domingo, 28 de fevereiro de 2010

Pink Floyd: The Wall Tour


1980. O mundo da música havia mudado muito desde que os primeiro moogs e mellotrons foram implementados em meados da década de sessenta. A briga entre o progressivo e o punk perdia espaço entre a geração saúde que começava a surgir, e novas fontes de acordes e melodias ganhavam seus lugares, como a New Wave of British Heavy Metal e a pop music.


A nuvem de poeira gerada pelo gigantesco meteoro punk, que caiu na Terra para destruir cos dinossauros do progressivo, estava se dissipando, mas causou seus estragos, exterminando bandas como Yes, King Crimson, Van Der Graaf Generator, Gentle Giant e Emerson Lake & Palmer, enquanto que outros dinossauros acabaram sofrendo mutações para se adaptarem ao novo mundo, caso de Renaissance, Moody Blues, PFM, Genesis e Jethro Tull, que acabaram lançados álbuns pífios (para não dizer péssimos), mas arrecadaram alguns níqueis por mais uns anos.

Pequenas promessas de gigantes futuros sentiram o golpe da explosão muito rápido, e logo viraram animais comuns na selva que tinha ficado, como foi o caso de Styx, Kansas, Supertramp, Esperanto e Electric Light Orchestra.

Porém, o apatossauro Pink Floyd ainda resistia em sobreviver, e em 1980 acabaria ele mesmo colocando a última pá de cal sobre o túmulo do rock progressivo, enterrando diversas bandas e a si mesmo com o lançamento e a turnê de
The Wall.

Se os Beatles são considerados a banda mais importante da história do pop, não tem como negar a importância do Pink Floyd para a consolidação do rock progressivo. Em termos de turnês, a banda sempre esteve anos-luz a frente do que se fazia na época, se não vejamos:

1967 - Turnê de
The Piper at the Gates of Dawn - O Floyd era a primeira banda a experimentar e usar nos shows aquelas famosas sequências de imagens psicodélicas de bolhas se mexendo, entre outros artefatos, nos famosos shows realizados na casa UFO em Londres, e também em outros locais;

1970 - Turnê de
Atom Heart Mother - O Pink Floyd é a primeira banda a fazer uma excursão com orquestra, na verdade uma pequena série de shows com a London Symphony Orchestra para executar a faixa-título na íntegra. Ainda nesta turnê, o Floyd seria a primeira banda a apresentar um boneco gigantesco em um show. No dia 15 de maio de 1971, durante a execução de "Echoes" em uma apresentação no Crystal Palace Garden de Londres, um enorme polvo inflável emergia do lago localizado no parque. Posteriormente, na turnê de Animals, outro enorme animal voltaria a aparecer nos shows da banda, o famoso porquinho inflável que sobrevoou as chaminés da cidade de Birmingham, e dessa vez o bicho ficaria por um bom presente tempo nas turnês do conjunto;

1972 - Turnê de
Meddle - O Floyd era a primeira banda a fazer um show para ninguém (!) e de propósito (!!!!), na cidade de Pompéia, em meio as ruínas e cinzas da cidade italiana;

1973 - Turnê de
Dark Side of the Moon - O Pink Floyd era a primeira banda a utilizar-se dos efeitos de laser e do uso de canhões de luz para criar figuras e ambientes totalmente viajantes;

Todas essas tours merecem uma sessão dedicada apenas para cada uma delas, mas vou me dedicar aquela que foi a maior (e ao mesmo tempo a menor) das turnês do grupo, a
The Wall Tour.



A ideia de The Wall surgiu durante a turnê de Animals. Durante um show no Olympic Stadium de Montreal, no dia 06 de julho de 1977, o baixista e vocalista Roger Waters começou a se irritar com fogos de artíficio que explodiam sobre o palco. Estes fogos eram jogados da plateia, e Waters, incomodado com a situação, acabou gritando algumas palavras ofensivas para o público. Um fã que estava na frente do palco acabou se ofendendo com as palavras de Waters, e então arremessou uma garrafa de vidro em direção ao vocalista que, em troca, cuspiu na cara desse fã.

Nesse mesmo show, um outro fã, que estava completamente embriagado, lançou no meio do público um pequeno foguete chamado "screamer", o qual faz muito barulho e também solta muita fumaça. Isto ocorreu durante o blues que o Pink Floyd tocava para encerrar o show, e então um tumulto generalizado ocorreu naquele ponto do estádio, com pessoas sendo pisoteadas e outras tentando escapar do foguete.

Todos estes fatos ocorreram principalmente pela falta de segurança canadense no local. Estima-se que mais de 80 mil pessoas estavam presentes no estádio, mas como aquele show seria o primeiro grande espetáculo a ser feito ali desde a Olímpiada de 1976, a polícia não estava preparada para tamanha quantidade de gente. Assim, as revistas foram poucas, e podia-se entrar com qualquer aparato dentro do estádio.

Após todos os incidentes, Waters acabou revoltando-se contra a sua atitude de cuspir em um fã, e decidiu procurar ajuda de um psicólogo, com quem acabou descobrindo o quanto o incomodava tocar em estádios ou locais abertos.

Ainda na mesma turnê, o guitarrista e vocalista David Gilmour acabou tendo um sério stress com outro fã, que pedia insistentemente para a banda tocar uma determinada canção durante o bis, fato esse que Gilmour se recusou a fazer e gerou uma grande confusão. Gilmour e Waters estavam cansados de grandes apresentações, com Waters dizendo que gostaria de construir um muro em sua volta, para isolar-se da plateia. Assim nascia a obra
The Wall.



O disco foi gravado durante muitas confusões e brigas internas, que culminaram com a saída do tecladista Rick Wright e também com o afastamento entre Waters, Gilmour e o baterista Nick Mason. Todo composto por Waters (a menos de três canções, "Young Lust", "Confortably Numb" e "Run Like Hell", as quais tem co-autoria de Gilmour), o álbum é praticamente uma autobiografia do baixista, retratando os seus problemas como a perda do pai, o grande amor afetivo da mãe, dificuldades escolares, relacionamentos amorosos fracassados, soberba e arrogância. Tudo isto retratado sobre o personagem central da obra, Pink. Durante o desenrolar da bolacha, Pink acaba criando um muro dentro de sua consciência entre si e o resto das pessoas, vivendo então em um mundo de fantasias, abusando do uso de drogas e virando um ditador facista. Sua consciência acaba o levando a julgamento, e então, Pink acaba sendo julgado por ele mesmo, destruindo assim o muro que o cerca.

O LP acabou se tornando um extremo sucesso, tendo como alicerces "Another Brick in the Wall Part 2", "Confortably Numb", "Mother" e "Run Like Hell". Desde seu lançamento, recebeu 23 vezes o álbum de platina, e se tornou o terceiro álbum mais vendido em todos os tempos nos Estados Unidos, além de ter alcançado a primeira posição nas tabelas da
Billboard em 1980. Leitores da Rolling Stone elegeram The Wall como o 87º melhor álbum de todos os tempos, enquanto os da Q Magazine colocaram o mesmo na posição 65. Sem dúvida alguma, The Wall se tornou um dos principais álbuns da discografia do Pink Floyd, ao lado de Dark Side of the Moon, e mesmo com todo esse alvoroço de vendas a banda entrou em ruínas após o começo das gravações e também da turnê de divulgação do álbum.

Todo o palco da turnê de
The Wall já estava na cabeça de Waters desde que ele apresentara o projeto a banda (assim como a gravação de um filme, que ocorreria posteriormente). Como estava revoltado com a situação de tocar para grandes plateias, Waters queria ver a reação do público ao assistir a um show sem ver a banda, e assim, decidiu por criar um muro que separava o palco da platéia, não deixando nenhum espaço para ver os membros da banda.

A ideia foi rejeitada pelos produtores, principalmente pelos altos custos de se construir um muro e como fazer isso durante a apresentação de um show. Porém, com o passar dos dias, Waters cercou-se de especialistas em produção de cenários e finalmente colocou em prática o seu plano, sendo estabelecido que o muro seria mesmo construído durante a apresentação do disco 1 (lados A e B).

Então, no dia 07 de fevereiro de 1980, começava a
The Wall Tour na cidade de Los Angeles. E, diga-se de passagem, o show em si era um verdadeiro espetáculo. Com as luzes apagadas, uma canção da trilha sonora do filme Gigi (que aparece na capa de Ummagumma) é executada, enquanto pode-se ver parte de um gigantesco muro já construído, com um grande espaço no meio do palco ainda ser ter sido preenchido, para assim aparecer o mestre de cerimônias (interpretado por Gary Yudman nos shows de Nova Iorque e Londres, Cynthia Fox, Jim Ladd e Ace Young nos shows em Los Angeles e Willi Thomczyk nos shows em Dortmund), enunciando as seguintes palavras:

"
Boa noite, aqui estamos senhoras e senhores. Sejam bem-vindos ao (local do show). Meu nome é Gary (Jim, Cynthia, Ace, Willi) e vamos presenciar um grande show esta noite. A banda está no backstage e virá ao palco em poucos minutos. Antes de o show começar eu preciso lhes falar sobre alguns avisos: primeiro - por favor, sem fogos de artifício, também, por favor, sem câmeras fotográficas e qualquer outro tipo de máquinas de video ou gravação. Bem, eu acho que a banda já está pronta para começar agora ... (o mestre da uma olhada para o palco) não, não, ainda não ..." e continua falando, com os primeiros acordes de "In the Flesh?" sendo executados por uma banda "alternativa", já que não eram os membros do Pink Floyd que tocavam a mesma, mas outras quatro pessoas usando máscaras de cada integrante da banda e vestindo roupas negras com um distintivo onde dois martelos vermelhos estão cruzados em formato de X. Na parte central do palco, em um nível superior, a projeção destes martelos é feita, e enquanto se ouve o som de um avião, o falso "Waters" aponta em direção ao público e grita "comin' over", surgindo então um pequeno avião que vai em direção ao palco e explode atrás da parte do muro que já está construída.

Essa banda alternativa era formada por Snowy White (guitarra - fazendo o papel de Gilmour nos shows de 1980, enquanto Andy Roberts executou este papel nos shows de 1981), Willie Wilson (bateria - fazendo o papel de Mason), Peter Wood (teclados - fazendo o papel de Wright) e Andy Bown (baixo - fazendo o papel de Waters).

O choro do bebê de "The Thin Ice" é o tempo suficiente para a bateria do falso Mason ser escondida sob o palco, enquanto que os outros falsos integrantes retiram suas máscaras e a vestimenta negra, e a verdadeira banda entra no palco, trajando roupas brancas (a menos de Mason, que usa roupas negras), com os falsos permanecendo como espelhos, lado a lado aos originais.

Durante "Another Brick in the Wall Part I", surgem alguns efeitos do gigantesco círculo de canhões de luz, que iria marcar a carreira da banda pós-saída de Waters. O som do trem de "The Happiest Days of Our Lives" é recheado com dois grandes círculos de luz em ambos os cantos do palco, enquanto no canto esquerdo surge uma gigantesca marionete inflável do professor, com luzes nos olhos, bengala e caminhando em direção ao centro do palco. Com a marionete já próxima ao centro, a banda executa "Another Brick in the Wall Part II", onde pela primeira vez é possível ver construtores colocando tijolos na parte do muro que ainda não foi construída, e também os suportes para os outros tijolos, bem como projeções criadas por Gerald Scarfe e que viriam a aparecer posteriormente no filme de
The Wall. Neste momento do show, temos um longo improviso de Gilmour, White/Roberts e Wright, que na verdade fazia parte da versão original de "Another Brick in the Wall Part II" (conforme pode ser conferido no bootleg The Wall Rehearsals), mas ficou de fora do LP devido aos limites de duração do mesmo.

O telefone toca, e é a vez de "Mother", com Waters tocando violão no centro do palco e Wright executando os acordes iniciais em seu órgão. A música desenvolve-se, e quando Gilmour começa seu solo outra marionete gigantesca surge no canto superior esquerdo, representando a mãe de Pink sentada em um banco e de braços cruzados, como embalando um bebê. Esta marionete também possui os olhos iluminados.

Após "Mother" o show não para, e temos então a linda "Goodbye Blue Sky". Mesmo com a fraca iluminação (que está assim de propósito), é possível ver que mais partes do muro estão sendo construídas, tendo então alguns espaços onde é possível ver a banda. A famosa cena das flores transando de "Empty Spaces" surge como projeção na parte central do palco, e outra parte que ficou de fora do LP é apresentada, agora a canção "What Shall We Do Now?", onde Waters abandona o baixo e assume o posto de vocalista apenas.

Waters então deseja um bem-vindo e um boa noite para a plateia, tomando novamente o baixo nos braços e apresentando a canção seguinte ao público, "Young Lust", onde um suporte para a construção da parte de cima do muro é colocado em cena. Os grandes círculos de luz que aparecem em "The Happiest Days of Our Lives" voltam a cena, movendo-se sobre a cabeça de Gilmour durante o seu solo, e de novo temos alguns improvisos de Wright.

"One of My Turns" apresenta outra gigantesca marionete, agora a esposa de Pink, no canto superior direito do palco, enquanto Waters canta em frente ao muro que já está parcialmente construído. O professor volta a cena em "Don't Leave Me Now", junto com a esposa de Pink.

Com grande parte do muro já construído, "Another Brick in the Wall part III" e a inédita instrumental "The Last Few Bricks" são as canções onde os operários correm para terminar o muro. A movimentação no palco é intensa, e finalmente, com todas as luzes apagadas em "Goodbye Cruel World", é possível ver somente o rosto de Waters iluminado por diversos canhões de luz, até ele dizer o último "
goodbye", e colocarem o último tijolo que falta, completando então o muro. As luzes do local são acesas, e é possível então ver o gigantesco muro de 12 metros de altura, para então uma pausa de dez minutos ser feita.

As luzes se apagam, e os acordes de "Hey You" são executados ao violão, acompanhados pelo baixo e teclados, enquanto um boneco totalmente nu e sem pêlos (Pink) aparece sentado em frente ao muro. O boneco permanece imóvel, com a boca aberta como se agonizando, enquanto a banda continua tocando mesmo estando atrás do muro, comportando-se realmente como se tocando em um show, levando então para "Is There Anybody Out There?", onde uma fraca iluminação vermelha está localizada sob o muro, enquanto canhões de luz circulam o público como se procurando uma pessoa. De repente, entre dois tijolos, surge Gilmour e seu violão para executar o lindo tema desta canção, iluminado pelos canhões de luz.

Em "Nobody Home", imagens de TV são projetadas no canto esquerdo superior do muro, sendo rapidamente substituídas por uma imagem imitando uma cena vista por uma janela, enquanto uma elevação contendo uma poltrona e um abajur de pouca luz surge trazendo Waters sentado na poltrona e assistindo uma pequena TV enquanto canta. Waters permanece naquela espécie de quarto de hotel durante "Vera", onde imagens relativas a Vera Lynn são projetadas no muro.

Já em "Bring the Boys Back Home", a imagem de militares apontando para um garoto é o que mais se destaca na primeira parte da canção, com diversas imagens sendo projetadas durante o toque de telefone e a busca das pessoas por Pink.

Então, vestido de médico para dopar Pink, Waters surge no canto inferior esquerdo do palco cantando "Confortably Numb", com o boneco nu no centro do palco. Num dos pontos altos do show, Gilmour aparece sobre o muro, como que voando sobre o mesmo (isso graças a um guindaste que o levantava até aquela altura) cantando a sua parte e executando o primeiro solo. Waters assume a ponta novamente, para Gilmour então cantar a segunda parte e fazer o seu segundo e consagrado solo, com o improviso rolando solto.

As luzes do círculo gigante são acesas, iluminando a banda por trás do muro, enquanto "The Show Must Go On" é ouvida, com a parte da frente do muro sem nenhuma iluminação, ou seja, o público vê apenas parte do arco de luzes e nada mais do que movimentações em frente ao muro.

O mestre de cerimônias volta à cena novamente, com uma fala diferente da inicial e estando em uma forma robótica. É a deixa para os acordes de "In the Flesh" surgirem com explosões e o símbolo dos martelos cruzados sendo projetado em ambos os cantos do muro. A banda aparece então em frente ao muro, com os quatro integrantes do Floyd usando as mesmas roupas negras personalizadas (com o símbolo do martelo estando no lado direito do peito de cada integrante e no braço esquerdo de Waters, como a suástica nazista, simbolizando o ditador Pink) que os falsos integrantes usaram no início do show, enquanto os falsos integrantes agora estão usando as roupas que os verdadeiros estavam usando até aquele momento da apresentação. Os backing vocals (Joe Chemay, Stan Farber, Jim Haas e John Joyce) estão trajando a mesma vestimenta do quarteto real. A projeção no muro muda durante o som, agora com três alvos, tendo Pink no centro. Próximo ao final de "In the Flesh", o famoso porco da turnê de
Animals dá as caras, sobrevoando a plateia e trajando também a sua própria roupa negra personalizada (inclusive com o símbolo dos martelos cruzados gravado no corpo).

Waters comunica-se com a plateia mais uma vez, dedicando a próxima canção para as pessoas fracas da audiência, "Run Like Hell", onde além do porquinho, o jogo de luzes no palco é a principal atração. "Waiting for the Worms" também apresenta um interessante jogo de luzes, e Waters novamente abandona o baixo para fazer o papel do ditador Pink. É aqui onde a famosa marcha dos martelos é projetada no muro, para termos "Stop", com o boneco nu de Pink sentado sobre o muro.

Chegamos no apoteótico julgamento do protagonista em "The Trial" (para mim uma das melhores músicas que Waters cômpos em toda a sua vida). O boneco cai do muro, e então, um filme especialmente feito para "The Trial" é projetado no muro, onde é possível ver todos os personagens apresentados durante o show (a mãe, a esposa e o professor de Pink, além do próprio sendo julgado por ele mesmo), enquanto que Waters é o único a cantar a canção sobre o playback da orquestra. A dramaticidade de "The Trial" é sentida em cada centímetro do muro, e após o verme-juiz dar a sentença de "derrubar o muro", tijolos do gigantesco muro de 12 metros começam a ser derrubados. Em questão de segundos, todo o muro que havia sido construído durante a primeira parte do show estava no chão. Gelo seco dava a aparência de pó, e a plateia, atônita, vibrava com aquele espetáculo de luzes, tijolos quebrando e com a catástrofe que estava sendo mostrada.

Finalmente o show encerrava-se, com todos os músicos caminhando sobre os escombros do muro, cantando e tocando "Outside the Wall" e trajando camisas brancas e calças negras, onde Waters toca clarinete, Gilmour está no mandolim, Mason no violão, Wright no acordeão, Bown e Wood no violão, seguidos pelos backing vocals.

Então, sob os aplausos da plateia, Waters, Gilmour, Wright e Mason voltavam para os escombros, agradeciam ao público e se despediam, deixando para trás um espetáculo incrivelmente fantástico e com a apresentação completa de
The Wall.

A ideia de incluir filmes durante a apresentação acabou não tendo o resultado esperado, já que o filme utilizado na projeção não era o adequado, deixando a imagem em determinados momentos escura e indefinida. Mesmo assim, era um êxtase para a plateia ver as imagens em movimento durante a execução das canções.

Os tijolos utilizados para construir o muro eram feitos de uma espécie de papelão especial, que tinha como principal caracterísitica a mobilidade e ser um material anti-fogo. Todos os tijolos eram montados para cada a apresentação, sendo que ambos vinham desmontados como uma caixa de papelão comum. Cabia aos "construtores" montar os tijolos, levar ao palco e posicioná-los nos seus determinados lugares. Estima-se que entre 400 e 500 tijolos foram utilizados por show.

Em termos de registros, existem diversos bootlegs no mercado. Porém, o ideal mesmo é
Is There Anybody Out There 1980-81, lançado em 2000 e que traz o show completo, misturando músicas de apresentações de várias datas da turnê.



Is There Anybody Out There 1980-81 possui três diferentes formatos: um normal, em caixa slim; outro em caixa grossa, contando com dois encartes; e um terceiro deluxe, em formato de livro e que traz um grande encarte recheado de fotos, entrevistas e inclusive plantas-baixas do palco.

Em termos de vídeo, o Pink Floyd tentou registrar cinco shows para um posterior lançamento, o que ficou à cargo de Mark Fisher. Porém, como o uso de luzes para filmagens iria atrapalhar o espetáculo, as imagens das gravações ficaram muito escuras e, oficialmente, nada de
The Wall foi lançado até hoje em vídeo. Porém, existem algumas filmagens piratas que podem ser encontradas facilmente na internet, como o registro de um show de 09 de agosto, no Earls Court de Londres. Outro bom registro é o show no Nassau Veterans Stadium, e que também é facilmente encontrado.

Oficial mesmo ficou somente a reapresentação de
The Wall feita por Roger Waters em Berlin, no dia 21 de julho de 1990, como homenagem à queda do muro de Berlin. Ali, é possível ver todos os destaques aqui citados, com The Wall sendo interpretado por Scorpions, Brian Adams, Cindy Lauper entre outros, além do próprio Roger Waters. Em dezembro de 2009 Waters anunciou ao mundo que havia descoberto várias filmagens da The Wall Tour de boa qualidade, gravadas com câmeras de 35 mm, e estava trabalhando nelas para um posterior lançamento. Até agora, nada ...

Outra boa pedida é o documentário
Behind the Wall, realizado pelo Canal 4 britânico em 2000 (como parte do lançamento de Is There Anybody Out There 1980-81) e que conta detalhes das criações feitas para o show.

Em 1982 foi lançado o filme de
The Wall, com Bob Geldof no papel de Pink. Muitas das imagens utilizadas durante os shows estão presentes neste registro, obrigatório na prateleira de qualquer admirador de música, e que rendeu mais alguns níqueis para os bolsos de Waters e companhia.

Porém, nem tudo foram flores na turnê de
The Wall, tanto que somente 29 shows foram realizados e em apenas quatro cidades, com as apresentações de 1980 ocorrendo no mês de fevereiro nos EUA (7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13 no Los Angeles Memorial Sports Arena, em Los Angeles, e 24, 25, 26, 27 e 28 no Nassau Veterans Memorial Coliseum, em Long Island) e agosto na Inglaterra (4, 5, 6, 7, 8 e 9 no Earls Court em Londres). Já em fevereiro de 1981 The Wall foi apresentado na Alemanha (13, 14, 15, 16, 17 e 18 no Westfalenhalle, em Dortmund) e voltou para o Earls Court no mês de junho (13, 14, 15, 16 e 17).

Gimour e Mason ainda tentaram em vão convencer Waters a apresentar
The Wall no JFK Stadium, pois o produtor Larry Maggid havia oferecido 1 milhão de dólares para ter o espetáculo. Porém, Waters recusou a ideia, principalmente pelo fato de que The Wall simbolizava toda a raiva que ele tinha em tocar em estádios, ou seja, a apresentação no JFK Stadium seria totalmente contraditória.

Com a negativa de Waters, a turnê de
The Wall começou a afundar. Somente na parte americana da tour as despesas alcançaram 1 milhão e 500 mil dólares. No total, nunca foi divulgado quanto o Floyd perdeu em toda a excursão, mas o resultado foi a saída de Wright, com Waters assumindo as pontas de vez e lançando The Final Cut já sem nenhum clima com Gilmour e Mason, culminando então no fim do Pink Floyd.

Anos depois, um revival passou a ocorrer no progressivo, com o retorno de bandas como King Crimson, Yes e ELP (com Cozy Powell no lugar de Carl Palmer) e também do própiro Floyd, sem Waters. O quarteto
floydiano iria apresentar-se novamente juntos somente em 02 de julho de 2005, no festival Live 8, porém, apesar das especulações, um retorno definitivo não ocorreu, e com a morte de Wright em 15 de setembro de 2008 isso acabou tornando-se ainda mais difícil.

O rock progressivo nunca mais alcançou o status que teve entre os anos de 1970 e 1980. A turnê de
The Wall, além de derrubar o muro de Pink (e de Waters) e acabar com a carreira do Pink Floyd, levou consigo uma geração de músicos que empregavam com excelência virtuose, sentimento e técnica, fazendo letras espetaculares, narrando histórias inimagináveis e criando músicas que ficaram para a posteridade, como diversas suítes e obras da música clássica no período renascentista.
Bleeding hearts and artists make their stand!!!


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Genesis: The Lamb Lies Down on Broadway Tour


Ao mesmo tempo em que Rick Wakeman desfilava bonecos gigantes e balé no gelo em uma grandiosa turnê, o Genesis assombrava o mundo com um espetáculo fora do comum. O quinteto britânico em sua formação clássica (Peter Gabriel - vocais, flautas; Steve Hackett - guitarras; Mike Rutherford - baixo, violões; Phil Collins - bateria, vocais; Tony Banks - teclados, violões) já vinha fazendo seu nome por clássicos do progressivo como os álbuns Nursery Crimes, Foxtrot e Selling England by the Pound, e também chamava muita atenção pelas performances ao vivo desde a turnê de divulgação de Foxtrot (1972), com Gabriel usando diferentes fantasias para determinadas canções (uma forma de esconder sua timidez) e realizando encenações teatrais comoventes, como o velhinho e a mulher-raposa de "Musical Box" ou o homem-flor de "Supper's Ready".



Com as bandas progressivas subindo sem parar em termos de publicidade e inovação, o Genesis não poderia ficar de fora, e assim, decidiram incrementar o espetáculo que faziam de maneira que finalmente gravassem o nome do grupo entre os maiores da história. Isso veio com o fantástico álbum The Lamb Lies Down On Boradway, lançado em 29 de novembro de 1974.

A concepção de Lamb Lies foi um tanto quanto complicada. Gabriel vivia problemas pessoais (sua esposa estava passando por uma complicada gravidez, sendo que o bebê, quando nasceu, ficou três semanas na incubadora) e afastou-se por algum tempo dos demais integrantes, que decidiram tocar a banda adiante compondo material para Gabriel apenas colocar sua voz posteriormente. Desta forma surgiram as primeiras canções para um projeto de Rutheford chamado The Little Prince, baseado na obra de mesmo nome do autor Antoine de Saint-Exupéry.



Porém, quando Gabriel voltou à cena, insistiu que o material não era bom, e que quem iria criar as letras seria ele mesmo. Assim, o projeto para O Pequeno Príncipe era abandonado, e novas letras começavam a brotar da mente de Gabriel. Algumas peças musicais ainda seriam aproveitadas, como "Ravine" e "Riding the Screen", contando com algumas alterações feitas por Gabriel. Outras faixas antigas e que nunca haviam sido gravadas acabaram entrando no álbum, tendo adaptações as letras de Gabriel, como são os casos de "Anyway", "The Colony of Slippermen" e "Lilywhite Lilith", as quais podem ser conferidas em bootlegs da banda datados no início da década de 70. Por fim, a maior parte das composições foi escrita por Rutherford e Banks, mas Gabriel concebeu todas as letras, e isso é um detalhe importantíssimo para o que viria a acontecer durante a turnê.



Inspirado pelo nascimento de seu filho e pelas modificações tecnológicas e mentais que surgiam no mundo, Peter Gabriel decidiu criar uma história altamente intrigante, e que acabou sendo desenvolvida através das gravações. Resumindo a peça, o álbum narra um fato ocorrido com um garoto porto-riquenho chamado Rael (um trocadilho com Gabriel), que fazia escabruras na cidade de Nova York. O garoto vê seu irmão, John, ser abduzido por seres extra-planetares, e acaba entrando em uma outra dimensão para tentar salvar o mesmo. Nessa dimensão, diversos fatos ocorrem, como encontros com o filósofo Marshall McLuhan e também com figuras do poeta e pintor William Blake (cujo quadro mais conhecido é o que aparece na capa de Death Walks Behind You, do grupo Atomic Rooster), uma forte alusão ao consumo desenfreado das pessoas e que, no final, Rael descobre que tudo o que passou se tratava de uma grande alucinação causada por seus distúrbios mentais. Claramente, Lamb Lies iria narrar um pouco da história de Gabriel. Em Rael, Gabriel se escondia num personagem que existia em sua mente, e que de certa forma, retratava os pensamentos e sonhos do vocalista.


O que está contido nos sulcos de Lamb Lies é de uma profundidade dificilmente encontrada em outros álbuns do Genesis, com variações climáticas que vão da alegria a tristeza em menos de um minuto, e com um belíssimo trabalho de Banks e Hackett, além claro das participações vocais de Gabriel (interpretando Rael) e Collins (interpretando John), que também faz um magnífico trabalho na sua bateria, talvez o melhor da carreira do mesmo.

As discussões em torno da obra variam bastante, inclusive com Banks afirmando que o material ali contido daria para elaborar no mínimo dez filmes, enquanto que Rutherford afirmava que musicalmente o disco era perfeito, assim como as letras, mas a união de ambas as partes foi um desastre. A prova de que muito material ficou de fora está na capa interna do álbum, que continha uma grande parte da história escrita por Gabriel e que não era desenvolvida em nenhum momento nas letras das canções, tornando-se uma leitura essencial para a compreensão da obra, e que ainda hoje gera muitas discussões sobre do que realmente ela trata.


Com certeza, The Lamb Lies Down On Broadway é uma das principais peças musicais do progressivo e uma das maiores em todos os tempos. Obviamente, o disco foi massacrado pela crítica e por muitos fãs, que não ficaram habituados com a futurística história desenvolvida ali, mas mesmo assim, ainda nos dias de hoje, o álbum é cultuado e estabelecido como a principal obra do grupo.


Em termos de vendas, The Lamb Lies Down On Broadway alcançou a posição 10 no Reino Unido. Os americanos demoraram a absorver a ideia de Gabriel, com o disco alcançando somente a posição 41, o que não significa nada perto da exposição que o trabalho veio a sofrer após seu lançamento, tanto que na própria América o álbum veio a receber disco de ouro (500 mil cópias vendidas) no dia 20 de abril de 1990, fato que já havia ocorrido na Inglaterra em o1 de fevereiro de 1975.


Após o lançamento, o Genesis partiu para uma longa turnê mundial que contaria com mais de 100 shows. Mesmo com o álbum tendo sido lançado no final de novembro de 1974, a tour já estava programada para começar no final de outubro daquele ano. Porém, uma lesão na mão de Hackett, que acabou quebrando uma garrafa de vinho, acabou atrasando o início da The Lamb Tour, a qual estava programada para ocorrer durante três semanas na Inglaterra. Assim, em 20 de novembro de 74, na cidade de Chicago, começava a excursão, que tinha como set list a apresentação na íntegra do álbum The Lamb Lies Down On Broadway (lembrando que ele é um álbum duplo), e com um bis de "Musical Box". Posteriormente, foi adicionado ao bis a canção "Watcher of the Skies", e no encerramento da parte européia da turnê, "The Knife" também estava presente.

O fato interessante é que o álbum ainda não havia sido lançado nos EUA no início da turnê e, portanto, todas as músicas eram uma novidade para a plateia (a menos "The Musical Box", claro).

Logo no começo da turnê, nos shows de Cleveland em 25 e 26 de novembro, Gabriel decide que vai deixar a banda, afinal ele já estava pensando além do que os demais integrantes queriam, e não desejava estar 100% de seu tempo como os demais estavam fazendo, querendo dedicar a vida a família e a uma carreira solo sem grandes compromissos, avisando então ao empresário da banda, Tony Smith, e ao resto do grupo. Porém, é convencido a ficar até o final da turnê, já que a mesma era a única forma que o Genesis tinha de pagar suas dívidas com a Charisma Records (gravadora do conjunto). Mesmo assim, as suas performances foram sensacionais, o que elevou o nome de Gabriel entre os admiradores não só do progressivo, mas do teatro e da arte.

Com o palco sem nenhuma luz, o grupo surgia aos poucos. A voz de Gabriel começava a narrar a história de Rael, explicando todo o lado A do álbum para então Banks soltar o riff da canção "The Lamb Lies Down On Broadway" em seu teclado. Um detalhe interessante é que a narrativa de Gabriel contando o que iria ser apresentado sofreu grandes mudanças desde a primeira apresentação. Se no início o texto continha pouco mais de dez linhas, no final quase uma página inteira era apresentada por Gabriel ao público, para só então soarem os primeiros acordes de "The Lamb Lies Down On Broadway".

Depois desses acordes, fracas luzes iluminavam o palco, onde quatro pequenas elevações estavam dispostas: duas para Gabriel, uma para Rutherford e uma para Hackett. Cada detalhe do palco, como andaimes e cornetas dos alto-falantes, era pintado de preto, com a intenção de absorver o máximo possível de luz, preservando a imagem de Gabriel (ou Rael). Então, surgia uma das grandes novidades que a Genesis trazia aos palcos na época: um enorme telão que imitava a capa do álbum, contando com três diferentes projeções. Neste telão, 1.450 slides diferentes, distribuídos em 18 cassetes, eram projetados por projetores no estilo carrosel (quem nunca teve aula com um desses que atire a primeira pedra), que ficavam localizados atrás da banda.

A intrincada engenhoca era conduzida por Dave Lawrence, que seguia fielmente uma sinopse com três páginas dizendo quais slides deveriam aparecer em determinadas parte de uma canção que estava sendo apresentada. Os cassetes eram sempre modificados nos intervalos, onde Gabriel seguia a narrativa da próxima etapa (ou lado) do álbum. Obviamente, em muitos lugares a sequência não deu certo, mas mesmo assim a visão que se tinha daqueles slides era impressionante. Pela primeira vez o público experimentava a sensação de estar ao mesmo tempo em um cinema e num show de rock.

Mas não era só isso que chamava a atenção na turnê de The Lamb Lies. Como dito, Gabriel já vinha utilizando de diversas fantasias nas turnês de Foxtrot e Selling England by the Pound, mas na The Lamb Tour ele superou as expectativas. Em toda a apresentação, Gabriel encarnava Rael em suas mais diversas ocasiões, começando vestido como o garoto rebelde, usando jaqueta de couro preta, camisa branca, calça jeans, cabelos curtos e os olhos pintados de negro.

Gabriel ficava vestido desta forma durante "The Lamb Lies Down On Broadway" e "Fly on a Windshield". Em "Broadway Melody of 1974", Gabriel ficava toda a parte instrumental fora do palco, e era um dos momentos onde o improviso rolava com Hackett e Banks. Gabriel voltava vestido da mesma maneira para cantar a letra de "Broadway Melody of 1974", aparecendo então com o dorso nu, sem camisa e sem jaqueta, para cantar "Cuckoo Cocoon", ajoelhado em frente aos teclados de Banks.

De volta ao centro do palco, a banda executa o primeiro ponto alto de Lamb Lies, "In the Cage", com Gabriel ainda vestido apenas de jeans e mudando constantemente de posição no palco, cantando hora ao lado de Collins, em um nível superior ao baterista, hora à frente do palco e hora atrás de Banks. Vestindo novamente a jaqueta de couro e a camisa branca, Gabriel canta "The Grand Parade of Lifeless Packaging", e assim encerra-se o lado A.

Após narrar o que irá acontecer no lado B, Gabriel e o Genesis iniciam o lado B, com "Back in N.Y.C." e a mesma vestimenta inicial, seguida pela instrumental "Hairless Heart", "Counting Out Time", "The Carpet Crawlers" e "The Chamber of 32 Doors". Até essa parte do show, nada de anormal, mas o público ainda teria com o que se impressionar.

Depois da narrativa de Gabriel para o lado C, vêm "Lilywhite Lilith", seguida pela louca instrumental "The Waiting Room", "Anyway" e "Here Comes the Supernatural Anaesthetist", para então chegar em "The Lamia", onde Gabriel surge escondido sob uma espécie de cortina em forma de cone decorado com imagens de cobras, a qual está suspensa no centro do palco, cobrindo todo o seu corpo e demonstrando o ambiente do lugar onde Rael está. Gabriel gira a cortina envolta de seu corpo, enquanto canta a letra da canção. De repente, a cortina cai, mostrando Gabriel com o corpo todo pintado de branco e iluminado por uma luz negra que surge debaixo do palco, encerrando a letra de "The Lamia". A apresentação do lado C encerra-se com "Silent Sorrow in Empty Boats"

Na abertura do Lado D, mais outra fantasia marcante. Durante a execução de "Arrival" (uma das três partes de "The Colony of Slippermen"), uma bolha vermelha gigante aparece embaixo do teclado de Banks. Dentro dela, vemos uma estranha forma se mexendo. Após alguns segundos, vemos essa estranha forma sair da bolha. É Rael, totalmente transformado em um Slippermen, com uma aparência simplesmente horripilante, possuindo uma gigantesca genitália. Com essa fantasia incrivelmente maluca, com uma enorme cabeça, olhos esbugalhados e cheia de bolotas e imperfeições, temos a execução da segunda parte de "The Colony of Slippermen", que é "A Visit to the Doktor", o segundo grande ponto do show, onde irá ocorrer a castração de Rael e John pelo Dr Dyper, com a finalidade de tirar os irmãos daquele lugar. Finalmente, a última parte é apresentada através de "The Raven".

Com "Ravine", o Genesis encaminhava o encerramento da apresentação de Lamb Lies, com "The Light Goes Down on Broadway", "Riding the Screen" (e Gabriel usando calça jeans e camisa branca, sem jaqueta de couro), "In the Rapids" e "It" (mesma vestimenta anterior, mas com a jaqueta de couro preta) - onde explosões e jogos de luzes introduzem a canção -, e então no palco temos dois Gabriels (um de verdade e outro um manequim, idêntico ao vocalista), que confunde a plateia em qual dos dois é o real (ou Rael).

Depois de uma breve pausa, a banda voltava para tocar "Watcher of the Skies" (no final da turnê) e "Musical Box", saindo aclamada pela plateia.

Quatro shows foram cancelados durante a turnê (Dallas e Berkeley nos Estados Unidos, Vancouver no Canadá e Toulose na França), devido a problema de datas ou a baixa procura de ingressos. No total, 102 shows foram apresentados entre Canadá, EUA e Europa.

O escritor britânico Brian Harrigan classificou a turnê de Lamb Lies como a mais ambiciosa daquela época. O equipamento carregado pela banda ficava entre 14 e 16 toneladas (!), sendo transportado por dois gigantescos caminhões, além de mais um outro caminhão de carga convencional. Nela, Collins usou seu maior kit, contando com 4 cymbals, 1 kit Ludwig com 7 peças, 1 Crystaline Fibes, 5 blocos de percussão vermelhos, 1 vibrafone, 1 conjunto de sinos, sinos tubulares e ainda pandeiros.

Além disso, a turnê contava com a participação de diversas pessoas, com destaque para Geoffrey Shaw e Theo Botschuyver (responsáveis pela projeção e seleção dos slides), Jane Highfield (responsável pelas fantasias), Nick Blythe e Peter Hart (produção de palco) e Ian Knight (construção do palco e camarins). Botschuyver inclusive já havia participado na turnê de Journey to the Centre of the Earth de Rick Wakeman, com influência nos efeitos visuais da mesma.

Na maioria dos shows Peter Gabriel deixava o palco chorando, em uma mistura de tristeza por saber que iria deixar a banda e também pela comoção que a letra passava para ele (já que o que Gabriel mostrava ao público era praticamente um auto-retrato de sua vida). Após as apresentações, o vocalista era sempre o centro das atenções, sendo considerado o único capaz de explicar a história, já que era ele quem havia criado tudo aquilo, com os outros membros sendo relegados a responderem perguntas do tipo "como é tocar com Gabriel?".

Isso acabou diminuindo as relações da banda com Gabriel, principalmente pelo fato de que a música em si havia sido construída por Rutherford e Banks, mas a imprensa e o público não davam bola para isso. Como Peter Gabriel já havia anunciado sua saída, os pratos literalmente quebraram, e Gabriel foi seguir uma carreira solo cheia de altos e baixos, enquanto o Genesis permaneceu como quarteto por algum tempo (tendo Phil Collins como principal vocalista), ainda investindo no progressivo, e depois como trio, sendo um dos expoentes da música pop nos anos oitenta.

O quinteto ainda viria se reunir em 02 de outubro de 1982 para uma apresentação no Milton Keynes, show este registrado no cobiçado bootleg Gabacabriel, e também em 1999, para regravarem "Carpet Crawlers".

Em termos de registros da turnê de Lamb Lies, existem diversos bootlegs disponíveis na internet para baixar. Durante muitos anos os fãs esperaram por um material de qualidade, até que o grupo resolveu lançar o box Archives 67-75, onde em dois dos 4 CDs da caixa temos a apresentação completa de The Lamb Lies Down On Broadway registrada durante a turnê, em Los Angeles, no dia 24 de janeiro de 1975, além de uma longa entrevista com Peter Gabriel explicando o porque de sua saída da banda. Este registro é impecável, e a caixa em si é um conteúdo indispensável nas coleções progs.

Em termos de vídeo, os registros também são vários, porém de péssima qualidade, já que foram gravados na maioria com câmeras de 8 mm. A banda lançou em novembro de 2008 um DVD chamado The Lamb Lies Down on Broadway, que contém a apresentação na íntegra, através de uma montagem de diversos vídeos e fotos da The Lamb Tour. Apesar das imagens não serem as melhores, é possível verificar os principais pontos da apresentação da banda.

Em 27 de setembro de 2005 tive a oportunidade de ver a recriação feita pela banda cover The Musical Box para o show de The Lamb Lies Down on Broadway, onde eles usavam todos os slides e fantasias originais (inclusive o mesmo baixo de dois braços). Confesso que mesmo sabendo que não era a Genesis que estava no palco fiquei emocionado em diversas partes do show. A apresentação das músicas foi perfeita, e a narrativa, bem como ver ao vivo e a cores as fantasias de "Lamia" e "Colony", ficaram gravadas em minha memória para sempre.

Tínhamos então o fim do domínio dos dinossauros progressivos sobre a Terra. O ano de 1975 mostrara ao mundo duas gigantescas turnês, mas o punk rock começava a brotar na Inglaterra, e o interesse por temas místicos e longos começava a diminuir cada vez mais. A partir de então, o progressivo começou a travar uma longa batalha com o punk, e que acabou culminando com o fim ou a mudança na sonoridade de diversas bandas, como o próprio Genesis, King Crimson, Gentle Giant, Van der Graaf Generator, Henry Cow, PFM, Renaissance, ...

O Yes voltou com Rick Wakeman e lotou durante três noites seguidas o Wembley Stadium, mostrando que os dinossauros ainda tinham um último gás para dar. Enquanto isso, o ELP afundava em dívidas devido aos enormes gastos com a Works Tour, onde a banda carregava para cima e para baixo uma orquestra e centenas de equipamentos e luxuosos aparatos dos integrantes da banda. O xeque-mate para o fim do prog foi dado por aquele que é considerado o principal criador do estilo, como veremos na última seção das grandes turnês do progressivo.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Rick Wakeman: Journey to the Centre of the Earth e Arthur on Ice Tours



A turnê de Tales From Topographic Oceans corria a solta, e o choque de egos entre os membros da banda aflorava. Na verdade, o Yes nunca foi a megalomania que todos falavam, já que Chris Squire e Alan White sempre foram modestos em relação a suas habilidades. Os que se achavam realmente os maiorais eram Steve Howe, Jon Anderson e Rick Wakeman (com o passar dos anos, Anderson caiu na real, mas vendo os vídeos de Howe e Wakeman nos dias de hoje constata-se cada vez mais que, para falar com eles, você precisa de uma autorização de São Pedro).

Como Tales havia sido concebido pelas cabeças de Anderson e Howe, Wakeman se sentia muito afastado (para não dizer p... da cara) com toda a mídia cozinhando o arroz da linha de frente do Yes, e, assim, dava declarações polêmicas sobre o álbum, dizendo que não curtia o som e que aquilo tudo não passava de uma viagem sem inspiração da banda, que levaria ao fim do grupo.

Na verdade, Wakeman não estava nada contente em não ser mais o centro das atenções, lembrando que, ao entrar no Yes, ele foi um dos principais responsáveis pela mudança sonora que a banda sofreu, incluindo vários instrumentos, como o moog e o mellotron, que o tecladista anterior, Tony Kaye, não tocava. Obviamente, a mídia creditava grande parte da evolução do Yes pela entrada de Wakeman, que como bom megalomaníaco adorava ver seu ego massageado. Com o lançamento de
The Six Wives of Henry VIII (1973), Wakeman ganhou glórias e mais glórias da mídia britânica, mas isto não ocorria mais na época de Tales From Topographic Oceans, e o tecladista estava decidido a mostrar ao mundo que ele, Rick Wakeman, era maior do que o Yes.



Assim, enquanto Anderson e Howe se preocupavam em encaixar cada peça das suítes de Tales, Wakeman resolveu investir em sua carreira solo, construindo um ambicioso projeto, que era uma peça teatral em homenagem a uma das obras de Julio Verne. Em menos de um mês, Wakeman apresentava para a gravadora A&M inglesa o seu novo trabalho: Journey to the Centre of the Earth. Os rascunhos indicavam um disco duplo, com apenas uma música (se Anderson e Howe fizeram uma música de 80 minutos juntos, porque Wakeman não poderia fazer isso sozinho?), narrando todo o livro do autor francês.

Além disso, o recheio da obra estava escondido sob um coral, orquestrações e um livro recheado de ilustrações e as letras do projeto. Obviamente, a gravadora britânica vetou a ideia, pois o custo era altíssimo. Mesmo com algumas bandas já tendo contratado orquestras para gravações (Moody Blues, Pink Floyd, Deep Purple), a A&M não estava disposta a bancar seu dinheiro para investir em um projeto que, da forma que estava, tinha tudo para dar errado.

A solução encontrada por Wakeman foi viajar até os Estados Unidos, e lá convencer os produtores americanos da A&M a realizarem a obra. No final, tanto a A&M americana quanto inglesa resolveram apoiar o projeto, desde que ele fosse encurtado para um disco simples, sem o tal álbum de ilustrações, e que fosse gravado ao vivo, o que diminuiria bastante em termos de horas em estúdio, ainda mais se o ingresso fosse cobrado.



Assim, no dia 18 de janeiro de 1974 (em uma pausa da turnê de Tales From Topographic Oceans), o show foi realizado e gravado no Royal Festival Hall de Londres, contando com a participação da Orquestra Sinfônica de Londres e o Coral de Câmara Inglês (os quais foram regidos por David Measham), uma banda formada por Gary Pickford-Hopkins e Ashley Holt (vocais), Mike Egan (guitarras), Roger Newell (baixo) e Barney James (bateria), além de um narrador, David Hemmings. Os arranjos ficaram a cargo de Danny Beckerman e Wil Malone, com o próprio Wakeman dando seus pitacos.

O show foi de extremo sucesso, tanto de crítica quanto de público. Quem participou recebeu um livro que, além do programa, contava as principais partes do que iria ocorrer, histórias sobre os membros da banda e, ainda, que o projeto estava sendo gravado e pronto para ser lançado em abril daquele ano. Na oportunidade foram executadas as seguintes músicas: "Sinfonia No 1 in D Minor - Opus 13, de Rachmaninov"; "Catherine Parr"; "Improviso 1"; "Catherine Howard"; "Anne Boleyn"; "Improviso 2" e a peça central, "Journey to the Centre of the Earth".

Mas após o evento o Yes voltava à tona com a parte americana da turnê de Tales From Topograhic Oceans. Com a agenda já cheia (e Tales subindo sem parar nas vendas), Wakeman e a A&M engavetaram o projeto por um tempo. Na verdade, Wakeman voltou a surtar, exigindo que o álbum fosse lançado de forma quadrifônica e requerendo novamente a presença do livro de ilustrações, e a A&M britânica não estava nada satisfeita com tudo aquilo. Além disso, o tecladista estava bastante empolgado com a receptividade do público para os efeitos que vinham sendo apresentado na turnê do Yes, e demonstrava um claro interesse em excursionar com o projeto de Journey em uma forma bem diferente dos demais projetos que a gravadora já havia feito.

Com o término da turnê de Tales From Topographic Oceans (e com os bolsos recheados de dinheiro), Wakeman pediu as contas do Yes e decidiu voltar suas atenções para o projeto de Journey to the Centre of the Earth. Ao saber da negativa da A&M britânica, novamente Wakeman recorreu aos EUA. Como o nome de Wakeman havia subido bastante por lá, os americanos resolveram bancar a loucura do tecladista e, assim, investiram no lançamento do álbum e também na turnê de promoção do mesmo.



Em maio de 1974 chegava às lojas o álbum Journey to the Centre of the Earth, com a gravação realizada em janeiro daquele ano. O disco vinha em duas versões, uma com o formato de gravação normal e outra com gravação quadrifônica (surround sound) com o sistema CD-4, sendo o primeiro da gravadora a ser feito desta forma. A versão quadrifônica é raríssima, mas para quem tem fica clara a diferença, mesmo quando o LP é ouvido em um sistema de dois canais.

Não se detendo em detalhes, a obra contida nos sulcos de Journey é uma mistura dos planos iniciais de Wakeman, e, para quem conhece o livro, nota-se a ausência de algumas partes, enquanto outras estão fora de ordem (principalmente em termos das letras). Dividido em quatro partes ("The Journey", "Recollection", "The Battle" e "The Forest"), o álbum trazia grandes sequências instrumentais (com Wakeman sendo o principal protagonista, logicamente) intercaladas por diversas narrações e partes cantadas, ora pelo coral, ora pelos vocalistas. Particularmente, acho o disco musicalmente fraco perto de The Six Wives of Henry VIII e The Myths and Legends of King Arthur and The Knights of the Round Table (gravado em outubro de 74 e lançado em maio de 1975), mas gostos são gostos, e não há de se negar que ouvir "The Forest" é sempre uma boa experiência. Além disso, o livro contém belas ilustrações, e assim como o livro de King Arthur, é uma das peças obrigatórias nas coleções de rock progressivo.

O disco foi um sucesso, e até hoje já vendeu mais de 14 milhões de cópias em todo o mundo, sendo que alcançou em pouco mais de uma semana o topo de vendas nos charts ingleses. Com o sucesso do álbum, Wakeman partiu para a segunda parte de seu projeto, que era a ambiciosa turnê de promoção do mesmo.

Com o dinheiro da A&M americana, Wakeman investiu em trazer os temas não para o palco, mas para a plateia. Assim, a Journey Tour começou pela América do Norte, passando por Europa, Japão e Austrália.



O set list variava bastante, até por que durante a turnê Wako construía The Myths and Legends of King Arthur and the Knights of the Round Table e também começava a elaborar o que viria a ser a trilha de Lisztomania. No início a tour contava com canções de The Six Wives of Henry VIII - "Catherine Parr", "Catherine Howard" e "Anne Boleyn" -, para só então serem apresentadas as quatro peças de Journey to the Centre of the Earth.

E era justamente nessa parte que o bicho pegava. Wakeman contratava um narrador da língua local de cada país para tornar mais fácil a "degustação da obra". Além disso, a ideia inicial era ser acompanhado sempre pela mesma orquestra, mas os altos custos de se hospedar e levar em viagem mais de 300 pessoas acabaram fazendo com que em cada país uma orquestra e um coral fossem contratados, aumentando um pouco as despesas. Fora isso, um material carregando "surpresas" para o público era levado em todos os shows, e tratado com especial atenção por todos os participantes do evento.

A apresentação de Journey to the Centre of the Earth começava com uma pequena narração, explicando onde o fato da história havia ocorrido em 1863 (Vulcão Sneffels, na Islândia), seguido dos acordes da orquestra e a letra na íntegra de "The Journey", tendo como pano de fundo uma gigantesca pintura do vulcão. As narrações seguem, com o narrador sempre em uma posição de destaque, bem na frente do palco, inclusive quase em frente a Wakeman, sentando em uma luxuosa cadeira da coleção de Wako e levando para a segunda parte, "Recollection".

Já em "The Battle" um gigantesco lagarto inflável (que mais parecia um dinossauro) aparecia no canto esquerdo do palco, seguindo a linha da história de Verne. Era a grande surpresa do espetáculo. O lagarto ficava balançando durante toda a canção, enquanto do lado direito algo parecido como a cauda do lagarto (nunca consegui definir bem o que é aquilo), também inflável, surgia sobre a cabeça dos membros da orquestra.

Olhando hoje, é engraçado ver aquele estranho boneco balançando sobre a orquestra, mas na época era uma das maiores novidades que uma plateia já havia visto.

Finalmente, o narrador apresentava a última narração, para começar "The Forest", enquanto o lagarto era recolhido para sua toca.



Journey to the Centre of the Earth era apresentado na íntegra, sem nenhuma interrupção, e o final apoteótico de "The Forest" levantava a plateia com a perfeita dinâmica dos teclados de Wakeman e os instrumentos da orquestra.

Nos EUA, o show encerrava com a apresentação de Journey to the Centre of the Earth, porém no Japão e na Austrália o show prosseguia, com apresentações de "Guinevere", "Merlin" e "Sir Galahad / The Last Battle", todas de King Arthur, e ainda um solo clássico do violonista Jeffrey Crampton, mas sem nenhuma ordem de preferência ou até mesmo de apresentação das mesmas (em vários locais, algumas canções de King Arthur eram tocadas antes da apresentação de Journey).

Na América do Norte, os shows passaram por Canadá (Toronto, Montreal e Ottawa), além dos Estados Unidos (New Haven, New York, Philadelphia, Cleveland, Pittsburgh, Baltimore, Memphis, Detroit, Chicago, St Louis, Kansas, Dallas, Denver, Houston, San Francisco e Hollywood), acompanhadso pela National Philarmonic Orchestra e o Choir of America, e tendo como banda de apoio Garry Hopkins (violões e vocais), Ashley Rolt (vocais), John Hodgson (percussão), Roger Newell (baixo), Jeffrey Crampton (guitarras) e Barney James (bateria) .

Na Austrália a formação foi a mesma, contando com a Melbourne Philarmonic Orchestra e a Melbourne Chamber Choir, e na turnê japonesa Barney James foi substituído por Barry Flather, com o coral sendo feito pela Chambre Symphoniette

Os custos foram altíssimos. Em todas as cidades Wakeman contava com sua aparelhagem completa, a qual consisitia de 1 double mellotron, 2 single mellotrons, 4 moogs, 1 piano RMI, 1 piano clavinet Hohner, 1 piano Fender Rhodes 88, 2 pianos Steinway, 2 pickups Helpinstill, 1 mixador de 18 canais, 3 gabinetes de monitores JBL e 1 órgão Hammond C3.

Além disso, os programas oficias dados para a plateia também trouxeram prejuízos. Nos EUA e Canadá, o livreto contava com 16 páginas, enquanto que para um festival no Crystal Palace em 27 de julho de 1974, que contou ainda com a participação do Procol Harum como uma das bandas de abertura, o programa continha mais de 20 páginas. Já no Japão, onde Wako queria arrecadar seus maiores lucros, o livro atingiu 30 páginas, contando os principais fatos da carreira de Wakeman e escrito em japonês por um local especialmente contratado para fazer as traduções. Para a Austrália, o livro ficou em 24 páginas .



Ao término da turnê, Wakeman arrecadou fundos com a gravadora para a luxuosa tour de The Myths and Legends of King Arthur and the Knights of the Round Table. Nela, novamente a mesma banda, uma orquestra e um coral estariam presentes, e além dos bonecos apresentados na turnê de Journey to the Centre of the Earth, havia um balé no gelo onde patinadores, carregando uma gigantesca serpente, entravam em cena durante a apresentação de Journey to the Centre of the Earth, além de encenar em outras canções. 
Os shows da turnê de King Arthur foram de extremo sucesso, porém, os prejuízos alcançados foram maiores que os da turnê de Journey, devido ao fato do enorme número de pessoas (bailarinos, coreógrafos, músicos, roadies, ...) que viajavam com o projeto para todos os cantos do mundo, e também para se criar a pista de gelo que ficava ao redor do palco. Por isso, após algumas apresentações, a A&M já estava começando a falir, pois o dinheiro ganho com as vendas dos dois álbuns estava indo embora para cobrir as despesas de Arthur on Ice, e o término da turnê de divulgação de King Arthur foi feito com outro nome (Arthur Tour) e sem todo o aparato de gelo dos shows iniciais.

Com os bolsos furados, a A&M encerrou os financiamentos megalomaníacos de Wakeman, que no meio da turnê sofreu um infarto pouco antes de entrar no palco, aos 25 anos. O infarto não trouxe consequências físicas para Wako, mas, musicalmente, o tecladista passou a investir mais em vendas de discos e abandonou as mega-turnês para sempre (apenas quando voltou para o Yes, em 1977, que Wakeman participaria de grandes shows novamente).



Um detalhe interessante é que o Brasil teve a oportunidade de ver a apresentação de Journey to The Centre of the Earth no final de 1975. Enquanto estava na turnê de King Arthur, o tecladista foi convidado pela Rede Globo para participar de uma série de shows do Projeto Aquarius, o qual tinha como principal meta difundir a música clássica pelo país. Com todo o financiamento feito pela própria emissora, Wakeman topou e trouxe sua banda junto, deixando a escolha da orquestra nas mãos dos produtores do evento.

O resultado foi totalmente satisfatório, com Wakeman tocando em Porto Alegre (Gigantinho), São Paulo (Ginásio da Portuguesa) e Rio de Janeiro (Maracanãzinho), tendo todos os ingressos esgotados. Durante a apresentação do álbum, a narração ficou a cargo de Paulo Autran (São Paulo e Porto Alegre) e Murilo Neri (Rio de Janeiro), e Wakeman mostrou o gigantesco lagarto e a já famosa serpente, mesmo que não sendo no gelo, mas através de patins normais, que circundava a plateia.



Os registros da turnê são poucos, mas de ótima qualidade. O LP contendo o álbum na íntegra é facilmente encontrado em sua segunda versão (não quadrifônica), e existe um registro em vídeo de uma apresentação na Austrália, já durante a turnê de King Arthur, que apresenta o disco na íntegra e com o lagarto e a serpente também em cena, além de outras canções dos álbuns The Six Wives of Henry VIII e King Arthur. É muito interessante ver essa apresentação, principalmente pela emocionante narração de Journey to the Centre of the Earth e também por todo o trabalho de Wakeman em tocar seus teclados nas mais possíveis - e impossíveis - combinações de braços.

Ainda pela turnê de King Arthur, temos o vídeo Live at the Empire Pool King Arthur on Ice (que ficou anos apenas com imagem de TV, e foi lançado oficialmente em uma coletânea de 6 DVDs de Wakeman somente com material inédito em 2007), que mostra belos detalhes do show realizado no Wembley Arena, e que ficou mundialmente conhecido como Arthur on Ice, onde o álbum era tocado na íntegra. No vídeo, é possível assistir o baixo de três braços de Newell e vislumbrar a linda Patricia Pauley patinando ao som de "Guinevere", além de belas dançarinas de cabaret com as pernas desnudas ao som de um dos improvisos de Wakeman, Lancelot e seu cavalo branco lutando contra o cavaleiro negro em "Sir Lancelot and the Black Knight" e guerreiros lutando com espadas em "The Last Battle", tudo sobre o piso de gelo que circundava o palco.



Em CD, temos o registro dessa turnê na série do King Biscuit Flower Hour, com uma bela gravação de um show realizado em São Francisco em 1975.

Os espetáculos de Arthur on Ice foram eleitos pela rede americana VH1 (uma concorrente da MTV) como um dos 100 shows mais chocantes da história do rock, com a posição 79, e com certeza foram mais grandiosos do que a turnê de Journey to the Centre of the Earth, mas se não fosse a primeira, Wako jamais teria conseguido elaborar a segunda. Portanto, ambas tem a mesma importância na história do rock progressivo.

Dos bootlegs, é altamente recomendado o CD Journey to the Crystal Palace, que traz a apresentação completa do show realizado no dia 27 de julho, e também o Brazilian Symphony Orchestra - Rio de Janeiro - Maracanazinho 12/75, com a apresentação completa do show de Wakeman no Rio de Janeiro, com as narrações em português, uma improvisação em cima de obras de Villa-Lobos feita por Crampton durante "Catherine Howard", uma versão de Wakeman para "Jingle Bells" e a participação forte do público cantando os temas de Journey to the Centre of the Earth e Myths and Legends of King Arthur.



Wakeman acabaria por mostrar ao mundo a obra completa de Journey to the Centre of the Earth com o lançamento de Return to the Centre of the Earth em 1999, onde as partes que foram retiradas na versão original acabaram surgindo em um álbum com mais de 60 minutos de duração.

As turnês de Journey to the Centre of the Earth e The Myths and Legends of King Arthur and the Knights of the Round Table foram os últimos petardos megalomaníacos de Wakeman, mas não do progressivo. Ainda haviam coelhos a serem tirados da cartola por outras bandas, como veremos na próxima semana.
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