segunda-feira, 30 de abril de 2012

Podcast Grandes Nomes do Rock # 37: Jeff Beck




Publicado originalmente no blog Consultoria do Rock

O podcast Grandes Nomes do Rock desse mês homenageia um dos principais guitarristas da história do rock, Jeff Beck. Em duas horas de programa, passearemos pela carreira do músico desde seus tempos no Yardbirds até os dias de hoje, destacando canções de sua carreira solo, canções do Yardbirds, bandas contendo músicos que tocaram ao lado de Beck e um bloco especial com covers gravadas por Beck, e também regravações de composições do inglês por outros artistas. 


Geoffrey Arnold Beck nasceu no dia 24 de junho de 1944, em Wallington, Inglaterra, e desde pequeno teve contato direto com a música. Aos 6 anos, Beck ouviu Les Paul tocando em uma rádio, e ali, decidiu que realmente o que ele queria ser era um guitarrista. Aos dez anos, o garoto era o principal cantor no coral da igreja da sua cidade, e com doze, teve suas primeiras lições de violão e guitarra em um violão emprestado. Insatisfeito de ter de sempre pegar um instrumento para tocar, Beck começou a desenvolver a construção de seu próprio instrumento, através da famosa tentativa e erro. 

O primeiro violão foi construído colando parafusos em uma caixa de charuto, que fazia o corpo do instrumento, e uma parte da cerca de sua casa que fazia a parte do braço, com as asas de uma aeronave de aeromodelagem sendo a mão do instrumento. Posteriormente, ele percebeu que o ideal seria fazer adaptações que facilitariam a forma de tocar, entre elas, adaptar captadores elétricos e transformar o violão em guitarra. 

Após encerrar o ensino médio, Beck ingressou no Wimbledon College of Art, aonde desenvolveu seus dotes como pintor e decorador, especializando-se principalmente na pintura de carros. É na Wimbledon College of Art, através de sua irmã, Annetta Beck, que ele é apresentado ao guitarrista Jimmy Page. Surgia assim uma grande amizade, a qual também foi muito conturbada. 

Com 19 anos, Beck fundou seu primeiro grupo, o The Rumbles, o qual era voltado para covers de Gene Vincent e Buddy Holly. Em 1963, ocorre a primeira gravação de Beck, fazendo o solo na canção “Stealin’”, do grupo The Cyril Davies All Start, sendo essa o lado A da bolachinha, que no lado B traz a faixa “Chuckles”. Ele passou o ano de 64 trabalhando como músico de estúdio, participando de singles gravados por Phil Ryan, Johnny Howard Band e Screaming Lord Sutch. 

Cris Dreja, Jeff Beck, Paul Samwell-Smith, Jim McCarthy e Keith Relf:
o Yarbirds em 1965

Em 1965, Beck aumenta o número de participações. Dessa vez, Beck executa as seis cordas em gravações de Nightshift, Fitz and Startz, Chris Andrews, Stars Charity e Sandy Shaw. Esse grande número de participações, e uma indicação de Jimmy Page, fez com que Beck entrasse no lugar de Eric Clapton no Yardbirds. 

A entrada de Beck no Yardbirds mudou o status do grupo para o mais elevado posto nas paradas americanas e britânicas, batendo de frente (e por muitas vezes ganhando) os grandes Beatles e Rolling Stones, apesar de Beck ter permanecido no grupo por apenas 20 meses. Nesse período, ele gravou o lado A do espetacular Having a Rave Up With The Yardbirds (1965) e o essencial Roger the Engineer (1966), também conhecido como Over Under Sideways Down, nome pelo qual foi lançado nos Estados Unidos. 

Uma das principais composições dessa época é “Still I’m Sad”, uma inovadora faixa, que mistura cantos gregorianos com psicodelia, distinto do que era apresentado por todas as bandas de rock da época. Outras canções clássicas da era Beck em Yardbirds são “I’m a Man”, “Over, Under, Sideways, Down”, “Jeffs Boogie”, “Heart Full of Soul” e “Shapes of Things”, alguns exemplos primordias da importância de Beck para o rock. 

Cris Dreja, Jimmy Page, Jim McCarthy, Keith Relf e Jeff Beck;
formação clássica do Yardbirds

Em setembro de 1966, o Yardbirds chegou no ápice de sua carreira, com a entrada de Jimmy Page para dividir as guitarras com Beck. Um dos momentos mágicos do rock pode ser conferido no filme Blow Up (1966), onde Beck estraçalha a guitarra enquanto Page dá risadas da interpretação artística de seu colega. Infelizmente, o quinteto Yardbirds, que além de Beck e Page, contava ainda com Keith Relf (harmônica, vocais), Cris Dreja (guitarra, baixo, vocais) e Jim McCarthy (bateria), não deixou nenhum registro para a posteridade, pois em novembro de 1966, Beck foi demitido, devido principalmente a seus atrasos e ausências em diversos shows do grupo pelos Estados Unidos, além de seu perfeccionismo e temperamento explosivo. 

Micky Waller, Jeff Beck, Rod Stewart e Ronnie Wood:
primeira formação do Jeff Beck Group
Pós-Yardbirds, Beck mergulhou em uma carreira solo de grande sucesso, primeiramente com os singles “Hi Ho Silver Lining” (uma das raras canções a trazer a voz de Beck) e “Tallyman”, e posteriormente, fundando a Jeff Beck Groupo, cuja primeira encarnação contou com Beck nas guitarras, Rod Stewart nos vocais, Ronnie Wood no baixo, Nicky Hopkins no piano e Micky Waller na bateria. 

Essa formação prontamente entrou nos estúdios da Atlantic, e em agosto de 1968, gerou um dos melhores discos daquele período, batizado Truth. Gravado em apenas quatro datas, nos dias 14, 15, 25 e 26 de maio de 1968, Truth é uma aula de guitarra, e da potência sonora que Beck exalava para o hard rock. Apesar de ser composto apenas por covers, é inegável a qualidade de pérolas como “I Ain’t Supertitious” (de Willie Dixon), “Ol’ Man River” (de Jerome Kern e Oscar Hammerstein”, e claro, os delírios instrumentais de “Beck’s Bolero”, uma obra prima composta por Page e Beck, com inspiração no "Bolero" de Ravel. 

Além desses clássicos, Truth também traz a polêmica “You Shook Me”, uma versão para a peça de Willie Dixon, gravada pelo Led Zeppelin de Jimmy Page cinco meses depois do lançamento de Truth em Led Zeppelin, o álbum de estreia do grupo de mesmo nome, e que até hoje gera controvérsias de quem teria feito a versão encontrada em ambos os álbuns, com Beck defendendo que ele é o responsável pelo arranjo, e Page dizendo que apenas adaptou o que Beck já havia gravado, construindo um novo arranjo. 

O fato é que Truth fez bastante sucesso, chegando na décima quinta posição nos Estados Unidos, e revelando a rouca voz de Rod Stewart para o mundo, além de um jovem Ron Wood executando linhas de baixo, algo que posteriormente, no Rolling Stones, ele deixaria de fazer. 

Jeff Beck, Rod Stewart, Tony Newman e Ronnie Wood

Em julho de 1969, chega às lojas a sequência de Truth, o também espetacular Beck-Ola, trazendo Tony Newman no lugar de Micky Waller. A gravação de Beck-Ola demorou um pouco mais que Truth, agora seis datas em abril de 1969 (3, 6, 8, 10, 11 e 19). Os grandes destaques ficam por conta das versões para “All Shook Up” (Elvis Presley) e “Jailhouse Rock” (Jerry Leiber e Mike Stoller”, além da embalada “Spanish Boots”, onde podemos conferir um pouco mais do baixista Ronnie Wood, e da belíssima instrumental “Girl from Mill Valley”, composta por Hopkins. 

Novamente, Beck alcançava a décima quinta posição nos Estados Unidos. Durante a turnê por este país, incidentes, brigas e o famoso Caso-Woodstock levaram ao fim da primeira geração do Jeff Beck Group em agosto de 1969. Aos que não conhecem o Caso-Woodstock, o Jeff Beck Group estava programado para ser uma das principais do evento, tanto que seu nome aparece nos cartazes promocionais. Porém, Beck desistiu de tocar dias antes do evento começar, desagrando Stewart e Wood. As ofensas foram inevitáveis, com Wood e Stewart sendo demitidos, Hopkins participando do evento como tecladista do Jefferson Airplane e Newman perdido no meio da discussão. 

Rod e Ron ingressaram no Faces, enquanto Hopkins passou a fazer parte do Quicksilver Messenger Service. Já Beck afastou-se temporariamente da música, rejeitando inclusive a oferta de substituir Brian Jones no Rolling Stones (sendo que em 1967, ele já havia recusado o convite para substituir Syd Barrett no Pink Floyd), até sofrer um grave acidente de carro próximo a cidade de Maidstone, em dezembro de 1969. 

Pouco antes do retiro para tratar sua lesão no crânio, causada no acidente, Beck participou do álbum Music from Free Creek, um ousado projeto com renomados artistas como Eric Clapton, Dr. John, Mitch Mitchell e Linda Ronstadt, e que foi lançado em 1973. Beck participa das canções “Cissy Strut”, “Big City Woman”, “Cherrypicker” e “Working in a Coalmine”. O retiro acabou impossibilitando a união de um super grupo, o qual começava a ser planejado, tendo Beck, Tim Bogert (baixo) e Carmine Appice (bacteria). 

A ex-dupla do Vanilla Fudge acabou fundando o Cactus, e Beck cuidou de tratar dos problemas gerados pelo acidente. Quando Beck recuperou-se do acidente, decidiu formar uma nova banda. Primeiro, o guitarrista trouxe para tocar com ele o baterista Cozy Powell, e então, com o auxílio do produtor Mickie Most, Beck e Powell mandaram-se para os Estados Unidos no início de 1970, onde alugaram o renomado Studio A da Motown, localizado em Hitsville. Lá, tendo o auxílio do grupo The Funk Brothers, o trio registrou diversas faixas, voltadas para o funk e a soul music, bem no estilo motowniano, o que inspirou Beck a construir uma formação sólida para tocar esse estilo de música. 

Famoso álbum bootleg da segunda geração do Jeff Beck Group
Em abril de 1971, surgia a segunda encarnação do Jeff Beck Group, contando com Beck, Powell, Alex Ligertwood (vocais), Max Middleton (teclado) e Clive Chaman (baixo), formação essa que entrou nos estúdios ainda em abril. A expectativa era grande para o lançamento do novo álbum de Beck, o qual era barrado por problemas entre Beck e a gravadora RAK. Quando o contrato entre ambos encerrou em maio de 1971, Beck assinou com a Epic, na época, uma subsidiária da CBS. 

Ali, o novo LP começou a tomar forma, aproveitando as músicas gravadas em abril. Porém, Beck não gostou da participação vocal de Ligertwood, e então, saiu em busca de um novo vocalista, cabendo esta tarefa para Bobby Tench (guitarra, vocais). O ex-vocalista do grupo Gass entusiasmou Beck em uma apresentação de seu grupo, e claro, não desperdiçou a oportunidade de tocar com um grande nome do rock como Jeff Beck. 

Essa formação então estreiou vinílicamente em Rough and Ready, lançado em 25 de outubro de 1971 no Reino Unido (09 de janeiro de 1972 nos Estados Unidos). A sonoridade totalmente nova, com influências do soul, rhythm & blues e jazz em nada se assemelhava ao peso da primeira encarnação do Jeff Beck Group, e relevava ainda mais as capacidades musicais de Beck, sendo considerado um sucesso, mesmo com atingindo a modesta quadragésima sexta posição nas paradas americanas. 

Logo após o lançamento nos Estados Unidos, o Jeff Beck Group saiu para uma curta turnê de dezesseis datas pelo país, destacando principalmente as canções de Rough and Ready, com destaque para “Got the Feeling”, “Situation” (ambas lançadas em single) e “New Ways / Train Train”. Vale lembrar que a versão original americana apresenta a canção “Max’s Tune” com o nome "Raynes Park Blues”, o que foi corrigido nas versões posteriores. Talvez o maior destaque desse álbum é que Beck escreveu seis das sete faixas do mesmo, o que não havia acontecido nos álbuns anteriores. 

A estrondosa turnê de Rough and Ready propiciou uma volta aos estúdios para a gravação do segundo álbum dessa encarnação. Tendo agora como produtor Steve Cropper, e a mesma formação do disco anterior, no primeiro dia de maio de 1972 chegava às lojas americanas Jeff Beck Group (09 junho no Reio Unido). Particularmente, considero este o melhor disco da carreira de Beck. Nele, as influências da soul music são ainda maiores do que no seu antecessor, com Beck voltando a trabalhar usando covers, principalmente de artistas da Motown. 

Beck em 1972

Cinco das nove faixas do Disco da Laranja são covers, destacando “Tonight I’ll Be Staying Here With You” (Bob Dylan), “Going Down” (Don Nix) e “I Got Have a Song” (Stevie Wonder). Mas a melhor canção deste LP fica por conta da que o encerra, uma composição de Beck batizada de “Definitely Maybe”, a qual é uma jóia rara instrumental, aonde o guitarrista faz seu instrumento chorar usando o pedal wah-wah cry-baby. Mais uma pequena série de shows e Beck resolve acabar com o Jeff Beck Group, alegando divergências musicais. O fato maior, não revelado na época, é que Beck estava com a cabeça novamente voltada para o hard rock. 

O antigo projeto de montar uma super-banda ao lado de Tim Bogert e Carmine Appica voltava a ser o alvo de Beck, ainda mais por que a dupla já havia saído do Cactus. Os ensaios entre o trio começou no início de 1972, e em agosto daquele ano, já estavam em cima dos palcos, para preencher obrigações contratuais da segunda encarnação do Jeff Beck Group. Nesses shows, além do trio citado, participaram Max Middleton e Kim Milford, o qual foi substituído na sétima apresentação por Bobby Tench, este último permanecendo até o final da turnê. 

Carmine Appice, Jeff Beck e Tim Bogert, um dos principais
power-trios da história

Encerradas as obrigações contratuais do Jeff Beck Group, enquanto os demais membros do Jeff Beck Group criaram o Hummingbird, Beck realizava seu sonho, fundando o power trio Beck, Bogert & Appice, um dos grandes Power-trios da história, ao lado de Cream, Taste, West, Bruce & Laing e Grand Funk Railroad. Em setembro, o BBA estreia oficialmente nos palcos, com Appice fazendo as vezes de vocalista. O poderoso som do trio impressionou os europeus, já que a turnê passou por Reino Unido, Holanda e Alemanha. Com isso, eles chegaram ovacionados nos Estados Unidos, em outubro de 1972, por onde permaneceram excursionando até o dia 11 de novembro daquele ano. 

A partir de dezembro, por pressão de gravadoras e dos fãs, concentram-se na gravação de um LP, o qual é lançado nos Estados Unidos em 26 de março de 1973 (06 de abril no Reino Unido) sob o título de Beck, Bogert & Appice. O som do LP é uma mistura das duas gerações do Jeff Beck Group, mas com uma pegada seminal advinda da cozinha Bogert e Appice. O grande destaque do LP ficou por conta do mega hit “Superstition”, originalmente gravada por Stevie Wonder. Outras canções que merecem destaque são “Oh To Love You”, “Livin’ Alone” e “Black Cat Moan”. Além do trio, participaram do LP Jimmy Greenspoon (piano), Duane Hitchings (mellotron) e Danny Hutton (vocais). Três singles foram lançados: "Black Cat Moan" / "Livin" Alone" (16 de fevereiro de 1972), "I'm So Proud" / "Oh To Love You" (28 de maio de 1973) e "Lady" / "Oh To Love You" (16 dejulho de 1973). O álbum alcançou a posição # 12 nos EUA e # 28 na Inglaterra. 

Beck durante a apresentação no Rainbow Theatre em 1974
Uma extensa turnê de promoção começou no primeiro dia de fevereiro de 1973, com o grupo partindo para uma turnê tocando em pequenos lugares, como salas de concerto e também em universidades pela Inglaterra, encerrando essa pequena temporada com uma apresentação no dia 18 de fevereiro no Top Rank Suite de Cardiff. No dia 20 de fevereiro, fazem uma aparição no programa de TV francês Pop Deux diante de mil pessoas, partindo para um descanso de um mês. 

Voltam a ativa no dia 28 de março de 1973, iniciando uma turnê mundial a partir dos EUA, no Music Hall de Boston, onde Beck utilizou pela primeira vez o talk box, dois anos antes de Peter Frampton explodir com o uso desse equipamento. Após dezessete apresentações pelos EUA, o trio fez o show de encerramento da turnê americana em Winterland, no dia 16 de abril, mais uma vez aclamados por mídia e público. 

Como o palco era o lar do BBA, voltam para uma segunda turnê, começando no dia 26 de maio no Centre Arena de Seattle e encerrando em 8 de junho no Honolulu International do Hawaii, de onde partiram para uma série de shows pelo Japão, iniciada em 14 de junho no Nippon Budokan, e após cinco dias, encerrava a série nipônica no Koseinenkin Hall de Osaka. No dia 03 de julho, o trio dividiu o palco com David Bowie, para tocar “Jean Genie”, “Love Me Do” e “Around and Around”) em um show na Inglaterra. Ainda na Europa, em 8 de julho apresentam-se no circuito anual de festivais de rock europeu, viajando pela Alemanha Oriental, Holanda e França durante uma semana, com o show de encerramento ocorrido em 14 de julho na cidade-luz. 

Em outubro daquele ano, Beck participou das gravações do álbum Lane Changer, de Michael Fennely, além de contribuir na produção do primeiro disco do Hummingbird. O término da turnê mundial seria novamente nos EUA, agora cobrindo a parte oeste e sul do país, passando por estados como Pennsylvania, Carolina do Norte, Flórida, Maryland e Georgia. Porém, no dia 17 de julho Jeff Beck dicidiu deixar o trio, alegando cansaço e falta de motivação para seguir adiante. 

Da turnê japonesa foi lançado em 21 de outubro o LP Live in Japan, o que motivou o trio a se reunir novamente. Assim, em 21 de novembro de 1973 se mandam para uma série de shows que passou pela Inglaterra, tocando em cidades como Brighton, Liverpool, Sheffield, Bristol e Londres, além das escocesas Glasgow e Edinburgo, onde a turnê foi encerrada em 29 de fevereiro de 1974, tocando no Caley Theater. 

Durante a turnê inglesa, registram o show de 26 de janeiro de 1974, realizado no Rainbow Theatre, o qual foi apresentado no programa americano de shows Rock Around the World. Este foi o último registro do BBA, mostrando alguns sons que fariam parte do segundo álbum da banda. Algumas canções aparecem na compilação Beckology, lançada em 1991. 

As sessões de gravação do segundo álbum começaram em janeiro de 1974, porém, brigas internas levaram a separação do trio antes do lançamento do mesmo, que até hoje aguarda um lançamento oficial. Várias cópias piratas circulam pela internet, e é possível perceber que a sonoridade da BBA ainda manteria o padrão do excelente álbum de estreia. 

O segundo álbum não foi lançado oficialmente, mas é possível encontrá-lo através de diversos sites e blogs mundo afora. Do show no Rainbow Theatre, “Blues Deluxe” e “BBA Boogie” foram lançadas oficialmente na caixa Beckology (1991), enquanto em fevereiro de 1975, saiu o álbum Beck, Bogert & Appice Live in Japan, registro da passagem do power trio pelas terras nipônicas, e que foi lançado primeiramente no Japão, em uma edição limitada e rara, e posteriormente na europa e Estados Unidos. 

Meses depois do término do BBA, Beck resolveu voltar para a carreira solo, tendo como banda de apoio o grupo Upp. Por outro lado, o Upp acabou lançando dois interessantes discos com a produção e participação especial de Beck, os raros Upp (1974) e This Way Upp (1975). 

Em outubro de 1974, começam as gravações do primeiro álbum solo da carreira de Beck, mesmo período que Beck chegou a realizar alguns testes para substituir Mick Taylor no Rolling Stones, mas a incompatibilidade de gênios entre Beck e Richards fez com eu o ex-colega Ron Wood assumisse a guitarra, e Beck seguisse em carreira solo. 
Jeff Beck, um mestre inspirador para o mundo das guitarras
Batizado de Blow by Blow, é um dos mais cultuados discos da carreira de Beck. Abrangendo a onda de fusion e jazz que assolava a Europa na metade dos anos 70, o guitarrista, apoiado por Max Middleton (teclados), Phil Chen (baixo) e Richard Bailey (bateria), gerou um dos melhores discos instrumentais da década de 70, inspirando nomes como Dave Murray, Eddie Van Halen e Ritchie Sambora. Vários são os destaques, dentre eles “Thelonius” (com a participação de Stevie Wonder), “Scatterbrain” (trazendo arranjos de George Martin) e “Constipated Duck”. Destaque também para a versão de “She’s a Woman” (original do Beatles). Não à toa, Blow by Blow foi o primeiro disco do guitarrista pós-Yardbirds a chegar entre os cinco mais nos Estados Unidos, atingindo a quarta posição, sendo este até hoje o mais bem sucedido disco da carreira do músico. 

Uma longa turnê começou nos Estados Unidos, após um pequeno show em Londres, no dia 29 de Março de 1975. Durante abril e maio, Beck tocou abrindo para a Mahavishnu Orchestra, naquelas datas que muitos dizem terem sido os melhores shows que o guitarrista já fez, apesar do famoso incidente no show de Ohio, Cleveland, onde o talk box do guitarrista falhou durante a apresentação de “She’s a Woman”, e para piorar, uma corda se quebrou pouco depois. Revoltado, Beck destruiu a guitarra e o talk box em pleno palco. 

Outro ponto relevante dessa turnê foi a participação do World Rock Festival, do mestre Yuya Uchida, realizado no dia 07 de agosto de 1975, no Japão. Beck interpretou sete canções, além de uma performance instrumental arrasadora entre bateria e guitarra (na companhia de Johnny Yoshinaga) e uma viagem de ida com o baixista Feliz Pappalardi (Mountain) e o vocalista Akira “Joe” Yamanaka (ex-companheiro de Yuya na Flower Travellin’ Band). 

Após a maratona de shows, Beck partiu para gravar seu segundo álbum solo. Seguindo a mesma linha de Blow by Blow, Wired chegou às lojas em maio de 1976, e é mais um grande disco instrumental lançado pelo guitarrista. Dessa vez, Max Middleton (teclados), Jan Hammer (teclados), Wilbur Bascomb (baixo), Narada Michael Walden (bateria), Richard Bailey (bateria) e Ed Greene (percussão) auxiliaram na criação de petardos como “Blue Wind”, “Led Boots”(uma interessante homenagem ao Led Zeppelin), “Sophie” e a fantástica versão para “Goodbye Pork Pie Hat”, de Charles Mingus. 

Jan Hammer e Jeff Beck: monstros do fusion em 1977

Apesar de não ter se saído tão bem quanto Blow by Blow (Wired alcançou a décima sexta posição na Billboard), é um grande disco, que deve ser buscado por todos os apreciadores de guitarra e jazz rock. A turnê de promoção foi feito ao lado da Jan Hammer Group, contando com Jan Hammer (teclados), Tony Smith (bateria), Fernando Saunders (baixo) e Steve Kindler (violino, cordas). Dessa turnê, saiu Jeff Beck with the Jan Hammer Group Live, lançado em 1977, o primeiro disco ao vivo gravado por Beck oficialmente. 

Esse também foi o último disco do guitarrista na década de 70, já que os altos impostos ingleses o mandaram para viver nos Estados Unidos durante um ano. Mesmo com alguns ensaios em um ambicioso projeto envolvendo o baixista Stanley Clarke e o baterista Gerry Brown (que infelizmente não passou de alguns ensaios), Beck teve como grande momento durante três anos uma excursão de três semanas tocando no Japão, em novembro de 1978, na companhia de Stanley Clarke, Tony Himas (teclados) e Simob Phillips (bateria). 

Lentamente, a vontade de gravar um novo disco foi contagiando Jeff, e no final de 1979, estava finalizado seu terceiro disco solo. There and Back foi lançado em junho de 1980, tendo algumas lembranças da época de Wired e Blow by Blow, mas adaptando-se aos sons dos anos 80. O line-up é o mesmo da turnê pelo Japão, à excessão do fato de Mo Foster ter substituído Stanley Clarke. Destaques nesse álbum ficam por conta de “Star Cycle”, “The Pump” e “Space Boogie”. There and Back atingiu a vigésima primeira posição nos Estados Unidos, tendo uma longa turnê por Japão, Reino Unido e Estados Unidos. 

Beck e Clapton, dividindo o palco nos anos 80

Os anos 80 começaram com Beck dividindo o palco ao lado de Eric Clapton, Sting, Phil Collins, Bob Geldof, Donovan entre outros, em uma série de concertos pela Anistia Internacional. Beck também participou de outra ação beneficente, o ARMS CONCERT, em busca de doações para pessoas com esclerose múltipla, que pode ser conferido hoje no DVD ARMS Charity Concerts, onde em mais um dos momentos mágicos da música, Jimmy Page, Eric Clapton e Jeff Beck dividiram as atenções durante “Layla” e “Tulsa Time”, sendo esta a única vez que os três guitarristas do Yardbirds tocaram juntos. 

Rod Stewart e Jeff Beck em 1984

Após os shows beneficentes, o guitarrista afastou-se novamente da música, até julho de 1985, quando ressurgiu com Flash, seu quarto álbum de estúdio, dessa vez trazendo diversos vocalistas convidados, com destaque para Rod Stewart interpretando a versão para “People Get Ready”, original de Curtis Mayfield. Mais um disco bem sucedido, permanecendo oito semanas entre os cincoenta mais bem vendidos nos Estados Unidos, apesar da sonoridade pop. Outro destaque fica por conta de “Escape”, a qual recebeu o prêmio Grammy de melhor música instrumental de 1985. “People Get Ready” foi um dos três singles do LP. Os outros dois foram “Get Us All in the End” e “Wild Thing” (esse último gravado mas não incluído no álbum). 

Terry Bozzio, Jeff Beck e Tony Himas
Mais quatro anos se passaram até que Beck desse as caras novamente, agora com Jeff Beck’s Guitar Shop, lançado em outubro de 1989. Nele, é retomado a época do power trio, contando com a participação de Tony Himas (teclados) e Terry Bozzio (bateria). Carregado pelo single de “Stand on It”, Jeff Beck’s Guitar Shop recebeu o Grammy de Melhor Disco de Rock Instrumental de 1989, e é sem dúvidas o melhor disco de Beck nos anos 80. Os longos anos afastados do palco se deveram principalmente por Beck ter problemas de audição, ouvindo zumbidos ao invés de sons. Tratamentos foram feitos nesse período, mas ainda hoje, ele sofre com alguns barulhos. 

Com apenas cinco discos em carreira solo, Beck entrou nos anos 90 voltando aos anos 60, sendo músico acompanhante em discos de nomes como Roger Waters (Amused to Death, de 1992) e Kate Bush (The Red Shoes, de 1993). O grande destaque porém ficou por conta do lançamento da caixa de três CDs Beckology, trazendo raridades desde o período com o The Tridents (pré-Yardbirds) até as sessões de gravação de Jeff Beck’s Guitar Shop

Ele gravou a trilha sonora para o filme Frankie’s House (1992) e o ótimo Crazy Legs, um tributo ao grupo Gene Vincent and the Blue Caps, lançado em 29 de junho de 1993, aonde o guitarrista apresenta dezoito clássicos da carreira de Gene Vincent, acompanhado pelo grupo The Big Town Playboys, formado por Mike Sanchez (vocais, piano), Adrian Utley (guitarra), Ian Jennings (baixo), Leo Green (saxofone) e Clive Deamer (bateria). 
Você, ouça esse podcast

Ainda em 1993, Beck acompanhou Paul Rogers no álbum Muddy Water Blues: A Tribute to Muddy Waters, e nesse mesmo ano, uma participação especial em um show do Guns N’ Roses acabou sendo frustrada novamente pelos problemas de audição do músico, levando-o a afastar-se novamente dos palcos e estúdios por seis anos. Em 1995 foi lançada a coletânea Best of Beck, indicada apenas para completistas. 

Somente em 1999 o mundo voltaria a ouvir um album inédito do ingles. Who Else!, acompanhado por Pino Palladino (baixo), Bob Loveday (violino), Steve Alexander (bateria) e Simon Wallace (sintetizador), além da presença de outros nomes como Jan Hammer, Manu Katché e Clive Bell. A sonoridade é uma mescla de eletrônicos com fusion, e os principais destaques ficam por conta de “Psycho Sam”, “Space for the Papa” e “THX138”. 

Beck nos anos 2000

Em 06 de fevereiro de 2001, You Had It Coming foi lançado, com destaque para a bela “Dirty Mind”, a qual recebeu o Grammy de Melhor Performance de Rock Instrumental daquele ano. Outros destaques ficam por conta de “Earthquake” (composta por Jennifer Batten) e a bela recriação para “Rollin’ and Tumblin’’, de Muddy Waters. O som é ainda mais eletrônico, principalmente pelo uso de programações e a ausência de bateria. 

Mantendo uma regularidade de um álbum a cada dois anos, em 05 de agosto de 2003 sai Jeff, misturando hard rock, jazz, fusion e música eletrônica, tendo destaque as faixas “Plan B”, “Trouble Man”, “Bulgaria” e “JB’s Blues”. Jeff gerou o quarto Grammy para Beck, novamente como Melhor Performance Instrumental, dessa vez por conta de “Plan B”. 

Após uma turnê abrindo para B. B. King, e de ter participado do Crossroads Guitar Festival de 2004, Beck afastou-se de novo do mundo da música. Em 2006, foi lançado o primeiro de dois bootlegs oficiais, chamado Live at BB King Blues Club, o qual foi gravado ao vivo em 2003. No ano seguinte, Official Bootleg Live USA ’06 complementou uma série que ainda prevê lançamentos inéditos ao vivo da carreira de Beck. Já em 2007, Beck acompanhou Kelly Clarkson na gravação de “Up to the Mountain (MLK Song)” para um episódio da série American Idol. 

Em 10 de novembro de 2008, Live at Ronnie Scotts apresentou um show do guitarrista em 2007, na companhia de Jason Rebello (teclados), Vinnie Colaiuta (bateria) e Tal Wilkenfeld (baixo), que gerou mais um Grammy para Beck, dessa vez com a versão de “A Day in the Life”. 

O guitarrista homenageando Les Paul

A participação na faixa “Black Cloud” do disco Years of Refusal (Morrissey) e a indução à Calçada da Fama são os principais momentos no ano de 2009, para no ano seguinte, nascer o seu último disco de estúdio até então, Emotion & Commotion, lançado em abril de 2010 e apresentando covers para “Corpus Christi Carol”, “Over the Rainbow” e “Nessun Dorma”. O principal destaque porém é para a participação de uma orquestra em diversas faixas, que colocaram mais uma vez Beck entre os vinte mais vendidos nos Estados Unidos, chegando na décima primeira posição. “Nessun Dorma” ganhou o Grammy de Melhor Performance de Pop Instrumental, enquanto “Hammerhead” recebeu o Grammy de Melhor Performance de Rock Instrumental. 

Jimmy Page e Jeff Beck, ao vivo
Ainda em 2010, Beck participou do álbum The Imagine Project, ao lado de Seal, Pink e Herbie Hancock, entre outros, recebendo mais um Grammy em 2011 por melhor performance vocal na faixa “Imagine”. A partir de então, saiu em uma longa excursão mundial, tendo uma super banda de apoio, com Narada Michael Walden (bateria), Rhonda Smith (baixo) e Jason Rebello (teclados). Essa formação gravou Live and Exclusive from the Grammy Museum, em 22 de abril de 2010, para um público seleto de 200 pessoas, com o álbum sendo lançado em outubro do mesmo ano. 

Já em 22 de fevereiro de 2011, o CD/DVD Rock & Roll Party: Honoring Les Paul, gravado ao vivo em 09 junho de 2010, homenageou este que é uma das maiores influências de Beck, um grande nome do rock, eleito quinto maior guitarrista de todos os tempos pela Rolling Stone, e também um dos mais influentes músicos da história. 

Discografia completa de Jeff Beck

Track list Podcast # 36 – Roger Waters 

Bloco 1 
Abertura: “Go Fishing” [do álbum The Pros and Cons of Hitchiking - 1984 (Roger Waters)] 
“Take Up Thy Stethoscopy and Walk” [do álbum The Piper at the Gates of Dawn - 1967 (Pink Floyd)] 
“Set the Controls for the Heart of the Sun” [do álbum A Saucerful of Secrets - 1968 (Pink Floyd)] 
“Grantcheaster Meadows” [do álbum Umma Gumma - 1969(Pink Floyd)] 
“Pigs” [do álbum Animals - 1977 (Pink Floyd)] 
“In the Fletcher’s Memorial Home” [do álbum The Final Cut - 1983 (Pink Floyd)] 

Bloco 2 
Abertura: “Radio Waves” [do álbum Radio K.A.O.S. - 1987 (Roger Waters)] 
“Give Birth to a Smile” [do álbum Music from The Body - 1970 (Roger Waters)] 
“The Pros and Cons of Hitchiking part 10” [do álbum The Pros and Cons of Hitchiking - 1984 (Roger Waters)] 
“Towers of Faith” [do álbum When the Wind Blows - 1986 (Roger Waters)] 
“Home” [ do álbum Radio K.A.O.S. - 1987 (Roger Waters)] 
“Perfect Sense Part I & II” [do álbum Amused to Death - 1992 (Roger Waters)] 
“Each Small Candle” [do álbum In the Flesh Live - 2000 (Roger Waters)] 

Bloco 3 
"Watching TV" [do álbum Amused to Death - 1992 (Roger Waters)] 
“I don’t Know Satisfaction” [do álbum Fresh - 1973 (Sly & The Family Stone)] 
“Young Americans” [do bootleg Live in the 70's - 1974 (David Bowie)] 
“Why does Love Got to be So Sad” [do álbum Layla and Other Assorted Love Songs - 1970 (Derek and the Dominoes)] 
“Indoor Games” [do álbum Lizard - 1971 (King Crimson)]
“Jody” [do álbum Rough and Ready - 1972 (Jeff Beck)] 

Bloco 4 
Abertura: “Knockin’ on Heaven’s Door” [do álbum Music from The Dybbuk of The Holy Apple Field - 1998 (Roger Waters)] 
“Across the Universe” [do álbum Tribute to John Lennon - 1985 (Roger Waters)] 
“Astronomy Domine” [do álbum Nothingface - 1989 (Voivod)] 
“Ibiza Bar” [do álbum Replicants - 1995 (Replicants)] 
“Have a Cigar” [do EP Miscellaneous Debris - 1992 (Primus)] 
“In the Flesh” [do álbum The Wall Live in Berlin - 1990 (Scorpions)] 

Encerramento: “Ça Ira – Act III” [do álbum Ça Ira - 2005 (Roger Waters)]


sábado, 28 de abril de 2012

Os 40 anos de Argus




Não é preciso dizer quanto a música é injusta com alguns grupos. Várias são as bandas que possuíam um potencial extremamente elevado, mas que dificilmente receberam um reconhecimento muito grande, e só acabaram sendo levadas ao grande público através de nomes muito famosos dentro do rock, mas que acabaram se apoiando nos ombros de verdadeiros gigantes combalidos por uma mídia sem fundamento e por que não, preconceituosa.

Um dos principais nomes dessa geração de "bandas desconhecidas" é o Wishbone Ash. Ao lado de Thin Lizzy e UFO, o grupo britânico é uma das referências de um dos principais nomes do heavy metal mundial, o Iron Maiden, e muito devido a um álbum que completa hoje 40 anos. Trata-se da obra-prima Argus, lançada no dia 28 de abril de 1972.


Andy Powell e Martin Turner
Este é o terceiro disco do Wishbone Ash, e foi um divisor de águas na carreira do grupo. Se os dois primeiros discos (Wishbone Ash, de 1970, e Pilgrimage, de 1971) enalteciam um lado próximo ao progressivo, onde as habilidades musicais eram uma mescla de jazz, hard rock e pitadas leves de psicodelia, foi com Argus que o quarteto formado por Martin Turner (baixo, vocais), Ted Turner (guitarra, vocais), Andy Powell (guitarra, vocais) e Steve Upton (bateria) consolidou as famosas guitarras gêmeas, sendo o embrião do que hoje é convencionado chamar de metal melódico.

Para muitos, esse é o grande disco da carreira do Wishbone Ash. E não é por pouco. As sete canções de Argus são reflexivas, envolventes, sedutoras e muito belas, com um trabalho de arranjo elaborado por Turner e Powell que surpreende justamente pela beleza e perfeição, sendo difícil (ou quase impossível) encontrar algo similar ao que foi gravado no LP nesta mesma época.



O disco abre com o lindo dedilhado de violão de "Time Was", uma das mais belas canções do grupo. A marcação do baixo de Martin, junto aos violões, traz a voz do trio Ted, Martin e Andy. O arranjo vocal é perfeito, sobrepondo o dedilhado do violão com uma sutileza inigualável dentro da discografia do Wishbone. Efeitos na guitarra aparecem complementando a parte instrumental, imitando cordas, e o dedilhado continua a encantar o ouvinte.

Repentinamente, a canção muda com a entrada da bateria, e assim, o rock toma conta. Três acordes e muita pegada acompanham a letra, cantada por Martin, alternando momentos calmos com momentos mais agitados, chegando ao primeiro grande solo de guitarra do LP, feito por Ted e com a perfeita companhia de Martin, Powell e Upton.

Ted Turner
Os vocais voltam, cantando mais uma pequena estrofe, e então, o tema das guitarras gêmeas surge, levando para uma pequena ponte, que nos envia para o segundo solo da canção, elaborado agora por Powell, em um estilo muito mais hardeiro do que o de Martin, usando a escala pentatônica para marcar os bends rasgados no cérebro do ouvinte. O embalo traz de volta a letra, cantada agora por Ted e Martin, e então, essa pérola encerra-se com mais um solo, com Powell soltando mais uma vez os dedos, concluindo então com uma rápida virada de bateria.

A bonita introdução de "Sometime World" nos apresenta uma balada, levada pelo embalo dos violões, a bateria de Upton e as tímidas notas de guitarra que se revelam durante a letra cantada por Martin. A simplicidade do primeiro solo de Ted é emocionante, e o trecho cantado em dueto por Martin e Ted comove ainda mais. O refrão em diminutas, junto da maluca sessão instrumental, abre espaço para a pauleira pegar, com destaque para a sensacional escala de baixo, deixando as vocalizações tomarem conta da canção.

Os vocais voltam, agora cantando forte sobre as escalas de baixo e guitarra, levando ao segundo solo da canção, feito por Powell, com uma pegada típica de seus solos. As vocalizações aparecem novamente, cantando mais uma parte da letra, e levando a mais um solo de Ted, onde o grande destaque é a cozinha Upton / Martin, dando um pique alucinante para as rasgadas notas de Ted entoar o longo solo que conclui outra belíssima faixa de Argus.

A clássica "Blowin' Free" encerra o lado A, sendo a mais simples das canções do LP. O riff marcante da canção surge imponente, arrastando tudo o que vem pela frente, com a rufada de Upton sendo o divisor de águas. O baixo cavalgante de Martin dá espaço para as vocalizações cantarem a canção mais conhecida do grupo, enquanto ao fundo, as guitarras fazem intervenções e participações discretas. A virada na ponte central é uma aula de melodia, e os vocais entoando "In my dreams everything is alright" é a mais absoluta definição de clássica, seguida pelas notas tristes da guitarra de Martin, que levam para o fantástico e sujo solo central, voltando então ao início da letra, concluindo então com a sequência tradicional das guitarras gêmeas entoando o riff marcado da canção.


Versão inglesa de Argus (Lado B)
O lado B é diferente do lado A, muito mais pesado e sombrio, a começar por "The King Will Come", outro clássico dos clássicos no hard setentista. Na verdade, ouvir todo o lado B é lembrar da épica "Phoenix" (registrada no sensacional álbum de estreia do grupo). Logo na introdução, o ritmo marcial da bateria cresce junto com o volume da canção, enquanto Powell delira no wah-wah, para dessa forma explodir no riff central de "The King Will Come", tendo o baixo novamente como destaque. O trio Martin, Ted e Powell canta junto, acompanhados por um leve dedilhado de guitarra e a marcação de baixo e bateria. 

Duas estrofes são entoadas, e a guitarra de Martin muda o andamento da canção, chegando então no belo refrão. O arranjo vocal dessa canção é quase celestial. Após uma pequena passagem das guitarras gêmeas, começa o grandioso solo de Powell, pisoteando o wah-wah sem dó nem piedade, arrancando uivos alucinantes de sua Flying V, para então Martin ficar sozinho, dedilhando acordes soltos. Uma bonita sequência de harmônicos e viradas de bateria acompanham o dedilhado, voltando então à letra, passando por mais um tema das guitarras gêmeas e concluindo com a repetição do riff central.

"Leaf and Stream" parece ter saído de algum álbum da dupla Art & Garfunkel, e é outra aula de arranjo instrumental. Os dedilhados de guitarra acompanham os vocais roucos de Martin, facilmente confundidos com os de John Wetton (tanto que Wetton veio a substituí-lo em 1980). A única percussão é a marcação de um pandeiro meia-lua, que assim como o baixo, acompanham o principal destaque, que é o viajante dedilhado dessa maravilhosa canção. O solo de Powell passa quase despercebido perto do lindo arranjo instrumental de uma curta, mas essencial canção.


Steve Upton


O clima sombrio continua com mais um clássico, "Warrior", tendo o marcante riff da guitarra de Ted, sem nenhuma distorção, abrindo espaço para o magistral solo de Powell. As variações de acordes, seguidas por uma marcação nos pratos, acompanham o tema construído por Powell. A dupla de Turners canta a canção, que desenvolve-se hipnotizante nas caixas de som, tendo sempre as mesmas variações de acordes da guitarra de Powell, e os persistentes pratos de Upton.

Mais uma estrofe cantada e "Warrior" muda totalmente. As guitarras gêmeas aparecem com força, entoando um riff pegado. Martin canta uma pequena frase, e então, os vibratos de Ted nos levam ao refrão. A frase central, "I'd have to be a warrior, A slave I couldn't be, A soldier and a conqueror, Fighting to be free ", é intercalada por solos individuais de Powell e Ted durante duas estrofes, com um espetáculo a parte para Upton, e então, o dedilhado das guitarras gêmeas surge, trazendo a última repetição do refrão, fechando com um longo sustain de guitarra.


Finalmente, "Throw Down the Sword" surge como uma sequência de "Warrior", tendo o dedilhado das guitarras gêmeas e um longo rufo de bateria, no mais belo tema do LP. Os acordes soltos dão espaço para a voz de Martin, enaltecendo a ponte central de mais uma bonita e sombria faixa. A segunda parte é cantada pela dupla de Turners, levando então ao maravilhoso solo de encerramento feito pelas guitarra sobrepostas, contando também com a participação especial de John Tout (Renaissance) nos teclados, que encerra de vez esse grande disco.

A turnê de Argus acabou rendendo o excelente ao vivo Live Dates (1973), com a sequência inicial do LP sendo de cara três canções desse clássico ("The King Will Come", "Warrior" e "Throw Down the Sword"), tendo ainda "Blowin' Free" no lado C do vinil duplo. Em 2007, foi lançada uma versão DELUXE, com o CD extra trazendo uma apresentação quase na íntegra de Argus na BBC, excluindo apenas "Leaf and Stream" e "Sometime World", além de outras pérolas como uma magistral versão de mais de dezenove minutos para a épica "Phoenix".

O Wishbone Ash ainda lançaria diversos outros discos depois de 1973, com muitos altos e baixos que acabaram causando um esquecimento do nome do grupo com o passar dos anos, causado também pela constante mudança de formação que tomou conta do grupo na década de 80. Graças a persistência de Andy Powell (único membro original e que nunca saiu da banda), os britânicos mantém-se na ativa nos dias de hoje, tendo lançado seu último álbum ano passado, o interessante Elegant Stealth, e para este ano já está programada uma turnê pela europa.


Wishbone Ash em ação, 1972


Argus foi eleito o melhor disco de 1972 pela revista Sounds, e conquistou gerações de fãs desde então, entre eles Steve Harris, que nunca negou a influência das guitarras de Powell e Turner no que o Iron Maiden viria anos depois. Porém, com o passar dos anos, para grande parte da massa roqueira mundial, Argus acabou sendo apenas um disco referência para a influência de Harris e cia. virando mais um item de colecionador do que o proprietário de um lugar entre os melhores discos da história do rock.

Pouco a pouco, felizmente essa ideia está sendo revertida, e hoje, passados quarenta anos de seu lançamento, Argus já figura nas listas de, se não entre os melhores, entre os mais importantes discos de todos os tempos, permitindo aos jovens atuais descobrir aquele que é o avô do metal melódico.

Uma obra perfeita, sem tirar ou botar, e que deve ser ouvida para todos aqueles que desejam saber da onde surgiram os duelos de guitarras gêmeas apresentados por grupos como Judas Priest, Iron Maiden e outros da geração NWOBHM.





Track list

01. Time Was
02. Sometime World
03. Blowin' Free
04. The King Will Come
05. Leaf and Stream
06. Warrior
07. Throw Down the Sword

terça-feira, 24 de abril de 2012

Os Sete Pecados do Rock Nacional - Parte VII: A LUXÚRIA (Raimundos - Raimundos [1994])


Chegou o ano de 1994, e o rock nacional estava jogado às traças. Depois do lançamento de seis álbuns totalmente diferentes, por seis dos principais nomes da cena musical brasileira, o marasmo predominava. Não somente os álbuns lançados por Ira!, Ultraje a Rigor, Raul Seixas e Marcelo Nova, Engenheiros do Hawaii, Titãs e Legião Urbana, eram os culpados. A invasão do grunge na quarta edição do Hollywood Rock, em 1993, com Nirvana, Alice in Chains e ainda o Red Hot Chili Peppers botando o Sambódromo do Rio de Janeiro abaixo, praticamente humilhou nossos músicos.

Se antes a Europa havia começado a ser conquistada por Titãs e Engenheiros do Hawaii, entre outros, agora, restava para os brasileiros divertir-se com novas bandas, como Skank, Somente o Thrash Metal do Sepultura ainda resistia bravamente aquele período insosso e sem criatividade, com o álbum Chaos A. D. (1993) também causando uma mudança sensível no som do grupo, tornando-o mais pesado e com letras sem conotações satanistas, voltadas para política e problemas sociais. Tanto que estes foram os nomes principais que representaram o país na quinta edição do Hollywood Rock, em 1994, ao lado do Titãs, que apesar de Titanomaquia (1993) não ter feito tanto sucesso, ainda tinha sua reputação em alta com os produtores de shows.

Até mesmo o Viper, principal expoente do heavy nacional, que havia lançado há pouco o magistral Maniac in Japan (1993), parecia estar sofrendo de algum problema na sua engrenagem, com o álbum Coma Rage voltando suas raízes para o punk rock e em nada lembrando os momentos melódicos que consagraram a banda na Europa e nos países asiáticos.

O mais engraçado (e estranho) é que até mesmo o grunge já tinha passado seu auge. Tanto que a tal quinta edição do Holywood Rock não contou com nenhum grupo do gênero, deixando para os novatos Poison (nem tão novo assim) e Ugly Kid Joe, bem como os veteranos Aerosmith e Robert Plant o posto de tentar cativar o público, que por incrível que pareça, aplaudiu e vibrou muito mais com a apresentação da recém-falecida Whitney Houston do que com os já vovôs Steven Tyler e Robert Plant.

Algo realmente novo precisava surgir na música nacional, que sacudisse as paradas e a mentalidade do povo brasileiro. O que pouca gente esperava é que esse algo novo fosse surgir em Brasília, mesma terra de onde praticamente começou a BRock com o Plebe Rude, Legião Urbana e Capital Inicial, e que isso fosse resultar no pecado da LUXÚRIA de forma escancarada. O nome do pecador, tão brasileiro quanto a feijoada: Raimundos.

Canisso, Fred, Digão e Rodolfo
Nascido em 1988, o grupo possuía em sua formação Digão (bateria), Rodolfo Abrantes (guitarra) e Canisso (baixo). O som era totalmente inspirado nos grandes nomes do punk rock, como Dead Kennedys, Sex Pistols e principalmente, Ramones, sendo que bem no começo, o grupo era uma banda cover dos americanos, tanto que o nome Raimundos é uma homenagem à Joey Ramone e cia. 

Aos poucos, o trio começou a compôr suas próprias canções, e assim começou a aparecer a influência da música nordestina no som do Raimundos. Porém, o sucesso não aconteceu, e dois anos depois, o Riamundos deixou de existir. A partir dali, Canisso foi cursar direito, Rodolfo foi morar no Rio de Janeiro e Digão começou a aprender e tocar guitarra, pois passava por problemas de audição por causa da bateria.

Mas, em 1992, em um bar de Goiânia, o trio de amigos voltou a se ver depois de algum tempo, e a vontade de tocar voltou à cena. Com Digão assumindo a função das guitarras, faltava um baterista, e o posto foi ocupado por um antigo amigo do grupo, Fred. Surgia a formação clássica do Raimundos, que no ano seguinte, gravou sua primeira fita demo, trazendo as canções "Nega Jurema", "Marujo", "Palhas de Coqueiro" e "Sanidade". Essa demo já demonstrava o lado inovativo do grupo, com letras de pura sacanagem e uma mistura perfeita e contagiante de forró e axé em meio ao peso das guitarras do punk e por que não, do thrash metal, e rapidamente, o nome do Raimundos cresceu entre produtores e organizadores de festivais, levando-os a mudar para o Rio de Janeiro, onde viram figurinha carimbada apresentando-se no Circo Voador, abrindo para gigantes do porte de Ratos de Porão e Camisa de Vênus.

Digão, Rodolfo, Fred e Canisso

Mas o grande passo dado foi uma temporada ao lado do Titãs. O som dos garotos de Brasília agradou aos paulistanos, que estavam vivenciando sua fase mais thrash metal, levando então o Raimundos a ser um dos primeiros contratados do selo Banguela Records, criado pelo Titãs em parceria com o produtor Carlos Eduardo Miranda. Não demorou para que Canisso, Digão, Rodolfo e Fred entrassem nos estúdios Be Bop em São Paulo, registrando o LP de estreia.

Lançado em 12 de maio de 1994, Raimundos chocou a população brasileira e aos jovens que buscavam algo novo. O estilo intitulado forró-core era algo tão inovador que acabou abrindo espaço para muitos outros grupos fazerem algo parecido, influenciando muitos jovens a formarem bandas no mesmo estilo, e principalmente, a ter um entusiasmo por aprender a tocar um instrumento (algo que nenhuma das bandas do BRock conseguia fazer naquela época).

Outro fator que ajudou ainda mais a chamar a atenção para os brasilienses era o conteúdo das letras, abrangendo em sua maioria temas relacionados ao sexo, proporcionando uma LUXÚRIA jamais vista e ouvida em um vinil nacional, auxiliado por um peso que aumentava ainda mais a sujeira sexual cantada por Rodolfo em doze das quatorze canções do LP (dezesseis do CD), sendo as demais defendendo o uso de drogas a maconha. 

Digão, Fred, Rodolfo e Canisso

Finalmente, a participação especial de diversos nomes de peso, como João Gordo (Ratos de Porão), Carlos Eduardo Miranda (Atahualpa Y Os Panquis) e os Titãs Branco Mello, Nando Reis, Paulo Miklos e Sérgio Britto, complementaram e fizeram com que a receptividade de Raimundos fosse bem aceita pela mídia, admiradora convicta, apesar dos pecaminosos Tudo ao Mesmo Tempo Agora e Titanomaquia, do trabalho dos Titãs.

Raimundos abre com a história de Dudu, o jovem menino que perde a virgindade em um "Puteiro em João Pessoa". O ritmo lento dos violões e da bateria, com vocalizações, tendo um nordestino reclamando que quer rock, traz as vocalizações de "na-na-na", para Rodolfo contar a história sobre o riff grudento de Digão e Canisso, sem ser veloz, com o menino sendo levado para o aprendizado por seus primos. Ao chegar no roda-viva (o tal puteiro), a canção ganha peso, e onde baixo e guitarra fazem notas velozes, e Rodolfo mostra um dos seus principais talentos, que é a capacidade de entoar várias palavras em poucos segundos. O ritmo inicial volta, e assim, chegamos ao refrão, onde Dudu perde a virgindade, descobrindo que a vida é boa, encerrando esse grande clássico do Raimundos.

A canção seguinte trata a história de um cidadão que espera pela amada, sozinho debaixo  das "Palhas do Coqueiro", vislumbrando que a garota amada está o traindo em um motel, um punk rock mais simples, começando com o riff e as vocalizações de Rodolfo, que canta de forma debochada, no estilo brega, uma punk mais simples, destacando a sujeira das guitarras e as belas viradas de Fred. A canção ganha velocidade quando o cidadão começa a imaginar o que está acontecendo no motel onde supostamente está sua amante, voltando ao ritmo inicial para encerrar a canção com as mesmas vocalizações.

A agressiva "MM's" conta a fúria de um garoto com uma menina safada, que apenas o provoca  através de brigas infantis. Os xingamentos e palavrões são expelidos por Rodolfo em um ritmo veloz, com Fred socando a bateria e com Digão e Cassino fazendo a base que lembra muito canções do Toy Dolls. A voz de Rodolfo soa agressiva, tendo a participação de backing vocals fazendo intervenções, destacando o virtuoso solo que encerra a canção, feito por Guilherme Bonolo. 

"Minha Cunhada" é outra agressiva, com a cunhada ensinando o cunhado como fazer sexo, lembrando bastante o Ramones na fase inicial, e com Rodolfo novamente cantando várias palavras por segundo. O engraçado refrão, apesar dos palavrões, agitou muita festa país afora. Já o uso do crack é narrado em "Rapante", que apresenta poucas frases com conotação sexual (em comparação as demais), começando com o baixo de Cassino imitando um ritmo nordestino, seguido pela pesada guitarra de Digão e o ritmo de Fred. Rodolfo canta como se fosse um nordestino, com sua voz fanha, e essa é uma das canções mais pesadas do LP, e é a terceira mais longa, com 3 minutos e 3 segundos, ficando atrás apenas de "Puteiro e João Pessoa" (3 minutos e 8 segundos) e "Selim (4 minutos e 14 segundos). Isso dá mais relevância ao lado punk no som do grupo.

Os palavrões continuam na canção seguinte, com o homem explicando como a mulher é um "Carro Forte" em mais uma canção tipicamente Ramones, principalmente pela seu riff introdutório, com estaque para o baixão de Canisso. A segunda canção a defender o uso de drogas é "Nêga Jurema", a qual começa com uma pessoa acendendo um baseado, virando mais um punkzão ramoneano na sequência, porém com mais peso, e com Rodolfo cantando muito, soltando diversas palavras em poucos segundos de muita pauleira.

O lado A encerra com mais um punk no estilo Ramones de tocar, que é "Deixei de Fumar / Cana Caiana", duas canções em uma só, onde a primeira defende o uso da maconha e a segunda fala da traição de uma esposa, porém com palavras em duplo sentido, com acordes simples e sem inovações. 

Face do encarte de Raimundos
A história de como Maricota começou a fazer sexo é contada em "Cajueiro / Rio das Pedras", a canção que abre o lado B, sendo "Cajueiro" uma canção de domínio público adaptada ao estilo Raimundos, com Rodolfo cantando como se fosse uma dupla de sertanejo, cantando chorosamente a letra da canção, repetindo-a posteriormente em um ritmo punk, entrando então em "Rio das Pedras", que mantém o ritmo do punk rock tradicional, tendo a participação da sanfona de Zenilton.

Drogas e sexo são os temas de "Bê A Bá", começando com o baixão de Canisso e as notas  da guitarra de Digão, trazendo a bateria de Fred para comandar uma canção próxima ao grunge, com várias mudanças de andamento, sendo uma das melhores do LP. "Bicharada" é uma canção estranha, que obviamente, fala de sexo, mas sem um sentido mais concreto, como as demais, voltando a levada punk, e com Rodolfo cantando com a voz mais suja e agressiva, destacando o famoso o refrão que fala que "o passarinho tão bonitinho é viadinho".

Já "Marujo" fala a história de um maconheiro nordestino que decide se alistar na marinha, e acaba se dando mal, sem ter muitas conotações sexuais. A guitarra de Digão imita o apito de um navio, entre barulhos de água, começando uma lenta e pesada faixa, que aos poucos transforma-se em um veloz punk rock, com os riffs sujos de Digão mandando ver, e finalmente, chegando na levada característica das canções do Toy Dolls, sendo que o refrão é um forró pesado contando novamente com a presença da sanfona de Zenilton.

A canção com menos palavrões de Raimundos narra a história de um cidadão que se apaixona pela mulher mais feia que o mundo já viu, e que possui uma "Cintura Fina", outra fortemente posicionada entre as melhores, com um belíssimo riff de guitarra e baixo, e com Rodolfo cantando muito bem, sendo que esta possui o melhor refrão e o melhor arranjo instrumental e vocal de todas as faixas do LP.

O LP encerra-se com a clássica "Selim", onde o homem deseja ser o "banquinho da bicicleta" e "a calcinha daquela menina", somente para ficar perto das partes sexuais da menina. Assim como "Puteiro em João Pessoa", essa foi a responsável por fazer de Raimundos o grande sucesso de 1994. O tema inicial, acompanhado levemente pelo baixo e pela bateria, traz Rodolfo cantando com voz grossa e chorosa a safada letra da canção, na mesma melodia do tema inicial, uma pseudo-balada-pornográfica, com muita sacanagem, e que tocou muito país afora, destacando o bonito solo de encerramento feito por Guilherme Bonolo.

Contra-face de Raimundos
Cinco singles foram lançados: "Puteiro em João Pessoa", "Palhas do Coqueiro", "Nêga Jurema", "Bê A Bá" e "Rapante". "Nêga Jurema" recebeu um clipe especial, dirigido por José Eduardo Belmonte, e que acabou sendo uma das escolhidas para representar o Brasil na programação da MTV americana, perdendo porém para o clipe de "Territory", do Sepultura. A versão em CD ainda conta com "Puteiro em João Pessoa II", sem a participação do nordestino no início da canção, e uma versão acústica para "Selim", preservando da parte elétrica apenas o solo de guitarra.

Branco Mello, Paulo Miklos e Sérgio Britto fazem backing vocals em "Carro Forte", "Bê A Bá" e "Bicharada". Nando Reis tocou violão em "Puteiro em João Pessoa" e viola em "Selim". Paulo Miklos faz backing vocals em "Carro Forte. Já Carlos Eduardo Miranda faz backing vocals em "Minha Cunhada" e toca pandeiro em "Cintura Fina". Já João Gordo faz backing vocals em "MM's". Além destes, Raimundos também tem a participação de Guilherme Bonolo (backing vocals em "Puteiro em João Pessoa", "Palhas do Coqueiro", "Minha Cunhada", "Nêga Jurema", "Cana Caiana", "Marujo" e "Cintura Fina", além do solo de "MM's" e "Selim"), Ivan David (backing vocals em "Puteiro em João Pessoa" e "Nêga Jurema") e Zenilton (berro em "Rapante", sanfona em "Rio das Pedras" e "Marujo").

Raimundos, com suas letras falando abertamente sobre sexo, em uma LUXÚRIA inédita no país, alcançou mais de 150 mil cópias vendidas e consolidou o nome do Raimundos entre os principais grupos de rock do país, com a revista Rolling Stone brasileira colocando-o entre os 100 melhores discos da música brasileira, na posção 45. "Puteiro em João Pessoa" virou história em quadrinhos na coletânea Cesta Básica (1996), tendo ilustrações do cartunista Angeli.

A revista do álbum Cesta Básica, inspirada em "Puteiro em João Pessoa"
Porém, já em 1995, o Brasil foi acometido da vergonha do É O Tchan, onde através de letras de duplo sentido, e de duas dançarinas extremamente gostosas, com shortinhos curtos e rebolando suas nádegas sem parar, criou um novo (e horroroso) jeito de se fazer música, e sendo um sucesso em tudo que é canto do país. As letras diretas sobre sexo do Raimundos não faziam mais sentido, pois o que era legal mesmo era o duplo sentido ("Segura o tchan", "vai ralando na boquinha da garrafa" e por aí afora). 

Para o rock nacional, nenhum grupo foi tão capaz de unir as letras de duplo sentido com a irreverência do Raimundos como o Mamonas Assassinas. Dinho (vocais), Bento (guitarras), Samuel (baixo), Júlio (teclados) e Sérgio (bateria) venderam mais de um milhão e meio de cópias em todo o país, e tiveram sua meteórica carreira aniquilada por um trágico acidente aéreo em 03 de março de 1996, deixando apenas um disco registrado (Mamonas Assassinas, de 1995), o qual foi o último disco do rock nacional com alguma inovação até o início dos anos 2000, quando o Los Hermanos chutou o balde e lançou Bloco do Eu Sozinho, misturando samba, choro, rock e outros estilos.

Mamonas Assassinas: sucesso meteórico
Ao Raimundos, coube adaptar-se a onda do duplo sentido, vindo com o álbum Lavô Tá Novo (1995), que apesar de manter o punk rock de seu álbum antecessor, não contém tanta LUXÚRIA quanto Raimundos, deixando muito disso escondido através de letras com duplo sentido, que fizeram com que Lavô Tá Novo vendesse quase meio milhão de cópias.

Mas, o sentido e a graça da estreia haviam se perdido. Cada vez mais, o grupo brasiliense foi sofrendo do pecado de ter cometido a LUXÚRIA inicial, e afastando-se ainda mais da imagem hilariante, voltando a atenção para as letras de duplo sentido, como  "Andar na Pedra" (Lapadas do Povo, de 1997) e "Me Lambe" (Só No Forévis, de 1999). Apesar de ambos os discos terem vendido bastante, os fãs antigos não enxergavam o Raimundos original, e claro, a presença constante do grupo na mídia, animava aos jovens, mas fazia com que os seguidores iniciais torcessem o nariz, ainda mais com o grupo tendo aparecido no programa TV Xuxa. Para se ter ideia do sucesso que Só No Forévis atingiu (graças à suas letras de duplo sentido), o álbum vendeu 850 mil cópias, quase oito vezes mais que o álbum de estreia.

Formação atual do Raimundos,
longe de ser os pecadores do início da carreira
O pior ocorreu em 2001, com o anúncio oficial do término do grupo, com Rodolfo indo integrar uma Igreja Evangélica (sendo que inclusive lançou um disco com letras religiosas). Uma vergonha geral para os fãs do grupo, que mesmo com a volta do Raimundos ainda em 2001, nunca mais teve o número e a paixão como nos anos 90.



O Raimundos mantém-se na ativa, graças a vontade de Fred e Canisso, os únicos remanescentes da formação original, fazendo shows de médio porte, contabilizando mais de 300 apresentações em três anos, mas o que é pouco para este que foi considerado o maior grupo de rock do país na década de 90.

E quanto ao rock nacional, como citado, depois do Mamonas Assassinas demorou para haver algo de novo. Vários foram os grupos que surgiram, mas que acabaram virando "bandas de um hit só", como é o caso de Virgulóides (esse também lançado por Carlos Eduardo Miranda, seguindo uma linha parecida com o Raimundos, mas empregando bastante as letras de duplo sentido), LS Jack, P. O. Box e Wilson Sideral. Poucos foram os que conseguiram sobreviver, como é o caso do O Rappa, Skank e Jota Quest. Pior ainda foi ver surgir grupos como Detonautas, CPM 22, e mais recentemente, Restart e todos os seguidores do chamado "rock colorido", que em nada acrescenta à música nacional.

Restart, uma das novas baboseiras do rock colorido
O Los Hermanos foi o único dessa geração que, apesar de ter tido tudo para viver apenas do hit "Anna Julia" (lançado no álbum de estreia, em 1999), resolveu virar as costas para a mídia e inovou de vez, mesclando choro, samba, rock, poesias líricas e temas belamente trabalhados, que se não apareciam na rádio e na TV, eram difundidos pelo boca-a-boca dos fãs, criando uma legião de seguidores do mesmo nível do que era a legião que seguia Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá. A pausa iniciada em 2006, com várias idas e vindas nesse meio tempo, só demonstra que passados seis anos, o Los Hermanos ainda é o grupo de rock nacional (com exceção dos grandes nomes do metal como Angra e Sepultura) que mantém os fãs comprando e falando sobre a banda.

Os demais, ainda não tiveram a capacidade de fazer algo diferente, e principalmente, tão pecaminoso que pudesse revolucionar o rock nacional, como fizeram Ira!, Ultraje a Rigor, Raul Seixas e Marcelo Nova, Engenheiros do Hawaii, Titãs, Legião Urbana e Raimundos no final dos anos 80 e início dos anos 90. Os grandes pecadores citados acabaram com aquilo que podia ter sido o estouro mundial do BRock, já que tanto Titãs e Engenheiros do Hawaii haviam tocado no exterior. Mas, a tentação foi maior, e hoje, sofremos idolatrando os grupos internacionais que se aventuram por nossas selvas-de-pedra brasileiras, quando, se não fossem os Sete Pecados do Rock Nacional, quem sabe não seriam os gringos quem estivessem idolatrando nossos músicos.
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