sexta-feira, 19 de maio de 2023

Pete Townshend - A Autobiografia [2012]



Lançado em 2012, A Autobiografia de Pete Townshend é uma das grandes obras referentes ao músico do The Who, um dos mais brilhantes e geniais de seu tempo, e que está completando 78 anos nesse 19 de maio. Temos uma aula de como contar sua vida sem remorsos ou escondendo algo. Ao longo de três atos, compostos no total de 32 capítulos, Pete nos conta sobre diversas curiosidades, novidades, e não foge das polêmicas, e principalmente, mostra sem ressentimentos qual a sua postura e posição sobre o The Who, afirmando que ele era a alma criativa da banda, mas quem mandava mesmo era Roger Daltrey.

No primeiro ato, chamado Música de Guerra, Pete conta as memórias de sua infância, como aprendeu a tocar, a formação do The Detours, mundo para The Who, até chegar na explosão de Tommy (1969), reconhecidamente o álbum mais importante dos ingleses. Do ponto de vista pessoal, ele narra sobre o difícil relacionamento entre seus pais (o pai músico, a mãe uma bêbada inverterada), os complicados dias ao lado da avó materna, uma pessoa com problemas diversos, as primeiras experiências com música, inicialmente tocando gaita, até chegar a guitarra e montar sua primeira banda aos 12 anos, conhecendo John Entwistle pouco tempo depois. Pete revela que detestava Elvis, mas amava Pink Floyd, conta com detalhes sua entrada no The Detours, ganhando a vaga por saber tocar "Man of Mistery" do The Shadows, e claro, suas primeiras relações sexuais também são narradas, já entrando para a Escola de arte, um momento importante na formação de Pete. O The Who vem em 1964, e na dificuldade de encontrar um baterista (até Mitch Mitchell fez teste para a banda), eis que surge Keith Moon. A admiração de Pete pelo estilo de tocar de Entwistle aparece ao mesmo tempo que surgem as primeiras composições emblemáticas da banda, no caso "I Can't Explain", "My Generation", "Substitute" e "I'm a Boy". É o Who fazendo sucesso na Europa, apresentando-se pela Escandinávia, e chegando aos Estados Unidos. 

Vem então a apresentação do Monterey de 1967, com o famoso duelo entre ele e Hendrix, com ele confessando que sempre se achou abaixo de Hendrix, o famoso incidente no Holliday Inn, onde Keith Moon jogou uma limousine na piscina do hotel durante o seu aniversário de 21 anos, o momento em que se torna um seguidor de Meher Baba, e claro, muitos detalhes da criação de Tommy, chegando então ao show de Woodstock, que Pete acha não ser tão sido tão bom quanto se fala, e as gravações que levaram a Live at Leeds, com Pete lamentando ter pedido a queima de diversas gravações feitas naquela turnê simplesmente por não ter gostado das mesmas, algo que no livro ele reconhece como sendo uma atitude infantil e egoísta.

Este ato 1 do livro é muito interessante, e o mais longo dos atos, com 160 páginas. Ele nos mostra como a formação pessoal de uma criança e um adolescente acaba refletindo e muito na sua vida. Pete não era uma criança das mais felizes e em uma família estável, e sofreu alguns problemas com outros meninos de sua idade, principalmente na escola, mas nada disso se comparara a dramática vida do pequeno Pete ao ir morar com a avó Denny aos seis anos, principalmente por sofrer assédio moral e sexual, o que impactou no seu tardio relacionamento com meninas, e que é o único momento em que Pete trata com bastante cuidado, sem se aprofundar em detalhes. Outro fato que me chamou muita atenção é como o pessoal do Who, Stones, Kinks, Hendrix e Yardbirds eram próximos e amigos, e como a relação com os Beatles era bastante distante.

O ato 2, intitulado "Um Homem Muito Desesperado", cobre o período dos anos 70 e 80. Ele traz o artista envolvido em drogas, bebidas, casos amorosos, problemas em casa e muito afim de largar o The Who, além das criações de obras atemporais como Who's Next e Quadrophenia (ele passou um dia na beira do mar gravando os sons que estão no álbum), bem como o fracasso de Lifehouse (projeto que acabou abortado pela banda). Dos shows, Pete traz detalhes de sua prisão nos Estados Unidos, por ter agredido um policial durante um show no Fillmore East, compartilha as dificuldades que Keith Moon passou a ter em tocar nas apresentações, e também nos estúdios, como ficou surdo do ouvido esquerdo durante uma apresentação em Nova Iorque em 1976, e narra com emoção a apresentação de Tommy no Berkeley Community de 1969. A ajuda para Clapton livrar-se das drogas também é narrada sem deixar nada escondido, assim como os complexos momentos junto a um doente Ronnie Lane, com quem gravou o álbum Rough Mix (1976). 

Pessoalmente, Pete conta sua longa batalha contra o álcool, e mostra um grande arrependimento por demorar muito tempo a parar com a bebida, e como isso influenciou muito no seu relacionamento com a esposa e filhas e conta que para ele a perda de Moon não foi tão impactante, mas isso abalou Daltrey de uma forma que o Who não conseguiria mais seguir, mesmo com Kenney Jones na bateria. As brigas só aumentaram, levando então a Pete desistir de seguir com a banda, já em 1982. Por fim, Pete encontra-se como editor da Faber, um papel que foi muito importante inclusive para a conclusão da obra aqui apresentada. É um ato bem mais pessoal, que revela ao fã como fama e sucesso não são conquistados sem muitas coisas que são perdidas. 

No terceiro e último ato, Tocando Para os Deuses, ele já abre narrando um acidente de bicicleta que quase o impediu de tocar guitarra, já nos anos 90, e começa a investir bastante em sua carreira solo, principalmente na obra Iron Man e no projeto Psychoderelict, discos solo que são comparados a grandes discos do The Who. A separação da esposa Karen, e seu novo casamento com a musicista Rachel Fuller estão apresentados, deixando como curiosidade que Karen não está citada no final do texto. O momento tenso de "quase" prisão por pornografia infantil também é contado mostrando uma riqueza de detalhes, e sem se deixar intimidar por algo tão difícil e polêmico como este assunto. A perda de Entwistle choca a Pete, e também certamente é mais um momento de grande emoção para o leitor, e por fim, o retorno com o The Who ao lado de Daltrey só mostra o quanto essa dupla é fundamental para a história da música.

O livro ainda traz como apêndice uma carta enviada por uma fã para Pete em 1967, e que ele nunca havia aberto, Coda, Agradecimentos, Posfácio, Fotos e Índice Remissivo. Apesar das 488 páginas, o livro é de uma fácil leitura, com capítulos curtos, e bastante envolvente. Pete parece um vovô sentado na poltrona contando sua história para os netos e amiguinhos, e o leitor certamente sente-se muito confortável ao passar pelo livro. Claro, isso também é méritos de um artista que também é escritor em sua carreira, e que despede-se dizendo "não quero romantizar a mim mesmo ou minha vida, quero fazer exatamente o contrário ... Espero que vocês tenham gostado deste livro". Sim Pete, gostei muito. Recomendadíssimo, e mais, obrigatória a leitura desta Autobiografia para todos os fãs do The Who ou de música em geral. 

quarta-feira, 10 de maio de 2023

Unboxing: Frank Zappa - Halloween '81 (2020)

 


Fazando o Unboxing do lindo material Halloween '81, lançado pela família Zappa em 2020. Nela, além de 6 CDs cobrindo os shows realizados pelo bigodudo durante o Halloween de 1981, algumas surpresas como uma másca com o rosto do músico, e também uma capa de vampiro. Confira!!



terça-feira, 9 de maio de 2023

Rita Lee (31/12/1947 - 08/05/2023)


"Rita Lee foi passear

75 anos, descansar talvez

Em um dia azul, e infeliz

Suas mãos estão frias, nossas vidas mais vazias

Tanto amor foi dado

Que fez e faz muita gente feliz

Nos fez sonhar".

Mas é difícil que Rita venha a descansar no paraíso. Ao encontrar Elis Regina, certamente irá abrir um grande sorriso chamando a Doce Pimenta para fazer coreografias desajeitadas, e gargalhar muito, diando aquela gostosa gengiva saliente da gauchinha. Com Gal, sentará num banquinho, puxará uma viola e cantará uma modinha comentando sobre as travessuras e delícias de estar no ato Roberto de Carvalho. Com Rogério Duprat, irá abrir um vinho para relembrar dos tempos de Tropicalimos, de luta contra a ditadura, e por que não, de se vestir de noiva grávida em um festival. E quando encontrar quem manda na porra toda, certamente irá dizer: "É cara, sempre soube que você não era uma careta de barbas brancas". É, Rita não vai descansar no paraíso, pelo contrário, irá fazer lá o que fez aqui, agitar e, com certeza, provocar uma revolução.

Desnecessário aqui fazer uma retrospectiva sobre a carreira de Rita Lee Jones. Mutantes, Cilibrinas do Éden, Tutti Frutti, a parceria com Roberto de Carvalho, a turnê Em Bossa Em Roll (primeira show acústico antes mesmo do acústico MTV existir), todo o pioneirismo em vários pontos, a luta contra o alcoolismo e depois, o câncer. Isso faz parte de uma Rita que o Brasil (e por que não o mundo) admira e venerará eternamente. Mas Rita foi mais. Foi uma revolucionária, anos à frente do seu tempo, que colocou o feminismo em voga sem jamais ter sido taxada de "feminazi". Falou sobre sexo como nenhuma mulher tinha feito antes, trazendo aquela "sacanagenzinha sem ser putaria" como ela mesma dizia, que provocou a ditadura militar e fez muitas mulheres poderem se libertar da opressão machista de aceitar apenas ser um objeto de seu marido, mas ter o direito de sentir prazer.

Ela cantou incrivelmente a la Janis Joplin como poucas mulheres ousaram cantar. Trouxe ao Brasil o uso do theremim, instrumento tão exótico quanto exótica eram suas transformações camaleônicas. Criou baladas românticas que marcaram época, embalaram (e embalam) romances e separações todos os dias. Mostrou ao mundo que uma mulher é artista com o mesmo talento que um homem, "sem ter culhões", como dizia, e encarando isso com uma soberania inatingivel. Não à toa, virou musa e referência para o surgimento de nomes como Marisa Monte, Adriana Calcanhoto, Marina Lima, e tantas outras artistas mulheres que saíram das prisões que o rock exclusivamente masculino acabava fincando como uma pedra incapaz de ser mexida.

Rita não foi uma pessoa perfeita, teve vários problemas pessoais e com outros artistas, principalmente na sua relaçaõ com os ex-Mutantes Arnaldo e Sergio, ou com o ex-Tutti Frutti Luis Carlini, com a grande desafata, a ex-empresária Mônica Lisboa, travou batalhas enormes contras as drogas, legais e ilegais, mas isso não é nada perto da grandiosidade e revolucionaridade que Rita fez para a música nacional. Foi uma das primeiras a defender a natureza, a fazer obras dedicadas exclusivamte para crianças, fazia trabalhos sociais fantásticos sem querer midia. Embalou gerações com inúmeros sucessos que participaram de divers novelas globais (inclusive foi atriz em algumas delas), fazendo um país inteiro cantar e se unir em torno dessas canções. 

E fez parcerias com muita gente, mas muita gente mesmo. Falaríamos horas aqui sobre como ela gravou com as citadas Elis e Gal, com Gilberto Gil, Erasmo Carlos, Titãs, Raimundos, Lulu Santos, e tantos outros. Reverenciada por Caetano Veloso na incrível "Sampa", venerada por Ney Matogrosso na mais perfeita interpretação de "Balada do Louco", aclamada por Cássa Eller na versão fenomenal de "Luz del Fuego", Rita teve a incrível capacidade de inclusive ser convidada para dividir os vocais com nada mais nada menos que João Gilberto, um dos artistas mas ímpares e incapazes de dividir seu espaço com alguém, em um especial que o cantor fez para a Rede Globo em 1984. Além disso, as letras de Rita são atemporais, e estimulam cada vez mais jovens mulheres a serem independentes e além do caretismo de ser apenas uma "mulherzinha dona de casa que embalava filhos e espera o marido vir do trabalho com a janta pronta", como declarou certa vez.

Tive a honra de assistir a Rita em Porto Alegre no ano de 2005, em um show com Zélia Duncan e Wanderléa. Rita já tinha se tornado minha ídola haviam uns dez anos, quando na casa de um amigo do meu irmão, Micael Machado, encontrei uma fita com o dizer Mutantes. Aquela fita tinha as músicas da famosa banda da Rita Lee, a qual conhecia desde a decada de 80 (afinal,  quem nunca ouviu "Bwana Bwana" ou "Livre Outra Vez" naquela época?). Peguei a fita, levei para a casa, e ao escutar "Meu refrigerador Não Funciona", para mim a melhor interpretação vocal da carreira de Rita, começou uma paixão ardente pela banda (e crushiana por Rita), a qual desenvolveu-se ao longo dos anos. Não é à toa que a sigla MUT está em meu e-mail pessoal. 

Lembro daquele show no pequeno Salão de Atos da PUC como se fosse hoje. Quando fui comprar o ingresso, o assento que havia restado era justamente atrás da mesa de som. No dia do show, perguntei a uma assistente se não poderia sentar mais a frente, e sim, haviam espaços reservados para as pessoas que não conseguiam ver o espetáculo na 13 fila (eu estava na 28). Eu ia ver a Rita mais de perto. Na terceira música, fui para a frente do palco, de onde assisti quase todo o resto do show sentado no chão, mas com a Rita na minha frente.

Eis que o show acaba, e, como todo grande show, há um bis. Rita começou a tocar "Bwana Bwana", enquanto o público avançou em direção ao palco. Neste instante, Rita passou e cumprimentou-me, apertando a mão. Porém, ao fazer isso, puxei ela e disse que admirava-a muito, no que ela me retribuiu com um beijo no rosto. Após o término de "Bwana", Rita pergunta: "O que vocês querem ouvir?". Eu e um amigo que havia conhecido no dia que comprei o ingresso gritamos: "Barata Tonta".

E não é que a eterna Mutante vem em nossa direção, se agachou em nossa frente e deu o microfone para ambos cantarem!!! Pois é, eu  estava ali, cantando alucinadamente "o que que há, é só o amor" e todo o resto da canação, junto com o amigo, com a Rita e com Roberto de Carvalho tentando relembrar os acordes. Foi incrível. Rita entregou a camisa do Sport Club Internacional, que usava naquele momento, ao amigo que nunca mais vi, mas que lembro sair em êxtase como se fosse um troféu aquela camisa, e me puxou para perto do palco, agradecendo pelo momento e me dando um selinho como os que deu em Hebe Camargo. Caraca, me arrepio de lembrar que ela deu o selinho e na sequência, o Roberto de Carvalho apareceu, dizendo "você realmente é fã da Rita" me entregando a palheta dele em mãos.

Santa Rita de Sampa não deixará saudades, por que ela deixou um legado de canções, momentos, entrevistas e histórias marcantes. O dia é triste por que o corpo de Rita finalmente descansou depois de uma doença terrível, que ela corajosamente (como sempre foi em sua vida) lutou e não se abdicou de contar ao mundo o que sofreu, sem ser piegas ou querendo compaixão, mas para mostrar à todos que é necessário lutar pelo que se quer. Hoje, Ovelha Negra, é um dia mais que perfeito para não fazer nada, só para deitar, rolar e ouvir você.



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