Quando o suíço Patrick Moraz assumiu os teclados do Yes no lugar de Rick Wakeman, em 1974, muitos foram os fãs que torceram o nariz. Afinal, Wakeman havia se tornado um símbolo da mudança no som do Yes (assim como o guitarrista Steve Howe), e sua performance no palco era inigualável entre os tecladistas da época. Porém, Moraz superou as expectativas, fazendo um belíssimo trabalho no álbum Relayer, e apesar do desentrosamento e dificuldade em tocar as canções que haviam sido compostas com Rick Wakeman nos teclados, fez toda a turnê de divulgação do álbum, com algumas falhas que desagradaram principalmente ao vocalista Jon Anderson.
Durante as férias do grupo, onde os cinco membros dedicaram-se à álbuns solos, como estamos vendo esse mês aqui no Maravilhas do Mundo Prog, Moraz veio para o Brasil. Encantado pelo som de nosso país, começou a planejar um álbum que destacasse a musicalidade brasileira, misturado com o progressivo que alavancou seu nome para o mundo. Porém, a carreira musical de Moraz influenciou bastante na gravação de seu álbum solo.
Moraz e sua paixão pela percussão quando menino |
Nascido em 24 de junho de 1948, desde pequeno, Moraz teve contato com a música clássica, aprendendo piano e também violino antes de completar 10 anos, desenvolvendo o lado dos teclados graças a diversas aulas com Clara Haskil, uma grande concertista romana que vivia na mesma casa dos pais de Moraz. Clara era a principal intérprete do mundo de canções de compositores como Mozart, Bach, Beethoven e Shubert, tornando-se referência musical para Moraz.
Aos 16 anos, Moraz recebeu o prêmio de melhor intrumentista solo, mostrando seus dotes agora em um novo estilo, o jazz. Esse prêmio foi recebido durante o Zurich Jazz Festival, onde o tecladista aprendeu diversas técnicas no estilo, que o levaram dois anos depois a ser convidado por nada mais nada menos do que o saxofonista John Coltrane para abrir seus shows em uma excursão europeia. Com Coltrane, Moraz passou a ter contato com canções de países diferentes, como Índia, África e o Oriente Médio, apaixonando-se por essas novas sonoridades, que frequentemente o levaram a viajar para esses países, até que em 1968, o tecladista decidiu tornar-se um músico profissional, estudando no Geneva's Studio de Musique Contemporaine, com professores como Stockhausen e Pierre Boulez.
Mainhorse: Bryson Graham, Patrick Moraz, Peter Lockett e Jean Ristori |
Pouco tempo depois, Moraz integrava o grupo Mainhorse, com quem lançou apenas um disco, o hoje cobiçado Mainhorse (1971). Em 1972, o Mainhorse acabou, mas Moraz e seu colega de Mainhorse, Jean Ristori, ingressaram em uma longa turnê pelo Japão e Ásia Oriental, ao lado de uma companhia brasileira de balé. Foi o contato com essa companhia que levou Moraz a se encantar pelos sons brasileiros, como o samba, o chorinho e o baião.
O ótimo Refugee |
No ano seguinte, Moraz chegava em Londres, onde passou a integrar o grupo Refugee, ao lado de Lee Jackson e Brian Davison, ambos ex-membros do fantástico grupo The Nice, de onde saiu Keith Emerson. O grupo fez uma brilhante turnê pela europa, lançando o aclamado Refugee (1974), fazendo com que o pessoal do Yes coloca-se o nome de Moraz na lista dos possíveis substitutos de Wakeman. Como a primeira opção (o tecladista grego Vangelis) não topou, Moraz ingressou no Yes, e o resto da história é o início dessa matéria.
Como podemos perceber, as influências na cabeça de Moraz foram diversas, desde a música clássica até o baião. Além disso, durante a extensa turnê de divulgação de Relayer, Moraz e Anderson passaram diante de uma gigantesca torre em uma cidade na Inglaterra, e começaram a vislumbrar como seria a vida no interior daquela torre, criando diversas teorias, as quais levaram Anderson a intimar Moraz para construir um álbum falando sobre a tal torre.
Moraz e sua paixão pela percussão (já adulto) |
E foi isto que Moraz fez, no belo álbum Story of i, onde o "i" não refere-se a palavra "eu" (tradução de I do inglês para o português), mas sim é um símbolo do formato da Torre, algo como um triângulo deformado com uma esfera em seu topo, chamado por Moraz de Estrela da Paz. Nesse álbum, Moraz coloca para fora uma bela e envolvente história de amor, a qual ocorre no interior da Torre i. Essa Torre está construída no interior de uma densa floresta, e nela, pessoas de todo o mundo servem como cobaias, sofrendo experiências com seus desejos e fantasias mais ardentes, selvagens e perigosos. As relações entre os seres humanos dentro da Torre é uma verdadeira orgia, e a única regra é que nenhuma das pessoas apaixone-se por algum colega.
Porém, duas pessoas acabam apaixonando-se, e decidem sair da Torre para viver suas vidas de luxúria sem ter que dividir seus corpos com outras pessoas, apenas entre eles. Assim, começa uma longa batalha entre o casal contra a prisão que é a Torre, dividida em 14 canções, escritas por Moraz em colaboração com o vocalista John McBurnie.
Contando com a participação de McBurnie, Vivienne McAuliffe (vocais), Ray Gomez (guitarras), Auguste DeAnthony (guitarras), além dos monstros do jazz Jeff Berlin (baixo), Alphonse Mouzon (bateria) e Andy Newmark (bateria), e de um grupo de dezesseis percussionistas do Rio de Janeiro, Story of i envolve o ouvinte com canções intercaladas e cheias de ritmo, as quais são destacadas, junto com a história da Torre, em um belo livreto-encarte que acompanha a versão original do LP.
Encarte de Story of i |
Mas nenhuma das canções é tão bela e encantadora quanto "Indoors". O longo acorde de moog logo na introdução é seguido pela levada de Mouzon, característica de seus tempos ao lado do grupo The Eleventh House, com Berlin fazendo a marcação no baixo e com DeAnthony fazendo um dedilhado na guitarra. O ritmo da canção lembra muito Mahavishnu Orchestra, e o destaque inicial é para o solo de moog feito por Moraz. Gomez então passa a solar, na guitarra, e assim, começa uma longa batalha entre moog e guitarra, um instrumento com mais virtuosismo que o outro, repetindo-se durante quatro vezes, com Mouzon e Berlin sendo uma cozinha fantástica de ritmo, precisão e técnica, onde Mouzon estraçalha os pratos, a caixa e os bumbos, enquanto Berlin vai fazendo a sombria marcação, acompanhado pelo dedilhado de DeAnthony.
A sequência do duelo entre moog e guitarra encerra em um agitado jazz-rock, com Moraz solando no sintetizador, trazendo a voz de Vivienne cantando a pequena letra da canção, para Moraz solar no moog (no mesmo timbre do solo da clássica "Sound Chaser" de Relayer). Vivienne retorna com a letra e Moraz passa a solar com dois moogs diferentes, fazendo duelos com o baixo em escalas intrincadas e muito velozes, enquanto Mouzon acompanha a loucura do jazz-fusion progressivo de Moraz com uma técnica fantástica.
Por fim, longos acordes de sintetizador encerram a canção, levando para a balada "Best Years of Your Lives", que dá ao ouvinte a oportunidade de recuperar o fôlego depois da agitada sessão de pouco mais de três intensos minutos de "Indoors", auxiliado pelo final do Lado A do LP.
O interior de Story of i, contando um pouco mais da história |
The Story of i foi eleito o melhor disco de teclados do ano de 1976, mesmo ano de seu lançamento, enquanto Moraz foi eleito o mais novo talento da música naquele ano, principalmente pelo trabalho em Story of i. Porém, Wakeman voltou para o Yes, e Moraz seguiu carreira solo, lançando o bom Out in the Sun (1977), repleto de sonoridades brasileiras. Nesse ano, Moraz muda-se para o Brasil, onde formou um grupo de percussionistas e também foi membro do grupo Vímana, ao lado de Lulu Santos, Ritchie e Lobão, chegando inclusive a gravar algumas canções, e deixando muita raiva e desentendimentos, principalmente por parte de Lulu Santos, como ele explica nesse vídeo, onde chama o tecladista de "Marick Pra Trás".
Moraz com o Vímana (primeiro da esquerda para a direita). Lobão está ao lado de Moraz, e Lulu Santos esta de calças vermelhas. |
Além de participar de outra maravilha prog composta por um membro do Yes ("Begginings", de Steve Howe), Moraz foi capaz de construir uma bonita ópera-rock progressiva, com "Indoors" sendo o orgasmo da orgia proporcionada no interior da Torre i.
Em 1978, ingressou na nova geração do Moody Blues, onde permaneceu por um bom tempo, gravando sete álbuns e fazendo com que o grupo chegasse ao número 1 em vendas nos Estados Unidos. Além disso, gravou com Bill Bruford dois álbuns para bateria e piano, além de também registrar com o flautista romeno Simion Syrinx Stanciu dois bons álbuns de New Age, mantendo também seu grupo de instrumentistas brasileiros na ativa, além de tocar em festivais de jazz ao lado de nomes como George Duke, Stan Getz e Chick Corea, mantendo também sua carreira solo e sendo um dos músicos mais respeitados e admirados tanto pelos fãs quanto pelos seus ex-colegas de Yes, Moody Blues e jazz em geral.
Moraz e seus teclados |
Portanto, como vimos nessas últimas quatro edições do Maravilhas do Mundo Prog, os membros do Yes foram capazes de construir canções dignas de ser chamadas assim mesmo em carreira solo, com exceção do baterista Alan White, que em seu álbum Ramshackled (1976) não fez algo digno de ser chamado de maravilha, apesar de "Avakak" e "Spring - Song of Innocence" serem boas canções, sendo a última um belo exemplo de como White também é um excelente pianista.
Porém, outros membros do Yes também fizeram maravilhas fora do Yes, como veremos nas três próximas semanas, encerrando esse passeio pela carreira de alguns dos músicos que passaram por esse grande grupo do rock progressivo.