / Eva Beware of the City", uma canção complexa, repleta de alternâncias, moderna e interpretada por Madonna, Nail, Banderas e Littman, e que é uma representação bem forte dos musicais da Broadway. Muita latinidade surge nas percussões de "Buenos Aires", mais uma faixa interpretada por Madonna, e que é um ponto mais baixo no álbum até então, até por que sabemos que a capital argentina não possui tanta latinidade rítmica assim.

Cena do encarte
Os violões de "Another Suitcase In Another Hall" mostram uma Madonna mais calma, em bastante contraste com o ritmo anterior, em uma bonita faixa onde exatamente os vocais de Madonna se destacam positivamente, lembrando aqueles de "Oh Father" ou "Live to Tell", além do solo de saxofone. "Goodnight And Thank You" é uma canção dançante, como uma espécie de baile, interpretada por Madonna e Banderas, que também agrega pouco à obra, apesar de ser impossível não destacar o bom trabalho vocal da dupla. Então, somos surpreendidos pelo rockzão de "The Lady's Got Potentital", onde as guitarras e o ritmo boogie balançam o esqueleto junto a uma performance vocal soberba de Banderas. Grande faixa!

Sob aplausos, Nail retoma o tema de "On This Night Of A Thousand Stars" em "Charity Concert", seguida por "The Art of the Possible", uma sequência de conversas entre Madonna, Banderas e Pryce, em uma peça bastante operística. As conversas continuam em "I'd Be Surprisingly Good For You", uma faixa que remete ao pampa argentino junto ao bolero, com Pryce e Madonna revezando-se nos vocais e um interessante solo de saxofone. "Hello And Goodbye" tem um certo ritmo de bossa nova, e apresenta os vocais de Madonna e Pryce. Madonna, em particular, carrega sua voz de sensualidade, e o solo de flauta é uma bela passagem de bálsamo aos ouvidos.

Muita orquestração surge na marcial "Peron's Latest Flame", interpretada por Madonna, Banderas e o coral, e que é repleta de variações ao longo de seus quase 6 minutos de duração. O primeiro CD encerra-se com a soturna e comovente "A New Argentina", um épico de 8 minutos onde Pryce, Madonna e Banderas revivem momentos musicais apresentados até então, com algumas novidades musicais, arrepiantes solos de guitarra mesclados com vocalizações poderosas e orquestrações igualmente arrepiantes, em uma das melhores faixas do CD de 57 minutos.

Single de “Don’t Cry for Me Argentina”
O segundo CD surge operístico, com Péron na sacada da Casa Rosada através de Pryce convocando o povo argentino em "On The Balcony of the Casa Rosada 1", e então chegamos no sucesso "Don't Cry For Me Argentina", uma das canções mais belas da história da música, e que na voz de Madonna, conquistou o mundo! Impossível não se arrepiar com uma interpretação tão tocante e comovente, o que só demonstra todo o talento de Madonna!  Mais ópera retorna em "On The Balcony of the Casa Rosada 2", com a população (coral) chamando por Evita, e Madonna na sacada da Casa Rosada. "High Flying, Adored" é uma balada bem mela-cueca, cantada por Banderas, uma breve participação de Madonna, que começa a colocar a casa nos eixos após a pancada de "Don't Cry for Me Argentina".

"Rainbow High" possui um ritmo dançante, classicamente musical de Broadway, na linha de canções de Cats ou Hair, com uma pegada mais vibrante da guitarra próximo ao final, levando a "Rainbow Tour", uma faixa que começa com a ópera de Pryce, mas transforma-se em um belo rock cantado por Bandeiras, Pryce, Gary Brooker, Peter Polycarpou, John Gower, e claro, Madonna, e lembra trechos de Tommy ou Quadrophenia. "The Actress Hasn't Learned The Lines (You'd Like To Hear)" retorna à ópera, com o coral entoando as primeiras frases, e depois Madonna deliciando os ouvidos sobre um andamento orquestral muito sutil, encerrando com Banderas falando em um clima de tensão. Banderas novamente revela-se um grande intérprete no rock + ópera "And The Money Kept Rolling In (And Out)".

“Evita” no balcão da Casa Rosada, cantando para seu povo
Evita volta a falar ao povo argentino em "Partido Feminista", que possui a mesma harmonia das  "On The Balcony of the Casa Rosada", com o coral fazendo a parte da população, e em "She Is A Diamond", Pryce faz sua interpretação mais importante no CD, acompanhado de um lindo dedilhado de piano e violão, e um coral de crianças entoa a santidade de Evita em "Santa Evita", mãe de todos os filhos, tiranizados, descamisados e trabalhadores da Argentina, que remete-nos a melodia de "Don't Cry For Me Argentina". O ritmo marcial leva para "Waltz for Eva and Che", uma valsa canastrona cantada por Banderas e Madonna, mas com um bonito encerramento graças ao vocal de Madonna, e entramos na reta final do CD.

Single de “You Must Love Me”
A breve balada "Your Little Body's Slowly Breaking Down" apresenta Eva e Carlos se despedindo através das vozes de Madonna e Pryce, e chegamos então a mais um grande clássico de Evita, "You Must Love Me", uma balada tocante, carregada de dramaticidade na voz de Madonna, acompanhada apenas por piano, e que ganhou Oscar de Melhor Canção Original. "Eva's Final Broadcast" é Evita se despedindo dos argentinos, através da voz de Madonna sobre uma orquestração profunda e dramática, que ganham ainda mais dramaticidade com o coral entoando "Evita" enquanto a melodia vocal nos remete novamente a "Don't Cry For Me Argentina". O coral também é forte na tensa "Latin Chant", uma faixa de bastante tensão, e o encerramento da ópera se dá com "Lament", começando com um triste lamento de Madonna acompanhada por um dedilhado de violão, explodindo em uma forte orquestração (idêntica a de "Requiem for Evita"). Banderas também canta sobre o dedilhado de violões, e voltamos para o coral, para a faixa encerrar-se com um sombrio acorde de piano.

No meio das gravações, Madonna engravidou de Lourdes Leon, e assim, fez uma moribunda Eva Perón um tanto quanto roliça. Pior foram suas falas sobre o povo argentino em entrevista à revista Vanity Fair, classificando-os como não civilizados, além de trazer diversas indiretas ao ex-presidente Carlos Menem. Peronistas, fanáticos do casal Perón, picharam muros com "Fora Madonna! Viva Evita!'' e realizaram protestos durante as filmagens no país. O próprio Menem criticou o filme, mesmo tendo a diplomacia de liberar o balcão da Casa Rosada, a sede do governo nacional, para uma das filmagens mais emblemáticas de Evita. Para piorar, quando de seu lançamento na Argentina, o vice-presidente da nação, Carlos Ruckauf, propôs um boicote, levando a verdadeiros piquetes na porta dos cinemas que o exibiam. Muitas confusões aconteceram em cinemas de Buenos Aires e cidades vizinhas, como La Plata e Santa Fé.

Cena do encarte

No resto do mundo, o filme foi um verdadeiro sucesso, arrecadando uma grana preta para a época (mais de 140 milhões de dólares) assim como sua trilha. Confesso que nunca ouvi a trilha original, de 1976, e é um dos meus objetivos musicais poder comparar as obras. De qualquer forma, relativa ao que tratei aqui, para quem acha que o disco é todo igual a "Don't Cry for Me Argentina", engana-se fortemente. O que ouvimos são vários gêneros musicais que representam muito bem os grandes musicais da Broadway, sendo altamente recomendável para quem curte algo do estilo. Evita atingiu a incrível segunda posição na Billboard, sendo um sucesso nos Estados Unidos, onde recebeu platina quíntupla, e até o momento, já vendeu mais de 12 milhões de cópias ao redor do mundo.

Madonna como Evita

Track list
1. A Cinema In Buenos Aires, 26 July 1952
2. Requiem For Evita
3. Oh What A Circus
4. On This Night Of A Thousand Stars
5. Eva And Magaldi / Eva Beware Of The City
6. Buenos Aires
7. Another Suitcase In Another Hall
8. Goodnight And Thank You
9. The Lady's Got Potential
10. Charity Concert / The Art Of The Possible
11. I'd Be Surprisingly Good For You
12. Hello And Goodbye
13. Peron's Latest Flame
14. A New Argentina
15. On The Balcony Of The Casa Rosada 1
16. Don't Cry For Me Argentina
17. On The Balcony Of The Casa Rosada 2
18. High Flying, Adored
19. Rainbow High
20. Rainbow Tour
21. The Actress Hasn't Learned The Lines (You'd Like To Hear)
22. And The Money Kept Rolling In (And Out)
23. Partido Feminista
24. She Is A Diamond
25. Santa Evita
26. Waltz For Eva And Che
27. Your Little Body's Slowly Breaking Down
28. You Must Love Me
29. Eva's Final Broadcast
30. Latin Chant
31. Lament

domingo, 10 de novembro de 2019

Discos Que Parece Que Só Eu Gosto: Rick Wright - Wet Dream [1978]




Quando falamos de Pink Floyd, sempre os nomes que surgem são os de Roger Waters (baixo, vocais), David Gilmour (guitarras, vocais) e Syd Barrett (guitarras, vocais). Mesmo ao citar as carreiras solos, os discos desses três artistas sempre aparecem nos bate-papos relativos aos britânicos, deixando para trás os outros dois membros, Nick Mason e Rick Wright. Os álbuns solos de Mason realmente não são assim tão merecedores de atenção por parte dos fãs da banda, mas não consigo compreender como Wet Dream, lançado por Wright, não faz parte das listas de preferidos dos fãs.

Vivendo sua fase mais conturbada na banda, após o lançamento de Animals (1977) e de uma longa turnê que acabou culminando com a despedida de Wright do Pink Floyd, voltando para participar da turnê de The Wall apenas como músico contratado. Nessa entre-safra vivendo também problemas de relacionamento com a esposa Juliette Wright, o músico tirou um período de férias em Lindos, na Grécia, e lá, compôs seu primeiro álbum solo, influenciado bastante por Juliette, que acabou assinando duas das canções do disco.


Unindo forças com Snowy White (guitarras), Mel Collins (saxofone, flauta), Larry Steele (baixo) e Reg Isidore (bateria), Wet Dream surge com "Mediterranean C", uma balada simples, com uma bonita introdução ao piano, a presença do sintetizador e a fundamental presença do saxofone de Collins, fazendo um solo arrepiante e tocante na primeira parte da canção, deixando White brilhar na segunda parte da mesma. Um bonito dedilhado de violão, acompanhado por piano, introduz "Against The Odds". Wright começa a cantar, com toda sua voz aveludada e marcante dos tempos de "Summer '68" ou "Echoes", em outra faixa bastante suave e apreciável de se ouvir, principalmente no retorno do violão com o solo central.

A sequência de alternância de 6 acordes em "Cat Cruise" é simplesmente hipnotizante. Piano, baixo e e guitarra vão variando os acordes (o primeiro em um complexo dedilhado, os demais apenas na marcação), junto com a bateria, para então explodir em um solo de saxofone para rasgar a casa ao meio. O que Collins faz aqui é de se parar tudo e apreciar aqueles grandes momentos que a música nos proporciona. Repentinamente, a faixa ganha velocidade, e então é a vez de White nos abrilhantar com um solo para se brincar de air guitar pela casa. Só por "Cat Cruise", Wet Dream merece estar nas listas de grandes discos de membros ligados ao Pink Floyd. Que faixa sensacional!

"Summer Elegy" nos coloca direto em álbuns como More ou Obscured By Clouds, ou seja, as trilhas sonoras que o Pink Floyd participou, mais precisamente nas canções que Wright canta. Ali, o grupo não fazia questão de se preocupar com experimentações, e vez por outra até deixava se levar por canções mais pop, como é o caso dessa bonita e singela canção, trazendo também um belo solo por White O lado A encerra-se com "Waves", uma faixa mais sombria, levada por guitarra e piano elétrico, e que deixa novamente Collins tomar conta da casa com mais um solo para destruir com o mundo.

O piano sendo dedilhado carinhosamente introduz "Holiday", mais uma faixa a contar com os vocais de Wright, e que também nos remete à faixas de Obscured By Clouds, como "Stay". "Mad Yannis Dance" é um exercício de Wright ao piano elétrico e sintetizador, com tímidas participações de Collins e White. 


Já "Drop In From The Top" é um mergulho no jazz rock, com Wright divertindo-se no órgão, e fazendo uma bela surpresa aos ouvidos. O solo rasgado de White nos faz rememorar os bons tempos da dupla Gilmour / Wright, e essa faixa também coloca Wet Dream alguns degraus mais altos na classificação de discos pink floydianos. Essa faixa foi lançada em um raro compacto francês, em parceria com Gilmour, sendo ela o lado A e "No Way", de David Gilmour (1978), gravado no mesmo estúdio que Wright gravou Wet Dream, no lado B.

Os vocais de Wright retornam em "Pink' Song", que antes que os fãs mais curiosos possam imaginar, não é nenhuma homenagem ao Pink Floyd, mas sim um tributo a governanta do casal Wright, e é outra balada suave, dessa vez destacando a flauta de Collins. O álbum encerra-se com o swing de "Funky Deux", com o groovezão do baixo de Larry Steele apresentando o piano elétrico, guitarra e bateria para chegar no gingado solo de saxofone e guitarra, pontuando positivamente para um álbum muito bom e a ser descoberto.

Wet Dream foi lançado em maio de 1978, e causou um grande impacto no Pink Floyd. Waters foi o que ficou mais indignado por Wright lançar canções sem apresentar as mesmas anteriormente aos colegas. "Rick escreve essas coisas singulares, mas as mantém em segredo e depois as coloca em seus álbuns solo, que ninguém nunca ouviu. Ele nunca as partilhou. Era algo inacreditavelmente estúpido", disse Waters a Mark Blake no livro Nos Bastidores do Pink Floyd. Por essas e outras, durante as gravações de The Wall, Waters sentiu que Richard não estava disposto a contribuir para o disco, e o demitiu da banda. Porém, o músico recusou-se a deixar o grupo sem concluir o álbum, e continuou como músico contratado.

O próprio Wright, em entrevista para Mark Blake em 1996, quando do lançamento de seu segundo álbum solo, Broken China, admitiu que Wet Dream era um pouco amador, com uma produção irregular e letras não eram muito fortes, mas que era um álbum singular do qual gostava. Então, se o dono da obra admite isso, e como ele faleceu há 11 anos, por que parece que só eu curto Wet Dream?


Track list

1. Mediterranean C
2. Against The Odds
3. Cat Cruise
4. Summer Elegy
5. Waves
6. Holiday
7. Mad Yannis Dance
8. Drop In From The Top
9. Pink's Song
10. Funky Deux

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Lista - 1979 em discos: por Mairon Machado



Seguindo com a proposta do meu amigo e colega Ronaldo Rodrigues de trazer listas de melhores discos que completam aniversário fechado em 2019, apresento aqui meus preferidos de 1979.

Esse foi um ano ímpar (não só no número) para a história mundial. Margaret Thatcher chegava ao poder na Inglaterrra, tornando-se a primeira mulher Primeira Ministra da Grã-Bretanha. Na China, Deng Xiaopin abriu o mercado do país para o Ocidente. A guerra do Afeganistão começa exatamente nesse ano, em um dos momentos mais conturbados entre URSS e EUA.

Na música, o rock progressivo que havia assolado boa parte da década de 70 começava a se moldar para tornar-se o AOR. O punk rock e a Dance Music, que haviam estourado em 1977 com Sex Pistols e Bee Gees principalmente, migravam para o fim. Era a época da inserção de novas tecnologias, principalmente eletrônicos, culminando com o nascimento do pós-punk, que revelou, já nos anos 80, gigantes como U2, R. E. M., The Cure e por aí vai. Em paralelo, a NWOBHM entregava de bandeja para a década seguinte nada mais que Iron Maiden, Saxon, Def Leppard ... Dentre os diversos lançamentos daquela época, vários são os que até hoje perambulam nas vitrolas mundo a fora, e que na lista final de 1979 elaborada pelos consultores, os 10 melhores escolhidos foram:

1) Pink Floyd - The Wall

2) AC/DC -Highway To Hell

3) The Clash - London Calling

4) Michael Jackson – Off the Wall

5) Thin Lizzy – Black Rose: A Rock Legend

6) Motörhead – Overkill

7) Supertramp – Breakfast in America

8) Kiss – Dynasty

9) Van Halen – Van Halen II

10) Steve Howe – The Steve Howe Album

Ou seja, um apanhado relevante entre o progressivo (Pink Floyd, Supertramp e Steve Howe) e o rock pesado (AC/DC, Thin Lizzy, Motörhead, Kiss e Van Halen), além do pop de Michael Jackson e do punk de The Clash. Em minha lista de melhores álbuns que não constaram das listas gerais (veja aqui), não citei nenhum disco de 1979, mas não que fosse por que não havia mais nada a ser citado, é que em outros anos, em minha opinião, haviam materiais muito mais importantes a ser feito justiça. Mas, graças a ideia do Ronaldo, aqui posso resgatar mais 10 grandes discos de 40 anos atrás:


Keith Jarrett – Eyes of the Heart

O pianista de jazz Keith Jarrett sempre foi um perfeccionista ao extremo. Formado na escola de Miles Davis, o americano sempre teve um QI acima da média, o que acabava afetando seu genioso e genial cérebro. Comumente, vez por outra Jarrett estressava-se em seus shows, seja com barulhos da plateia, seja com os músicos, seja com o instrumento, seja com ele mesmo. Quando Eyes of the Heart foi gravado, ao lado dos também americanos Dewey Redman (saxofone), Charlie Haden (baixo acústico) e Paul Motian (percussão), em maio de 1976 na Áustria, de forma totalmente improvisada, parte da apresentação acabou sendo desprezada e proibida de publicação por conta do próprio Jarrett não ter gostado dessa gravação. Acredito que Jarrett ficou convencido de o que ele gravou nos 3 lados do vinil (sim, é um vinil duplo de apenas 3 lados) era o melhor que ele podia fazer na época, tanto que logo em seguida ele desmanchou o quarteto. Honestamente, E QUE MELHOR!!! O disco 1 traz a obra "Eyes of the Heart" em suas partes. A primeira é explorativa, começando com percussões e solos de saxofone e um logo solo de piano, em 17 envolventes e explorativos minutos. Quando a segunda parte surge, somente com Jarrett ao piano, o clima é totalmente outro, bastante sombrio e tenso. O solo é lindo e comovente, e na medida que os demais instrumentos (baixo e bateria) entram para acompanhá-lo, a tensão e ansiedade para saber o que virá mais adiante toma conta. Basta então Redman executar a primeira nota de seu saxofone para que tudo faça sentido. Foi exatamente nesse momento que meu coração apaixonado por Heavy Metal traiu o estilo, e se converteu ao jazz. Arrepio só de lembrar desse solo, que é curto, pouco mais de 3 minutos, mas que simplesmente coloca a casa abaixo, levanta a platéia (que não se contém e aplaude o que pode diante do olhar criterioso de Jarrett) e só por isso, faz de Eyes of the Heart um dos Melhores Discos de 1979, sendo que a sequência da obra ("Encore", uma faixa próxima ao free jazz, com um trabalho formidável de piano, e que serve para Jarrett mostrar um pouco de seus dotes ao saxofone) eleva o álbum a um dos Melhores Discos de Todos os Tempos! Ouça sem medo e sem preconceito.


Triumph – Just a Game

O Triumph é uma banda de cabeceira na minha formação, e muito por conta desse álbum. Foi o primeiro disco que ouvi e comprei do trio, influenciado por leituras que diziam que a banda era um primo próximo do Rush. Mero equívoco. O Triumph tem qualidades que o colocam a frente do Rush em várias situações, principalmente quando se trata de um hard rock bem feito. E é isso que os canadenses entregam nesse álbum, onde a divisão dos vocais entre o guitarrista Rik Emmett e o baterista Gil Moore é um espetáculo por si só. Mas vamos as músicas. A faixa-título é daquelas para se gritar em plenos pulmões em arenas lotadas, assim como a linda "Lay It On The Line", uma base simples de três acordes menores que simplesmente fazem você viajar junto da voz aguda e da guitarra afiada de Rik Emmett, um dos guitarristas mais injustiçados que conheço. O que ele faz ao violão na sensacional "Fantasy Serenade" é uma aula de estudo por meses. Ou no jazz  de “Suitcase Blues"? Meu Deus, sem palavras. O que o trio constrói no blues corta pulsos "Young Enough To Cry", que barbaridade, é lindo demais. Por outro lado, o grupo antecipou as trilhas de propagandas de cigarro em muitos anos, fazendo um hard oitentista em plena década de 70 com "Movin' On", "American Girls" e "Hold On". Há um forte apelo para conquistar os jovens americanos, mas quem disse que isso é ruim? Ninguém em 1979 fazia algo se quer próximo do que o Triumph fez com Just A Game, e por isso, ele está aqui hoje! Discão!!!


Pierre Moerlen’s Gong – Downwind

Depois de sair do maluquete Gong, e participar do projeto Gong Expresso, o baterista Pierre Moerlen resolveu montar um timaço sob o pseudônimo de Pierre Moerlen's Gong. E esse timaço tinha os exímios Hansford Rowe (baixo), François Causse (percussão) e Ross Record (guitarras). Assim, nasceu Downwind, uma joia do jazz rock advindo no final dos anos 70, e que é totalmente oposto ao que o Gong fazia. Nomes como Mick Taylor, Mike Oldfield, Steve Winwood e Benoit Moerlen fazem participações mais que especiais. Conheci esse álbum por conta da versão revisitada de "Jingo" (famosa com o Santana), aqui batizada de "Jin-Go-Lo-Ba", e que não tenho palavras para descrever o que a banda faz nessa interpretação no mínimo fenomenal. A linha original percussiva foi mantida, assim como a empolgação e vibração, mas o tempero que o vibrafone e a percussão de Moerlen deu para faixa, puta que pariu, é extremamente delicioso. Só isso já valeu comprar o disco, mas ao ouvir Downwind na íntegra, me deparei com um disco simplesmente soberano e muito bem construído. Primeiro de tudo, quer sentir um grande arrepio na espinha e ver como somente dois músicos podem construir uma pérola, ouça "Emotions", somente vibrafone e violino (além de um suave sintetizador). O nome já diz tudo!! A faixa de abertura, "Aeroplane", em nada lembra as experimentações viajantes de seu ex-grupo, fazendo uma mescla de jazz rock com pop de altíssima qualidade, ainda mais na presença do belo solo de Ross. O swing de "What You Know", com um belíssimo solo de Taylor, é para sair dançando pela casa. Que delícia é sentar num sofá com uma bela dose de uísque e ouvir "Xtasea", uma faixa suave, que desce redondo no cérebro. Moerlen é o nome do disco, sem dúvidas, sobressaindo na sensacional e percussiva "Crosscurrents", intrincada faixa com um excelente trabalho de vibrafone por parte de Benoit. E quem não vibrar com os doze minutos enlouquecedores de vibrafone, percussão, sintetizadores, guitarra e saxofone da faixa-título, na qual Oldfield e Winwood dão suas colaborações, é por que tem sérios problemas de ouvidos. É um clássico disco sensacional a ser descoberto por admiradores de música, independente do estilo, e que em cada audição, conquista mais e mais espaço em minha admiração.

Frank Zappa – Joe’s Garage Acts II & III

1979 foi um ano sensacional para Frank Zappa. O americano lançou nada mais nada menos que cinco LPs, sendo dois duplos. Destes cinco, um dos duplos (este que vos apresento) é o encerramento da maluquete história de um jovem guitarrista chamado Joe, que arrancou os cabelos da mídia e dos políticos norte-americanos, já que o objetivo da Garage de Joe é narrar a história (fictícia) de um governo tentando acabar com a música através de leis, perseguições e outros atributos que são contados durante o desenvolvimentos dos dois LPs. Se o presidente Bozo curtisse Zappa, certamente saberia o que é Golden Shower, já que esta é apenas uma das várias polêmicas que Zappa mete o bedelho sem dó nem piedade. Para quem não é um iniciado na obra do bigodudo, talvez o disco soe um tanto quanto arrastado ou sem sentido, principalmente pela mescla de estilos, vozes robotizadas (o Central Scrutinizer, que mantém a lei) e muitas conversas que fazem parte do enredo na Garagem de Joe. Mas para quem curte as invenções (e sonzeiras) hilárias de Zappa, tipo "Keep It Greasey" ou "Stick It Out" , aprecia os solos esquisitóides mas contagiantes ("He Used To Cut The Grass", "Outside Now" ou "Packard Goose"), mas principalmente, entende um pouco de inglês e tem a mente aberta para viajar pela criação do artista, Joe's Garage é um prato cheio. Mas vou resumir o por que desse álbum estar aqui em apenas uma canção: "Watermelon In Easter Hay". O solo imaginário de Joe, depois de tantas turbulências pessoais, é tão lindo que chorar será algo natural enquanto você o escuta. Falei sobre essa Maravilha, bem como resumi a história dos dois álbuns, aqui, então, apenas coloque ela para rodar no youtube, no carro, no seu player favorito, e irá entender por que Joe's Garage Acts II & III é um dos melhores discos de 1979.

David Bowie – Lodger

O encerramento da fase Berlim de Bowie é o menos aclamado da trilogia (Low, "Heroes", Lodger), mas não por ser um álbum ruim. Ao contrário, Lodger não vence Low e "Heroes" por que esses discos são insuperáveis em qualidade e inspiração (tanto que os dois estiveram no pódio na lista de Melhores de 1977 feita pelo site), mas possui ótimas faixas que o faz no mínimo um dos grandes lançamentos de 1979. Uma coisa que chama a atenção de cara em Lodger em relação aos seus antecessores é que as inspirações no Krautrock se perderam. Poucas faixas têm aquele "som sombrio" que marca os álbuns de 1977, e aqui elas são a balada "Fantastic Voyage", as esquizóides "Red Money" e "Repetition" e a agitadíssima "Red Sails", uma das melhores faixas dessa trilogia, com inspirações nipônicas em suas melodias. Aliás, o grande diferencial de Lodger é esse, sair dos limites dos muros de Berlim e pegar influências mundias. As experiências eletrônicas de outrora acabam rumando para sons ainda mais distintos, como as percussões africanas de "African Night Flight", o clima oriental de "Yassassin" ou até experimentos vocais, como "Move On". Outras grandes faixas, que eu não me seguro ao ouvir e saio dançando fácil, é a enlouquecedora "Look Back in Anger" (ritmo contagiante para uma sonzeira animal) e "Boys Keep Swimming", que além de ser um som fantástico, ainda possui um dos clipes mais legais que o camaleão fez. O pop dançante de "D. J." foi o maior sucesso do disco. As canções são curtas, nenhuma ultrapassando 4 minutos, perfeitas para uma festa, e levam Bowie com tranquilidade para construir dos álbuns atemporais na sequência (Scary Monsters e Let's Dance), predominando como um dos gênios Pop nos anos 80.


Bruford – One of a Kind

Depois de sair do Yes, Bill Bruford investiu em várias outras bandas. King Crimson, Genesis e U. K. foram algumas delas, até que se deu conta que precisava montar sua própria banda para poder fazer o que curtia. O Bruford é um projeto maravilhoso que une com perfeição jazz e progressivo, através do trabalho não de Bruford, mas do animalesco Jeff Berlin (baixo), do perfeccionista Alln Holdsworth (guitarra, que Bruford "roubou" do U. K.) e dos teclados harmoniosos de Dave Stewart. Terceiro disco da banda, One of a Kind é sem sombra de dúvidas o mais complexo disco que tem a mão do baterista no processo de composição em toda sua carreira. Canções como a faixa-título, “Hell’s Bells”, “Five G” e “Fainting in Coils” extrapolam os limites de um baterista comum, além de ter Jeff Berlin em uma forma fantástica. O que esse cara faz nessas canções, e também na linda "The Abingdon Chasp", não é pouco, sendo uma boa amostra para os que afirmam que Jaco Pastorius foi o responsável pela revolução no baixo. Stewart também brilha com seus sintetizadores durante "Travels With Myself - And Someone Else" enquanto Holdsworth é o cara em "Forever Until Sunday". O encerramento com a Maravilha Prog “The Sahara of Snow” é o grande momento do LP. Suas duas partes mostram ao ouvinte muita quebradeira e intrincação. As batidas na caixa em contra-tempos, as viradas,  o prato levando o ritmo correto, é perfeição pura, sendo um grande panorama de por que Bruford ser um baterista inigualável, e simplesmente o melhor de todos os tempos em minha opinião. Para quem curte um jazz rock na linha do Weather Report, é um prato cheio, e certamente, um dos melhores lançamentos de 1979.

ABBA - Voulez-Vous

O ABBA pode torcer o nariz de muita gente, mas é inegável que sua música, em termos de pop, tem qualidades altíssimasa. Quando do lançamento de Voulez-Vous, o grupo passava por uma situação interna crítica, que era a separação do casal Björn e Agnetha. Musicalmente, eles viviam o auge de sua fase Dance Music, e entre tapas e beijos, o quarteto entrega aos seus fãs baladas clássicas que tocam até hoje nas festas de seus pais / avós, como "I Have a Dream" e "Chiquitita", e uma das melhores trilhas para os embalos de sábado a noite. Afinal, como segurar o esqueleto com tanto swingue através de "As Good As New", “Does Your Mother Know”, a canção mais Bee Gees que o Bee Gees nunca gravou, não querer sair de carro pelas ruas, sozinho ou acompanhado de uma ceva, cantando o refrão de "The King Has Lost His Crown", o peso da guitarra em “Lovers (Live A Little Longer)“, contrastando com as orquestrações incrivelmente criadas pela dupla Benny / Björn (seriam eles a maior dupla de compositores da história do Pop?) e principalmente, com aquele riff árabe e o ritmo da faixa-título, fácil fácil Top 3 na carreira da banda, e cujo clipe atesta ainda mais quão linda era Agnetha. Que música fantástica!! Perdidas entre tantas faixas boas, outras faixas igualmente contagiantes, mas que vão conquistando o coração aos poucos surgem a cada audição, no caso "Angel Eyes", “Kisses of Fire” e “It It Wasn’t For the Nights”. Podem jogar as pedras, mas vou largar ainda mais pimenta para defender esse disco: só no Brasil, vendeu mais de um milhão e meio de cópias, e no resto do mundo também foi um gigante de vendas, atingindo o primeiro lugar em doze países. Ou seja, aquela frase de que se unanimidade significasse qualidade, mosca não comeria merda, acho que de nenhuma forma se encaixa aqui. Para um disco que vendeu tanto em 1979, sua menção entre os Melhores lançamentos desse ano é extremamente sensata. E musicalmente, ele merece sim essa citação!



Saxon - Saxon

Esse para mim é um dos melhores discos de estreia de todos os tempos. A vitalidade e energia que o quinteto britânico entrega em pouco menos de meia hora é de uma exemplar qualidade que me atiça a garganta quando vejo headbangers defendo outro nome da NWOBHM (vocês sabem bem quem) em comparação ao Saxon. O baixão e o riff empolgante de "Rainbow Theme", seguida pela baladaça "Frozen Rainbow", com aquele solo magistral das guitarras de Paul Quinn e Graham Oliver, impressionam de cara, e particularmente, foi emocionante conferir as duas ao vivo em março desse ano. Mas ainda há mais qualidades para Saxon estar aqui. Os hits "Backs to the Wall" e "Militia Guard", essenciais nas apresentações da banda para levantar o público, as variações de "Judgment Day", com magistral interpretação vocal de Biff Byford, aquele riff clássico mas sempre bem vindo para a cabeça em "Big Teaser" e "Stallions of the Highway", e o agito de "Still Fit To Boogie", são o recheio de um disco essencial para quem quer conhecer as origens do rock pesado que tomou conta dos anos 80. O Saxon ainda faria discos melhores e mais importantes que sua estreia (Wings of Steel, Crusader, Strong Arm of The Law), mas cara, para uns novatos, Saxon é de tanta qualidade que ficar entre os dez mais de 1979 é justíssimo.


Scorpions – Lovedrive

Para mim essa foi uma das maiores surpresas em não comparecimento nas listas. Para um pessoal todo metido a metaleiro, tinha tanta certeza que Lovedrive estaria na lista que acabei nem citando ele. Pois errei brutalmente. E que lástima Lovedrive não estar lá. A presença de Michael Schenker retornando a banda em “Another Piece Of Meat”, com fortes inspirações em Led Zeppelin e um riff grudento, na faixa-título, uma das melhores canções do grupo pós-Uli Roth principalmente por conta de seu baixo galopante, e na pancada instrumental “Coast To Coast”, a qual tornou-se obrigatória nos shows do grupo a partir de então, já fazem de Lovedrive um disco no mínimo histórico. Na verdade, Lovedrive é um divisor de águas na carreira da banda. O hard rock da fase Uli está bastante presente através da citada "Another Piece of Meat" (repito, que baita som), “Loving You Sunday Morning”, que tornou-se um clássico de cara, e na pegada “Can’t Get Enough”, para mim a segunda melhor do disco, atrás apenas de “Coast to Coast”, e onde Jabs emula Uli descaradamente. Por outro lado, a banda passa a voltar seus ouvidos para as baladas, e aqui, o centro das atenções fica para a linda “Always Somewhere” (introdução que me lembra muito "Simple Man", do Lynyrd Skynyrd) e a arrepiante baladaça “Holiday”, uma das interpretações mais marcantes de Klaus Meine, que foi a partir daqui que começou a ganhar mais espaço como compositor e como artista. Único ponto fraco é o reggae no sense de “Is There Anybody There?”. O que os alemães tomaram quando gravaram isso, nem eles sabem. Tirando ela, Lovedrive é um clássico, simplesmente isso, e se você quiser saber mais sobre esse álbum, pode acompanhar aqui.


Elis Regina - Elis, Essa Mulher

Elis, Essa Mulher é um disco de retorno da pimentinha para a Música Popular Brasileira. Depois da esplendorosa turnê Transversal do Tempo (que culminou no excelente álbum homônimo, de 1978), Elis assinou com a WEA, e reencontrou-se com o samba que marcou sua carreira no final dos anos 60, com uma empolgante versão para agitada “Cai Dentro” e a irônica e divertida “Eu Hein Rosa!”, responsáveis por abrir ambos os lados do vinil, e o samba-choro “Pé Sem Cabeça”. É um álbum muito maduro e romântico, que marca bem a fase pessoal de Elis em 1979, com um relacionamento estável ao lado do marido Cesar Camargo Mariano e o sucesso dos shows Falso Brilhante e o citado Transversal do Tempo. Elis explora temas bastante voltados para a intimidade feminina, concentrando-se principalmente nas relações amorosas, e assim ouvimos as belas baladas “Altos e Baixos” e “As Aparências Enganam”, essa com uma excepcional performance de Cesar ao piano, os boleros “Beguine Dodói” e “Bolero de Satã”, o último com participação especial de Cauby Peixoto, e a dolorida e fantástica interpretação de Elis para “Essa Mulher”, uma das mais fortes e arrepiantes de sua carreira. Que música! Que letra! Outra interpretação fantástica é de "Basta de Clamares Inocência", um samba tradicional do mestre Cartola que com Elis virou um jazz rasgado, sofrido, com um groove singelo e contagiante de Luizão Maia, e certamente, com lágrimas correndo dos olhos da cantora em estúdio. Mesmo com tanta música boa, o álbum ficou marcado pelo clássico “O Bêbado E A Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc, e que é realmente uma senhora canção. Desde o acordeão de Chiquinho, passando pela letra enorme e complicada, com uma melodia encantadora, ela tornou-se o hino da anistia, e colocou Elis como uma das referências artísticas contra a ditadura, algo que ela havia lutado e muito durante os anos 70. Só por ela, Elis, Essa Mulher já entra nos 10 Melhores Lançamentos Mundiais de 1979, e com o conjunto da obra fechado, se torna para mim disparado o Melhor Disco Nacional lançado há 40 anos.

Menção honrosa: Led Zeppelin – In Through the Out Door

Gravado entre muitos problemas pessoais de Jimmy Page e Robert Plant, In Through The Out Door é considerado por muitos (eu incluso) como o álbum mais fraco do Led Zeppelin. Mas mesmo o álbum mais fraco do Led é digno de ser um dos Melhores lançamentos de seu ano. A guitarra de Page acaba sendo encoberta pelos teclados e sintetizadores de John Paul Jones, o principal responsável por conseguir lançar este disco. O disco começa bem, com a viajante “In the Evening“, repleta de efeitos na guitarra de Page. Essa é a única canção que Page aparece mais, e aqui percebemos a mudança na voz de Plant, com um timbre diferente do comum, sem tantos agudos e com algum efeito. O recheio do álbum é meia-boca, com “South Bound Saurez”, “Fool in the Rain” e “Hot Dog”, que parecem sobras inacabadas de Houses of the Holy. O grupo se recupera com a animalesca “Carouselambra“, um tour de force de mais de dez minutos, dividido em três partes, variando com climas orientais, outros mais lentos e muitas partes intrincadas. Temos também “All My Love”, uma das mais lindas baladas de todos tempos, contando com o mais famoso solo de Jones nos teclados. “I’m Gonna Crawl”  antecipa o que viria a ser a carreira solo de Plant nos anos oitenta, e é uma triste despedida para uma das maiores bandas da história. Por isso, essa menção honrosa em 11°.

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