quarta-feira, 22 de agosto de 2018

War Room: Etna - Etna [1975]


Por Ronaldo Rodrigues
Participações de Mairon Machado e André Kaminski
Poucas informações existem sobre esta banda italiana que, mantendo uma espécie de tradição no estilo progressivo daquele país, lançou apenas um único álbum. Contudo, há nuances interessantes na história (ou no pouco que se apresenta dela) do Etna. Formada em 1970 com o nome de Flea On the Honey, foi uma das poucas formações a se manter intacta por alguns anos na cena italiana. Em 5 anos a banda migrou de estilo e mudou de nome duas vezes - Flea On the Honey, executando um rock básico cantado em inglês, com um disco em 1971; Flea, com um hard rock vigoroso cantando em italiano, com álbum lançado em 1972 e um breve ressurgimento como Etna, após dois anos de hiato, na linha do jazz rock. Todas elas contavam com os irmãos Antonio Marangolo (teclados, vocais, flauta) e Massimo Marangolo (bateria, vocais), além do baixista Elio Volpini e do guitarrista Carlos Penisi. Após o lançamento do disco e pouco meses de atividade, a banda se desmontou com o ingresso de Agostino Marangolo no Goblin, banda notória do rock progressivo italiano por seus trabalhos com trilhas sonoras.
Apresento então aos senhores o único disco da banda italiana Etna, lançado em 1975.

1 - Beneath the Geyser
Mairon: Conheço o Flea, mas não conheço o grupo Etna. Vamos ver o que nos aguarda aqui. Com certeza, se os membros fizeram parte do Flea, teremos bastante virtuosidade e influências de jazz.
André: Também disco e banda desconhecidos para mim. Vamos ver.
Ronaldo: Essa introdução com os rufos de bateria me soam como se uma erupção fosse começar. O trabalho do baixo nessa introdução é fantástico
André: O início me passou a impressão de ser algo espacial, mas agora começou uma pegada mais jazz rock
Mairon: Mazah, exatamente o que eu esperava. Baixão na cara, teclados e guitarras fazendo boas variações de acordes e uma bateria fulminante a la Billy Cobham.
André: A bateria é o destaque maior dessa intro
Mairon: Quais deles fizeram parte do Flea? Eu apostaria o guitarrista e o batera. Mesmo estilo de tocar (saliento que não conheço os músicos do Flea, só ouvi o disco)
Ronaldo: Todos os instrumentistas dessa banda são incríveis e me impressiona o quanto todos conseguem se destacar em diferentes momentos. É um jazz rock extremamente democrático e com composições maravilhosas, que fogem daquela estirpe da virtuose meramente demonstrativa
Mairon: Muito bom! Muito bom!

2 - South East Wind
Mairon: Essa já possui um clima mais viajandão.
André: Um tanto experimental mesmo, me lembra algo da turma do krautrock
Ronaldo: Mairon, ao que me lembro, todos que gravaram o segundo disco do Flea tocam no Etna. Essa faixa já tem uma pegada mais funky, apesar dos acordes tortos e um ar mais experimental
Mairon: Agora voltou ao jazz rock, mas daqueles mais ligados a turma do Brand-X. Se bem que é antes do Brand-X.
André: Tem vocais nesse disco, Ronaldo?
Ronaldo: O vocalista do Flea também era tecladista e no Etna, dedicou-se apenas em tocar, já que o Etna é todo instrumental.
Eu particularmente não sinto falta de vocais nesse disco. Acho as composições muito envolventes. Essa faixa também tem uns lances de percussão bem curiosos.
Mairon: Legal. Essa do teclado é uma surpresa. Curioso que o baixista não brilhava tanto no Flea mas aqui ele é um dos principais nomes. Boas intrincações nessa faixa.
André: Eu curto muito disco instrumental, não me faz falta. Já ouvi vários do The Enid, embora esta banda seja mais da turma do sinfônico
Ronaldo: Mairon, acho o trabalho de baixo do Topi Uomini (segundo disco do Flea) bem consistente, mas de fato não tem tanto destaque quanto no Etna. Acho esse riff de baixo e guitarra até assobiável, o que é uma raridade para qualquer coisa relacionada ao jazz. O final dessa faixa é da pesada!
André: Por enquanto, este baterista está se destacando aos meus ouvidos
Mairon: É que é um jazz meio samba com algo funk aqui né. É difícil definir. E bastante variações. Olha essa mudança de andamento para o solo de guitarra.
Ronaldo: Solo de guitarra absurdo!
Mairon: O baixista não pode ser o mesmo do Flea. Não consigo acreditar ...
André: Incrível o seu domínio principalmente as batidas de caixa

3 - Across the Indian Ocean
Mairon: Cada faixa, uma surpresa! Como você descobriu esse diamante bruto, Ronaldo?
André: É, esse gongo e o título da música já dá a dica de algo mais asiático
Mairon: E o baixão novamente em ação.
Ronaldo: Foi uma indicação de um amigo, que tinha um blog. Conheci pelos idos de 2006-2007 e desde então é um dos meus discos favoritos da Itália. Essas percussões no início me remetem aquelas experiências que o James Muir fazia no King Crimson
Mairon: Muito bom cara. Impressionante que nessa época, a Itália não devia quase que nada para a Inglaterra e a Alemanha em termos de música, mas depois da década de 80, não conseguiu produzir quase nada de relevante. Pior que lembra o Muir sim. Mas cara, novamente, o baixo é muito bom. E o batera é uma mistura assombrosa do DeJohnette com o Cobham.
André: A Itália sempre surpreende
Ronaldo: Essa faixa pra mim tem um clima de trilha sonora a la Luis Bacalov ou Lalo Schfrinn com uns toques étnicos. O guitarrista quando aparece, detona!
Mairon: Loucura, loucura, loucura! (#HuckModeOn)
Ronaldo: Os italianos parece que se desencantaram com o rock dos anos 80 em diante! (risos). Esse piano elétrico Fender Rhodes é onipresente no disco todo...sensacional! O baterista é de uma criatividade absurda.
André: Ronaldo, se um dia eu ganhar na megasena, prometo que te dou um sintetizador Moog de presente
Ronaldo: Oba! que maravilha!

4 - French Picadores
Mairon: Ronaldo, se um dia eu ganhar na mega-sena, prometo que te pago uma passagem de avião e um churrasco, mais muita cerveja, para tocar um Moog aqui em casa.
Ronaldo: Meu Deus, que honra!
Mairon: Mas que barbaridade, os caras não param de me surpreender! Olha esse violão, que LINDO!
Ronaldo: Essa música é uma beleza. Clima mais acústico... arrisco dizer que é a minha favorita desse disco.
Mairon: Até achei que tinha entrado uma propaganda do Youtube. Totalmente diferente do que ouvimos até então.
Ronaldo: Te remete àquelas paisagens da Sardenha...
André: Que linda faixa, um violão dando uma atmosfera folk, legitimamente vinda dos bardos da Itália
Ronaldo: Os caras, além de ótimos instrumentistas, eram compositores de mão cheia.
André: Depois te perguntarei a quantas anda esta banda
Mairon: Ótimo crescendo. Lindo!
André: É um sax, não é?
Ronaldo: Já perdi as contas de quantas vezes ouvi essa música. Consta do meu top list tranquilamente. Sim, um sax nesse trecho final. É o baixista quem toca.
André: Incrementou bastante este solo de sax ao fim

5 - Golden Idol
Ronaldo: Essa também com uma pegada soul-funk na introdução e o baixo em destaque.
André: Gostando muito deste álbum, é variado e cada faixa muito diferente uma da outra.
Ronaldo: Uma batida que lembra até um pouco de "Watcher of the Skies" do Genesis.
André: Cada instrumentista com seu momento de destaque e todos tocando pelo bem da canção, uma pena não os ter conhecido antes.
Mairon: Exato André, bem variado. E um instrumental de alta qualidade. Esse som é mais um que traz um pouco daquela sensação da Mahavishnu (Orchestra). Só que o estilo do guitarrista é bem mais conservador em relação ao McLaughlin'.
Ronaldo: Agora é só curtir, André! O guitarrista é mais econômico que o McLaughin'...apesar do virtuosismo dos músicos, acho que o forte do Etna é o conjunto e as composições. Não me soa exagerado em nenhum momento.
Mairon: Tudo muito bem dosado, e muito bem feito. Belo disco.
Ronaldo: Pena que a banda parou por aí mesmo...ficou só neste disco.
Mairon: Assim como várias tantas outras boas bandas italianas dos anos 70. Fernando Bueno tinha que estar ouvindo isso. Para ver o que é rock italiano raiz, e não a "nutellice" de PFMs e Bancos que ele ouve.
Ronaldo: Pois é...isso deveria ser melhor investigado do porquê.
Mairon: Cara, olha esse piano! Sensacional!
Ronaldo: Incrível! o cara trabalha o tempo todo no elétrico e aí vai pro acústico ... uma variação muito legal.
André: hahahahahaha! Fernando é da turma do prog Nutella.
Ronaldo: Obviamente que essas bandas tem seu mérito, mas o prog (rock) italiano vai muito além disso! o tecladista abusa das dissonâncias e dá um clima meio cinzento em todas as faixas.
Mairon: Sim. Aqui é um prenúncio do jazz rock. Parece que os caras acabaram de conhecer o Bitches Brew, e resolveram fazer algo nessa linhas, mas com um Mamma Mia italiano, adicionado de muito formaggio e pomarolla.
Ronaldo: e a faixa termina tal como começou!

6 - Sentimental Lewdness
Ronaldo: Hora do baterista mostrar seus dotes.
André: Devia ser ótimo ver uma faixa dessas ao vivo.
Mairon: Pronto, agora sim, o batera resolveu mostrar que sabe tocar e que é o dono da banda. Que baita intro hein? E que baita riff. Puta que pariu! Que baita música. Coisa boa quando ouvimos algo que em apenas 15 segundos já te faz gostar!
Ronaldo: Pois é...essa faixa é impressionante! acho que é a que mais remete ao Flea...tem um riff agressivo e me lembra também uma banda bastante subestimada nesse território do jazz-rock, o Isotope. Agora um clima mais melancólico e batidas mais lentas
Mairon: Ronaldo, um carinhoso e honesto "Vá Se Foder". Caralho cara, que baita música. Muito obrigado por me apresentar isso e fazer meu domingo mais feliz!
André: Do jazz rock, sempre curti os alemães do Embryo.
Ronaldo: hahahahaha...agradeço pelo xingamento carinhoso! Embryo é ótimo também! Eu quis trazer esse disco pra vocês porque acho que essa banda deveria ser mais reverenciada e conhecida. Acho esse disco dentre as melhores coisas produzidas no rico cenário italiano dos anos 70.
André: Não esperava menos do nosso mestre, nos "Recomendas" sempre conseguia achar uma banda setentista que encaixava no tema e ainda por cima era muito boa.
Ronaldo: Agora uma quebra incrível, com a bateria e a guitarra dialogando. Valeu André!
Mairon: E fica a pergunta, por que será que desmancharam o Flea para criar o Etna, e depois não vingou? Guerra de egos?
Ronaldo: Informação sobre esses caras na internet ou revistas é muito escassa. Nunca consegui entender o motivo e o porquê da banda não ter dado certo. Esse final é épico!
Mairon: Sonzeira do cão! Melhor faixa em disparado!
Ronaldo: a faixa passou do jazz-rock mais furioso para um final mais sinfônico e dramático!
André: Adorei também.
Mairon: Só eu percebi algo de Focus por aqui?
Ronaldo: Percebo também e algo do Genesis!
André: O guitarrista achei que passou meio despercebido no começo, mas nesse final aí ele também demonstrou a que veio
Ronaldo. Um final apoteótico!

7 - Barbarian Serenade
Ronaldo: Essa também mais tranquila, com a presença de mandolim e piano acústico. E baixo acústico!
Mairon: Meu Deus. Mais uma mudança. Os caras são os reis das variações musicais. Outra faixa suave, com o piano fazendo as honras. E esse arco no baixo é de chorar! Arrepiante!
Ronaldo: Variações extremamente bem pensadas. Esse disco é arrebatador e o potencial dessa banda era praticamente infinito.
André: É, realmente tinha que estar no mesmo patamar das grandes da Itália, é lamentável que não tenha vingado
Mairon: Por outro lado, admiro que os caras gravem um disco de tão alta qualidade e parem por aí. Tipo "Cara, ja fizemos uma obra prima, vamos curtir nossos filhos agora" ...
Ronaldo: Ouço esse disco e tenho dois sentimentos distintos - ou desisto de ser músico ou me dedico absurdamente para tentar amarrar o sapato de caras assim. Pois é Mairon...será que os caras realmente pensaram que já queimaram toda a lenha disponível? esse tema é lindíssimo...uma carga dramática muito boa. Talvez a faixa mais sinfônica do álbum
Mairon: Cara, eles já tinham gravado dois bons discos com o Flea, mas aqui a coisa é absurdamente melhor. Só pode ser ...
Ronaldo: as viradas do baterista são avassaladoras! e esse mandolim, que lindeza
Mairon: Outra faixa sensacional. Assim como a antecessora. Encerramento do disco é muito melhor que o seu início, e olha que o início já é de cair o queixo.
Ronaldo: Chegamos ao fim!

Comentários finais:
Mairon: Cara, sem palavras. Ótimo disco. Instrumental muito bem trabalhado, músicos gabaritados, construções harmônicas fantásticas. Tudo perfeito.
André: Disco excelente, todos grandes instrumentistas que exibem suas qualidades sem qualquer detrimento a música, cada um protagonizando e se afastando dos holofotes no momento certo para que assim tenhamos um disco de enorme qualidade.
Ronaldo: Disco e banda muito subestimados. Composições incríveis, de alto nível, junto com um instrumental que é ao mesmo tempo virtuoso e extremamente funcional. Lamentável terem lançado apenas essa obra. Creio ter dado uma contribuição para que este petardo seja descoberto por quem se interessa pelo jazz-rock/progressivo.
Ronaldo: Obrigado meus caros, fico feliz que tenham apreciado!
Mairon: Com certeza Ronaldo. Bem distante dos também ótimos discos do Flea, em um nível muito superior. Dá vontade de ouvir novamente.
Ronaldo: Os músicos saíram de um hard rock/psicodélico para adentrar com muita propriedade no terreno do jazz rock.
André: Depois desse disco, se eu ganhar na megasena te dou um Moog e mais um Hammond, Ronaldo.
Ronaldo: Será recebido de bom grado! já estou na torcida por você! se eu ganhar, ao menos um LP original do Etna eu arremato no Ebay pra vocês!
Mairon: E fica a dica para procurar outros nomes do jazz rock italiano. Certamente iremos encontrar algo desse nível. Mas nos anos 70, hehehe.

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Bowie - Marc Spitz [2010]




Marc Spitz, jornalista que já publicou livros sobre o movimento punk e a cena inglesa dos anos 80, além da mais famosa biografia do Green Day, fez um de seus melhores trabalhos literários em 2010. Trata-se de Bowie – A Biografia, um livro com 29 capítulos dividido em 430 páginas, e que faz uma retrospectiva da vida e obra de David Bowie, um dos maiores - e eleito pela Consultoria do Rock como o maior - artista de todos os tempos.

David Jones aos dez anos (1959)
O livro é realmente bastante completo. Ele trata desde o início do relacionamento entre os pais de Bowie, Margareth “Peggy” Burns e Hayword “John” Jones, após um relacionamento conturbado de Peggy com Wolf Rosemberg. Este era um francês que se tornou o pai do meio irmão de Bowie, Terence “Terry” Guy Adair Burns, o qual sofria de problemas psíquicos, e foi a principal influência, por exemplo, para Bowie gravar o álbum The Man Who Sold the World.

A infância do pequeno Bowie, no subúrbio londrino de Bromley, mostra uma criança dolorosamente tímida, que chegou a molhar as calças no seu primeiro dia de aula, e que conviveu com diversas mudanças de lar, até um pré-adolescente apaixonado por música, principalmente jazz, formado em uma educação rígida, e que já demonstrava a criatividade que marcou sua carreira.

Na adolescência, Bowie descobre James Dean, Elvis Presley e, principalmente, Little Richard, que impactam diretamente nas escolhas pessoais do astro britânico para ele se tornar um artista. É um período onde ele vive o auge da fase mod, e conhece vários amigos, dentre eles, Peter Frampton, que se tornou um parceiro musical nos anos 80. Também é uma fase “quente”, já que a vida sexual desperta para o menino, que traça o que aparece pela frente, não importando o gênero, a cor ou qualquer outra característica da pessoa que quisesse se relacionar com ele.

“Davy Jones” e seu desastrado grupo mod, o Lower Third (1965)

Foi em um desses apetites sexuais que David Jones acabou conseguindo uma de suas marcas registradas, o famoso “olho diferente”, que na verdade, é um problema originado por uma briga com o amigo George Underwood. Ele e Bowie apaixonaram-se pela mesma garota, Carol Goldmith, e por ciúmes, George acabou dando um soco no rosto de David, o qual acertou de forma tão bizarra que deixou-o com a íris deslocada, gerando então a aparência extraterrestre do músico – curioso que sempre soube que Bowie tinha sido agredido com uma faca da marca Bowie, mas segundo o livro, não foi isso que aconteceu.

A partir de então, Bowie trava uma grande batalha, de quase 7 anos, em busca do sucesso. Saindo de Bromley em 1963, com 16 anos, Jones passa por diversas bandas (Kon-rads, King Bees, Manish Boys, entre outros) e clubes do subterrâneo londrino. Surgem as primeiras – e hoje cobiçadas – gravações, ainda como David Jones, o primeiro álbum solo, lançado em 1967, até chegar no primeiro grande sucesso, “Space Odditty” (1969).

Em uma coletiva de imprensa com Iggy Pop (centro), Lou Reed (direita) e Marc Bolan (na camiseta de Iggy) (1972)


Esse sucesso inicial foi alcançado principalmente pela ajuda do empresário Kenneth Pitt, que além de fazer Bowie crescer como artista, apresentou-o ao mundo de Lou Reed e Velvet Underground. Outros nomes importantes na carreira de Bowie nesse período são os de Tony Visconti e Calvin Mark Lee, que levaram Bowie a gravação de “Space Oddity”, sucesso principalmente nos Estados Unidos, local que modificou – mais uma vez – a vida de Bowie. Para se ter ideia, é nos states que Bowie colhe centenas de referências musicais e cria Ziggy Stardust, além de toda uma cena de palco que ninguém havia visto antes em produções de rock.

Aqui, diversas pessoas surgem para influenciar a carreira e o modo de vida do artista, e cada um tem seus parágrafos de destaque no livro. Mick Ronson, guitarrista da fase Ziggy, é reverenciado com belas palavras, assim como outro guitarrista famoso na carreira do Camaleão, Carlos Alomar. Outros nomes importantes também dão o ar da graça, com breves histórias sobre Marc Bolan, Andy Warhol, Charles Murray, Brian Eno, Dana Gillespie, Lou Reed, Michael Bennett, Mick Jagger, Glenn Hughes, Iggy Pop, John Lennon, Nile Rodgers, Adrian Belew, Reevels Gabrels, Siouxsie Sioux, Trent Rezonr, e por aí vai. Depoimentos de grande parte desses nomes também surgem no texto, sempre exaltando a capacidade de criar e competitividade que o astro central da obra tinha.

Em Beverly Hills, com Elizabeth Taylor (1975)


O livro também abrange os filmes que Bowie participou, desde o curta de vanguarda The Image (1969), o promocional Love You Till Tuesday (1969), passando pelos clássicos O Homem Que Caiu Na Terra (1976), Furyo - Em Nome da Honra (1983), Um Romance Muito Perigoso (1984) e Labyrinth (1986), os fracassos Just a Gigolo (1978), Fome de Viver (1982) e Absolute Beginners (1986), até chegar no Pôncio Pilatos de A Última Tentação de Cristo (1988), o Andy Warhol de Basquiat (1996) e no Tesla de O Grande Truque (2006). Spitz, diretores e amigos destacam todo o profissionalismo de Bowie para exercer os papéis no cinema, encarando cada um com uma dedicação rara nos sets de filmagem. Além disso, o essencial documentário Cracked Actor (1975) também está citado e comentado em um trecho do livro.

Um dos trabalhos mais relevantes além da música e do cinema, foi no teatro, quando Bowie interpretou O Homem Elefante. Até nesse ponto o livro tem sua relevância, já que há comentários bem estruturados sobre as participações de Bowie no Teatro, desde o show itinerante Pierrot in Turquoise, em 1967, passando pelo laboratório de artes Growth, no qual Bowie desenvolveu seus estudos de mímica, e também o papel Baal na produção de Bertolt Brecht para a BBC.

Em Moscou, visitando o túmulo de Lênin (1977)

Os relacionamentos amorosos de Bowie também estão citados no livro, com destaque para Hermione Farthingale, para quem dedicou “Letter to Hermione” (do álbum David Bowie, de 1969) e que ele conheceu durante a filmagem da série Theatre 625 (a saber, episódio The Pistol Shot), dividiu os palcos com Bowie no seu momento hippie, através dos espetáculos Turquoise e Feathers, e foi, considerada por ele, seu primeiro grande amor. A amante Ava Cherry também tem seus parágrafos, assim como a secretária e “faz-tudo” Corinne “Coco” Schwab, e também a jovem Melissa Hurley. Mas claro, as duas principais mulheres da vida de Bowie estão inevitavelmente com relevância na obra.

A primeira é Mary Angela “Angie” Barnett, a primeira esposa do artista, responsável por levar o marido a seguir o caminho Glam que o consagrou como Ziggy Stardust. A segunda é a modelo Iman Abdulmajid, segunda esposa de Bowie, e que viveu com ele até sua recente morte em 2016.

Com Trent Rezonr, do Nine Inch Nails, no set do vídeo “I’m Afraid Of Americans”, em Nova Iorque (1997)

Brigas com empresários, opiniões pessoais do autor para praticamente cada música de todos os álbuns lançados por Bowie até então, as diferentes personalidades que o artista assumiu em sua carreira, os momentos conturbados da fase Thin White Duck, onde consumindo apenas cocaína e leite, o Camaleão varava noites e dias acordado, trabalhando. Um fato que me chamou a atenção aqui é o depoimento de Hughes dizendo que não era páreo para o consumo de cocaína de Bowie. Enquanto Hughes apenas divertia-se, Bowie usava a droga como uma obsessão, incluindo até estudos – e talvez, realização – de magia negra. Isso dito por um cara que é uma das maiores referências em consumo de cocaína que já li, como falei no livro de Tony Iommi.

Ainda há detalhes sobre a criação dos magníficos palcos das turnê de Diamond Dogs, Serious Moonlight e Glass Spider, participações em diversos programas de TV, gravações de clipes históricos, o auge da carreira no Mainstream dos anos 80, o projeto Tin Machine, enfim, diversas informações que saciam os fãs com o passar de uma leitura um pouco longa, acompanhada de 16 páginas de imagens em preto e branco, com fotos de Bowie em várias fases de sua vida.

Contra-capa do livro

Particularmente, não gostei das poucas páginas dedicadas para o disco que mais gosto de Bowie, que é Low. Mas isso é questão pessoal. O fato geral é que o livro por vezes pode se tornar maçante, até por que Spitz capricha nos detalhes, mas é uma excelente fonte de informação e conhecimento sobre a obra de um artista que na época do lançamento de Bowie, estava vivendo um período em Stand-By, após problemas de coração. Cada capítulo é merecedor da atenção do leitor, pois ao final da obra, poderá concluir sem dúvidas quanto foi a capacidade criativa e profissional de um dos maiores e mais influentes artistas da história mundial, independente da área onde se envolveu.


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