quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Mutantes Parte III

Antes da saída dos Mutantes, Rita ainda registrou o compacto "Mande um Abraço pra Velha", uma das melhores composições do grupo, que infelizmente ficou reservada à relíquia de colecionadores. Nela, Arnaldo introduz com seu órgão uma sessão calma, bem lenta, onde a banda começa a narrar a história de suas partcipações em festivais, contando que "já faz tempos pacas que eu não vinha aqui cantar num festival ...". A música muda de ritmo, virando um sambão onde o conjunto canta "manda um abraço pra velha e diga pra ela se catar". Uma hironizada na letra da marchinha "Cachaça" (aquela que diz: "se você pensa que cachaça é agua ...") e a música entra, após o refrão, em um climão super psicodélico, com o baixo de Liminha participando forte enquanto Arnaldo delira nos teclados. Enfim, a faixa termina de forma harmoniosa, com os três integrantes originais cantando o refrão e a tecladeira comendo solta. Uma jóia do cancioneiro Mutante.
Incursão ao progressivo com O A E O Z

Rita partiu dessa pra uma melhor (seguindo carreira com o Tutti Frutti), enquanto os quatro integrantes restantes trancaram-se no estúdio para a realização de uma obra conceitual, o álbum "O A E O Z", que originalmente era para ser um álbum duplo com um dos LPs sendo totalmente preenchido pela faixa "O A E O Z". Porém, o disco acaba não sendo lançado devido ao fato de a gravadora da banda considerá-lo anti-comercial (detalhe, o Yes fez o mesmo com "Tales From Topographic Oceans" e se tornou o disco mais vendido dos ingleses).
Sérgio Dias, Manito, Liminha e Dinho

Era o ano de 1973 e Arnaldo então saía dos Mutantes, cansado principalmente dos seus abusos, com problemas de saúde, e foi lançar o maravilhoso "Lóki?", onde levou consigo Liminha e Dinho. Por um tempo Liminha e Dinho permaneceram com Serginho e o novo tecladista, o multi-instrumentista Manito. Dinho foi o primeiro a sair, sendo substituído por Rui Motta, enquanto Manito não durou muito também, sendo substituído por Túlio Mourão. A banda entrou em estúdio para a gravação de um novo LP, mas, no meio destes, Liminha saiu, sendo substituído por Antônio Pedro de Medeiros.
Tudo Foi Feito Pelo Sol: inspiração em Yes
Com essa formação, lançam em 1974 o álbum "Tudo Foi Feito Pelo Sol". Totalmente inspirados por Yes, o álbum já traz de cara uma bela capa, além de músicas muito mais elaboradas e longas. O disco abre com a pesada "Deixe Entrar Um Pouco D'água no Quintal", com todos os integrantes cantando tal qual um "Close to the Edge", do Yes, enquanto Serginho, dono da banda, mostra todo seu talento na sua guitarra Fender. Segue a instrumental "Pitágoras", com um show do tecladista Túlio e Serginho mandando ver no violão. O lado A fecha com a progressivíssima "Desanuviar", com muitas "viagens" e uma letra mais doida ainda.


Túlio Mourão, Liminha, Sérgio Dias e Rui Motta

O lado B traz de abertura um rock and roll mais calmo, "Eu Só Penso Em Te Ajudar", onde Túlio participa bastante no piano, mas mesmo assim existem intervenções bem progressivas, com o moog entrando em certos momentos de forma brilhante. O clima volta a ficar pesado com "Cidadão da Terra". A introdução mostra o trabalho de harmonia que a banda desenvolveu, com teclado, guitarra e baixo duelando forte, enquanto Rui segurava as pontas. Aliás, Rui é um dos grandes bateristas do rock nacional e merece todo o respeito da nação rockeira. Um belo solo de teclado também chama a atenção nessa faixa. 


O rock simples de "O Contrário de Nada é Nada" dá espaço para mais uma viagem, a faixa-título "Tudo Foi Feito Pelo Sol". Bem no clima de" O A E O Z", a banda constrói uma bela canção em quase nove minutos de uma excelente harmonia, improvisos e técnica, terminando em um quase jazz que, regado a um bom uísque, conquistou inúmeros fãs por todo o Brasil, mas desagradou aos mais tradicionais, que preferiam o humor de Rita e a genialidade de Arnaldo.


O grupo então passou a dedicar-se mais a shows, os quais, talvez pelo sucesso do progressivo em nossas terras, estavam sempre lotados de fãs ardorosos, mesmo com o álbum não tendo vendido muito. Além disso, os Mutantes viraram uma referência nacional para diversas bandas que começavam a surgir, como Módulo 1000, Som Nosso de Cada Dia, O Peso e Terreno Baldio, sendo sempre convidados para o encerramento de grandes festivais, como o Hollywood Rock de 1975.
Último LP dos Mutantes
Em 1976 o grupo sofreu uma nova reformulação, agora contando com Luciano Alves nos teclados e Paulo de Castro no baixo, ambos, ex-membros do grupo Veludo Elétrico. Durante esse período, realizaram uma temporada de shows no Museu de Arte Moderna, onde foi registrado o primeiro álbum ao vivo, intitulado somente "Ao Vivo". Infelizmente, a gravadora novamente podou o disco, mas dessa vez lançou o mesmo, só que de uma forma diferente do que era previsto (uma versão simples ao invés da versão dupla) e contendo inúmeros cortes nas faixas, que, se no show duravam quase dez minutos, passaram a ter pouco mais de 3 ou 4 na versão final do LP, desagradando a todos. Mesmo assim, o álbum trás um ótimo material (servindo de base para colecionadores buscarem bootlegs dessa época), como "Sagitarius", "Esquizofrenia", "Tudo Explodindo" e a clássica "Rock'n'Roll City".


Luciano Alves, Rui Motta, Paulo de Castro e Sérgio Dias

Serginho seguiu com o grupo até 1978, passando por diversas reformulações. O último show, realizado na cidade de Ribeirão Preto, acabou sendo registrado no bootleg "Transmutation", cobiçado até mesmo na Europa. Serginho seguiu uma carreira solo de não muito sucesso, mas continuou a mostrar seu talento e a ser reconhecido, principalmente nos EUA e na França.

Na década de 80 inúmeros boatos de uma reunião do trio original surgiram, mas os graves problemas de saúde de Arnaldo, bem como o ego de Rita, nos privaram (e privam) dessa improvável reunião.



Nos anos 90 um revival Mutante ocorreu, devido a pessoas como Sean Lennon, Kurt Cobain e David Byrne, que levaram os álbuns dos Mutantes para o exterior, fazendo com que muitos brasileiros voltassem a ouvir o som do grupo novamente. O disco "O A E O Z" finalmente foi lançado, porém numa versão mais compacta, com metade das músicas, mas fica claro que o trabalho que a banda realizou no ano de 1973 era muito bom, em músicas como "Rolling Stone", "Ainda Vou Transar com Você" e as três partes da suíte "O A E O Z": "O A E O Z", "Hey Joe" e "Uma Pessoa Só", onde a idéia de um grupo unido é pregado de forma veemente, e o belo trabalho da banda é destaque certo para aquele fã que deseja conhecer o que de bom foi feito no Brasil . Até hoje espera-se o resto da obra, mas poucos sabem o que pode acontecer (ou na verdade o que aconteceu) com o material original.

O resgate do material gravado na França

O álbum gravado na França também foi lançado, no ano de 2000, com o nome de "Technicolor", trazendo as versões que saíram no "Jardim Elétrico" e mais diversas regravações em inglês para músicas como "Panis Et Circensis", "She's My Shoo-Shoo" ("Minha Menina"), "I'm Sorry Baby" ("Desculpe Baby"), "I Feel a Little Spaced Out " ("Ando Meio Desligado"), entre outras.

A volta do grupo em 2006
Em 2006 o grupo se reuniu para um show comemorando os 40 anos da Tropicália, contando com Serginho, Arnaldo, Dinho e mais Zélia Duncan nos vocais. Liminha e Rita infelizmente não quiseram participar da reunião, que acabou sendo registrada no CD "Live At Barbican Center" e que durante o ano de 2007 rodou nosso país, arrancando lágrimas de muitos fãs (inclusive quem vos escreve).

Atualmente Serginho mantém a banda, sem Arnaldo e sem Zélia, mas ainda ao lado de Dinho Leme e com a vocalista Bia Mendes. Lançaram o single "Mutantes Depois" em abril do ano passado, o qual se tornou a primeira composição dos Mutantes a ser gravada depois de trinta anos.

Os Mutantes mostraram ao Brasil e ao mundo como era possível fazer um som excelente em um país tão precário em termo de apoio à cultura, sendo reconhecidos de forma unânime como a maior banda do rock nacional e uma das principais bandas do mundo.

E que a cidade do rock and roll prossiga andando a favor do tempo!!
 

 

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Mutantes Parte II

Os Mutantes já tinham se tornado a maior banda do rock nacional. O sucesso de seu segundo álbum, regado com as diversas participações em festivais, fizeram com que Rita Lee se tornasse uma musa para os fãs, chamando a atenção também de diversas gravadoras.

Nos festivais, os Mutantes começaram a ganhar notoriedade desde o início, como citado na primeira parte. Em 1968 eles acompanharam Caetano na interpretação de "É Proibido Proibir", no II Festival Internacional da Canção, organizado pela Rede Globo. No mesmo festival eles defenderam uma canção própria da banda, no caso "Caminhante Noturno", o que gerou certas turbulências para a emissora, já que diversos compositores enviaram um abaixo-assinado para a mesma protestando contra a participação dos Mutantes. 

"Dom Quixote" foi defendida no IV Festival da Música Popular Brasileira, organizado pela Record, e contou com a participação do grupo Anteontem 56 e meio, o qual era o embrião da famosa Joelho de Porco. A banda ainda registraria o compacto "Glória Ao Rei dos Confins do Além", em 1968, e faria uma ponta no filme "As Amorosas", onde interpretaram "Misteriosas Rosas Brancas" e "O Tigre", sendo que Rita teve um papel de, digamos, destaque em comparação aos demais integrantes dos Mutantes.
Primeiro disco com Liminha
Após o lançamento de "Mutantes", foram convidados a participar de uma feira na França, onde apareceram até na TV do país, agora contando com o novo integrante, Dinho, na bateria. A passagem pela França influenciou direto os garotos, que voltaram a mil para o Brasil, lançando o antológico e marcante "A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado". Já na capa, uma visão do inferno de Dante, com Arnaldo saindo de uma tumba feita de isopor e com muito gelo seco, mais uma idéia do irmão Cláudio. 


O disco abre com a clássica "Ando Meio Desligado", com o riffzão chupado de alguma banda da década de 60. Essa é com certeza a mais famosa canção da banda. "Quem Tem Medo de Brincar de Amor" mostra como os Mutantes haviam evoluído musicalmente. Agora não precisavam mais dos arranjos de Duprat ou das letras de Caetano e Gil. O carisma de Serginho, a genialidade de Arnaldo e a voz de Rita eram instrumentos que podiam seguir por si só, e essa é uma canção que mostra bem isso, com Rita entoando um "inglês-americano" no meio de uma bossa nova, que se torna um rockzão pesado com riffs grudentos. 


Aliás, Serginho nesse álbum especializou-se em criar riffs. "Ave Lúcifer" é uma balada que traz Rita nos vocais cantando de forma fenomenal, seguida por mais uma balada, "Desculpe Babe" (teria Arnaldo feito essa canção em homenagem à Rita?). "Hey Boy", composta juntamente com Élcio Decário, é uma canção que mostra a parte "jazzística" da banda, lembrando as tradicionais bandas de jazz da década de 40. 


Por fim, a melhor música do álbum, o bluesão "Meu Refrigerador Não Funciona", composta pelo trio original e que foi uma das canções de maior trabalho para ser gravada, tudo por que durante a estada na França Serginho e Arnaldo viram um show de Janis Joplin e decidiram que uma música similar aquilo teria que ser feita. Rita ficou horas e horas no estúdio dando o máximo de si para alcançar as notas mais difíceis, e, enquanto os irmãos não estavam satisfeitos, ela permanecia. O resultado, bem, o resultado é a mais brilhante interpretação de Rita em todos os tempos. Realmente é de chorar!!


O lado B abre com dois covers: "Preciso Urgentemente Encontrar Um Amigo" (de Roberto e Erasmo Carlos) traz Arnaldo infernal nos teclados, enquanto "Chão de Giz", de Silvio Caldas, marcou a banda, já que nesta eles destroem (literalmente) um clássico da seresta brasileira, com helicópteros, bandinhas de soldados, metralhadoras, entre outros barulhos que satirizam a letra da canção. Diversas lojas acabaram não vendendo o vinil ou então arranhando a faixa (como, por exemplo, foi feito no disco da Blitz anos depois) e muitas donas de casa levaram o álbum para ser queimado ou quebrado em praça pública. Enfim, os Mutantes queriam mesmo era escandalizar e não seria isso que iria afetar eles. 


"Jogo de Calçada" trás uma letra adolescente, lembrando os dois primeiros álbuns. Já "Haleluia", com o órgão de Arnaldo soando como uma igreja, é mais uma das canções em que os Mutantes mostram seu talento. Um soulzão bem ao estilo Otis Redding e que serve de base para o ótimo encerramento com a cavernosa instrumental "Oh! Mulher Infiel", onde Arnaldo mostra que, se era pra tocar teclados, então ele realmente iria fazer. O disco teve o acompanhamento do baixista Liminha, mas o mesmo só se tornou integrante da banda a partir do próximo álbum.

A estreia solo de Rita

Antes disso foi lançado o primeiro trabalho solo de Rita Lee. "Build Up" tem a participação dos Mutantes em todas as faixas, mas, perto do que eles haviam feito com "A Divina Comédia ...", é um álbum relativamente fraco.


Se em "A Divina Comédia ..." os Mutantes rasgaram o cordão umbilical que os prendia a sua carreira inicial, foi em "Jardim Elétrico" que se tornaram respeitados também como músicos. O álbum começou a ser gravado em uma nova incursão pela França. A idéia era lançar os Mutantes como banda também na Europa, fazendo então um álbum totalmente voltado para a indústria fonográfica européia. O problema barrou na falta de critério para a seleção das músicas, bem como na falta de apoio financeiro para os integrantes (que agora já eram cinco) permanecerem na França. O álbum ficou engavetado por anos, sendo lançado somente em 2000 com o nome de "Tecnicolor".

Primeiro disco como quinteto


Voltando ao Brasil, participaram do Som Livre Exportação e excursionaram por várias cidades do país, além de estarem cada vez mais envolvidos com o LSD. Nessa época decidiram criar uma "comunidade mutante" na serra da cantareira (o que viria a ser copiado depois pelos Novos Baianos), onde passaram a se chapar e ensaiar (não nessa mesma ordem) direto. O ponto de extase era tão grande que certo dia o caminhão de som da banda pegou fogo e eles nem perceberam. Enfim, no início de 71 lançam o álbum "Jardim Elétrico", com os cinco integrantes posando na contra-capa. O álbum traz algumas canções gravadas na França ("Vírginia", "El Justiciero" e " Tecnicolor") e outras compostas já na fase cantareira.


De abertura, mais uma clássica. "Top Top" era um bom meio de mandar alguém se fu ... naquelas épocas, e virou hit de rádio (um dos primeiros aliás). "Benvinda" era uma sátira a Tim Maia, como o próprio encarte do LP já avisava. Arnaldo está impecável na imitação do famoso cantor. "Tecnicolor" é uma das mais viajantes do álbum. Cantada em inglês, trás Serginho tocando cítara e um embalo parecido com os Mamas & Papas. "El Justiciero" é um bolero cantado em espanhol, com letra hironizante em frases como "la guerra me estrupato tanto", entre outras. 


A balada "It's Very Nice pra Xuxu" mostra mais uma vez Arnaldo detonando nos vocais e teclados. Aliás, nesse álbum começaram a surgir os problemas de ego da banda, já que Arnaldo começou a abusar demais das drogas e também do seu controle emocional. "Portugal de Navio" (que pode ser interpretada também como a famosa frase da sigla PQP) encerra o lado A de forma mais uma vez jazzística, tal qual "Hey Boy".


O lado B abre com a balada "Virgínia", no melhor estilo Beach Boys do início dos anos 60. "Jardim Elétrico" é um super rock (podendo ser até interpretado como metal) onde o baixão de Liminha marca forte a canção, enquanto a tecladeira e a guitarra tomam conta. "Lady Lady" é mais uma balada simplista, que somente abre espaço para mais um rockzão de primeira, chamado "Saravá". Os três integrantes cantando juntos faz da canção ainda mais forte, tornando-a uma das melhores do álbum. Por fim, uma versão bossa nova de "Baby", cantada em inglês, encerra o disco de forma calma, suavizando a cabeça de qualquer rockeiro que tenha ouvido o trabalho inteiro desde o seu início.


"Jardim Elétrico" foi uma pedrada nos críticos, que diziam que os Mutantes era somente Rita Lee. Arnaldo está impecável nos teclados e Serginho nas guitarras, enquanto a cozinha, com Liminha e Dinho, funcionou muito bem. Rita se tornava cada vez mais "um membro" da banda, sendo que o seu único talento realmente era a voz.

Com o passar do tempo na Cantareira, os Mutantes decidiram se embrenhar em uma turnê pelas cidades do interior de São Paulo, munidos de seus instrumentos e de um ônibus. Esses shows começaram em Guararema (onde foram tiradas as fotos que aparecem no segundo álbum solo de Rita) e passaram por mais algumas cidades.


O último LP com Rita

Após essa rápida turnê, a banda gravou seu quinto e mais controverso álbum, "Mutantes e seus Cometas no País dos Baurets", no início de 1972. O disco já começou a ter problemas de cara com a censura, que podou a faixa "Cabeludo Patriota", a qual teve o nome alterado para "A Hora e a Vez do Cabelo Nascer". Além disso, o álbum mostrava que, com exceção de Rita, os Mutantes estavam sendo guinados para a nova vertente musical que crescia na Europa, o rock progressivo, sendo influenciados diretamente por Yes e Pink Floyd.

Mesmo assim é um grande disco, e para muitos fãs (eu incluso) o melhor da banda. O lado A abre com o rockzão "Posso Perder Minha Mulher, Minha Mãe, Desde Que Eu Tenha o Meu Rock 'N' Roll", cantada por Arnaldo, que lembra muito as primeiras canções da banda. Segue "Vida de Cachorro", onde Rita está mais sensual do que nunca com sua voz. "Dune Buggy", outra cantada por Arnaldo, traz o mesmo pilotando um moog que havia adquirido há algum tempo. "Cantor de Mambo", também com Arnaldo, é um mambozão mesmo, tentando seguir a linha de "El Justiciero" em canções latino-americanas, e com uma letra tão sacana quanto. "Beijo Exagerado" é outro rockzão de primeira e "Todo Mundo Pastou" encerra o lado A debochando de todos aqueles que criticavam a banda, ou seja, vai todo mundo pastar.

O lado B já abre com mais uma clássica, "Balada do Louco". Considerada por muitos a obra-prima de Arnaldo, essa canção virou símbolo dos estudantes e músicos contra a ditadura brasileira. Uma pérola que com certeza deve estar entre as melhores letras da música brasileira. Mais um "metal" surge em nossos ouvidos, agora com "A Hora e a Vez do Cabelo Nascer", que viria a ser regravada anos depois pelo Sepultura no álbum "Sanguinho Novo". "Rua Augusta", de Hervé Cordovil, é uma versão debochada para o clássico da pompéia paulistana, famosa na voz de Celly Campello. 


Por fim, a maior viagem da banda até, a faixa-título "Mutantes e seus Cometas no País dos Baurets". Com seus mais de dez minutos de muita doideira, a faixa abre com o órgão de Arnaldo, como um "Fantasma da Ópera", preenchendo lenta e agonizantemente os canais do ouvinte, com a guitarra de Serginho soltando agudos cavernosos em cada participação do órgão, até os dois começarem a duelar, com o acompanhamento da bateria. O baixo de Liminha então faz o acompanhamento junto a Dinho para um longo solo de Arnaldo tanto no moog quanto no órgão. Após alguns riffs, a música muda para um jazz de primeira, onde Serginho relembra o velho Slam Stewart, solando sua guitarra e acompanhando o solo com a voz. Fenomenal!!! 


Após a magnífica participação de Serginho, a música começa a viajar, com Arnaldo mais uma vez destruindo no órgão, até atingir um extase de canção de igreja, onde os integrantes finalmente começam a cantar, entoando a letra de "Tempo no Tempo", do primeiro álbum. Os riffs do meio da canção voltam novamente, terminando a faixa com mais um belo solo de Serginho. Realmente essa faixa fugia dos padrões mutantísticos, e é daquelas "ame ou odeie", mas que, de uma forma ou de outra, mostrava para todos o quão Rita estava sendo desnecessária para a banda naquele ponto. O disco encerra com mais uma versão para "Todo Mundo Pastou", mas isso era o de menos, o "orgasmo musical" já havia sido obtido na música anterior.

A última participação entre Rita e os Mutantes
Descontente com o que estava acontecendo, não só com a banda mas também com sua vida pessoal (Arnaldo tornava-se cada vez mais agressivo e infiel), Rita passou a projetar sua carreira solo. Ainda em 1972 foi lançado o seu segundo disco, "Hoje é o Primeiro Dia do Resto da sua Vidas", que também conta com a participação dos Mutantes e é bem melhor que o primeiro. Esse LP tem pérolas como "Tapupukitipa", "Beija-Me Amor" e Superfície do Planeta", mas o que parecia uma realidade acabou tornando-se uma ilusão.

Rita não tinha mais moral nenhuma com a banda. Em uma ida à Europa, voltou com um minimoog e um mellotron, mas quando foi tentar usar em um ensaio virou alvo de chacota por parte dos outros integrantes. Além disso, problemas internos como falta de criatividade, briga com empresários e também os excessos de Arnaldo fizeram com que no final de 72 Rita pedisse o boné (ou os Mutantes dessem o boné para Rita, ninguém sabe realmente o que aconteceu), seguindo uma carreira solo de sucesso, enquanto os demais passaram a dedicar somente a virtuose e ao progressivo, esquecendo o passado de vez. 



Segue, sem o cigarro, mas com muito rock and roll ...

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Mutantes Parte I

Voltando da Argentina, me deu uma saudade imensa de nosso rock nacional brasileiro. Dentre todos, disparado o mais importante nome foi a banda formada pelos irmãos Sergio Dias (Serginho, guitarras e vocais) e Arnaldo Baptista (baixo, vocais), juntamente com Rita Lee (vocais, flauta, teremim, percussão).O embrião dos Mutantes estava no grupo O'Seis. Para quem não conhece a história, em São Paulo, meados dos anos 60, o rock and roll era muito cultuado pelos jovens da cidade, os quais tinham acesso a inúmeras bandas, como Beatles, Stones e Elvis Presley. 

Six Sided Rockers


Quem tinha um pouco mais de dinheiro conseguia os vinis e compactos diretamente da Europa, o que era o caso dos três citados acima. Duas bandas se fundiram para formar O'Seis: o Wooden Faces, formado por Arnaldo no baixo, Claudio Baptista na guitarra, Raphael Villardi na guitarra e Luiz Pastura na bateria, cujo nome inicial era The Thunders e cujas músicas basicamente incluíam no repertório The Ventures e Duanne Eddy; e o Teenage Singers, grupo vocal basicamente formado por garotas, composto por Rita Lee, Suely, Jean e Beatrice. Serginho veio depois e, com seis integrantes, Serginho, Arnaldo, Rita, Sueli, Villardi e Pastura, surge a Six Sided Rockers, que em pouco tempo virou O'Seis.
Único registro do grupo O'Seis

Em 1966 a banda lançou seu primeiro e único compacto, que contava com a fantástica "O Suicida" de um lado e "Apocalypse" do outro. A letra de "O Suicida" é uma jóia rara na música brasileira da década de 60. Enquanto a maioria dos artistas cantavam temas relacionados ao amor, "O Suicida" trazia uma letra depressiva, de um paulistano que resolve se suicidar no Viaduto do Chá por causa de sua consiência pesada:


Cismei outro dia e quis me suicidar
Fui me atirar do Viaduto do Chá
A turma que passava não queria deixar
A vida pro meu lado estava má


Consciência pesada me mandava pular
Resolvi, então saltei

O carro que passava eu achatei
Minha cabeça se esfacelou
E o chofer lá de dentro gritou

O viaduto quebrou
Ou alguém louco ficou

Em cima do capô o meu corpo jazia
E pela minha face o sangue escorria
Chamaram o meu pai mas veio a minha tia
Levar pro necrotério ela queria
Pois eu já não vivia

Mais um inútil morria

No dia seguinte o enterro saía
Pra Quarta Parada ele se dirigia

Uma flor negra o meu caixão cobria
O túmulo frio a terra cobriu

Foi mais um que partiu
Fui enterrado com a camisa do meu tio

Era meia noite quando eu quis sair
A cova era apertada para eu dormir
Eu era um fantasma e quis conversar
Com alguém que estava sentado a fumar
Era uma caveira vulgar
Não pode nem me assustar



A letra de "Apocalipse" trata de outro tema forte, a loucura, nesse caso de um cidadão que destrói o mundo ao seu redor e depois arrepende-se por ver que ficou sozinho.

Mesmo com o tom macabro, um certo deboche está contido nas letras, o que veio a se tornar mais forte com a saída de Mogguy (que substituíra Suely), Villardi e Pastura. Na verdade, o que ocorreu foi o seguinte: o empresário do O'Seis era um cidadão chamado Toninho Peticov. Porém, Arnaldo ficou muito insatisfeito com a produção do mesmo, e já havia feito um contato com Asdrúbal Galvão. Então Arnaldo, Rita e Serginho assinaram um contrato com Galvão, excluindo Mogguy e Pastura. Ao saber da decisão dos demais integrantes, Villardi pulou fora e disse não confiar em Galvão, até porque ele era namorado de Mogguy. 



Enfim, meses depois nascia Os Mutantes. Galvão acabou sendo um dos responsáveis pelo nome da banda. Ele havia sugerido dois: Os Bruxos e Os Mutantes. Ronnie Von colocou o nome de Os Bruxos em sua banda, ficando então Os Mutantes para o jovem trio. Ronnie também foi o responsável pelo batizado do grupo na parte de gravação, que viria a ser no álbum "Ronnie Von No 3", além de tornar a banda uma das atrações de seu programa de TV, "O Pequeno Mundo de Ronnie Von", da Rede Record.  


Em 1967 o diretor da emissora resolve desmantelar a programação do canal, o que fez com que Os Mutantes saissem de lá, voltando sua participação para os bons e velhos festivais que ocorriam na época. Em um deles conhecem o maestro Rogério Duprat, além dos Baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil. 


A proximidade foi imediata, e Os Mutantes viraram a banda de apoio de Gil, interpretando várias canções em diferentes eventos, mas a imagem mais famosa seria a de Serginho empunhando uma guitarra elétrica no III Festival da Música Popular Brasileira durante a canção "Domingo No Parque", deixando a platéia e o júri furiosos com tamanha atitude (que coisa ridícula, fala sério). A questão dos festivais falarei com mais detalhes na segunda parte.

Primeiro registro vinílico a contar com os Mutantes

Em 1968 a banda participa de quatro faixas do álbum A Banda Tropicalista de Duprat, "Canção Pra Inglês Ver/Chiquita Bacana", "The Rain, The Park and The Other Things", "Cinderella-Rockfella" e "Lady Madonna", com destaque especial para "Lady Madonna", já que a mesma ficou muito similar a versão dos Beatles; e também no álbum "Tropicália ou Panis Et Circensis", nas faixas "Panis Et Circensis", "Parque Industrial" e "Hino Ao Senhor do Bonfim".

O essencial primeiro álbum do grupo

Nesse mesmo ano lançam seu primeiro álbum, "Os Mutantes". Na época o disco não fez muito sucesso, mas hoje em dia é considerado pela crítica especializada como um dos 50 discos mais inovadores da história, segundo a revista MOJO, ficando na frente de nomes como Beatles, Pink Floyd e Frank Zappa. Além disso, foi eleito pela revista Showbizz como um dos 10 melhores álbuns do rock nacional de todos os tempos, ficando na quinta colocação. 


O disco abre com a clássica "Panis Et Circensis". Nem preciso falar muito dessa canção, já que, assim como "Ando Meio Desligado", "Panis ..." se tornou um hino para os fãs de Mutantes. O disco segue com outro clássico, a versão para "A Minha Menina" de Jorge Ben, que trás um balanço similar ao de Jorge, mas claro, com as guitarras totalmente distorcidas de Serginho. Detalhe interessante que sempre é importante lembrar: tanto a guitarra de Serginho quanto os efeitos usados na mesma foram construídos por seu irmão, Cláudio. 


"O Relógio" é a primeira composição do trio, mas que não mostra ainda toda a genialidade do grupo. "Adeus Maria Fulô", de Sivuca, mostra como Os Mutantes conseguiam trabalhar diferentes ritmos musicais de forma simples, nesse caso, um baião bem nordestino. "Baby", de Caetano, vem em um clima bem tranquilo, encerrando o lado A com a faixa "Senhor F.", outra composição do grupo, que lembra bastante o tempo de quando eram O'Seis. 


O lado B começa com mais um clássico, "Bat Macumba", a qual se desenvolve somente na levada do baixo e na expressão Bat Macumba sendo suprimida (Bat Macumba, Bat Macum, Bat Ma, Bat, Ba) e depois expandida novamente (Ba, Bat, Bat Ma, Bat Macum, Bat Macumba). Coisas da Tropicália. 


A linda "Le Premier Bonheur du Jour" trás os belos vocais de Rita, mas o destaque maior é Rita fazendo um lindo solo de flauta. Outro destaque importante nessa música é a utilização de um mata-mosquito (aquele que faz o barulho tipo schuift). Aliás, os Mutantes inventavam seus próprios instrumentos. "Trem Fantasma", composta por Caetano (aliás, das onze músicas do disco, quatro foram compostas ou por Caetano ou por Gil, mostrando como eles influenciaram Os Mutantes) é uma das melhores do álbum. Com um ritmo tal qual o andamento de um trem, a música narra a história de um casal de namorados em sua primeira experiência em tal brinquedo. 


Por fim, a pequena estrofe "Tempo No Tempo" (que viria aparecer anos depois novamente no meio da música "Mutantes e Seus Cometas no País dos Bauretz") de John Philips, e a quase instrumental "Ave Gengis Khan" encerram o disco de forma primordial, calcando os pilares de uma carreira que começava muito bem, com um som fortemente influenciado por Beatles e Stones. Além disso, a participação de Duprat foi essencial para que os garotos adquirissem a liberdade que os tornaria mundialmente famosos na década de 90.

Fantástico segundo LP dos Mutantes


A banda ainda participou de faixas dos álbuns de Gil e Caetano antes de, em 1969, lançar seu segundo disco. Agora retirando o artigo "Os" do nome, "Mutantes" chegou as lojas escandalizando a sociedade paulista e brasileira, já que Rita aparece na capa do disco vestida de noiva, mas com um detalhe: uma noiva grávida (forte para os padrões culturais da época). Na contra-capa, temos os integrantes fantasiados de ETs, sendo que Rita esta com seis dedos. 


Na parte musical, o disco abre com a vinheta de Duprat para "Dom Quixote". O sarcasmo das letras do trio começava a surgir, e o deboche aumentava ainda mais. "Não Vá se Perder por Aí" já mostra a evolução que a banda tinha, saindo um pouco da linha Beatles e entrando um pouco na psicodelia. Detalhe: os três já começavam a usar mais e mais drogas pesadas, principalmente LSD. A bela "Dia 36" trás um vocal agonizante de Arnaldo, e uma nova maneira de se tocar contra-baixo, a lá Jimmy Page, ou seja, usando um arco de violino. 


"2001" foi composta juntamente com Tom Zé, e é outro clássico da banda. Muita gente diz que os caipiras que aparecem em alguns momentos da faixa são os integrantes do grupo, mas na verdade ninguém se lembra o nome dos cidadãos que apareceram no estúdio para fazer tal vinheta. Além disso, essa é uma das poucas músicas em que podemos ouvir Rita usando o teremim. O jingle para a Shell, "Algo Mais", e a bela "Fuga No 2 dos Mutantes" encerram o lado A tão bem quanto começou.

O lado B começa com a pérola que ficou famosa na voz de Celly Campelo, "Banho de Lua", em uma versão bem mais rock e sensual. "Rita Lee" tornou-se um símbolo do deboche dos Mutantes, já que nela o alvo são eles mesmos. "Mágica" trás citações de Stones. "Qualquer Bobagem", e os vocais gagos de Arnaldo, trazem um Arnaldo tocando, e muito, seu órgão Hammond, o que viria a influenciar na mudança de formação da banda. Por fim, mais uma pérola, "Caminhante Noturno", com seus arranjos instrumentais perfeitos e ótima harmonização vocal. 



A contribuição de Duprat nesse álbum diminuiu consideravelmente, mas o que não diminuiu o trabalho dos garotos, pelo contrário, eles já estavam prontos para galgar horizontes maiores. Segue, caminhante, antes da noite morrer ...

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Arnaldo Baptista



Um gênio. Essa é a melhor definição para Arnaldo Baptista. Mentor, criador e líder dos Mutantes, Arnaldo mostrou que conhecia, e muito, de música durante a curta carreira da banda, mas foi justamente fora dela que conseguiu expressar todo o seu sentimento e musicalidade em discos seminais do rock brasileiro.

Após as gravações do excelente, mas controverso, álbum "O A E O Z", Arnaldo brigou com o seu irmão, Sérgio Dias, e decidiu partir para uma carreira solo. Meses antes Arnaldo havia terminado o seu relacionamento com aquela que seria a maior influência para o seu primeiro álbum solo, chamado "Lóki", e cujo nome era Rita Lee (sim, a mesma dos Mutantes). Esse é um dos principais álbuns dos anos 70 em todos os sentidos. Foi o primeiro álbum gravado de forma totalmente anti-comercial, não fez o mínimo sucesso, mas revela o mais puro sentimento que um ser humano pode sentir perante outro.



O álbum começa com o piano introduzindo a espetacular "Será Que Eu Vou Virar Bolor?", onde Arnaldo mostra a Rita toda sua raiva e mágoa por vê-la partir, em frases como "não gosto do Alice Cooper" (Rita teve um caso com o guitarrista de Alice quando este esteve no Brasil) e "onde é que está meu rock'n'roll". Esse som já mostra como todo o álbum irá soar, um último suspiro de Arnaldo perante sua difícil relação entre sucesso e mulheres.
Segue "Uma Pessoa Só". Chupada do não lançado (na época) "O A E O Z", Arnaldo apoiou-se nos arranjos de Rogério Duprat e regravou essa canção da sua forma, a qual não é tão boa quanto a versão original, mas se encaixa no contexto do álbum e muito bem. "Não Estou Nem Aí" é a primeira a contar com os vocais de Rita. Arnaldo mostra o quanto Rita faz falta à ele, dizendo "num mundo de cristal, num sonho surreal, a vida, a morte, o amor" e que "não estou nem aí pra morte, eu quero mais é decolar toda manhã".

"Vou Me Afundar Na Lingerie" é uma bela balada com o acompanhamento preciso de Liminha e Dinho (os dois Mutantes que acompanharam Arnaldo nessa incursão). Rita novamente participa nos vocais, enquanto Arnaldo solta frases como "ame-me ou deixe-me em paz". "Honky Tonky" encerra o lado A com um belo solo de Arnaldo ao piano, mostrando que ele não era só um grande letrista e cantor, mas também tinha excelente conhecimento do piano.

O lado B abre com uma direta no queixo de seu irmão. "Cê Tá Pensando Que Eu Sou Lóki?" trás a indignação de Arnaldo com os caminhos que Serginho estava seguindo e a falta que os Mutantes faziam para Arnaldo, através de frases como "a gente andou, a gente queimou, muita coisa por aí, ficamos até mesmo todos juntos reunidos numa pessoa só".

"Desculpe" retoma Rita. Angustiadamente, Arnaldo canta "não sou perfeito, nem mesmo você é". Essa canção é uma das mais lindas do álbum, ficando atrás apenas da próxima, "Navegar de Novo". Em cinco geniais minutos de piano e voz, Arnaldo prevê mudanças no mundo, de forma simples, honesta e sincera. Uma linda melodia com muita emoção faz dessa uma "Monalisa" na obra de Arnaldo, em minha opinião. Essa faixa mostra muito bem todo o sentimento de Arnaldo naquele momento tanto com a vida quanto com aqueles que o rodeava. "Te Amo Podes Crer" trás mais citações para Rita, como "você me deu adeus" e "seria o maior barato tocar seu coração". "É Fácil" encerra o álbum com Arnaldo no violão, dizendo apenas "Eu me amo, como eu amo você? É Fácil". GENIAL!!!

Após "Lóki" a crítica especializada elevou Arnaldo a um grande escalão, mas infelizmente a gravadora não fez uma boa divulgação e o álbum foi pras cucuias em termos de vendas. Porém até hoje ele é considerado um marco entre os lançamentos das décadas de 60/70 (assim como "Revólver" de Walter Franco e a trilogia de Ronnie Von). 

 
Arnaldo e a Patrulha do Espaço

Arnaldo seguiu carreira solo, lançando -se em turnê, ora sozinho ora com a banda Patrulha do Espaço (do baterista Rolando Jr.). Também era comum Arnaldo aparecer no meio dos shows dos Mutantes como um "cowboy tocando piano frenéticamente" no intervalo ou na abertura dos mesmos. Porém não fez nenhum registro oficial até 1981, quando lançou o álbum "Singin' Alone", onde toca todos os instrumentos. Mais maduro, Arnaldo tenta provar a si mesmo que ainda tinha conhecimentos e talentos musicais que o fariam a voltar a ativa.


 


O disco começa com a clássica e bela "I Feel In Love One Day", com Arnaldo cantando em inglês e de forma bem diferente do que em "Lóki" (muito mais técnico e não utilizando tanto sua emoção). Segue "O Sol" e "Bomba H Sobre São Paulo", com Arnaldo mandando ver no piano. "Hoje de Manhã Eu Acordei" é a mais rock and roll do álbum, que encerra o lado A com "Jesus Come Back To Earth" e "Cowboy", ambas cantadas em inglês (com algumas estrofes em português).

"Sitting On The Road Side" abre o lado B de forma bem humorada, com Arnaldo lembrando os velhos tempos da música na década de 50. "Ciborg" é um rock and roll com um refrão bem grudento. "Corta Jaca" parece aquelas músicas feitas por duplas sertanejas do interior paulista, mas é interessante o trabalho de Arnaldo tanto nos vocais como no piano. "Coming Through The Waves Of Science" é a mais viajante do álbum, com muito peso e até a citação de "Let's Spend The Night Together", dos Stones. "Young Blood" e "Train" encerram o álbum de forma não menos do que brilhante, trazendo o gosto de quero mais ao ouvinte. Vale a pena ressaltar que algumas canções foram compostas em pequenas viagens de Arnaldo entre São Paulo e a cidade de Catanduva, sendo que uma delas, "Corta Jaca" foi composta quando essa viagem foi feita a pé!!

Antes do álbum ser lançado porém, Arnaldo começou a sofrer sérios problemas mentais e acabou sendo internado no Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo, de onde atirou-se do terceiro andar do setor de psiquiatria. Segundo o próprio, ele atirou-se simplesmente por que não sabia onde encontrava-se, mas alguns "tablóides" sugeriram que ele tentou mesmo o suícidio. De qualquer forma, Arnaldo ficou em coma durante alguns meses, sendo liberado em maio de 1982 para seguir um longo tratamento de recuperação ao lado de alguns médicos e de sua nova esposa, Lucinha Barbosa. Essa foi a fase mais complicada de Arnaldo durante toda sua carreira, já que a queda afetou gravemente os movimentos e também a fala de Arnaldo, mas felizmente não afetando sua genialidade. Por fim, a recém lançada gravadora Baratos Afins (do conhecido Luís Calanca) lançou o álbum de forma quase independente, o que contribuiu e muito para o trabalho ser "garimpado" atualmente nos sebos de todo o país.

 
Em 1987 a Baratos Afins lança o controverso "Disco Voador". Arnaldo ainda recuperava-se da série lesão que afetara seu corpo quando gravou esse disco, de forma totalmente caseira, utilizando apenas um sintetizador e sua voz, a qual estava bastante prejudicada. Como advertência, o álbum trazia um anúncio de que somente os fãs deveriam comprar o disco, o qual foi lançado em uma pequena tiragem de cópias. O álbum traz algumas regravações para "Balada do Louco" (uma inglês e outra em francês), bem como "Jesus Come Back To Earth" (agora chamada "Jesus Volte A Terra"). No mais, temos um esforçado Arnaldo tentando voltar a cantar, mas que, como o disco já anuncia, somente fãs reais devem compreender o que está nesse disco. Para aquele que não é fã, vale pela raridade e também pela bela arte do álbum (feita pelo próprio Arnaldo).

 
Um ano depois, a mesma gravadora lançou algumas gravações de Arnaldo com a Patrulha durante a década de 70, vindo para nós o excelente "O Elo Perdido". O disco contém pérolas do cancioneiro Arnaldiano, começando com a linda "Sunshine", uma das melhores letras feitas por Arnaldo em toda sua carreira.

"Sexy Sua" mostra que a Patrulha fazia bem a Arnaldo. Um hard pesado e forte que viria a ser regravado anos depois por Lobão. O álbum conta com algumas canções que viriam a fazer parte de Singin' Alone, mas com a colaboração aqui da Patrulha, como o caso da terceira faixa do lado A, "Corta Jaca", a qual não difere muito da versão do disco solo. "Trem" encerra o lado A com a versão em português para a música "Train" de "Singin' Alone".

O lado B vem com "Emergindo da Ciência", versão em português para "Coming Through The Waves Of Science", porém aqui de forma bem mais hard rock. Aliás, a Patrulha pode (e deve) ser considerada uma das grandes bandas de hard rock de nosso país. "Raio de Sol" é um rock and roll regado de bom amor, seguida de "Um Pouco Assustador", um bluezão onde a bateria de Rolando parece que vai estourar seus tímpanos Por fim, a balada "Fique Aqui Comigo" encerra esse maravilhoso trabalho da Patrulha com Arnaldo.



Ainda em 88, a Baratos Afins lançou "Faremos Uma Noitada Excelente", o qual traz o registro da gravação de um show de Arnaldo com a Patrulha em maio de 1978. A qualidade e gravação não é das melhores, mas o conteúdo do álbum é excelente. O lado A abre com "Emergindo da Ciência", aqui de forma mais viajante que a versão de "Singin' Alone", predominando bastante o som do piano e a emotividade de Arnaldo nos vocais. "Um Pouco Assustador" vem mais pesada que a versão de "O Elo Perdido", com um belo trabalho do guitarista Eduardo Chermont. "Arnaldo Solizta" encerra o lado A com Arnaldo sozinho ao piano, interpretando um solo diferente de "Honky Tonky", mas tão belo quanto.

"I Feel In Love One Day" abre o lado B, com Arnaldo citando o nome do disco antes da canção começar. A bela letra encaixa-se perfeito na harmonia criado pelos instrumentos da Patrulha. "Cowboy" trás um belo solo de bateria de Rolando Jr. Pena que a gravação não seja boa, mas fica o registro de um dos mais importantes bateristas brasileiros em sua grande fase. Por fim "Hoje de Manhã Eu Acordei" encerra este que foi o primeiro álbum de Arnaldo que ouvi, e que me levou a virar o grande fã deste que é com certeza, o maior gênio da música brasileira.




Em 1989 foi lançado o álbum "Sanguinho Novo - Arnaldo Baptista Revisitado", com vários artistas regravando músicas de Arnaldo, com destaque para o Sepultura em "A Hora E A Vez Do Cabelo Nascer", Paulo Miklos em "Superfície do Planeta" e os Ratos de Porão na "Jardim Elétrico".

Em 2004 Arnaldo lançou "Let It Bed", participando também da volta dos Mutantes em 2006/2007, mas o que ele precisava ter feito ele já tinha feito antes.

E que o Louco seja lembrado para sempre nos confins de um país chamado Bauretz, tocando apenas seu rock and roll durante um belo nascer do sol!

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...