quinta-feira, 26 de julho de 2018

War Room: The Archies - Everything's Archie [1969]



Por André Kaminski
Participações de Mairon Machado e Ronaldo Rodrigues

Tudo começou no longínquo ano de 1941 quando a Archie Comics lançou seus quadrinhos de maior sucesso que é a série Archie. O gibi conta a história do protagonista Archie Andrews em uma fictícia cidade chamada de Riverdale onde vive sua adolescência e seu cotidiano escolar ao lado de vários amigos. Basicamente são histórias envolvendo Archie, Jughead, Betty, Veronica e seu rival Reggie em várias situações típicas de humor adolescente, focado na faixa etária ali entre os 10 e 14 anos.
Ron Dante (vocais)

O gibi fez muito sucesso, vendeu horrores e ainda se mantém até hoje. É como se eles fossem a Turma da Mônica lá dos Estados Unidos, apenas se focando em um público-alvo um pouco maior.
Ali pelo fim dos anos 60, o gibi virou desenho animado chamado The Archie Show. Além das histórias baseadas nos gibis, Archie também tem uma banda de garagem chamada The Archies junto com os seus amigos e os produtores resolveram envolver muita música nesse desenho. Resolveram gravar alguns discos usando este desenho como base e inclusive conseguiram emplacar grandes sucessos nas paradas ali pelo final dos anos 60. Eles foram a primeira banda fictícia da história a atingir um hit número 1 em 1969 com o single "Sugar, Sugar", muito antes de bandas como o Gorillaz sequer pensarem em existir.
Toni Wine (vocais)

A banda fictícia é formada por Archie Andrews (vocais, guitarras), Betty Cooper (pandeiro e percussões), Veronica Lodge (órgão hammond), Reggie Mantle (baixo) e Jughead Jones (bateria). Todos também fazem backing vocals. Já quem gravou de verdade foram os vocalistas Ron Dante e Toni Wine e o instrumental foi feito por vários músicos de estúdio. As canções foram escritas por Jeff Barry, Andy Kim e Mark Barkan.
Vejamos o que os nossos consultores acharam deste disco!

01 - Feelin' So Good (S.K.O.O.B.Y.-D.O.O.)
Mairon: Vou começar perguntando: A turma do Scooby Doo tem algo a ver com isso?
Ronaldo: Minhas definições de pop ensolarado foram atualizadas com sucesso!
André: Scooby Doo foi criado no mesmo ano. Mas foi baseado numa música de Frank Sinatra, talvez foi uma coincidência, não encontrei a resposta definitiva. O estilo é o chamado bubblegun pop, podendo traduzir para o português como "Pop Chicletinho".
Mairon: Anos 60 legitimamente!!
Ronaldo: Essa convenção no meio da música, só com bateria, é muito esperta!
André: Épocas em que o pop tinha até orgão hammond.
Ronaldo: Guitarrinhas ardidas e tecladinhos dos bons! As palmas eram um recurso muito bem usado por essas bandas sessentistas. Pura diversão!

02 - Melody Hill
Mairon: Cara, bem coisa de desenho. Beach Boys com Xuxa.
Ronaldo: Me remeteu a Beach Boys de imediato!
André: Ah com certeza, eu adoro essa musicalidade pop recheada daquela leveza e alto astral daquele período.
Ronaldo: Um capricho de música, melodia leve e instrumental vigoroso.
André: Harmonias vocais incríveis e mesmo uma pegada rock da bateria excepcional.
Ronaldo: Impressionante como os norte-americanos são bons em encaixar vocais e instrumental.
Mairon: Essa segunda já gostei mais, principalmente por causa da guitarra. A guitarra faz um baita diferencial junto dessas vocalizações sensacionais.

03 - Rock 'n' Roll Music
Ronaldo: Muito bem sacado os instrumentos entrando um de cada vez! Belo som de Hammond.
Mairon: Outra boa faixa. Estilo próximo ao blues, e um Hammond fenomenal.
André: A marcação rítmica é nas palmas e no pandeiro, uma época da música que poderia retornar na atual!

04 - Kissin'
Ronaldo: Uma espécie de boogie lento, mas com pegada meio surf-rock...muito legal!
Mairon: A menina na capa tem uma carinha de + @. Voltamos para os Beach Boys. Cara, isso foi feito para desenhos mesmo? Que legal. Ontem eu falava com minha esposa de como os desenhos de hoje são nada instrutivos tanto do ponto de vista do desenho quanto da música. Me deu vontade dever esses personagens aí.
André: Cara, Archie Comics é muito bacana.
Ronaldo: Realmente, Beach Boys estão no DNA dessas músicas.
André: É tipo a turma da Mônica lá dos Estados Unidos, mas para um público entre 10 a 14 anos.
Ronaldo: Um popzinho pra lá de adocicado, mas que deixa um gosto bom na boca.
Mairon: A trilha, ao menos, parece ser muito boa.
Ronaldo: Nessa faixa deram bastante ênfase para os bongôs! Ao que me parece é o tal do Skooby quem toca, certo? rs

05 - Don't Touch My Guitar
Mairon: Outro blues suave, com uma pegada country. A guitarra é o principal instrumento, com um bom trabalho vocal. Datadão, mas gostoso que nem um Xis-Coração.
André: Aliás, diz a lenda que o Scooby-Doo foi baseado no cachorro do Jughead (baterista).
Ronaldo: Essa já parece o tal "rural rock" americano!
André: O disco é curto, mas mesmo assim apresenta variação como esse country rock.
Ronaldo: Ótima guitarra ao fundo, a la Jerry Garcia! Minha favorita até agora!

06 - Circle of Blue
Mairon: Baladinha para um luau na beira das praias de San Francisco. Essa já é mais Sessão da Tarde.
André: Balada típica para cantar para a namorada em dia de aniversário em uma praia. Uma coisa meio Elvis me remete esta música.
Ronaldo: Baladinhas...ah! Lembra bastante a Jovem Guarda brasileira.

07 - Sugar, Sugar
André: Essa é famosíssima!
Mairon: Uhu! Vai começar a novela da Globo (Só Que Não). Essa com certeza é clássica. Até vovó conhece!!
André: Primeira banda fictícia a atingir o número 1 nas paradas.
Mairon: Grudenta pacas, muito bem construída para ficar na mente das pessoas!!
André: Foi um hit gigantesco de 1969.
Ronaldo: Música pop por excelência. Ouve-se meia vez e já fica com a música na cabeça o dia todo!
André: Eu cantei essa música em uma apresentação de inglês no 1º ano do médio.
Mairon: Perfeita descrição, Ronaldo!
André: Tem toda razão Ronaldo. É assim mesmo que um bom pop deve ser.
Ronaldo: Outras vez as palmas foram usadas com muita inteligência! E o tamborim acompanha...creio que nem tenha o kit de bateria todo acompanhando.
André: Toni Wine aparece com mais clareza aqui.
Ronaldo: Uma espécie de vibrafone que faz o tema inicial, genial!

08 - You Little Angel You
Mairon: Opa. Agora baixou de vez Beach Boys. Fico impressionado com isso. Sempre falam da importância de Beatles e Stones para a música, mas o que os Beach Boys fizeram para o cenário musical americano (e mundial, claro), é de suma importância e relevância. Basta ouvir esse disco!
André: Beach Boys mandava nos Estados Unidos nesse período, influenciou demais porém, por alguma razão, costumam ignorar muito disso, Mairon.
Ronaldo: Os Beach Boys tem sua importância um bocado menosprezada na minha opinião. Foram importantíssimos! Mais Barbara Ann do que isso só a própria Barbarra Ann ... (risos) perceberam que essa faixa não tem baixo?
André: Agora que falou, não havia notado.
Ronaldo: Apenas bateria e duas guitarras!

09 - Bicycles, Roller Skates And You
André: Mais uma balada, um pouco inferior a anterior, mas que a meu ver não rebaixa o disco.
Mairon: Outra baladinha levada por vocalizações suaves. O dedilhado da guitarra é interessante. Tem algo meio havaiano aqui.
Ronaldo: Sempre que eu vejo algo rotulado de sunshine pop eu espero ouvir algo como essa música. Guitarras limpas, batidas suaves e boas vocalizações. Bela canção. Pelo título imaginava algo mais agressivo, mas talvez seja a faixa mais "soft" do álbum, junto com "Circle of Blue".

10 - Hot Dog
Mairon: Essa já é mais beatle, apesar do hammond fervilhando.
Ronaldo: Ótimo som, com influências britânicas...Hammond fervendo!
André: Aqui uma pegada mais rock n' roll, e esse hammond deu uma base muito interessante. Hot Dog é o nome do cachorro do desenho, aliás.
Ronaldo: O solo de guitarra, apesar de meio escondido na mixagem, é ótimo!

11 - Inside Out - Upside Down
Mairon: Cara, legal que a transmissão de pensamento na construção das frases é igual. Ou seja, estamos realmente ouvindo o mesmo disco. Essa já achei mais fraquinha. Pouco acrescentou para o track list.
André: Gosto do baixo, mas acho uma música mediana.
Ronaldo: Me pareceu um pouco uma reedição da primeira faixa, apesar de que bateria e baixo fazem um trabalho bem empolgante nessa faixa.
André: Acho "Bicycles, Rolller Skates and You" um pouco mais fraca que essa.

12 - Love Light
Mairon: Nessa última, curti a participação percussiva, a guitarra tentando sair das catacumbas, mas não sando, e os estalos de dedos. O disco decai depois de "Sugar, Sugar", mas não é depreciativo não.
André: Quanto a "Love Light", essa é um encerramento bacana, como disse o Mairon, o disco decai um pouco da metade final, mas ainda é um trabalho que deixa um saldo muito positivo a mim que adoro esse estilo.
Ronaldo: Concordo com o Mairon que as faixas iniciais eram mais bacanas. Contudo, essa última tem uma pegada interessante e as alternâncias entre os trechos com percussão e os trechos com bateria. Achei um bom diálogo entre as partes. a guitarra tenta falar um pouco mais alto no fim da faixa... poderiam ter explorado um pouquinho mais isso. Ficaria bem legal!

Comentários Finais
Ronaldo: Saldo bastante positivo. Um trabalho pop bonito, com alto astral, caprichado no instrumental e especialmente nas linhas vocais. Algumas faixas se destacam por serem realmente muito boas (Melody Hill, Don't Touch My Guitar e Sugar Sugar), mas o disco todo tem um nível alto de qualidade. É super datado, mas a diversão é garantida.
André: O The Archies foi uma banda fictícia, mas que poderia muito bem ter sido real e arrebatar milhões de dólares em shows. Há ótimas composições, instrumental impecável, ótimos vocalistas e um desenho animado para promovê-los. Mas parece que em sua época de ouro, ficou restrito mesmo as vendas de discos.
Mairon: Com exceção de "Sugar, Sugar", não conhecia nada do disco. Bem interessante, calcado principalmente em Beach Boys. Me pareceu algo de "vamos revisitar o que aconteceu nessa década e esquecer essa coisa de flower power" para as crianças da década de 60. Bom instrumental, bom vocal, e fica a curiosidade de conhecer o desenho.
André: Existe um seriado baseado nesse gibi Mairon, chamado Riverdale. Tem todos os mesmos personagens do desenho e do gibi.
Ronaldo: Ouvir vendo os vídeos e trechos do desenho animado complementou a diversão. Os cachorros cantando e tocando foram muito engraçados!
André: Porém, o estilo do seriado é meio Barrados no Baile/Malhação, descaracterizando um pouco os quadrinhos. Eu particularmente não curti o seriado, mas tenho várias alunas adolescentes que adoram Riverdale. Detalhe: é do mesmo universo que Josie e as Gatinhas (que aparecem no seriado) e Sabrina a Aprendiz de Feiticeira (que aparece no vídeo de "Sugar, Sugar").
Mairon: Só uma pergunta. Ficaram só nesse disco?
André: Lançaram 4 discos, Mairon. Todos no mesmo estilo.
Mairon: Do mesmo calibre? Ok, vou buscar.
André: Mas esse que ouvimos vendeu 6 milhões de cópias. Só o último acho inferior, Mairon. Os outros 3 eu também curti.
Jughead Jones (bateria), Reggie Mantle (baixo), Betty Cooper (pandeiro, percussões), Veronica Lodge (órgão Hammond) e Archie Andrews (vocais, guitarra)

sábado, 21 de julho de 2018

Consultoria Recomenda - Álbuns de Estreia



Discos de estreia geralmente são álbuns que marcam a carreira de um artista. Hoje, um grupo de sete consultores recomenda sete álbuns de estreia que fazem parte de suas audições rotineiras, com um apanhado desde a década de 60 até os dias atuais.



Cream - Fresh Cream (1966)
Recomendado por Ronaldo Rodrigues

Talvez um dos primeiros casos da história do rock em que havia especulação da crítica musical sobre o que aconteceria com um disco. Se o compacto de estreia da banda tratava a questão com irreverência, o disco completo que traz a estreia do supergrupo Cream não deixa nada a desejar. O som da banda acendeu a fagulha que catalisou a conversão do blues britânico naquilo que viria a ser o rock pesado dos anos seguintes. Eric Clapton, Ginger Baker e Jack Bruce escreveram, a toque de caixa, parte importante da história do rock e Fresh Cream é seu prólogo.

Mairon: Os cientistas, através da teoria do Big-Bang, conhecem perfeitamente como o universo surgiu a partir de 10^{-34} segundos após a grande explosão que criou tudo o que há hoje em dia. Entre o tempo zero e o tempo 10^{-34}, nada se sabe. Felizmente, em termos do rock pesado, a coisa é diferente, já que temos aqui o Big-Bang da guitarra, bateria, baixo e vocalizações despejadas com potência sonora para quebrarmos pescoços. A voz de Jack Bruce (baixo) casa muito bem com a do chapadaço Eric Clapton (guitarra), recém saído das fraldas do Yardbirds, e doido para causar um rebuliço. Não à toa ele recebe o apelido God, pois é ele quem cria praticamente toda a rifferama e escalas de solos que Hendrix, Gibbons, Lee, Iommi e outros usariam a partir de então. Na bateria, uma locomotiva Ginger Baker que só não faz chover durante "Rollin' and Tumblin'", mas causa terremotos e tsunamis durante a espetacular "Toad", aula inicial para todas as outras bandas saberem como se faz um solo de bateria. É muita energia para ser emanada através das caixas de som, e clássico em cima de clássico, principalmente através de "I Feel Free" e "I'm So Glad", os maiores expoentes de Fresh Cream. As melhores para mim são o grandioso blues de "Sleepy Time Time", e "Sweet Mine", cuja versão posterior, lançada pela Ginger Baker's Airforce é a definitiva. Fecham o track list deste que talvez seja o principal disco de estreia de todos os tempos, a pancada "N. S. U." e a instrumental "Cat's Squirrel". Fresh Cream peca apenas na fraca versão de "Four Until Late" (original de Robert Johnston) e em "Dreaming", balada com clima anos 50 e totalmente injustificável perto de tantas canções fortes. Grandiosa e essencial recomendação.

Davi: Tiro certeiro. Banda clássica. Álbum emblemático. Isso aqui não tem erro, né? Power trio de primeiríssima. Três gênios. “I Feel Free”, “N.S.U.” e “Spoonful” são clássicos absolutos. Ginger Baker dava uma aula de bateria em “Toad”. Eric Clapton já roubava a cena em faixas como “Sleepy Time Time”, “Sweet Wine” e “Cat´s Squirrel”. Jack Bruce era outro louco. A única tristeza que bate em ouvir esse álbum é notar a qualidade das bandas e dos discos que se faziam nessa época e comparar ao que o pessoal tem feito hoje possuindo equipamentos melhores, técnicos com mais estudo, salas de gravação mais preparadas, recebendo instrumentos de ponta como patrocínio das melhores marcas. O que aconteceu?

Fernando: Já escrevi uma discografia comentada do Cream aqui para a Consultoria do Rock. A junção de três músicos fantásticos tinha que acertar logo de cara. Imagine um disco ruim de caras tão conhecidos. Acredito que isso fez com que várias versões de músicas de outros artistas fossem usadas e que não tenham dado tanta importância para as letras das canções próprias. São ótimas faixas no geral, mas considero esse disco apenas como um cartão de visita, já que eles acertaram a mão mesmo no seu sucessor.

Nilo: Introduzir o Cream e seus integrantes me parece desnecessário a esta altura. Tamanha a fama, chega a ser redundante afirmar que trata-se de uma estreia "jogo ganho": eram músicos de alto calibre, já com certa rodagem e com plena ciência do que estavam fazendo. Os moldes do blues rock não permitiam plena desenvoltura técnica de cada um, tampouco era necessário. O básico, executado de maneira competente e convincente. Mas convenhamos que, se Fresh Cream vive "na sombra" de Disraeli Gears, não é injustiça - a atmosfera lisérgica deste forneceu maior liberdade criativa ao trio. Na verve bluezeira, creio que a estreia do Bluesbreakers (com o Clapton, lançada meses antes no mesmo ano) é mais interessante.

Alisson: O time era inegavelmente lendário, apenas as três maiores referências em seus instrumentos. O problema da estreia é o grupo ainda estar engessado demais no blues rock da época e precisar mostrar serviço em conjunto. A técnica está acima de qualquer suspeita, as composições, porém, não vão muito além do que era produzido no período (muitas vezes de qualidade até inferior). Se hoje é visto como sombra do clássico Disraeli Gears, não é por falta de motivos.

Adrian: Baita disco de uma banda acima da média. “I Feel Free” vicia logo de primeira. O sempre excelente Eric Clapton em seu “debut” como protagonista de uma banda, mostrou para o que veio, sem claro deixar de mencionar Jack Bruce e Ginger Baker (o que é aquilo em “Toad”?). Ah, um disco com “I’m so Glad” sempre vai ser ótimo.



Moby Grape - Moby Grape (1967)
Recomendado por Mairon Machado

Várias poderiam ter sido as recomendações de álbuns de estreia que eu poderia fazer. Algumas até foram escolhidas aqui. Mas o nome que me veio à mente de cara foi essa obra-prima do rock flower-power norte-americano. Praticamente uma coletânea de sucessos de uma banda que teve tudo para ser a maior de todos os tempos (três guitarristas, um deles, um monstro chamado Jerry Miller, além de duelo de guitarras, inexistentes em 1967, trabalhos vocais e quatro vocalistas espetaculares, apoio de uma grande gravadora, a criatividade do gênio Skip Spence, entre outros), mas acabou pecando pelos excessos, isso em uma época onde se falar em excessos era apenas uma que outra aventura amorosa com a prima adolescente (Jerry Lee Lewis #Modeon). Mesmo os momentos amenos de "8:05", "Mr. Blues", "Someday", "Naked, If I Want To" mostram extremas qualidades para 1967. Moby Grape, o álbum, inspirou uma galera mundo a fora, com suas influências de country, blues, jazz e muita, mas muita psicodelia. Um deles, principalmente, foi um carinha loiro, chamado Robert Plant, que ao ouvir faixas espetaculares, velozes e destruidoras, como "Changes", "Fall On You", "Hey Grandma", "Lazy On Me", "Omaha" e a viajante "Sitting by the Window", simplesmente pirou. Tanto que gravou "8:05" e "Naked If I Want To" como singles, em 1993, e nunca cansa de citar o Grape como sua principal influência. Admire o country rock de "Ain't No Use", as vocalizações precisas de "Come in the Morning" e "Indifference", enfim, tudo o que há aqui. Os excessos já começam na polêmica capa, com o batera Don Stevenson estancando o dedo médio para o mundo, um pôster gigante promocional da banda que acompanhava a edição original, e a festa de lançamento do álbum, com prisões que abalaram o resto da carreira do grupo, através do boicote que o empresário Matthew Katz e a gravadora Columbia Records fizeram. É um disco para se ouvir com toda a curiosidade de quem quer conhecer algo novo, e se maravilhar com faixas fantásticas lançadas em um ano fundamental para a história da música. Mais sobre essa joia aqui.

Ronaldo: A estreia do Moby Grape é cheia de vitalidade e rebate para o clima árido da California o lado mais cru do som dos Beatles. Guitarras espertas, composições funcionais e ótimos vocais. Apesar da lisergia reinante a partir de 1967, o som do Moby Grape vai direto ao ponto, sem delongas. Acima de tudo, um delicioso disco de rock sessentista.

Davi: Banda bem interessante da cena de San Francisco. Esse trabalho foi lançado no ano de 1967, no meio da efervescência da cena flower power. Como não poderia deixar de ser, a sonoridade do álbum é repleta de psicodelia, o que já fica claro na faixa de abertura “Hey Grandma”. “Fall On You” e “Come In The Morning” trazem um belo trabalho de harmonia vocal nos backing vocals. Também gosto de quando fazem um som mais basicão como ocorre na ótima “Mr. Blues”. As baladas cruzavam elementos do folk com o country rock, conforme podemos notar em músicas como “Naked, If I Want To” e “Lazy Me”. Discaço! Gostei bastante.

Fernando: Já havia ouvido O Moby Grape quando estava descobrindo essas bandas do final da década de 60. Porém, por algum motivo que não sei dizer, acabei não ouvindo mais. Assim, foi quase como se tivesse conhecendo uma banda nova. O som é o esperado e o que nos acostumamos das bandas californianas do período. Muita melodia nas vozes, belos arranjos dos instrumentos e uma energia bastante positiva. Gostei de revisitar uma banda que há muito tempo não ouvia.

Nilo: Faz jus à capa. Outro disco sem grandes ambições além de juntar os amigos e fazer música, e tal proposta é bem cumprida. São 13 faixas de rock raiz, que olham tanto para o lado elétrico do blues como para a calmaria acústica do folk. É daqueles LPs pra se ouvir na vitrola do coroa, sentado numa cadeira de balanço no fim da tarde. Um acento psicodélico ronda os pouco mais de 30 minutos aqui, e pelo visto já servia como sinal para o que o estado metal do vocalista Alexander Spence....

Alisson: A ambição passa longe do objetivo do primeiro disco do Moby Grape (diferente do que skip Spence faria sozinho), mas como muitos discos de estreia, a ideia era mais se estabelecer com um disco coerente ou entregar um produto interessante para a gravadora. Nisso, esse disco cumpre os objetivos, mas não consegue ir além disso.

Adrian: Outra banda que não conhecia (não me julguem, ainda estou aprendendo rs). Mas é um rock’n’roll sessentista muito agradável de se ouvir. Como guitarrista (frustrado), algo que sempre presto mais atenção são os riffs e solos, e aqui tá recheado, portanto excelente, assim como os outros elementos da banda.



The Doors – The Doors (1967)
Recomendado por Davi Pascale

Quando foi jogado o tema, esse foi um dos primeiros álbuns que me veio à cabeça. Normalmente, procuro trazer para essa brincadeira álbuns não muito manjados, mas quando o tema foi disco de estreia, me pareceu obvio que seria interessante indicar alguém que conseguiu quebrar tudo já no primeiro disco. Tem muito artista que demora para criar uma identidade. O grupo de Jim Morrison foi o contrário. O primeiro disco já trazia um retrato de tudo que a banda representa. Textos elaborados, vocal hipnótico, teclados se sobressaindo, longas jams, flerte com outros gêneros. Inclusive, "Break On Through" foi inspirado na nossa bossa-nova (a levada de bateria, algo já reconhecido pelos músicos). Mais do que já ter uma identidade definida, diria que esse é seu trabalho definitivo. Embora goste dos demais álbuns produzidos na era Jim (em especial, Waiting For The Sun e Strange Days), se tivesse que indicar um álbum do grupo para quem nunca ouviu nada deles, entender o que significam, seria esse aqui. Como não bastasse, o repertório é repleto de clássicos como “Light My Fire”, “The End”, “Soul Kitchen”, “Back Door Man”, além da já citada “Break On Through”. Não tem nenhuma faixa ruim nesse disco. Trabalho perfeito. Clássico do The Doors, clássico do rock, clássico dos anos 60. Enfim, um álbum definitivo.

Ronaldo: Uma das estreias mais marcantes de toda a história do rock. O rock ficando cada vez mais ousado, ameaçador e misterioso. O som do órgão Vox, por influência de Ray Manzarek, seria a partir daí usado extensivamente no próximo par de anos, a delinquência e a afronta passariam a fazer parte cada vez mais do cardápio dos crooners e as escalas do blues continuariam sendo o passaporte para as viagens da psicodelia. Musicalmente há muitas inovações - harmônicas, rítmicas, em sonoridades e nas letras. Nem o próprio Doors conseguiria produzir algo tão importante depois dessa estreia.

Mairon: Aqui estão três grandes clássicos do rock, chamado "Break on Through (To The Other Side)", "Light My Fire" e "The End". Só por essas três faixas, o álbum já merece a recomendação. Mas há mais em The Doors. Canções como "I Looke at You", "Soul Kitchen" e "Twientieth Century Fox", marcaram o som dos teclados de Ray Manzarek como um dos mais relevantes para a comunidade flower-power, e as letras singelas, mas contagiantes, de Morrison. As baladas "End of the Night" e "The Crystal Ship" são feitas para arrancar lágrimas do busto roubado de Jim Morrison. "Alabama Song" e "Take it as it Comes" são para sair pulando pela casa, sem medo de bater em paredes ou derrubar as coisas. A versão de "Back Door Man" é pura chapação! Enfim, uma estreia fulminante, matadora, e que escrevi mais sobre essa obra-prima aqui. Belíssima recomendação!!!

Fernando: Aqui sim foi uma estreia de respeito. O Doors iniciou a carreira de forma arrasadora com clássicos atemporais como “Break On Through (To the Other Side)”, “Light My Fire” e “The End”. E não ficou só nisso, pois tem ainda músicas até esquecidas como a linda “Crystal Ship”. O nível ficou tão alto que fez a banda suar para manter o nível. E logo na capa o rosto em destaque de Jim Morrison mostrava quem era a figura central do grupo.

Alisson: A estreia do Doors sai do lugar comum em diversos sentidos. Ela vai na contramão ao entregador conteúdo completamente autoral, diferente dos vários covers de músicos blues que discos britânicos colocavam em seus discos. Segundo, que ele já deixa a marca registrada da banda de maneira definitiva, com seus longos ensaios improvisados, a sonoridade fortemente psicodelica e o lirismo acima da média de Jim Morrison. Até hoje não é meu favorito, mas sem esse, Strange Days (que ocupa esse posto) e os inúmeros seguidores do grupo, simplesmente não existiriam.

Nilo: Existe algo que ainda não tenha sido dito sobre este disco? Tenho preguiça da persona boêmio-messiânica do Morrison e, mesmo que os arranjos de Ray Manzarek amarrem os instrumentos (interessante notar que o teclado é tão etéreo quanto sustentação aqui) de forma eficiente, os timbres são magrinhos demais.Todavia, ninguém são vai negar que este é o início de uma das 3 bandas mais influentes do rock dos EUA. Outra delas também estreou em 1967, e até preferia que tivesse sido escolhida para tecer comentários mais elaborados aqui.

Adrian: Um digníssimo disco de estreia que bem parece uma coletânea de tão bom. Se “Break on Through” e “Light My Fire” que são as mais conhecidas pelo público já chamam a atenção, a excelente “Alabama Song”, a melancólica “Crystal Ship” e a épica “The End” também tem seu destaque, lançando ao mundo, o mito Jim Morrison.


Styx - Styx (1972)
Recomendado por Fernando Bueno



A primeira vez que ouvi o Styx foi um choque. O interesse pela banda foi pelo seu nome, já que a imagem de um rio do inferno é de algo tenebroso, misterioso, carrancudo e sisudo. Porém é exatamente o oposto da música do Styx e foi uma surpresa excelente. Conheci a banda pelo ótmo site Progarchives e também esperava algo mais sinfônico e o que ouvi foram excelentes músicas como muito apelo pop. A música da banda até chegou a ser um pouco mais pomposa ao longo do tempo, mas esse disco de estréia é um belo exemplo do que a banda fez, e muito bem, em sua carreira.

Ronaldo: Os primeiros minutos do disco de estreia do Styx podem passar a impressão de estarmos diante de um trabalho de hard rock tal como era a marca registrada do "early 70's" - guitarras fortes, riffs inteligentes e uma cozinha poderosa. Contudo, a faixa de abertura mostra-se como uma suíte com construção inusitada, cheia de recortes e com uma boa dose de pompa e circunstância. Seu final traz todos os temperos progressivos daquela mesma época e o protagonismo dos teclados. O restante do disco passa por toda a riqueza musical do período, mostrando uma banda repleta de talentos instrumentais e com um faro enorme por melodias assobiáveis.

Mairon: Banda fantástica, renegada por muitos por conta das baladas que marcaram sua carreira, vide "Babe", "Come Sail Away" e "Don't Let It End") ou de faixas mais pops, como "Blue Collar Man (Lonely Nights)" e "Too Much Time on My Hands". Aqui é o Styx raiz, hardão setentista de primeira, misturado com progressivo a partir de uma cozinha fabulosa montada pelos irmãos Chuck (baixo) e John Panozzo (bateria), e com as guitarras de John Curulewski e James Young fazendo estripulias mágicas junto aos teclados de Dennis DeYoung. Há um certo ar de Deep Purple e Uriah Heep nas canções, mas nada que não traga uma originalidade animadora para 1972. Pelo contrário, "Right Away" parece ter sido uma força influenciadora do Purple para algumas faixas de "Stormbringer", enquanto "Best Thing", e os seus acordes de violão misturados com órgão, guitarra e altas vocalizações, eram um prenúncio - ou um contraponto - ao gigantismo de Magician's Birthday. "After You Leave Me" poderia ser a balada do álbum, apesar de estar longe de ser algo se quer próximo disso - somente a melosa letra nos faz pensar assim - pois James Young e as vocalizações fazem brotar na cabeça aquela sensação de "coisa boa estar conhecendo algo novo". "What Has Come Between Us" nos surpreende pelas variações (um início pesado, uma balada ao violão, um refrão grudento cheio de vocalizações e belos solos de guitarra). Falando em peso, "Quick is the Beat of My Heart" despeja potência sonora pelas caixas de som, sendo impossível não fazer um air keyboard durante o solo de hammond por DeYoung. O grande destaque é a sensacional suíte "Movement for the Common Man", a qual ocupa quase todo o Lado A e é dividida em quatro partes, que já apresentam os vocais marcantes que consagrariam a banda anos depois, principalmente de DeYoung. Vocais estes que aliás, estão presentes em quase todo o álbum. Ótima indicação, e uma das minhas bandas favoritas.

Davi: Essa é uma banda que eu curto, mas nunca me aprofundei. Esse álbum mesmo, vergonhosamente, nunca havia escutado. A primeira faixa, “Movement For The Common Man” é espetacular. Gosto das mudanças de andamento, desde o início com uma sonoridade hard rock guiada pelas guitarras, passando por uma colagem de sons e chegando em uma passagem mais experimental na parte final. O solo de guitarra dessa canção é fantástico. “Right Away” também é muito boa, com uma pegada mais longe do progressivo e mais próxima do southern. Me remeteu um pouco às baladas do Lynyrd Skynyrd, mas é a única com essa atmosfera no álbum. A introdução de “What Has Come Between Us” me lembrou muito o Yes, a levada funky rock por trás de “Quick Is The Beat of My Heart” foi uma grata surpresa, assim como a versão de “After You Leave Me” do músico George Benson. Belo disco!

Nilo: Dentro do leque desta seleção, a maior qualidade da estreia do Styx é mostrar como uma banda pode evoluir. Embora não seja fã da mistura de AOR e progressivo que os consagrou nos discos seguintes, ao menos tal sonoridade exibe segurança; algo do tipo "É brega e pomposo? Sim, e azar o seu, vai ouvir na AM até enjoar!". Dá pra dar um desconto e dizer que neste álbum aqui, poucas canções têm a assinatura dos integrantes. Não chega a aliviar a má impressão que fica após aguentar a faixa de abertura, com 13 minutos e recheada de cacoetes do prog, e nem dos sons hard rock mais curtos que seguem - igualmente insípidos.

Alisson: Não sei quem eram os músicos envolvidos no Styx na época, mas começar com um primeiro disco onde a primeira música possui 13 minutos de duração é corajoso. Enquanto não sendo uma das referências do AOR, o Styx emulava os principais chavões do hard rock e do progressivo do período, já com um pé no pop, bem evidente no foco excessivo nas melodias. Tudo redondinho, inofensivo, e nada memorável.

Adrian: Rock’n’Roll com boas doses de Progressivo, de boa qualidade (logo de cara uma faixa de 13min em um disco de estréia!!). Nunca dei muita atenção ao Styx, mas fiquei curioso em saber mais da banda. O instrumental é ótimo, com boas melodias e o vocal também me agradou. Aprovado!


Sarcófago – INRI (1987)
Recomendado Nilo Vieira

Creio que o maior mérito de grandes álbuns de estreia é conseguir traduzir o frescor da energia original do artista, independente de imaturidade artística ou condições técnicas desfavoráveis. Nesse sentido, não há melhor exemplo que INRI. A produção é precária. As letras são blasfêmias juvenis traduzidas em inglês raso. O instrumental é tão bruto que fica difícil classificar. E mesmo assim, não há como contrariar quão inovador e legítimo é o resultado final: quatro pé rapados de BH, logo após o fim da ditadura militar, criaram na raça uma música híbrida, que caiu como uma bomba na época. Um trabalho com muito mais atitude que a maioria dos discos nacionais elogiados daquela década, seu legado ainda ecoa forte Brasil afora. Ouso dizer que é o LP mais influente feito aqui nos anos 80, dada a repercussão internacional - até o Dead (Mayhem) tinha camiseta!

Ronaldo: Uma das coisas mais mal gravadas que já ouvi em toda a minha vida (e não foram poucas). Qualquer outro característica, positiva ou negativa, que o disco tenha fica nublada frente a uma gravação tão tacanha. Se isso foi de alguma forma proposital, meu desprezo por esse som aumenta em progressão geométrica.

Mairon: Um brasileiro que causou impacto no mundo inteiro é raro, ainda mais na cena metálica. I. N. R. I. é o bisavô de quase todo o black metal, com fortes influências de Celtic Frost e Slayer ("Nightmare" e "Ready to Fuck"), ou Possessed e Sodom ("Christ's Death", "Desecration of Virgin", "The Last Slaughter" e a faixa-título) mas com o diferencial de não ter tanta técnica quanto os citados, Wagner "Antichrist" é o cara que consegue se destacar musicalmente, com um bom gutural. Acho a bateria muito mal tocada, e infelizmente, a produção abafou demais baixo e guitarra (pelo menos no link que peguei). De qualquer forma, é notável o estilo dos guris, principalmente "Deathrash", "Satanic Lust" e "Satanas". Não é algo que hoje eu aprecie, mas teve sua importância em 1987.

Davi: Essa é uma banda que a galera morre de amores e nunca consegui compreender a razão. Esse disco é o exemplo clássico de tudo o que havia de amadorismo na primeira cena de heavy do Brasil. Sem dúvida, existiam as exceções, mas eles não faziam parte desse território. Disco extremamente mal gravado, bateria martelada e sem a menor criatividade, trabalho vocal ruim, as letras são risíveis. Desde o texto tentando soar malvado, mas aparentando ter sido escrito por uma criança de 3 anos, até pela nítida falta de domínio da língua inglesa. É um marco dentro da cena (não sei como, mas conseguiu o feito), mas é um trabalho que vale conferir apenas pelo seu contexto histórico mesmo porque o trabalho musical, olha...

Fernando: Vou começar uma briga com os fãs do Sárcofago. Gosto muito do Laws of Scourage, já até escrevi sobre ele aqui na Consultoria do rock, mas os outros discos, mais diretos e sem o esmero que esse disco que citei tem, acho puro barulho. Sei que muita gente vai citar a já falada influencia que a banda teria sobre as bandas realmente importantes lá nos países nórdicos. Será que a importância foi tão grande assim?

Alisson: Antes de criticar a falta de esmero técnico e as letras simplórias (para não dizer amadoras) do primeiro disco do Sarcófago, é bom que se coloque em perspectiva o mundo em que esse disco saiu. Basicamente quatro adolescentes revoltados recém saídos de um duro regime militar com muita vontade de se fazerem ser notados. Essa vontade é sentida durante o disco todo. O que falta em técnica, sobra em brutalidade e chucrice, já que o som é tão básico e simples que soa enérgico e, por vezes, até sombrio. Se na época o disco era blasfemo desde a capa, servindo de influência até para a galera da Noruega, hoje ele soa mais como um grito de rebeldia e a vontade de uns garotos de fazer a diferença através da música.

Adrian: Nunca fui tão fã do Sarcófago, mas tenho que reconhecer o clássico e a importância da banda e desse disco para o Metal Brasileiro (e mineiro). Bruto, direto e sem frescura.


Demilich - Nespithe (1993)
Recomendado por Alisson Caetano

Um registro singular dentro da historia do Death metal, Nesphite permanece influenciando gerações, mesmo que nada se assemelhe em qualquer nível com o que está registrado neste que acabou sendo a única mostra de genialidade do grupo. Usando tempos estranhíssimos e dissonâncias de guitarra sem preocupações, Nesphite cria uma musicalidade abstrata, intensa e imersiva em níveis nunca vistos antes no estilo. Os vocais (que o encarte faz questão de ressaltar que foram feitos na raça, sem uso de efeitos digitais) aumentam o grau de estranheza enquanto as letras saem do lugar comum do gore tradicional para proferir histórias bizarras e surreais. Obra ímpar na história do estilo, continua irretocável, mesmo com anos de seu lançamento e tantas tentativas (muitas frustradas) de inovações de outras bandas.

Ronaldo: Do ponto de vista instrumental, o disco dos finlandeses do Demilich traz elementos bem interessantes e originais, aplicando atonalismos nos riffs, usando e abusando de muitas variações rítmicas de andamento e compasso. Mantém-se as características tétricas do heavy metal extremo, mas com um senso de urgência e uma matriz mais expandidas de climas e tensões nas músicas. Como de praxe nesse tipo de som, o disco é pessimamente gravado e todos os instrumentos parecem distantes do ouvinte. Mas nada se compara ao espanto causado pelo vocal, que realmente é horroroso e nos dá a impressão de que não deve ser nem levado em consideração.

Mairon: O bom de participar do Recomenda é que sempre aparece um disco que você dúvida que realmente foi lançado. Essa é daquelas bandas cujo logo você não consegue identificar o nome, e que faz um Death Metal bastante competente instrumentalmente. Realmente, as guitarras e a bateria são empolgantes. O problema é o vocal, o qual parece um lagarto falando, e não um ser humano cantando (talvez um ser humano arrotando seja uma boa descrição). Desculpe ao consultor, mas o nível mental para entender essa obra não foi alcançado por mim ainda ...

Davi: Cara… De vez em quando vocês desencantam cada coisa que vou te contar. Não vou nem ficar citando música porque, para mim, todas as faixas possuem os mesmos defeitos. Mudança de andamento além da conta. Parece que os músicos estavam mais preocupados em demonstrar que sabiam tocar do que escrever algo realmente cativante. Ou então não conseguiram definir sobre o que trabalhar e o que não trabalhar na canção. Tenho que reconhecer que o guitarrista e o baterista, embora pentelhos, são bons músicos. A qualidade de gravação é meia bomba. O bumbo da bateria tem som de peido. E esse vocal chega a ser cômico. O cara quis soar como o demônio, mas parecia que estava arrotando uma lata de coca-cola. Muito fraco no gutural. Uma das piores coisas que já ouvi na vida.

Fernando: Nunca fui um fã de death metal. Só mais recentemente comecei a ouvir algumas bandas de black ou de thrash mais extremo que beiram o death. Mas alguma coisa nas bandas mais tradicionais dos estilos não me agrada. Outra coisa que costuma atrapalhar minha audição é quando associado aos termos e classificações de metal tem as palavras technical, math, crust entre outras. Parece que cria uma mensagem em meu cérebro dizendo de antemão que não vai me agradar. Porém o instrumental não se aproxima do nível que eu costumo não gostar e o que atrapalha aqui é mesmo a voz. O gutural do vocalista Antti Boman é tão propositalmente cavernoso que chega a ser até cômico. Imagino que deve ter feito bastante sucesso entre os fãs do estilo, mas me estranha em ser o único álbum da banda.

Nilo: O primeiro e último disco dos finlandeses é uma peça rara no death metal. Guitarras em afinação absurdamente baixa (em Lá, pra ser exato), vocais cavernosos profundos, riffs dissonantes, letras sobre experiências bizarras (incluindo relato sobre sentir vontade de vomitar e perceber que seu sistema digestivo, de repente, criou vida própria)... sábio o comentário que diz que "se você imaginar que são os integrantes da banda na capa, tudo fará mais sentido". Permanece entre os trabalhos mais originais e copiados do estilo. Obrigatório para entusiastas do metal extremo!

Adrian: Não conhecia a banda, mas por esse álbum, gostei do que ouvi, apesar do vocal não me agradar muito, os riffs insanos e impossíveis de guitarra e instrumental bem tocado, compensam a audição. (Se os nomes gigantes das músicas foram feitos para dar aquelea descontraída, foi uma boa sacada! Haha) Porrada na orêia!


Akashic - Timeless Realm (2000)
Recomendado por Adrian Dragassakis



De longe, o álbum mais recente de todos da lista (e até meio fora da curva), mas trata-se de um álbum de estreia de uma banda gaúcha que infelizmente não vingou. O som remete bastante ao Prog Metal do Symphony X, mas com grande personalidade. “Heaven’s Call” abre o disco já mostrando esse lado, enquanto “Dove” é uma das mais belas baladas que já ouvi. “Veiled Secrets” conclui o álbum, quase que como uma ponte para o álbum sucessor (A Brand New Day, que abre com a faixa “Revealed Secrets”). Ah, o guitarrista é o Marcos de Ros, hoje, youtuber e professor de guitarra.

Ronaldo: Eu cultivo uma teoria de que discos de estreia são interessantes, em sua maioria, por retratar toda a trajetória do músico antes dele ser de fato músico. É possível imaginar que para a maioria dos casos, as composições de um disco de estreia foram gestadas ao longo de toda a adolescência, durante muitos anos, até encontraram os elementos humanos e a estrutura necessária para sairem do campo das ideias e chegarem até um disco. Esse frescor se perde quase que imediatamente após o primeiro disco, no qual muitos outros fatores entram em jogo. Ao ver que essa banda brasileira foi fundada em 1988 e lançou a estreia apenas em 2000 essa imaginação fica ainda mais forte. O trabalho tem seus trunfos e um brilho especial no cenário do prog metal, apesar da produção modesta e do som abafado. Musicalmente, é um disco muito trabalhado e o instrumental virtuoso se acopla muito bem nas composições - existe uma coerência entre intenção e execução.

Mairon: Prog Metal não é o tipo de Heavy Metal que eu gosto, com excessos de virtuosismo e variações no estilo "orquestrais" dos sintetizadores. O vocalista lembrou muito Tony Martin, e me surpreendeu saber que a banda é daqui do Rio Grande do Sul, mais precisamente de Caxias. Apesar de não ser algo que eu aprecio, vejo qualidade musical dentro do estilo, principalmente no guitarrista Marcos de Ros. Se não fossem os teclados, seria bem melhor. De qualquer forma, um disco surpreendente!

Davi: O Akashic lançou esse debut no início dos anos 2000 e, na época, era considerado uma das grandes promessas da cena heavy brasileira. A jogada do Akashic era prog-metal, estilo que estava em destaque na época. A grande diferença entre os demais grupos brasileiros é que, enquanto seus colegas sonhavam em ser a versão brazuca do Dream Theater, eles queriam ser a versão brazuca do Symphony X. Marcos de Ros é considerado um dos destaques da cena brasileira atualmente e, aqui, já demonstrava um enorme domínio nas seis cordas. O trabalho vocal de Rafael Gubert não tinha a mesma força do vocal do Russell Allen, mas era satisfatório. Além de De Ros, o grande destaque do álbum fica por conta do tecladista Eder Bergozza e o ponto baixo fica pelo baterista Maurício Meinert (bem fraquinho). Era um grupo ok, mas faltava um pouco de personalidade e canções mais fortes. Faixas de destaque: “For Freedom”, “Salvation” e “Gates of Firmament”.

Fernando: Não conhecia a banda, nem de nome. As surpresas ficaram por conta do tempo que isso foi lançado, que era uma banda brasileira e com o Marcos De Ros na guitarra. Gostei muito do som, apesar de ter ouvido apenas uma vez, e achei bem na linha do que o Symphony X faz. Na época do lançamento eu era muito ligado ao metal progressivo e melódico e mesmo assim não fiquei sabendo dessa banda. Talvez tenha faltado um pouco mais de divulgação e acredito que esse motivo é que fez com que a banda tenha acabado 10 anos atrás. Muito potencial com pouca exposição.

Nilo: Me parece um trabalho que, acima de tudo, buscava cavar espaço na crescente cena prog nacional (uma demo homônima foi gravada no ano anterior). E não o faz com a intenção de reinventar a roda, o que pode não ser ruim. Pra quem é fã do estilo e/ou acha que o principal componente para boa música é a veia melódica, cá está um prato cheio. Caso contrário, fuja: tudo aqui é tão limpo (mesmo a distorção da guitarra é comportada) e correto (exceto as letras, em inglês bem básico - algo muito criticado no outro integrante br desta seção) que enjoa. Vocais melodramáticos estilo Symphony X e teclados muito plásticos à la Stratovarius na mix são os principais entraves. Inegável que são rapazes estudados e composições trabalhadas, mas não saberia apontar diferenciais perante outros grupos famosos e contemporâneos do estilo.

Alisson: Coincidentemente liberado no auge de interesse pelo metal progressivo nos anos 2000, Timeless Realm é só um monte de cacoete burocraticamente executado sem grande inspiração. Vale ressaltar que, se você é conivente com as letras desse disco, você não possui argumentos suficientes para criticar o INRI, do Sarcófago. Enquanto aquele ainda entrega algo blasfemo em tentativas inocentes, esse aqui só entrega algumas letras bobas de temática mais que rasa. Não sei como anda a situação da banda, mas espero que o guitarrista Marcos De Ros esteja se saindo melhor como youtuber do que como músico.

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Cat Stevens - Mona Bone Jakon [1970]




Eis que você é um garoto de 19 anos que consegue conquistar a Europa logo no seu primeiro álbum de estreia. Com a pressão pelo sucesso, acaba sucumbindo a uma grave doença, e fica acamado por quase um ano. Nesse período, cria um dos melhores de sua carreira, e por que não, da música mundial. Estou falando do britânico Cat Stevens, hoje também conhecido como Yusuf Islam.

Stevens aos 18 anos
Antes de converter-se ao mundo do islamismo, Stevens teve uma carreira de grande sucesso no mundo inteiro. Para quem não sabe, ele é o autor da linda "Wild World", que depois ficou conhecida aqui no Brasil através das vozes de Pepê & Neném, com o atentado "Nada Me Faz Esquecer", além de ter recebido versões desde Jimmy Cliff e UB-40 até Mr. Big. Essa canção é do quarto álbum de Stevens, Tea for Tillerman (1970), lançado no mesmo ano daquela que julgo ser sua obra-prima, Mona Bone Jakon.

Esse, portanto, é  o terceiro álbum de Stevens. Chegou às lojas em abril de 1970, e foi o divisor de águas na carreira do artista, conquistando ouro nos Estados Unidos. Stevens teve um um início de carreira estardalhante, com os sucessos "I Love My Dog", "Matthew and Son" e "I'm Gonna Get Me a Gun", do aclamado disco de estreia de Stevens, Matthew and Son (1967). 

A estrondosa estreia de Cat
A faixa-título conquistou segunda posição no Reino Unido, com o álbum chegando na sétima posição, um fato raro no mundo da música para alguém tão jovem. A pressão pela repetição do sucesso era enorme, e o inglês não conseguiu repetir a façanha em seu segundo disco, New Masters, de 1967.

O fracasso de New Masters deixou Stevens muito doente, diagnosticado com tuberculose e infarte do pulmão. Com isso, acabou ficando um ano em repouso forçado, boa parte no hospital King Edward VII Hospital em Midhurst, West Sussex. Lá, começou a compor as canções de seu próximo disco, inspirado por uma vida espiritual e praticando Yoga, meditação e estudos de metafísica, além de tornar-se vegetariano. 

Cat, compondo no hospital

Assim, após se reabilitar, entra em estúdio acompanhado de Alun Davies (violão), John Ryan (baixo) e Harvey Burns (bateria), além dos arranjos de Del Newman e da produção do ex-baixista dos Yardbirds, Paul Samwell-Smith, Smith foi o responsável por "limpar" o som de Stevens, com uma alta qualidade sonora que beneficiou a performance folk rock de Stevens.

Mas foi por conta do nome de Peter Gabriel,vocalista e flautista do Genesis, que eu conheci esse discaço, daqueles que marcaram minha formação musical. Ainda hoje, mesmo passado mais de 20 anos da primeira audição, rola fácil na vitrola, sempre causando a mesma sensação de conforto, emoção, prazer e saudade de descobrir um artista, e dos tempos que bons cantores surgiam pelos quatro cantos do mundo. Explicarei o por que de Gabriel adiante.

Patti e Cat
"Lady D'arbanville", homenagem de Stevens a sua namorada americana, Patti D'arbanville é a responsável por abrir os trabalhos, com o dedilhado do violão e o vocal sofrido de Stevens, em uma música que você se apaixona de cara. Basta ouvir essa canção para saber que o que virá pela frente é um álbum espetacular. A percussão e o baixo pulsante são temperos a mais adicionados na canção, a qual considero uma das melhores da carreira de Stevens. "Maybe You're Right" é uma balada pop ao piano, na qual Stevens coloca para fora seus sentimentos, e com um delicado acompanhamento de violão, baixo e arranjos orquestrais.

"Pop Star" é um grande clássico da carreira de Stevens, na qual ele grita para sua mãe "Yes, I'm Gonna Be a Pop Star" sob a levada de baixo e violão, no melhor estilo folk flower power, em uma faixa ótima para agitar luais mundo a fora. O piano sessentista de "I Think I See the Light" nos remete fácil para o primeiro álbum do Genesis, From Genesis to Revelation, e depois que a banda surge acompanhando os vocais de Stevens, é fácil mesmo confundir a canção com algum material perdido do início do famoso grupo de Peter Gabriel. Aliás, Stevens por vezes até emula Gabriel nas vocalizações, principalmente nos trêmolos vocais que o vocalista e flautista fez destaque em sua carreira.

O lado A encerra com outra linda balada ao violão, a tocante "Trouble". A dolorida interpretação de Stevens é de arrancar lágrimas, e o andamento suave de baixo, bateria e piano vão causando uma sensação tão marcante que é impossível descrever com palavras. Certamente, cantar essa canção em um dia de auto-estima lá embaixo fará um bem danado para o corpo e a mente.

Cat, em 1970

A faixa-título surge com violões, maracas e o vocal de Stevens carregado de efeitos, em uma faixa curta e bem experimental, chegando a mais um clássico, "I Wish I Wish", faixa suave, embalada pelo violão e piano, que lembra bastante "Wide World", o clássico citado acima. Destaque para o breve solo de violão por Davies. E eis que surge Gabriel, fazendo breves passagens de flauta na ótima "Katmandu", faixa com apenas o dedilhado do violão de Stevens e seu vocal, e que irá agradar aqueles que gostam de algo na linha de Nick Drake.

O vozeirão de Stevens toma conta da curtinha "Time", com uma levada pesada do violão e uma das melhores letras do álbum, levando a "Fill My Eyes", outra ótima faixa de se cantar em um luau e alegrar a gurizada. Fechando o disco, "Lilywhite" é uma brilhante mensagem de Stevens ao mundo, com o violão e as orquestrações fazendo a cama para o britânico soltar sua voz cheia de paz.

Yusuf Islam

O nome Mona Bone Jakon é um apelido dado por Stevens para seu pênis. "Trouble", "I Wish, I Wish" e "I Think I See the Light" fizeram parte da trilha sonora do seriado Harold and Maude, de Colin Higgins, em 1971 (o filme aqui no Brasil é conhecido como Ensina-me A Viver). A trilha oficial é toda de Stevens, e só foi lançada em 2007. A produção, a cargo de Paul Samwell-Smith, mostra que além das músicas dos Yardbirds, os caras tinham talento também para comandar grandes discos. Foi o álbum que marcou o lançamento da carreira de Stevens nos Estados Unidos. 

Por lá, vendeu quase 1 milhão de cópias em pouco mais de cinco anos, e continua a vender bem, apesar de Stevens ter sido proibido de entrar no país por conta de sua conversão ao islamismo, o que gerou muita polêmica desnecessária, e portanto, não irei tratar aqui. Por fim, é um daqueles álbuns para ser ouvido a vida inteira, em qualquer momento.

Contra-capa do vinil

Track list

1. Lady D'arbanville
2. Maybe You're Right
3. Pop Star
4. I Think I See the Light
5. Trouble
6. Mona Bone Jakon
7. I Wish I Wish
8. Katmandu
9. Time
10. Fill My Eyes
11. Lilywhite

domingo, 1 de julho de 2018

Supertramp - Parte II


Continuo hoje a apresentar a Discografia Comentada do grupo britânico Supertramp. Com a saída de um dos seus principais membros, Roger Hodgson, coube ao pianista e vocalista Rick Davies continuar o legado da banda, com mais quatro álbuns de estúdio e dois ao vivo. Vamos à eles.

Primeiro álbum sem Hodgson, e com participação de David Gilmour

Com a saída de Hodgson, Davies, John Anthony Helliwell (saxofone, vocais), Bob Siebenberg (bateria) e Dougie Thomson (baixo) cravam o pé na estrada progressiva que era o desejo de Davies, e criam um disco excelente, apesar de muitos ainda torcerem o nariz para Brother Where You Bound até hoje. Lançado em 1985, nele Davies é o nome do disco. A sinistra "No Inbetween", com boa presença do saxofone, e a linda "Ever Open Door", cuja interpretação vocal e técnica ao piano são de emocionar, são alguns de seus melhores trabalhos em toda a carreira, principalmente  a última, onde é apenas ele, piano e sintetizadores. Para quem busca lembranças do passado Trampiano, aconselho ouvir direto "Still In Love", a qual parece saída das gravações de Breakfast in America, essencialmente pelas vocalizações e o saxofone. 
Rick Davies, David Gilmour, Bob Siebenberg, John Helliwell e Dougie Thomson
Temos mais um hit, "Cannonball", faixa dançante, misturando elementos de jazz e pop, onde a presença de sintetizadores é marcante. Os sintetizadores também são o centro das atenções na prog "Better Days", que lembra um pouco algo da The Alan Parsons Project, e inclui vozes da campanha eleitoral americana de 1984. O grande destaque fica para a participação de David Gilmour, fazendo os solos da sensacional faixa-título. Essa foi uma das primeiras "Maravilhas do Mundo Prog" que escrevi aqui pro site, e ainda hoje, é uma das minhas favoritas da banda, sendo com certeza a melhor canção do Supertramp pós-Hodgson. A faixa havia sido composta na época de ... Famous Last Words ..., com dez minutos de duração, mas acabou sendo abortada, em virtude de Hodgson querer afastar-se das tendências progressivas. Foi reconstruída três anos depois, baseada no livro 1984 (George Orwell) e retratando a crise da Guerra Fria, e com mais de dezesseis minutos de duração, ocupa boa parte do lado B. A participação de Gilmour, apesar de curta, é brilhante! Há uma versão demo, até hoje não lançada, com Hodgson nas guitarras. O guitarrista Scott Gorham (Thin Lizzy, Pink Foyd) é o responsável pela guitarra base nessa suíte, que por si só já vale a aquisição de Brother Where You Bound. 

A essencial The Autobiography
Além de Scott e Gilmour, o álbum conta com a participação de Marty Walsh (guitarras), Scott Page (flautas), Doug Wintz (trombone) e Cha Cha (backing vocals). Vigésima posição no Reino Unido, vigésima primeira nos Estados Unidos, e a sensação de que o grupo tinha forças para permanecer sem Hodgson era certa.

O grupo fez uma pequena excursão para promover o álbum, sem incluir nenhuma canção composta por Hodgson. Em 1986, é lançada a coletânea The Autobiography of Supetramp, facilmente uma das melhores coletâneas já lançadas não só pelo grupo, mas por toda a indústria musical. São onze canções, abrangendo apenas os álbuns pós Crime of the Century, e excluindo também Crisis? What Crisis?. Para quem quer conhecer a banda, é altamente recomendável.

O álbum mais eletrônico do Tramp

Free As A Bird, de 1987, é o primeiro, desde Indelibly Stamped, a não ficar entre os 100 mais nos Estados Unidos, sendo realmente o mais fraco do grupo. O quarteto resolve apostar em um som moderno, experimental, voltado para o eletrônico, e contando com a presença da percussão de Steve Reid e de um naipe de metais, formado por David Woodford, Lee Thornburg, Lon Price, Nick Lane e Scott Page. Além dos metais e de Hart, Marty Walsh também participa como guitarrista, e há um grupo vocal de apoio, formado por Evan Rogers, Karyn White, Linda Foot e Lise Miller. O som é bastante peculiar, e tem-se alguns momentos interessantes, no ritmo de "It's Alright", com um bom solo de piano por Davies, na datada mas gostosa de ouvir "Free as a Bird", resgatando o Wurlitzer e os vocais gospel, e a típica faixa Supertramp "You Never Can Tell With Friends", com um bom tempero jazz dado pelos metais. 

Siebenberg, Thomson, Helliwell e Davies. O quarteto remanescente

Por outro lado, existem músicas sem explicação, que são "Not the Moment", a qual parece trilha de um filme mela-cueca da Sessão da Tarde, e "Where I Stand", primeira composição de Davies em parceria com Hart, cuja voz aguda até lembra Hodgson, mas falta algo para convencer os fãs, é de arrepiar os cabelos e se pensar: "Sério que isso é Supertramp?". No meio termo, faixas sem sal ou açúcar como "I'm Beggin' You", que até alcançou certo status nas paradas dos EUA, "It doesn't Matter" e "Thing For  You", que pouco agregam na carreira do Supertramp. A exceção em todo o disco é "An Awful Thing To Waste", faixa com inspirações progressivas, apesar do excesso de eletrônicos, mas que dá para se perceber que ainda havia uma veia prog pulsante nos britânicos, nessa que é disparada a melhor faixa do álbum. Aos colecionadores, existem quatro versões desse álbum lançadas no formato vinil, com capas em azul (a mais comum), rosa, verde e amarelo.

Supertramp em 88. Brad Cole, Marty Walsh, John Helliwell, Mark Hart e Steve Reid (acima). Bob Siebenberg, Dougie Thomson e Rick Davies (abaixo).

O ao vivo Live 188
A turnê de promoção de Free as a Bird trouxe pela primeira e única vez o Supertramp ao Brasil, durante duas apresentações no Hollywood Rock, abrindo a turnê tendo na formação Davies, Helliwell, Thomson, Siebenberg, Hart, Walsh, Brad Cole (teclados, saxofone) e Steve Reid (percussão). Essa formação está presente no segundo ao vivo, Live '88, com Hart interpretando as canções de Hodgson, e destacando-se as covers para "Hoochie Coochie Man" (Willie Dixon) e "Don't You Lie To Me (I Get Evil)" (Tampa Red), não presente no vinil, além dos registros ao vivo exclusivos para "It's Alright", "Not the Moment" e "Free as a Bird". O CD conta também com "Bloody Well Right". Destaque para a contra-capa, com Davies narrando as peripécias dos shows no Rio e em Sampa, e de sair do calorão brazuca para o intenso frio canadense.

Disco de ouro por Brother Where You Bound

O grupo dá uma pausa, sendo que muitos acham que era o fim. Eis que em 1993, Hodgson e Davies voltam a se encontrar, nessa feita para se apresentar durante um jantar em homenagem a Jerry Moss, co-fundador da A & M Records. Na noite de 14 de abril de 1993, no Hotel Beverly Hills Hilton, Hdgson, Davies e John Helliwell, acompanhados de Jeff Daniel, deixaram as diferenças de lado e interpretaram "The Logical Song" e "Goodbye Stranger". Os chefões voltaram a trabalhar juntos, mas divergências contratuais acabaram com o sonho de reunir a formação clássica do Supertramp. De qualquer forma, Davies seguiu com o timão em mãos, e agora como um octeto, lançou o décimo disco de estúdio da banda, em 1997.

O ótimo disco como octeto

Aproveitando "You Win I Lose" and "And the Light" das composições do reencontro com Hodgson, um novo Supertramp surge em Some Things Never Change, de 1997. Agora, há um octeto, mantendo Davies, Helliwell e Siebenberg, ao lado de Hart (efetivado finalmente), Cliff Hugo (baixo), Lee Thornburg (trompete, trombone e backing vocals), Carl Verheyen (guitarras) e Tom Walsh (percussão). Participam como convidados Bob Danzinger (kalimbas) e a dupla de apoio vocal Karen Lawrence e Kim Nail. A primeira faixa até pode-se imaginar a voz de Hodgson, principalmente durante o refrão, tendo um ritmo próximo ao reggae. A segunda, com Walsh na bateria, é daquelas baladas suaves comandadas pelo Wurlitzer, e destacando o vozeirão de Davies. Aliás, para quem acha o Wurlitzer o principal instrumento do Supertramp, divirta-se com "Get Your Act Together" e "Listen To Me, Please", cantada em dueto por Davies e Hart.  

Mike Hart, Lee Thornburg, Carl Verheyen, Rick Davies, John Helliwell, Bob Siebenberg, Cliff Hugo e Tom Walsh

Aprecio bastante a introdução de "It's a Hard World", onde o baixo de Hugo se destaca, e a canção em si, ao longo dos seus quase dez minutos de duração, nos remete aos bons tempos de inspirações progs da banda. Outras faixas que gosto são as experimentações jazzísticas dos mais de oito minutos de "C'est What?", o bluesaço "Help Me Down That Road", a balada "Live To Love You", e o ritmo dançante de "Give Me A Chance", cantada exclusivamente por Hart. Ele também é o vocal central de "Sooner or Later", que junto com a faixa-título, é daquelas faixas que não desagradam, mas também não animam. Por outro lado, "Where There's a Will" fecha o álbum com chave de ouro, e uma interpretação vocal magnífica por Davies. Peca por ser um álbum longo (70 minutos), mas está bem acima de seu antecessor em termos de preferência. Da sua turnê de Some Things Never Change pariu o terceiro ao vivo, It Was The Best of Times (original de 1999, posteriormente lançado em 2006, no formato simples, como Live '97), e mais um longo hiato surge pela frente.



Último álbum, até o momento


Depois de cinco anos, o Supertramp volta com Slow Motion (2002), tendo uma modificação em relação a formação anterior, com Jesse Siebenberg no lugar de Tom Walsh. "Goldrush" é uma canção dos tempos da primeira formação da banda, com Richard Palmer-James, e tem um climão bem flower-power. Esta era a faixa de abertura dos shows da banda até Crime of the Century. Há canções que nos remetem direto aos anos 70, como o Wurlitzer de "Broken Heart", boa canção com uma pegada blues, da faixa-título e de "A Sting in the Tail", que ainda apresenta uma harmônica muito idêntica a de "School". 

Supertramp ainda como octeto: Verheyen, Siebenberg, Thornburg, Davies, Hart, Hugo e Helliwell

Outras, seriam melhor se lançadas em um disco solo de Davies, e aqui ficam "Little By Little", "Over You", nas quais faltam uma coesão musical para agradar os ouvidos por completo. Gosto do ritmo e das variações de "Bee In Your Bonnet", que poderia estar em discos como Brother Where You Bound ou ... Famous Last Words .... Destaque para as longas "Tenth Avenue Breakdown" e "Dead Man's Blues", que fazem florescer vestígios do Supertramp progressivo. Na primeira, uma jazzística faixa comandada pelo piano e pelo trompete, destacando o maravilhoso naipe de metais. A segunda, ótima criação de Davies, com o piano martelando nossa cabeça, perfeita participação do hammond, e fantásticos solos de saxofone e trompete, encerrando o disco em alto nível. Foi vendido nos Estados Unidos somente através do site oficial da banda e não conseguiu posição relevante nos charts.


Supertramp em 2002: Cliff Hugo, John Helliwell, Jesse Siebenberg, Rick Davies, Carl Verheyen, Lee Thornburg, Bob Siebenberg e Mark Hart

Como complemento, cito as coletâneas The Very Best of Supertramp (1990), The Very Best of Supertramp 2 (1992), e Retrospectacle – The Supertramp Anthology, lançada em 2005 e resgatando o raro compacto "Land Ho" / "Summer Romance", lançado em 1975. Também destaco o ao vivo Is Everybody Listening? (2001), com uma apresentação do grupo em 1975, apesar de creditado como um show em Ohio em 1976, além da série de lançamentos 70-10 Tour, os quais saíram no formato Instant Live após os shows da turnê de 40 anos. Apesar de ambos afirmarem não haver possibilidades, os fãs não perdem a esperança de um dia voltarem a ter no mesmo palco Rick Davies e Roger Hodgson, líderes de uma formação com um passado glorioso e de grandes feitos, músicas e sucessos.
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