quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Maravilhas do Mundo Prog: Patrick Moraz - Indoors [1976]





Quando o suíço Patrick Moraz assumiu os teclados do Yes no lugar de Rick Wakeman, em 1974, muitos foram os fãs que torceram o nariz. Afinal, Wakeman havia se tornado um símbolo da mudança no som do Yes (assim como o guitarrista Steve Howe), e sua performance no palco era inigualável entre os tecladistas da época. Porém, Moraz superou as expectativas, fazendo um belíssimo trabalho no álbum Relayer, e apesar do desentrosamento e dificuldade em tocar as canções que haviam sido compostas com Rick Wakeman nos teclados, fez toda a turnê de divulgação do álbum, com algumas falhas que desagradaram principalmente ao vocalista Jon Anderson.

Durante as férias do grupo, onde os cinco membros dedicaram-se à álbuns solos, como estamos vendo esse mês aqui no Maravilhas do Mundo Prog, Moraz veio para o Brasil. Encantado pelo som de nosso país, começou a planejar um álbum que destacasse a musicalidade brasileira, misturado com o progressivo que alavancou seu nome para o mundo. Porém, a carreira musical de Moraz influenciou bastante na gravação de seu álbum solo.

Moraz e sua paixão
pela percussão quando menino
Nascido em 24 de junho de 1948, desde pequeno, Moraz teve contato com a música clássica, aprendendo piano e também violino antes de completar 10 anos, desenvolvendo o lado dos teclados graças a diversas aulas com Clara Haskil, uma grande concertista romana que vivia na mesma casa dos pais de Moraz. Clara era a principal intérprete do mundo de canções de compositores como Mozart, Bach, Beethoven e Shubert, tornando-se referência musical para Moraz.

Aos 16 anos, Moraz recebeu o prêmio de melhor intrumentista solo, mostrando seus dotes agora em um novo estilo, o jazz. Esse prêmio foi recebido durante o Zurich Jazz Festival, onde o tecladista aprendeu diversas técnicas no estilo, que o levaram dois anos depois a ser convidado por nada mais nada menos do que o saxofonista John Coltrane para abrir seus shows em uma excursão europeia. Com Coltrane, Moraz passou a ter contato com canções de países diferentes, como Índia, África e o Oriente Médio, apaixonando-se por essas novas sonoridades, que frequentemente o levaram a viajar para esses países, até que em 1968, o tecladista decidiu tornar-se um músico profissional, estudando no Geneva's Studio de Musique Contemporaine, com professores como Stockhausen e Pierre Boulez.

Mainhorse: Bryson Graham, Patrick Moraz, Peter Lockett e Jean Ristori
Pouco tempo depois, Moraz integrava o grupo Mainhorse, com quem lançou apenas um disco, o hoje cobiçado Mainhorse (1971). Em 1972, o Mainhorse acabou, mas Moraz e seu colega de Mainhorse, Jean Ristori, ingressaram em uma longa turnê pelo Japão e Ásia Oriental, ao lado de uma companhia brasileira de balé. Foi o contato com essa companhia que levou Moraz a se encantar pelos sons brasileiros, como o samba, o chorinho e o baião.


O ótimo Refugee
No ano seguinte, Moraz chegava em Londres, onde passou a integrar o grupo Refugee, ao lado de Lee Jackson e Brian Davison, ambos ex-membros do fantástico grupo The Nice, de onde saiu Keith Emerson. O grupo fez uma brilhante turnê pela europa, lançando o aclamado Refugee (1974), fazendo com que o pessoal do Yes coloca-se o nome de Moraz na lista dos possíveis substitutos de Wakeman. Como a primeira opção (o tecladista grego Vangelis) não topou, Moraz ingressou no Yes, e o resto da história é o início dessa matéria.

Como podemos perceber, as influências na cabeça de Moraz foram diversas, desde a música clássica até o baião. Além disso, durante a extensa turnê de divulgação de Relayer, Moraz e Anderson passaram diante de uma gigantesca torre em uma cidade na Inglaterra, e começaram a vislumbrar como seria a vida no interior daquela torre, criando diversas teorias, as quais levaram Anderson a intimar Moraz para construir um álbum falando sobre a tal torre. 

Moraz e sua paixão pela percussão
(já adulto)
E foi isto que Moraz fez, no belo álbum Story of i, onde o "i" não refere-se a palavra "eu" (tradução de I do inglês para o português), mas sim é um símbolo do formato da Torre, algo como um triângulo deformado com uma esfera em seu topo, chamado por Moraz de Estrela da Paz. Nesse álbum, Moraz coloca para fora uma bela e envolvente história de amor, a qual ocorre no interior da Torre i. Essa Torre está construída no interior de uma densa floresta, e nela, pessoas de todo o mundo servem como cobaias, sofrendo experiências com seus desejos e fantasias mais ardentes, selvagens e perigosos. As relações entre os seres humanos dentro da Torre é uma verdadeira orgia, e a única regra é que nenhuma das pessoas apaixone-se por algum colega.


Porém, duas pessoas acabam apaixonando-se, e decidem sair da Torre para viver suas vidas de luxúria sem ter que dividir seus corpos com outras pessoas, apenas entre eles. Assim, começa uma longa batalha entre o casal contra a prisão que é a Torre, dividida em 14 canções, escritas por Moraz em colaboração com  o vocalista John McBurnie.

Contando com a participação de McBurnie, Vivienne McAuliffe (vocais), Ray Gomez (guitarras), Auguste DeAnthony (guitarras), além dos monstros do jazz Jeff Berlin (baixo), Alphonse Mouzon (bateria) e Andy Newmark (bateria), e de um grupo de dezesseis percussionistas do Rio de Janeiro, Story of i envolve o ouvinte com canções intercaladas e cheias de ritmo, as quais são destacadas, junto com a história da Torre, em um belo livreto-encarte que acompanha a versão original do LP.

Encarte de Story of i
O lado A de Story of i (faixa 1 a faixa sete) conta como funciona a Torre, enquanto o lado B traz a fuga do casal de dentro da mesma. As pequenas canções vão intercalando-se umas com as outras, em um ritmo frenético, com destaque para canções como "Warmer Hands", com um belo arranjo vocal, "Cachaça (baião)", destacando instrumentos como agogô, afoxé e cuíca, "Intermezzo", uma belíssima peça clássica no moog,  "Descent", uma peça no moog que apresenta parte do solo que Moraz fazia durante sua apresentação individual nos shows do Yes, repleta de virtuosismo,  "Impressions (The Dream)", que resgata o tema de "Descent", porém ao piano, além de destacar o lado jazzístico de Moraz, a bela balada sessentista "Like a Child is Disguise" e a complexa "Rise and Fall".

Mas nenhuma das canções é tão bela e encantadora quanto "Indoors". O longo acorde de moog logo na introdução é seguido pela levada de Mouzon, característica de seus tempos ao lado do grupo The Eleventh House, com Berlin fazendo a marcação no baixo e com DeAnthony fazendo um dedilhado na guitarra. O ritmo da canção lembra muito Mahavishnu Orchestra, e o destaque inicial é para o solo de moog feito por Moraz. Gomez então passa a solar, na guitarra, e assim, começa uma longa batalha entre moog e guitarra, um instrumento com mais virtuosismo que o outro, repetindo-se durante quatro vezes, com Mouzon e Berlin sendo uma cozinha fantástica de ritmo, precisão e técnica, onde Mouzon estraçalha os pratos, a caixa e os bumbos, enquanto Berlin vai fazendo a sombria marcação, acompanhado pelo dedilhado de DeAnthony. 

A sequência do duelo entre moog e guitarra encerra em um agitado jazz-rock, com Moraz solando no sintetizador, trazendo a voz de Vivienne cantando a pequena letra da canção, para Moraz solar no moog (no mesmo timbre do solo da clássica "Sound Chaser" de Relayer). Vivienne retorna com a letra e Moraz passa a solar com dois moogs diferentes, fazendo duelos com o baixo em escalas intrincadas e muito velozes, enquanto Mouzon acompanha a loucura do jazz-fusion progressivo de Moraz com uma técnica fantástica.

Por fim, longos acordes de sintetizador encerram a canção, levando para a balada "Best Years of Your Lives", que dá ao ouvinte a oportunidade de recuperar o fôlego depois da agitada sessão de pouco mais de três intensos minutos de "Indoors", auxiliado pelo final do Lado A do LP.

O interior de Story of i, contando um pouco mais da história
The Story of i foi eleito o melhor disco de teclados do ano de 1976, mesmo ano de seu lançamento, enquanto Moraz foi eleito o mais novo talento da música naquele ano, principalmente pelo trabalho em Story of i. Porém, Wakeman voltou para o Yes, e Moraz seguiu carreira solo, lançando o bom Out in the Sun (1977), repleto de sonoridades brasileiras. Nesse ano, Moraz muda-se para o Brasil, onde formou um grupo de percussionistas e também foi membro do grupo Vímana, ao lado de Lulu Santos, Ritchie e Lobão, chegando inclusive a gravar algumas canções, e deixando muita raiva e desentendimentos, principalmente por parte de Lulu Santos, como ele explica  nesse vídeo, onde chama o tecladista de "Marick Pra Trás".

Moraz com o Vímana (primeiro da esquerda para a direita).
Lobão está ao lado de Moraz, e Lulu Santos esta de calças vermelhas.
Além de participar de outra maravilha prog composta por um membro do Yes ("Begginings", de Steve Howe), Moraz foi capaz de construir uma bonita ópera-rock progressiva, com "Indoors" sendo o orgasmo da orgia proporcionada no interior da Torre i.

Em 1978, ingressou na nova geração do Moody Blues, onde permaneceu por um bom tempo, gravando sete álbuns e fazendo com que o grupo chegasse ao número 1 em vendas nos Estados Unidos. Além disso, gravou com Bill Bruford dois álbuns para bateria e piano, além de também registrar com o flautista romeno Simion Syrinx Stanciu dois bons álbuns de New Age, mantendo também seu grupo de instrumentistas brasileiros na ativa, além de tocar em festivais de jazz ao lado de nomes como George Duke, Stan Getz e Chick Corea, mantendo também sua carreira solo e sendo um dos músicos mais respeitados e admirados tanto pelos fãs quanto pelos seus ex-colegas de Yes, Moody Blues e jazz em geral.

Moraz e seus teclados
Portanto, como vimos nessas últimas quatro edições do Maravilhas do Mundo Prog, os membros do Yes foram capazes de construir canções dignas de ser chamadas assim mesmo em carreira solo, com exceção do baterista Alan White, que em seu álbum Ramshackled (1976) não fez algo digno de ser chamado de maravilha, apesar de "Avakak" e "Spring - Song of Innocence" serem boas canções, sendo a última um belo exemplo de como White também é um excelente pianista.

Porém, outros membros do Yes também fizeram maravilhas fora do Yes, como veremos nas três próximas semanas, encerrando esse passeio pela carreira de alguns dos músicos que passaram por esse grande grupo do rock progressivo.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

O Possessed que o mundo não viu




Existem muitos grupos obscuros, alguns inclusive já tratados aqui no blog, que vêm sendo descobertos através dos anos graças a verdadeiros Indiana Jones da música, catando essas preciosidades nos mais diferentes tipos de sites, fontes de pesquisa ou também nos acervos pessoais de músicos e ex-músicos dos mesmos.

Porém, existem alguns casos que a obscuridade é tamanha que nem mesmo os próprios músicos conhecem o trabalho lançado, seja por que o pessoal do grupo largou de vez a música, seja por problemas contratuais entre a banda e a gravadora que acabou lançando o material.

Também é certo de que a história do rock é recheada de tragédias envolvendo músicos, fãs e pessoas ligadas a música. Randy Rhoads, um dos melhores guitarristas a pisar na Terra, faleceu em uma tragédia inexplicável, durante uma brincadeira com uma aeronave, tentando acordar o vocalista Ozzy Osbourne. Ritchie Valens e Buddy Holly faleceram também em uma tragédia aérea, em 3 de fevereiro de 1959, privando o mundo de dois dos mais talentosos músicos do rock 'n' roll. The Who e The Allman Brothers  Band sofreram com diversas tragédias durante sua cerrira. Enquanto o primeiro perdeu seu baterista Keith Moon, vítima das drogas, e viu muitos fãs serem mortos em uma apresentação em 1979, o segundo perdeu seu principal guitarrista, Duane Allman, em um acidente automobilístico, bem como outros integrantes também faleceram com o passar dos anos.

E o que dizer do Lynyrd Skynyrd, cujos membros passaram por um terrível acidente aéreo, levando três de seus integrantes, ou do Mamonoas Assassinas, no Brasil, cujo famoso acidente na Serra da Cantareira em marçiode 1996 acabou com a banda de rock mais popular no país na década de 90. E ainda poderíamos falar sobre os 3 J's (Jim Morrison, Jimi Hendrix e Janis Joplin), Kurt Cobain, Altamont, e por aí vai. Mas paramos por aqui, já que exemplos de tragédias são diversas no rock.
Band of Joy: Robert Plant, Vernon Pereira, Peter Robinson, Chris Brown e Mickey Cox
Por que disso? Por que a mistura tragédia / obscuridade é o que envolve um dos melhores grupos do hard setentista. Estamos falando dos britânicos do Possessed.


O grupo nasceu em 1969, através de seu líder e formador, o guitarrista Vernon Pereira. Vernon nasceu em Jamshedpur, no centro-leste da Índia, indo para o Reino Unido aos 15 anos, e havia integrado a The Band of Joy, de onde saíram John Bonham e Robert Plant para integrar o Led Zeppelin, sendo que Vernon era primo da esposa de Plant. 

O guitarrista procurava músicos para formar um power trio na linha do Taste, trazendo as influências do blues com o peso que estava aparecendo na Inglaterra através de nomes como o próprio Led Zeppelin e o Black Sabbath.

Mike Reeves e Vernon Pereira

O primeiro músico a surgir no "mercado da música" foi Mick Reeves. Mick havia saído do grupo no qual estava tocando, o Sugar Stack, e que era composto por Mick (guitarras), Geoff Furnival (guitarras), Bruno Stapenhill (baixo), John Partridge (bateria) e Al Atkins (vocais). O Sugar Stack durou apenas dois anos (1966-1967), e acabou devido aos problemas internos, já que o som do Sugar Stack estava curiosamente evoluindo para o lado pesado e hardiano, que Reeves não gostava, pois era adepto de um som mais pop. Digo curiosamente por que é justamente esse estilo que Reeves encontrará no grupo de Vernon Pereira. 

Reeves saiu do Sugar Stack, culminando com o fim do grupo. Atkins, Stapenhill e Partridge resolveram montar um novo grupo, chamando o guitarrista Ernie Chateawy, e assim, em meados de 1968, o Judas Priest nascia. Essa formação durou alguns meses, e depois de uma breve separação, e uma mudança na formação, com a entrada de K. K. Downington (guitarras) e Ian Hill (baixo), o Judas Priest que hoje muitos idolatram finalmente dava seus primeiros passos.


Reeves e sua guitarra/baixo
Reeves trouxe para o novo grupo um raro instrumento: uma guitarra de dois braços, onde um dos braços era o baixo, e o outro braço era uma guitarra Gibson SG. Assim, ele poderia fazer o som marcante das guitarras gêmeas do grupo que estavam montando durante os solos, bem como as linhas de baixo das canções. Depois, foi a vez de Phil Brittle entrar na jogada. Brittle também havia tocado na Band of Joy, tendo aprendido muitas técnicas pelo professor John Bonham, o que também acabaria marcando o som deste grupo, cuja formação então consolidava-se com Brittle (bateria, voz), Reeves (guitarra, baixo, voz) e Vernon (voz principal, slide guitar e guitarra solo). O nome de batismo: Possessed (não confundir com o grupo de mesmo nome, que fez sucesso nos anos 80 tocando thrash metal).

Mick Reeves, Vernon Pereira e Phil Brittle



Logo, o Possessed passou a se destacar no cenário de shows de Middle East e também pela Inglaterra, tendo uma dinâmica sonora muito influenciada por Led Zeppelin e Cream, além de solos de guitarra ácidos, as guitarras gêmeas fazendo linhas melódicas muito bonitas e uma cozinha harmoniosa, carregada de peso e distorção. Não demorou muito para que o grupo conseguisse um contrato com a gravadora Vertigo, e partisse para os estúdios em 1971.


O disco promocional do Possessed
Porém, diversos problemas contratuais entre os membros do grupo e a Vertigo, fizeram com que a gravação ficasse trancada em um armário. Mesmo assim, o Possessed não deixou de existir, e continuou fazendo shows pela bretanha, sempre buscando uma gravadora para lançar seu LP, carregando um hoje raríssimo disco de demonstração com as canções "The Love That You Give" e "Thunder and Lightning". Brittle saiu do grupo em 1972, sendo substituído por Chris Andrews. Junto à ele, entraram o baixista Stephen McLoughlin e o vocalista Terry Davies.

Foi então que, cinco anos depois, após muitos shows, reconhecimento dos fãs e nenhuma gravadora, uma tragédia assolou o quinteto. Após uma apresentação na cidade de Carlisle, no norte da Inglaterra, no dia 25 de outubro, o grupo retornava para casa na sua van, quando o motorista perdeu o controle do automóvel e bateu em um caminhão tanque carregado de gasolina. Da colisão surgiu uma enorme explosão, que vitimou Vernon, Reeves e Davies, enquanto Andres e McLoughlin ficaram gravemente feridos. Chegava ao fim uma das mais promissoras bandas do hard rock setentista, a qual não havia lançado se quer seu álbum de estreia.



Exploration, o álbum que os membros nunca viram em uma prateleira
Porém, os anos passaram, e em setembro de 2001, finalmente o mundo conseguiu ouvir o que Vernon, Brittle e Reeves haviam feito 30 anos antes. Infelizmente, Vernon e Reeves não puderam ver seu disco na prateleira, mas Brittle e os fãs conheceram Exploration, o qual traz as gravações direto das fitas masters, as quais estavam em posse de Lee Dorrian, vocalista do Napalm Death e do Cathedral. Segundo Lee: "Quando eu ouvi as fitas masters, eu logo fiquei encantado com o som do Possessed". E não tem como não se encantar. Afinal, as canções de Exploration são uma ácida combinação de peso, lisergia e rock'n'roll. Exploration foi lançado em CD e também em tiragem limitadas em vinil, que é o que será tratado apartir de então.

A tarefa de abrir os trabalhos do LP fica por conta de “Darkness, Darkness”, contando com uma bonita introdução das guitarras sendo acompanhadas pela bateria. Vernon puxa o ritmo swingado da guitarra, trazendo as vocalizações do trio, com uma melodia bem setentista, tendo a guitarra de Vernon fazendo intervenções. O tema introdutório é repetido, trazendo a sequência da letra, chegando no refrão, onde podemos perceber que a voz de Vernon é muito aguda. O solo melodioso de guitarra, arranca bends e arpejos do instrumento, voltando ao refrão e a uma curta sessão de acordes marcados que encerra essa boa faixa de abertura.

Uma bela introdução também está em “The Love That You Gave”, um reggae-hardiano onde a voz aguda de Vernon destaca-se sobre a voz de Reeves, com destaque para as linhas de baixo de Reeves e para a marcação quebrada de Brittle. Vernon passa a cantar sozinho, e a canção muda sua melodia. As desafinadas de Vernon acabam irritando um pouco, mas elas duram poucos segundos, compensados pelo belíssimo tema das guitarras gêmeas que leva ao final da canção, fechando com o baixo, guitarra e bateria, executando um tema marcado em cima da melodia principal.

Guitarras, baixo e bateria abrem “Exploration”. A alavanca é usada para fazer o tema da canção, trazendo os vocais do trio. Reeves é o responsável pelo vocal principal, alternando momentos com as vocalizações. A introdução é repetida, assim como a letra, chegando ao refrão, cantado por todos. O tema da alavanca leva ao solo de guitarra, com muita distorção, voltando ao refrão e chegando ao fim da canção, com as vocalizações cantando “gotta get away”.

“Climb the Wooden Hills” abre com guitarra, baixo e bateria fazendo o tema marcado, e os vocais do trio surgem, gritados, rasgados, e novamente a agudez da voz de Vernon chega a irritar por alguns instantes. Os temas marcados retornam, e a letra é repetida. Então, Vernon compensa suas desafinadas com um interessante solo no slide guitar, relembrando os grandes momentos de Duane Allman, seguido por mais um tema das guitarras gêmeas, fechando a canção com o tema marcado da introdução.

A estranha “Dream” abre com um tema enlouquecedor de guitarra e baixo, com a bateria quebrando tudo, trazendo as vocalizações do grupo em uma melodia mais sessentista, onde aí sim os vocais agudos de Vernon se encaixaram. O refrão é feito sobre a estranha introdução, com um espetáculo a parte de Brittle. Outro destaque vai para o bonito arranjo vocal, algo similar ao que o Trapeze fez em seu primeiro LP. A canção transforma-se, ganhando peso com um tema marcado entre baixo e guitarra, chegando ao macabro e tenebroso solo de Vernon e Reeves, com notas sobrepostas, alavancadas e arpejos que diminuem o volume, encerrando a canção exatamente no melhor momento da mesma.

O Lado A encerra-se com “All Night Long”, uma canção mais simples comparada à “Dream”, mas que mesmo assim, apresenta uma intrincada composição da bateria, com um refrão rápido onde o baixo cavalgante de Reeves é a maior atração, assim como o curto solo de Vernon. A parte vocal é repetida, e o baixo de Reeves aparece com relevância novamente.

Selo do vinil, destacando a guitara-baixo de Reeves

“Disheartened & Disillusioned” abre o Lado B com a guitarra fazendo os acordes que constroem a melodia da mesma. Vernon canta a canção, acompanhado pelas vocalizações do trio, enquanto ao fundo, o dedilhado da guitarra e as viradas da bateria acompanham a letra. A canção muda de ritmo, com as guitarras solando sobrepostas, voltando então para o início da mesma, para Vernon solar sozinho com um leve andamento ao fundo. A canção pega ritmo, e Vernon solta suas escalas. Mesmo com uma técnica não muito avançada, o solo empolga, principalmente pelas linhas de baixo de Reeves, o melhor instrumentista dos três disparado. O solo pega fogo, com Vernon usando alavanca, Brittle fazendo viradas e batidas fortes e Reeves estraçalhando o baixo, e então, voltamos ao solo leve e aos dedilhados, voltando para o início da letra e chegando ao final dessa bela canção com maravilhosas escalas jazzísticas do baixo e da guitarra.

“Thunder & Lightning” é uma paulada, com uma introdução rasgada das guitarras, baixo e bateria, e com o vocal agudo de Vernon encaixando perfeitamente. A linha de baixo e guitarra durante toda a canção é empolgante, e a marcação no cowbell vira uma novidade para o que estamos ouvindo. No solo, Reeves e Vernon alternam a posição central, voltando então ao tema inicial. Destaque para a constante presença de uma insinuante slide guitar ao fundo da canção.

O Possessed resolve investir em temas mais suaves durante “Love ‘em or Leave ‘em”, onde violões dedilhados e uma leve marcação apresentam a canção, uma linda balada acústica, o qual nos mostra que o Possessed além de ser uma poderosa banda de hard, sabia compor belas canções ao violão. O grande destaque vai para o refrão, que entoa o nome da canção, e também para o arranjo dos violões, além da emocionante voz de Vernon, e a canção encerra-se apenas com o dedilhado dos violões.

“Exploration Pt. II” é outra maravilhosa peça ao violão, com um estilo flamenco nos acordes de Pereira, mas que por vezes lembra o estilo de tocar de Jimmy Page, em canções como “That’s the Way” ou “Bron-Yr-Aur”. A canção cresce com as batidas no violão, e a alternância de acordes acaba criando uma rica melodia e harmonia para essa pequena obra instrumental, a qual encerra-se com uma estranha sequência de notas.
 
“Reminiscing” começa com um swingado riff das guitarras, acompanhado pela marcação da bateria. Os vocais de Vernon surgem, não tão agudos, assim como a slide guitar está presente no refrão, cantado por Vernon e Reeves. O solo é outro que lembra bastante Jimmy Page, porém agora em “In My Time of Dying”, com Vernon abusando do slide, apesar da técnica não ser a mesma do guitarrista do Led Zeppelin. A canção encerra-se com a repetição do refrão.

O álbum encerra com “I See the Light”, onde a densa introdução dos acordes da guitarra traz baixo e bateria, em mais uma canção cantada por Vernon e Reeves. Os temas marcados, assim como as viradas de Brittle, ajudam a montar uma intrincada canção, onde as vocalizações no refrão, bem como as linhas de baixo, arrepiam. O solo de Vernon possui alavancas e escalas velozes, em uma linha que lembra muito o Taste, encerrando com a repetição do refrão.

Phil Brittle, atrás do bumbo do Quill

Hoje, exatos 35 anos depois da tragédia, o Baú do Mairon presta uma homenagem a Vernon, Reeves e Davies, bem como à Brittle, hoje membro do grupo Quill, e claro, ao Possessed que o mundo não pode ver, mas graças à desbravadores como Lee Dorrian, gravadoras independentes e diversos sites de download, nossa geração pode ouvir e curtir mais um dos ótimos grupos obscuros do hard setentista. 

sábado, 22 de outubro de 2011

Discos que Parece que Só Eu Gosto: Sepultura - Morbid Visions [1986]



Por Mairon Machado (Publicado originalmente no blog Consultoria do Rock)

Acho que já falei repetidas vezes como eu e o meu irmão, nosso colaborador Micael Machado, desenvolvemos nossa paixão musical praticamente juntos, ouvindo as mesmas coisas, e discordando praticamente em tudo o que um ouvia do outro. Eram raros os materiais que o Micael me mostrava que eu dizia: "Bah, isso é muito bom", e vice-versa. Foi assim com Iron Maiden, Legião Urbana e The Cure (por parte do Micael, e eu não gostei), e Led Zeppelin, Black Sabbath ou Mutantes (por minha parte, que ele não gostou). Até mesmo o Deep Purple, uma banda que nós dois gostávamos, o Micael preferia Ian Gillan, e eu só ouvia David Coverdale

No auge da minha paixão pelo thrash metal, pouco depois de completar oito anos, eu descobri uma mera banda chamada Slayer, através de um K7 que o Micael arranjou sei lá com quem que continha de um lado um álbum do Metallica, o famoso black album Metallica e havia sido lançado dias antes, e do outro lado South of Heaven, o mais pesado disco do Slayer. Enquanto o Micael batia cabeça com "Enter Sandman", "Sad But True", "Holier Than Thou" e outras, eu delirava com "Mandatory Suicide", "South of Heaven" e "Dissident Agressor" (só para citar algumas). Nossa briga era por quem ouvia a fita, e o resultado foi algo que hoje os jovens não conhecem, ou acham que só existe em museu: a transferência de cada canção desejada para uma outra fita K7, nos famosos duplo-decks.

Porém, meu gosto pelo Slayer era por causa do Possessed, descoberto um ano antes em outro cassete que o Micael conseguiu que tinha sei lá o que no lado B (Agent Orange???) e no lado A o Seven Curches. Caraca! Aquilo era muito forte. As linhas de guitarra, o vocal gutural, as melodias infernais do grupo que eu não tinha nem ideia como era o nome de cada integrante, me arrepiava, me dava medo. E eu gostava. Passei a ser um fiel seguidor do Possessed e até hoje é uma das minhas bandas favoritas.

Sepultura no início de carreira
Exatamente naquele longíquo 1991, o Micael me apareceu um dia com uma banda chamada Sepultura (nem conto qual o outro disco que ele comprou no mesmo dia para o Mica não passar vergonha, hehehe). Tendo o álbum Beneath the Remains nas mãos, sentou-se a ouvir aquilo e me dizia: "Isso é thrash metal de verdade, não esses teus Possessed e Slayer que tu ouves". O som realmente não era dos piores, mas a blasfêmia do Micael em tentar comparar Sepultura com Possessed me causou revolta, e eu não conseguia gostar do grupo. Taradão pelo som dos mineiros, aos poucos o Micael foi comprando a coleção. Veio o Arise, depois o Schizophrenia, e por fim, Chaos A. D.Bestial Devastation e Morbid Visions.

Apesar da minha relutância em gostar do Sepultura, eu curtia no fundo o som, e sempre escondido, pegava os discos para ouvir. Pois quando chegaram o Bestial Devastation e o Morbid Visions, por um acaso os discos que o Micael ouviu e menos gostou, a casa caiu, e eu descobri que realmente, o Sepultura que o Micael gostava não era o que eu gostava.

Bestial Devastation, a estreia vinílica dos mineiros
Bestial Devastation é um EP lançado pelo Sepultura em 1985. A formação do grupo na época era Max Cavalera (guitarra, vocais), Igor Cavalera (bateria), Paulo Jr. (baixo) e Jairo T. Guedes (guitarras). De um lado da bolacha, o Sepultura apresenta as canções "The Curse" (uma pequena vinheta), "Bestial Devastation", "Antichrist", "Necromancer" e "Warriors of Death", todas pauladas certeiras, furiosas, raivosas, mostrando uma indignação que me lembrava muito o Seven Churches, e eu curti aquilo. Na versão original, o EP saiu com o lado B complementado pelo grupo Overdose, mas não era essa a versão que o Micael tinha. Mesmo assim, aquele Sepultura eu curti, principalmente por que Jairo T. era (na minha opinião) muito mais guitarrista do que o falado Andreas Kisser.

O EP serviu como divulgação do nome Sepultura, e no ano seguinte, através da Cogumelo Records, a mesma formação lançou um LP completo, Morbid Visions. A produção tosca, as distorções extremamente sujas, aquele satanismo rugindo em cada mili-segundo do sulco, a agressividade e pancadaria comendo solta, me encantavam como uma naja por uma flauta, e eu me tornei um fã do Sepultura de Jairo T., a melhor formação do grupo. O que mais me impressiona é que toda a explosão furiosa do grupo estava impregnada em jovens adolescentes. No quarteto, Max e Paulo tinham 17 anos, Igor 16 e Jairo T. era o único que completaria 18 anos em 1986, mas na gravação do LP, ainda estava com 17 anos.


Paulo Jr., Igor Cavalera, Max Cavalera e Jairo T.
Morbid Visions abre com a faixa-título, onde as guitarras surgem com muita distorção, e Max grita "Hell", para a pauleira pegar. Igor detona na bateria, um monstro, mesmo sendo ainda adolescente, e os zumbidos das guitarras de Max e Jairo são como zangões em volta da colmeia. A velocidade das notas de guitarra, misturadas com a violência de Igor, é o que sempre apreciei no thrash metal, sendo que dificilmente ouvimos o baixo de Paulo Jr. Após a segunda repetição do refrão, o ritmo muda, não tão veloz, com Igor utilizando os dois bumbos enquanto Max e Jairo fazem uma sequência de acordes, voltando para o refrão e ao escandaloso solo de Jairo que conclui a canção.

Já "Mayhem" nos permite ouvir um pouco do baixo de Paulo Jr.. A introdução com notas marcadas e o grito de Max, apresenta o riff quebrado de baixo e guitarras, com mais um show de Igor. Max vomita a letra com uma violência descomunal, e é impossível não lembrar do Slayer na ponte da canção, com baixo e guitarra fazendo as pesadas notas que Igor consegue inventar um ritmo quebrado para a mesma. Max muda o estilo de cantar, mas a pancadaria continua, e depois de gritar "Mayhem", mais um solo extremamente barulhento e visceral de Jairo conclui outra grande pedrada do Sepultura.

Uma das melhores canções do thrash metal vem a seguir, a linda "Troops of Doom", com uma introdução poderosa das guitarras, baixo e a bateria de Igor. O peso dos instrumentos junto a marcação da bateria e os gritos guturais de Max assombram. Parece que estamos ouvindo o tinhoso entrando no quarto. Max e Jairo puxam o riff que dá ritmo para Max cantar, e ouvimos isso mudar para algo muito veloz, com Igor detonando as caixas e os tons em viradas furiosas. Max retorna a letra, e então, mais outro riff recheado de distorções leva ao baixo de Paulo Jr., que sozinho, comanda o riff final, onde Jairo faz a guitarra rugir com arpejos, alavancadas e bends insanos, fechando com mais pancadas na cabeça.

Por fim, outro petardo, "War", encerra o lado A, tendo uma introdução quebrada, onde Max grita o nome da mesma, e a velocidade das guitarras lembra muito Seven Churches do Possessed (acho que é por isso que eu gosto tanto deste disco). Curto bastante a sessão mais lenta de "War", onde Igor faz rolos mais simples nos tons, e com o crescendo dos riffs formando um interessante tema. As violentas viradas de Igor, junto aos velozes riffs de Max e Jairo, mostram como o Sepultura era agressivo, não tinha medo de investir na pancadaria, totalmente diferente do grupo que virou pós o idolatrado Chaos A. D., que a mim, não passa na goela. É essa agressividade que eu sempre desejei ouvir do grupo, e isso ocorre com perfeição não só no lado A de Morbid Visions, já que o lado B ainda tem mais pancadaria.

A melhor formação do Sepultura para este que vos escreve

Não sei da onde o quarteto mineiro tirou tanta raiva para gravar "Crucifixion", algo tão sinistro quanto o inferno (se é que isso pode existir). Logo na introdução, as notas de guitarra com baixo e chimbal marcando, estouram em uma violenta sequência de acordes onde Max novamente vomita a letra, gravando na cabeça praticamente à ferro-quente a palavra que dá nome a canção. É pancada por todo lado, e não tem como se defender da violência que o grupo impõe. O baixo de Paulo Jr., encoberto pelas guitarras, tenta sobreviver com o peso extra da distorção, e novamente, a ponte lenta é muito bem-vinda, para dar sequência a canção com um novo riff, onde Jairo sola com uma velocidade incrível. Alguns dizem que é mais barulho do que solo, mas fazer "esses barulhos" como Jairo T. fazia, jamais Andreas Kisser conseguiu fazer. Alavancadas, arpejos, raspadas de palheta, sinos e a voz satânica de Max, falando em latim, é macabro demais, de correr crianças, e é isso que está presente no meio da canção, que repete-se até o final.

"Show Me the Wrath" começa diferente, com o riff pesado do baixo e da guitarra e o ritmo cadenciado de Igor, mas depois, Igor solta os braços e os pés, para Jairo e Max acompanharem outra violenta faixa, com efeitos nos vocais, e que é a única onde o baixo de Paulo Jr. pode ser ouvido com mais clareza, repetindo as notas do violento e veloz riff das guitarras. Igor é o centro das atenções, fazendo quebradas que imitam a velocidade dos riffs da guitarra, na melhor linha Dave Lombardo, e chutando os dois bumbos, não limitando-se apenas a pisar nos mesmos.

Já "Funeral Rites" abre com um riff tipicamente death/thrash metal, construído pelas guitarras e com o baixo sendo o fiel escudeiro da sonzera distorcida gerada pelas seis cordas de Max e Jairo, que em algum momento lembra Black Sabbath, e também é muito similar ao início de "Crucifixion". Depois da longa introdução, os zangões surgem novamente, em uma velocidade absurda, e a partir de então, segure-se, pois Max irá esmurrar sua cara com violentas palavras cuspidas ao microfone, agressivas, podres e sujas, como jamais iria cantar novamente. As palavras do nome da canção, gritadas no refrão, ferem pela violência, e a mudança no ritmo após esse intervalo, demonstra que mesmo jovens, os garotos sabiam o que faziam.

O LP encerra-se com "Empire of the Damned", também com uma introdução similar a "Funeral Rites", com a diferença apenas nas batidas de Igor, e depois com a pauleira pegando. Creio que é por que depois de tanta pancada, já chegamos aqui cansados, e não tem como curtir essa canção 100%. Mesmo assim, é de se destacar a velocidade dos riffs de Paulo Jr., Max e Jairo, e também para o estuprador solo de Jairo T.

Adolescentes e agressivos
No geral, pouco menos de 35 minutos de muita sujeira, muita raiva, muita sonzeira, muito thrash-death metal porradão, que eu ouvi e ouvi o quanto pude, até que o Micael se mudou e ficou para mim apenas mais um cassete. Depois, por problemas pessoais, Jairo T. saiu do grupo, sendo substituído por Andreas Kisser. Jairo parou no The Mist, enquanto que o Sepultura começou uma nova fase, que os levaria a serem reconhecidos mundialmente.

Mas ai que está. O Sepultura é venerado por álbuns como Chaos A. D. (1993) e Roots (1996), pelos temas políticos em suas letras, pela mistura de sons, pelo Andreas Kisser, sei lá por que. Honestamente, isso não é Sepultura. O grupo poderia ter acabado em Arise que teria feito um bom papel na minha opinião, e se tivesse lançado apenas Morbid Visions, seria sem dúvidas a maior banda de thrash metal / death metal do Brasil.

Só que eu não conheço ninguém além de mim que pensa isso. A maioria dos fãs despreza a fase Jairo T., torcendo o nariz e nem se quer ouvindo. É compreensível. O som do Sepultura pós-Jairo T. é bem mais ameno, mais acessível e mais polido, não tem a crueza inicial, a "podreira", a raiva, e isso, bom, isso só os que são diferentes conseguem gostar (para não me chamar de louco).

Jairo T. Guedes
Será que tem mais alguém "diferente" nesse mundão que curte o Morbid Visions mais do que o resto da discografia do Sepultura? Veremos ...

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Maravilhas do Mundo Prog: Chris Squire - Lucky Seven [1975]



Contando com a participação de Bill Bruford na bateria, o baixista Chris Squire criou um magnífico álbum solo, e que talvez no geral, seja o mais apreciado pelos fãs do Yes. Fish out of Water carrega a discrição que o baixista do Yes mantém empunhando as quatro cordas do grupo, e destaca o lado vocal de Squire, que no Yes só aparece mais claramente no belíssimo álbum Drama, de 1980.

Squire decidiu seguir a linha do material que fora composto pelo Yes em Relayer (1974), chamando para ajudá-lo com as partes orquestrais outro ex-colega de grupo, mas agora não do Yes, e sim do The Syn, Andrew Jackman.

Squire, empunhando guitarra no seu disco solo

Entre 1965 e 1967, Squire e Jackman fizeram parte do The Syn, um grupo psicodélico da Inglaterra, com origens no rhythm & blues e muito similar ao que o Moody Blues fazia na mesma época. Além da dupla, faziam parte do The Syn Steve Nardelli (guitarras, vocais), Martyn Adelman (bateria) e John Painter (guitarra). Painter não durou muito tempo, sendo substituído por Peter Banks, enquanto Adelman também pegou suas trouxas cedo, sendo substituído pelo islandês Gunnar Jökull Hákonarson.

Essa foi a fase de ascensão do grupo, regada pela lisérgica psicodelia londrina e de onde saíram os singles "Created by Clive" / "Grounded" e "Flowerman" / "14 Hour Technicolor Dream", levando-os inclusive a abrir um show de Jimi Hendrix no Marquee Club de Londres, em 1967, mesmo ano que o grupo acabou, com Squire e Banks indo formar o Yes.

Compacto do grupo The Syn.
Squire é o primeiro da direita para a esquerda

O re-encontro entre os ex-colegas Squire e Jackman propiciou à dupla fazer trabalhos mais pensantes, elaborados, e também criativos. Jackman trouxe com ele uma pequena orquestra, formada por Adrian Bett (instrumentos de sopro), Jim Buck (trompas), Julian Gaillard (cordas), David Snell (harpa) e John Wilbraham (metais), e passou a transcrever as ideias orquestrais de Squire para o papel.

Assim, no dia 07 de novembro de 1975, Squire lançou Fish out of Water, uma brincadeira com seu apelido (The Fish) como que estando fora do Yes. Nele, o baixista ficou encarregado, além das quatro cordas, das guitarras, violões e vocais. O álbum abre com "Hold out Your Hand" e "You By My Side", as quais são canções simples, com destaque para a participação mais que importante de Bill Bruford e Patrick Moraz, além dos poderosos solos de Squire no baixo, e do bonito solo de Jackman no órgão da Catedral de St. Paul em "Hold out Your Hand", enquanto "You By My Side" é uma bonita balada levada ao piano. "Silently Falling", a longa canção que encerra o lado A, é uma poderosa faixa, linda, com harmonias de flautas e metais que encantam, com Moraz participando nos teclados, Bruford destruindo na bateria, e que poderia ocupar o lugar de maravilha prog facilmente.

Chris Squire
Mas a faixa que abre o lado B é insuperável. Além de Jackman e Bruford, "Lucky Seven" traz a participação mais que especial do saxofonista Mel Collins (King Crimson), o que deu um ar mais progressivo à canção. O piano elétrico de Jackman faz o tema introdutório, com Squire marcando o tempo no baixo. Bruford surge com a marcação no bumbo, chimbal e caixa, com Squire aumentando a quantidade de notas de seu baixo. O saxofone de Collins aparece fazendo um curto tema, e Squire passa a cantar a letra da canção.

A semelhança com canções do Van der Graaf Generator é incrível, misturando jazz fusion e progressivo em doses homeopáticas e extremamente chapantes. Squire canta o refrão e faz algumas escalas, sempre sobre o tema do piano elétrico e das intervenções do saxofone, enquanto Bruford continua sua sequência de batidas incomuns, com ritmos descompassados mas que encaixam-se perfeitamente na estrutura da canção. O refrão é repetido, e Squire passa a solar no baixo, com escalas rápidas que vão envolvendo um pequeno arranjo de cordas que surge ao fundo.

Vocalizações levam a um aumento no ritmo de Bruford, que agora soca os pratos com uma técnica que mistura força e precisão, enquanto Squire continua seu solo e Jackman não para com o tema do piano elétrico. A letra é retomada, e as cordas passam a acompanhar a melodia vocal de Squire, de onde Collins surge solando com escalas coltranianas, e as cordas fazendo o belo tema de acompanhamento do solo, onde Bruford demonstra o porquê de ser considerado um dos principais bateristas do rock progressivo, com quebradas dificílimas, em um andamento 7/8, e com Squire solando independentemente do saxofone, que gradativamente, vai diminuindo o volume de seu solo, para encerrar com as notas do piano elétrico e com o saxofone suavemente deixando seu quarto.

Na sequência de "Lucky Seven", a suíte "Safe (Canon Song)" surge repleta de cordas e partes que compõem uma belíssima canção, também merecedora de ser chamada de Maravilha, só que o conjunto da obra em "Lucky Seven" soa mais progressiva, e não tão grandiosa quanto "Safe (Canon Song)".

Squire não tem uma carreira solo de destaque. Em 1981, lançou em parceria com o baterista Alan White o álbum Run With the Fox, e somente em 2007 lançou seu segundo álbum solo, Swiss Choir. Porém, participou de vários projetos, com destaque para o Conspiracy (ao lado do guitarrista Billy Sherwood) e também como músico convidado de álbuns do tecladista Rick Wakeman, sendo o único a permanecer no Yes desde sua formação.

Re-lançamento DELUXE de 2007

Fish out of Water foi relançado em uma versão DELUXE em 2007, trazendo muito material bônus, como vídeos promocionais e também um documentário com entrevistas. A performance de Bruford no álbum é exaltada pelos fãs como sendo a definitiva de sua carreira, e realmente, se não é a definitiva, é uma das mais importantes. E claro, o talento de Squire como compositor foi colocado a prova, e passou no teste de fogo, já que as cinco canções do álbum são ótimas referências para um aprendiz no mundo do Yes, tendo em "Lucky Seven" um símbolo extra, possuído apenas por canções dignas de serem chamadas de Maravilhas.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A longa jornada dos habitantes de Sunhillow



Continuando nossa peregrinação pela carreira solo dos membros do Yes no período entre 1975 e 1976, hoje vamos conhecer aquela que talvez seja a mais progressivas das canções gravadas por um membro do Yes em carreira solo. Obviamente, esse membro só poderia ser o vocalista Jon Anderson.

Jon Anderson, em 1975
Sempre adepto a um lado espiritual, zen e meditativo, Anderson era o responsável por ser o mestre de cerimônias do Yes, empunhando o microfone para transmitir as bonitas e complicadas letras do grupo, muitas vezes compostas justamente por ele. A parceria com Steve Howe (guitarra) concebeu canções que marcaram época como as mais lindas do rock progressivo. "Close to the Edge", "Roundabout", "Awaken" e todo o álbum Tales from Topographic Oceans são alguns dos melhores exemplos de uma das melhores duplas de compositores da história do rock (assim como Lennon/McCartney ou Jagger/Richards).

Seria possível que, sem Howe, Anderson construísse canções que marcassem? A resposta positiva é dada no álbum Olias of Sunhillow, o primeiro álbum solo do cantor. Em mais uma imaginativa história criada por Anderson,  Olias of Sunhillow narra a história de uma raça alienígena, a qual vive em um planeta chamado Sunhillow, que viaja para um novo mundo, no caso a Terra, devido a destruição de seu planeta original por catástrofes climáticas causadas pelos habitantes daquele lugar.

A capa original do livro + vinil Olias of Sunhillow
A fuga de Sunhillow é necessária de ser feita com brevidade, e o escolhido para construir a aeronave que irá levar os habitantes para o novo planeta é o arquiteto Olias. Olias constrói a nave Moorglade, a qual tem como capitão Ranyart e como líder Qoquaq, responsável por unir as quatro tribos existentes em Sunhillow e fugir do planeta.

Olias, Ranyart e Qoquaq encontram-se nas clareiras dos Jardins de Geda,  mais precisamente na planície de Tallowcross, e lá, desenvolvem o plano e as escolhas necessárias para resgatar a população de Sunhillow e leva-la para outro planeta. As quatro tribos vivem da música, dos ritmos e dos tempos característicos de cada tribo, cantando para as estrelas em busca da luz própria, que é o que os alimenta. A energia, a alma, os movimentos das tribos, era tudo de acordo com a estrela para a qual ela dedicava seus cânticos.

Essas tribos eram: Nagranium, de pele escura, que faziam batidas em pequens estrias de Sunhillow; Asatranius, os quais faziam linhas monotônicas em metais; Oractaniom, os quais estimulavam vários sons de metais leves; e Nordranious, responsáveis por extrair sons de seus próprios corpos. 

Parte do livro que acompanha a versão original do LP
Ranyart passa a construir forças através de uma dança com feixes de alternidade enviados para os céus, onde esses feixes de alternidade são movimentos feitos com luz e energia (viagem zen total). Olias enquanto isso, ocupa-se de construir Moorglade, cantando para as árvores metálicas de Sunhillow, com suas folhas de ouro e com suas fortes raízes, extraídos para a criação de uma nave com braços e pernas bem abertos, como asas, além de um grande mastro e de espaço suficiente para todos os habitantes de Sunhillow. Olias reforça a estrutura de Moorglade com peixes do oceano solar que envolve o planeta, que envoltos pelos cantos de Olias, moldam-se a nave submissos ao construtor, onde acabam morrendo, mas fortalecendo a nave.

Com Moorglade pronta, Qoquaq encarrega-se de juntar as tribos, cantando em um vale profundo, pelo qual o som espalhou-se  do oriente ao ocidente, de norte a sul do planeta. O cântico de amor e paz, foi o sinal de que era necessário sair de Sunhillow, e assim, pouco a pouco as tribos foram sendo unidas naquele vale. Depois de todos unidos, Qoquaq levou as tribos para Moorglade, através de um transe com a canção que Olias passava a entoar da aeronave, localizada na planície de Tallowcross.

Mais algumas páginas do livreto
O ritmo dos cânticos de todas as tribos fez com que a Moorglade levanta-se vôo, lentamente, arrastando-se ao longo da planície e indo em direção às estrelas, com suas velas gigantes. Pouco depois, já no espaço, a população dentro da Moorglade ouviu uma enorme explosão. Era o fim de Sunhillow. Os milhões de pessoas na nave choraram lágrimas silenciosas.

Depois do choque, as brigas das tribos dentro de Moorgrade acabou afetando o andamento da viagem. O som agora era em desrmonia, sem equilíbrio, gerando medo dentro das almas da população, e então, a nave acabou ruindo-se devido a presença de uma força estranha, Moon Ra, a força da desorientação. Olias então depara-se com o tormento de seu povo, e passa a cantar acordes de amor e vida para acariciar Moon Ra. A tensão diminui, e as pessoas agora dormem sob um cobertor de cristal (!), e então, a Moorglade continuou sua viagem através de uma canção de amor cantada por Olias.

Selo de Olias of Sunhillow

A aeronave segue seu caminho, planejado por Ranyart, e chegam a Terra, onde a população passa a cantar uma nova canção, uma canção de pesquisa para voar sobre as colinas e nuvens do novo planeta, onde a Moorglade irá descansar nas planícies de Asguard. Lá, em despedida, Olias, Ranyart e Qoquaq sobem na montanha mais alta, e deitados, com os olhos fixos para as estrelas, voltam a viver suas vidas em contato direto com o universo.

Toda essa viajante história é narrada através de muitas vocalizações, efeitos e climas viajantes, através das belíssimas canções do LP. "Ocean Song" apresenta o som dos oceanos, que vão tomar conta de Sunhillow. "Meeting (Garden of Geda) / Sound out the Galleon" é quando a população de Sunhillow descobre que o planeta irá acabar. "Dance of Ranyart / Olias (To Build the Moorglade)" é o momento onde Olias é escolhido par construir a arca que levará os habitantes de Sunhillow, enquanto "Qoquaq Ën Transic / Naon / Transic Tö" é a busca pela paz entre as tribos do planeta através de Qoquaq.

O lado A encerra-se com a fuga de Sunhillow em "Flight of the Moorglade", e o lado B abre com os efeitos especiais de "Solid Space". Então, finalmente os habitantes encontram um novo lar, através de "Moon Ra / Chords / Song of Search", concluindo a longa jornada em "To the Runner".

Moorglade, carregando os habitantes de Sunhillow pelo espaço

As variações climáticas das canções demonstram cada momento da população de Sunhillow com perfeição, e exaltam a capacidade de criação de Jon Anderson, fazendo dessa história uma das mais bonitas composições do progressivo, e também do estilo cunhado posteriormente pelo nome de New Age.

Destaque no livreto, com a história e a bela imagem de David Fairbrother
Anderson teve a companhia de Brian Gaylor nos sintetizadores e Ken Freeman, que fez o arranjo de cordas. No mais, tocou todos os instrumentos, os quais são violões, guitarras, harpa, sintetizador e percussão, além de fazer todos os vocais. É impressionante como o talento desse gênio ainda é discutido por alguns preciosistas, e inegável que mesmo fora do Yes, Anderson era capaz de fazer maravilhas como as feitas em Olias of Sunhillow, que ficou na oitava posição no Reino Unido e foi o mais aclamado dos álbuns solos dos membros do Yes entre 1975 e 1976.

 A capa de Fragile inspirou Olias of Sunhillow, através da nave Moorglade

A bonita capa do LP foi inspirada em Fragile, sendo Moorglade a mesma nave que aparece na capa do álbum do Yes.  A canção "We Have Heaven", presente neste álbum, é um bom aperitivo para as sonoridades que você irá encontrar em Olias of Sunhillow. Elaborada pela Hipgnosis, e tendo figuras desenhadas por David Fairbrother (responsável pelas capas do Nazareth), a versão original da capa do LP vêm acompanhada de um bonito livreto, onde as ilustrações e as letras das canções ganham destaque com uma belíssima mistura de cores, figuras e detalhes (que ilustram essa matéria).

Am I Genius??? Or am I God???
A carreira solo de Anderson seguiu com mais baixos do que altos, com Song of Seven (1980) sendo outro disco merecedor de um pouco de atenção. Mesmo sua parceria com o tecladista grego Vangelis, gerou alguns bons momentos, mas nada digno de ser chamado de maravilha. Em compensação, no Yes ele voltaria para fazer muitas canções que aos poucos, aprecerão por aqui.
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