quarta-feira, 20 de maio de 2015

Direto do Forno: Seu Juvenal - Rock Errado [2015]



Formado na mineira Uberaba, no longínquo 1997, sob o nome Os Donátilas Rosários, e radicados na cidade de Ouro Preto, o grupo Seu Juvenal lançou em janeiro desse ano seu terceiro álbum, Rock Errado, que mostra através de suas dez canções uma mistura do punk oitentista misturado com heavy metal e até um pouco de indie. Os dois primeiros, Guitarra de Pau Seco (2004) e Caixa Preta (2008) tiveram uma repercussão um tanto quanto tímida, mas dessa vez, o grupo fez uma divulgação muito boa, junto a gravadora Som do Darma.

A formação atual conta com  Bruno Bastos no vocal, Edson Zacca na guitarra e violão, Alexandre Tito Juvenal no baixo e Renato Zaca na bateria, que reuniram-se durante quatro dias na cidade de Passagem de Mariana, região de montanhas do estado de Minas Gerais, sob produção de Ronaldo Gino, guitarrista da banda Virna Lisi.

Edson Zacca, Renato Zaca, Alexandre Tito Juvenal, Bruno Bastos Filho

A banda passeia pelo blues rock de "Homem Analógico", baixa o peso em "Free Ordinária" e na instrumental "Louva-A-Deus", e senta o pau nas agressivas "Antropofagia Disfarçada", com uma introdução na linha de gigantes como Inocentes, Garotos Podres e Replicantes, remetendo-nos aos Titãs de Cabeça Dinossauro durante a faixa-título, e detonando na furiosa "Um Dia de Fúria", com seu riffzão stoner e a participação de Guilherme Demente na Guitar Noise, Guilherme que também participa com esse instrumento em "Moleque Dissonante", outra com uma introdução punk bem oitentista.

Apesar das boas composições, senti falta de uma melhor produção, já que o som do baixo e bateria (principalmente) são muito crus. Por outro lado, essa crueza dá uma sensação de som independente característico de alguns álbuns dos anos 80, o que não é de todo ruim, já que bate aquela sensação sempre nostálgica dos tempos em que o rock pesado e o punk engatinharam no Brasil.

Destaca-se a voz rouca de Bruno e a ótima técnica de Edson Zacca, para mim o grande nome do grupo.

Encarte de Rock Errado

O melhor momento de Rock Errado vai para a viajante "Asfalto", trazendo a participação de Maxsuel Sancho no baixo acústico, e a sequência final do álbum, com a bonita "A Chuva Não Cai", tendo a participação  fundamental de Pamelli Marafon no piano e teclado, que deu uma cara toda especial para a canção, além de Euler Alves (percussão) e Guite Congo Powers (guitarra) e "Burca", trazendo o piano de Pitágoras Silveira na introdução, em duas canções bem trabalhadas e destoantes da agressividade que rola nas demais, lembrando um pouco de U2 aqui, um certo Los Hermanos ali ou até um Blur acolá.

Segundo Renato, o grupo faz o rock do jeito errado para os padrões do politicamente correto, e no geral, é exatamente isso, com uma produção muito crua, canções boas e um grupo que é difícil definir qual é o som, mas com um caminho interessante pela frente, valendo a aquisição pelo menos para deixar nos ouvidos algo curioso e novo no repetitivo mercado musical nacional da atualidade.

Contra-capa de Rock Errado

Track list

1. Homem Analógico
2. Free Ordinária
3. Antropofagia Disfarçada
4. Asfalto
5. Louva-A-Deus
6. Um Dia De Fúria
7. Rock Errado
8. Moleque Dissonante
9. A Chuva Não Cai
10. Burca

domingo, 10 de maio de 2015

Elis Regina - Parte VI



Encerrando nossa série que passeou pela carreira da mais brilhante voz feminina de nosso país, trago hoje os principais discos póstumos lançados sob o nome Elis Regina, bem como um apanhado geral das principais coletâneas pelas quais o ouvinte poderá começar sua iniciação nessa brilhante discografia.


Gravado em 1979, neste que é um dos maiores festivais de Jazz do mundo, Montreux Jazz Festival foi o primeiro álbum lançado pós-morte de Elis, e é um registro singular nesta discografia. O grupo, formado por César (piano, teclados), Hélio Delmiro (guitarra), Luizão Maia (baixo), Paulinho Braga (bateria) e Chico Batera (percussão) encarnou o espírito jazzístico e fez duas apresentações no mesmo dia (uma de tarde e outra de noite) em sessões musicais de primeira qualidade, com destaque total para a magistral performance de César, condutor de uma brasileiríssima Elis, que transpira os ritmos de nosso país com uma técnica impecável, e que acabaria culminando na criação do espetáculo Saudade do Brasil. 

Clássicos como "Madalena" e "Upa Neguinho" ganharam um charme especial, inclusive com Elis apresentando o grupo em francês, mas Elis também deu ênfase para a psicodelia-prog do espetáculo Transversal do Tempo na longa homenagem à Milton Nascimento, com a tríade "Ponta de Areia" / "Fé Cega, Faca Amolada" e "Maria, Maria", um dos grandes momentos do álbum, destacando os viajantes teclados de César, a percussão Muiriana de Chico Batera e o baixo pulsante de Luizão Maia. 


Elis na apresentação da noite

A agitada "Cai Dentro, repleta de vocalizações, contrasta com o clima intimista do lindo e arrepiante blues "Na Baixa do Sapateiro" (que música, QUE música), inexplicavelmente difícil de saber de onde Elis tira tanta potência vocal, e a emocionante "Rebento". A longa introdução ao piano de "Cobra Criada" deve ter causado arrepios àqueles que estiveram presentes no famoso cassino enaltecido em "Smoke on the Water" (Deep Purple) no dia 20 de julho de 1979. Porém, o grandioso momento de Montreux Jazz Festival vai para uma peculiaridade que o destino colocou na vida de Elis, já que rolou um um clima tenso entre ela e Hermeto Pascoal. 

Elis era a principal estrela daquela data do festival, dedicado à música brasileira, sendo que o local estava lotado e com ingressos esgotados há algum tempo, até por isso que Claude Nobs pediu que Elis fizesse uma sessão extra de tarde, a qual é dita pelos presentes como sendo a melhor apresentação de Elis naquele dia, já que na sequência entrou o bruxo albino, que vinha de gravações recentes com Miles Davis, e era idolatrado pelos aficcionados do jazz. 


Hermeto e Elis

O cabeludo, acompanhado de seus músicos, abriu a noite brasileira de espetáculos e colocou a casa abaixo, sendo insanamente aplaudido de pé por mais de quinze minutos. Aquilo arrasou com Elis, que entrou novamente no palco bastante nervosa, e fez um show muito tenso. 

Inesperadamente, após o encerramento do show de Elis, Claude Nobs convidou Hermeto para voltar ao palco, e totalmente de surpresa, incitou o público para que Elis também subisse. Assim, no improviso, a dupla travou um dos mais belos duelos musicais que meus ouvidos já ouviram, e que não digo nada mais além do que essa magnífica obra de Deus do que o nome das peças que encerram o álbum: "Corcovado", "Garota de Ipanema" e "Asa Branca". Procure, ouça, chore e se arrepie, por que essas três valem o investimento no LP. A versão em CD ganhou mais sete bônus: "Amor Até o Fim", "Mancada", "Samba Dobrado", "Rebento", "Águas de Março", "Onze Fitas" e "Agora Tá".



O espetáculo Trem Azul foi desenvolvido para promover o álbum Elis (1980), e foi o primeiro da cantora sem a parceria de César Camargo Mariano. A ideia do espetáculo era mostrar Elis como uma estrela, sendo o mesmo dividido em duas partes: a primeira com canções de Elis, a segunda dedicada à sucessos de Novelas da TV e a terceira com sucessos de sua carreira. O show de outubro de 1981 no Anhembi foi registrado em uma fita mono, e lançado em 1982 pela Som Livre, tendo como banda acompanhante Nathan Marques (guitarra), Luizão Maia (baixo), Téo "Picolé" Lima (bateria), Sérgio Henriques (teclados), Paulo Esteves (teclados), Nilton Rodrigues (trompete) e Otávio "Bangla" Lopez (saxofone), e ao que consta, com Elis vivendo o auge do consumo de cocaína. 

Apesar da qualidade da gravação não ser das melhores, é possível conferir o espetáculo na sua íntegra, desde o bonito poema de "Abertura", com a famosa frase "... agora eu sou uma estrela", passando por diversos clássicos, como o embalo de "Vivendo e Aprendendo a Jogar", "Maria, Maria" e "Me Deixas Louca", deixando o registro das inéditas "Flora", delicioso samba-jazz criado por Gilberto Gil, o sambão "Aqui é o País do Futebol", a suave "Valsa de Eurídice", dedicada exclusivamente ao ex-marido César Mariano, apenas com Elis e o violão de Nathan, que leva para "Unencounter (Canção da América)", arrepiando com a plateia inteira cantando junto. 

O momento dedicado para a televisão foi registrado no lado C, com os temas do Fantástico, Trapalhões e Jornal Nacional intercalados entre passagens de "Baila Comigo", "Amante à Moda Antiga", "Começar de Novo", "Menino do Rio", "Lança Perfume" e "Nove Luas", essa já no lado D. Algumas faixas passam pelo ouvinte sem deixar muitas lembranças, como as duas versões de "Trem Azul" e "Caxangá", e deixam para mim uma sensação que esse talvez não seja o melhor registro do espetáculo. 

Inclusive, não sei se por conta da qualidade da gravação (que parece um piratão), mas em algumas faixas, Elis não está com a potência vocal que conhecemos, principalmente em "Alô, Alô Marciano", "Sai Dessa",  e chegando a visivelmente falhar sua voz em "O Medo de Amar É O Medo de Ser Livre". Por outro lado, o que ela faz na agitada "O Que Foi Feito Deverá" e no bluesão "Se Eu Quiser Falar Com Deus", com Nathan Marques auxiliando na dramaticidade, é digno dos grandes momentos de sua carreira. Vale pelo registro do último espetáculo de Elis, mas acredito que devam existir escondidos outros registros desse mesmo espetáculo escondidos por aí.

O audacioso Luz das Estrelas

Em 1984, foi lançado Luz das EstrelasEsse foi um projeto bastante audacioso para a época. Os registros da voz de Elis ocorreram em 1976, em um especial para a TV na Rede Bandeirantes, e que ficaram engavetados até Rogério Costa (irmão de Elis) procurar a gravadora Som Livre e idealizar Luz das Estrelas. A gravadora então rearranjou as canções daquele programa, trazendo uma linguagem aproximada para os anos 80. O trabalho para extrair apenas a voz de Elis daquelas fitas originais, e inserir um novo instrumental, foi considerado revolucionário, e até hoje, o álbum é tido como um pioneiro na questão de edição de som. 


Capa do relançamento de Luz das Estrelas

Composto a maioria de músicas inéditas, os principais atrativos ficam por conta das baladas "No Dia Em Que Eu Vim Embora", "Bodas de Prata" e "Velho Arvoredo", a revisão jazzística da arrepiante "Doente, Morena" e a sensacional interpretação de Elis para "Corsário", que merecia um arranjo um pouco melhor - sinceramente, o arranjo dado para a canção e o saxofone oitentista prejudicou bastante - além de "Pra Lennon e McCartney", uma singela homenagem aos ex-beatles. Mas também existem alguns deslizes, como o desnecessário arranjo de sintetizadores em "Mestre Sala dos Mares", a orquestração de novela global em "Triste" ou os sambas nada empolgante de "A Banca do Distinto" e "Gol Anulado". Um álbum que se fosse lançado como sua versão original, teria mais atrativo musical, mas por outro lado, tem sua importância pela questão de evolução no processo de mixagem de canções no Brasil, que também foi lançado com uma capa diferente.



Elis Ao Vivo foi lançado em comemoração aos 50 anos da gaúcha, e apresenta Elis, grávida de 7 meses, no dia 25 de julho de 1977, no Palácio Anhembi, durante o show Fino da Música, promovido pela Rádio Jovem Pan. Calibradíssima e com uma banda que transpirava inspiração, formada por César, Hélio Delmiro (gutiarra), Crispia del Cistia (guitarras), Toninho Pinheiro (percussão), Dudu Portes (bateria), Luizão Maia (baixo), o álbum faz a divulgação de Elis, que estava prestes a ser lançado, contendo seis das dez canções daquele álbum. Ele arranca de cara os ouvidos do fã com "Como Nossos Pais" estufando as membranas das caixas de som, além de resgatar a versão bluesy de "Vida de Bailarina", do grande esquecido, mas vitorioso (segundo Elis) Chocolate (Dorival Silva), o embalo sensual do bolero "Dois Pra Lá, Dois Pra Cá" e também traz uma gostosa versão para "Madalena" e com a participação de Ivan Lins, que toca piano na bela "Qualquer Dia", uma das novidades para a época, ao lado do samba "Morro Velho", o rock-viagem de "Colagem", com o pedal de volume funcionando direto, a o estonteante moog de "A Dama Do Apocalipse", a forte "Transversal do Tempo" e a primeira apresentação oficial de "Romaria" para o público, já que o álbum ainda não havia sido lançado na época, além da impressionante "Cartomante", que encerra o álbum deixando a sensação da certeza no carisma e na capacidade vocal de Elis, e com a participação de João Bosco, Ivan Lins e Claudio Lucci na voz. Agora, impressionante mesmo é ver toda a potência vocal de Elis, trazendo dos sulcos do vinil para o palco a grandeza de "Travessia", o embalo de "O Mestre Sala dos Mares", com participação de João Bosco, a emoção do inédito bolero "Cadeira Vazia", o embalo da bossa "Triste". Depois de Transversal do Tempo (1978), para mim é o melhor dos registros ao vivo de Elis.



Registrado em setembro de 1979 no Palácio Anhembi em São Paulo, Elis Vive marca o início da turnê de Elis, Essa Mulher, já que seis das dez canções de Elis, Essa Mulher estão aqui, com Elis acompanhada por César, Don Chacal (percussão), Robertinho Silveira (guitarra), Crispin del Cistia (guitarra, teclados), Luiz Moreno (bateria) e Nenê Benvenuti (baixo), destacando o ritmo samba-choro de "Basta de Clamares Inocência", diferente da versão registrada no vinil, o clássico "O Bêbado e a Equilibrista", aplaudidíssima pelos presentes, a dupla intimista "Essa Mulher" e "As Aparências Enganam", com arranjos peculiares, tendo a última somente a voz de Elis e os teclados de César, e a aula de samba com a dupla "Eu, Hein Rosa" e "Cai Dentro", transmitindo uma energia contagiante. O show mostrou como novidades a bonita "Lembre-se", que só foi lançada aqui nesse disco, uma breve apresentação de canções que fariam parte do espetáculo Saudade do Brasil, no caso "Mundo Novo, Vida Nova", "Agora Tá", "Menino" e "Onze Fitas", e a ignorância sonora de "Corsário", que chegou aos fãs no citado Luz das Estrelas (1984) e aqui, para mim a melhor interpretação de Elis nesse show, com uma força impressionante em sua voz, ao lado do sempre bem-vindo baixo de Luizão Maia, um dos baixistas mais menosprezados de nossa música, lembrando-me com "Um Por Todos" que João Bosco e Aldir Blanc, autores das canções citadas, precisam passar pela minha vitrola urgentemente, tamanha a beleza dessas criações. Outros grandes momentos ficam por conta da revisão para a bela "Comadre", bem como a perfeita e angustiante versão de "Conversando no Bar", na qual os teclados e o baixo são sobressalientes junto da bela voz de Elis. Complementam a apresentação o Medley com canções de Milton Nascimento ("Ponta de Areia", "Fé Cega, Faca Amolada" e "Maria, Maria"). Belo disco, que ainda conta com a faixa-bônus "Moda de Sangue", bem diferente do registro de Saudade do Brasil.



Existe uma número infinito de coletâneas póstumas que o ouvinte pode iniciar-se na obra da pimentinha. A principal delas é a gloriosa caixa de 4 LPs Elis Regina Carvalho Costa, lançada em 1982, acompanhada de um livreto muito interessante. Em 1984 saiu Elis Vive (não confundir com o álbum ao vivo de mesmo nome), que apresenta material entre 1966 e 1980, concentrando-se essencialmente em grandes sucessos, e Elis Por Ela (1992). Outras coletâneas que trazem muitos clássicos são O Prestígio de Elis Regina (1983), Personalidade (1987), Elis - O Mito (1993). 20 Anos de Saudade (2002) é bom para quem quer conhecer canções raras, lançadas principalmente em compactos ou nos álbuns especiais de Festivais, assim como Pérolas Raras (2006), a qual concentra-se essencialmente em unir os compactos mais importantes lançados na carreira de Elis.

Para os completistas, vale a pena buscar o álbum Adoniran Barbosa - Documento Inédito (1984), o qual traz registros de Elis feitos com o famoso sambista paulista, que são "Prefixo Fino da Bosa" "Saudosa Maloca" e "Bom Dia, Tristeza", e também a coletânea especial Nada Será Como Antes - Elis Interpreta Milton Nascimento (1984).

Espero ter trazido para o fã e o ouvinte que quer conhecer a carreira de Elis toda a importância de sua obra, e, caso alguém tenha sugestões, por favor, os comentários estão aqui para isso. O importante é o Brasil (e por que não o mundo) não esquecer que uma das maiores vozes do mundo saiu de nosso país, e que o preconceito muitas vezes nos leva a desconhecer aquilo que é exatamente o que ideologicamente consideramos a perfeição.
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