quinta-feira, 13 de junho de 2019

Focus - Parte II



Depois de um longo retiro, com apenas dois álbuns lançados em um período de mais de vinte anos, o grupo firmou-se nos anos 2000, lançando álbuns de estúdio regularmente e ressurgindo como uma das maiores forças do rock progressivo atual. Voltando no tempo, em 1985, novamente o nome Focus apareceu no cenário musical, e dessa vez, de forma totalmente surpreendente.

Um dos piores discos da história

Lançado em 1985, Focus é sem dúvidas, essa é a maior mancha negra da história do Focus, e quiçá da história da música. Quando ninguém esperava, a união de Akkerman e Van Leer foi anunciada em 1984, e assim, criou-se uma grande expectativa para o que seria parido pelos dois gênios comandantes do grupo dez anos após a separação. Quando Focus chegou ao mercado, a decepção foi maior do que a imensa barriga (e careca) estampada por Van Leer na contra-capa do álbum. 

O excesso de sintetizadores e batidas eletrônicas em nada convergem para os instrumentos acústicos (violão e flauta respectivamente) ostentados pela dupla na contra-capa do LP. O único momento razoável é "King Kong", principalmente por não conter nada eletrônico, mas nada mirabolante, e a jam "Who's Calling", enaltecendo as virtudes de Akkerman na guitarra e Van Leer na flauta. Há alguns momentos interessantes durante "Russian Roulette", com a participação do baixista Tato Gomez, e "Olé Judy", que lembra um pouco o que Rick Wakeman fez na mesma época, mas pelo menos dando espaço para a flauta e a guitarra se exibirem agradavelmente. 

Jan Akkerman e Thijs Van Leer (1985)

O resto são canções injustificáveis, seja "Indian Summer", tendo a presença de Tato e também da tabla de Ustad Zamir Ahmad Khan, a participação de Ruud Jacobs tocando baixo durante os insuportáveis dez minutos de "Beethoven's Revenge" ou Sergio Castillo fazendo a percussão eletrônica de "Le Tango", uma terrível tentativa de tornar o tango moderno. Um disco muito fraco, que é a mais pura demonstração de como os anos 80 serviram para destruir com a carreira de grandes nomes do rock dos anos 70. Recomendado apenas para colecionistas.

Bert Ruiter, Thijs Van Leer, Jan Akkerman e Pierre Van der Linden, Na reunião de 1990


Em 1990, a principal formação do Focus, com Van Leer, Akkerman, Bert Ruiter (baixo) e Pierre Van der Linden (bateria) voltou a se reunir para duas apresentações nos programas da TV holandesa Veronika e Goud van Oud. Infelizmente, quando todos achavam que a reunião iria vingar, nada mais do que essas duas apresentações surgiu. Em 1993, Van Leer e Akkerman dividiram o palco durante o North Sea Jaz Festival. Van Leer continuou sua carreira solo, e em 1999, reformulou o Focus, trazendo na formação Hans Cleuver (baterista da primeira formação da banda), Ruiter e Menno Gootjes (guitarras). 

Vários shows pela Holanda foram realizados, e depois de algumas mudanças na formação, eis que o Focus entra nos anos 2000 com toda força. Van Leer juntou-se aos membros da banda CONXI Bobby Jacobs (baixo), Ruben Van Roon (bateria) e Jan Dumée (guitarras) e ressuscitou o Focus. Van Roon nem chegou a esquentar as baquetas, e foi substituído por Bert Smaak. Esse time lançou Focus 8 em 2002, que colocou o grupo no mercado novamente, através de uma extensa turnê mundial, promovendo o melhor trabalho da banda desde Hamburgo Concerto (1974).

O retorno definitivo do Focus nos anos 2000



 O álbum resgata a sonoridade marcante do Focus anos 70, sendo por exemplo impossível não lembrarmos de "House of the King" durante o solo de flauta e violão de "Tamara's Move", a singela oitava parte (faixa-título) de "Focus", a bela "De Ti O De Mi", e também de segurar as lágrimas na arrepiante revisão instrumental de "Brother", totalmente modificada em relação a péssima canção registrada em Focus Con Proby, tendo Dumée reproduzindo a linha vocal de Proby na guitarra e com uma tímida citação à "Eruption" em seu encerramento. 

Temos uma mistura inovadora do yodel e peso durante "Hurkey Turkey", canção que virou o grande sucesso do álbum, trazendo a participação de Geert Scheijgrond na guitarra, "Neurotyka", uma neta com genes fortemente ligados a avó "Hocus Pocus", gravada ao vivo no estúdio e com Ruben Van Roon na bateria, e "Rock & Rio", alegre homenagem à cidade Maravilhosa. O yodel também está presente em duas canções totalmente opostas, a festiva "Flower Shower", canção bônus totalmente desnecessária, sendo a mais fraca do álbum, e "Što Čes Raditi Ostatac Života?", sem dúvidas a melhor canção de Focus 8, levada pelo dedilhado flamenco do violão, os longos acordes de órgão e um solo magistral de Dumée, que comanda a suavidade e simplicidade de "Blizu Tebé", outra fortemente inspirada nos anos 70. 

Parte interna de Focus 8

A flauta é o principal instrumento de "Fretless Love", trazendo elementos de Focus 3 com o som dos anos 2000. Um retorno essencial e definitivo, trazendo o grupo novamente para os palcos, e possibilitando a geração de uma nova leva de fãs, além do resgate dos mais antigos.



Uma extensa turnê mundial trouxe o Focus pela primeira vez ao Brasil em novembro de 2002, para shows no Rio de Janeiro, Macaé, São Paulo e Belo Horizonte. Essa turnê foi registrada no DVD Live in America (2002). O grupo voltou novamente ao Brasil em março do ano seguinte, com três concorridas apresentações em São Paulo, duas no Rio de Janeiro, uma em Porto Alegre e uma em Belo Horizonte. No mesmo ano, foi lançado o CD Live at BBC de forma oficial. O mesmo já aparecia como bootleg na década de 90, e nele esá uma apresentação da banda na rádio inglesa em fevereiro de 2006. 


Em 2004, Pierre Van der Linden assumiu novamente seu posto, no lugar de Smaak. No mesmo ano, foi lançado o excelente DVD Masters from the Vaults, um documentário repleto de imagens raras e com toda a história dos holandeses, que seguiram excursionando, passando mais uma vez pelo Brasil (em maio de 2005, com quatro apresentações em São Paulo, mais uma apresentação no Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte), até o novo lançamento, em 2006, já com Niels van der Steenhoven no lugar de Dumée. Vale citar que essas vindas ao Brasil ocasionaram um futuro lançamento, como veremos na sequência, graças a uma jam session realizada no "Boteco" Orquídea, em Niterói, junto ao pianista Marvio Ciribelli.
O único álbum com Niels na guitarra

Lançado em 2006, Focus 9 / New Skin traz uma nova formação, que dá uma nova cara para o Focus, principalmente por conta da guitarra jovem de Niels, que foge bastante do virtuosismo empregado por Dumée, e assemelha-se mais as linha de Akkerman, sendo que por diversas vezes confundimos os timbres da guitarra e achamos que é o próprio Jan quem está nas seis cordas, principalmente durante as suaves linhas de "Sylvia's Stepson", transformando-se em uma pesada canção na parte central, e nas duas partes de "Focus", no caso a balada "Focus 7" e a jazzística maluca "Focus 9" (para os curiosos de plantão, "Focus VI" está presente no álbum Reflections, lançado por Van Leer em sua carreira solo, no ano de 1981). 

Por outro lado, o guitarrista criou um suingue inigualável em "Niel's Skin", única faixa de Focus 9 escrita por ele, e que casou muito bem com a cozinha Jacobs / Van der Linden, além de trazer o free jazz como fonte adicional de criatividade para a música clássica durante os épicos e divertidos dez minutos de "European Rap(sody)", na qual Thijs é o astro principal, seja na flauta, no órgão, no piano e até nas vocalizações que aparecem na canção, citando nomes de canções do grupo que acabam formando a letra dessa pequena Maravilha. 

Thijs van Leer; Pierre Van Der Linden; Bobby Jacobs e Niels Van Der Steenhoven. Focus em 2006

O Focus moderno, com Niels e Van Leer emulando as mesmas melodias, está na alegre "Pim" e nas baladas "Ode to Venus"  e "It Takes 2 2 Tango", a qual poderia ser um pouco mais curta. O álbum traz uma recriação instrumental para "Black Beauty" (de Focus Play Focus), que particularmente considero bem melhor que sua versão original, e a segunda parte de duas canções gravadas pelo grupo anteriormente: "Hurkey Turkey 2", um pouco mais lenta que a primeira versão (presente em Focus 8), e com yodels simulando as linhas da "Marcha Turca" de Mozart; e "Just Like Eddy", sequência de "Eddy" (Focus Con Proby) tendo Jo de Roeck nos vocais, e totalmente descartável. Já o excesso de yodels do álbum anterior é desconstruído em Focus 9, aparecendo apenas em "Hurkey Turkey 2" e em "Aya-Yuppie-Hippie-Yee", uma agitada faixa, destacando a performance de Van der Linden, assim como a flauta está mais tímida, aparecendo apenas nas partes leves de "Curtain Call". No geral, um disco muito bom, que mantém a vontade de se ouvir o grupo em alta.


Mais excursões seguiram-se, com outras três vindas ao Brasil: em junho de 2008 (São Paulo, Rio de Janeiro e Recife); em março de 2010 (Belo Horizonte, Juiz de Fora, Porto Alegre, Goiânia e São Paulo); e março de 2012 (Belo Horizonte, Pouso Alegre, Rio de Janeiro, Goiânia, Votorantim e São Paulo). Nesse meio tempo, em janeiro de 2011, Niels anunciou sua saída oficial do Focus, sendo substituído por Menno Gootjes. Esse time voltou ao estúdio para gravar Focus X.

O melhor álbum sem Akkerman na opinião do autor


Contando com uma belíssima arte sob a mão do mestre Roger Dean, Focus X, lançado em 2012, é para mim o melhor álbum do Focus sem Jan Akkerman. O grupo está solto, e a cozinha Ruiter / Jacobs funciona como uma máquina perfeitamente ajustada. A pancada "Father Baccus", que abre a bolacha, entra na lista das melhores faixas que o grupo gravou, e Van Leer comprova seu talento na flauta durante a circense "Talk of the Clown" e a veloz "All Hens On Deck" - que também apresenta um bonito duelo de yodel com guitarra - além de declamar um poema em latim durante a viajante "Hoeratio". 


Menno Gootjes, Thijs Van Leer, Bobby Jacobs e Pierre Van der Linden


Belo também é o trabalho de piano, violão e guitarra em "Amok In Kindergarten". A guitarra de Menno conversa com o ouvinte durante "Message Magique" e "Victoria". Surpreendentemente, temos Ivan Lins fazendo a voz de "Birds Come Fly Over (Le Tango)", e mais surpreendentemente ainda é que é uma boa canção. Outra canção com convidado é "Crossroads", apresentando Berenice Van Leer nas vocalizações, e o papai  Thijs fazendo a voz principal. Focus X também abre espaço para as bonitas melodias da última parte de "Focus", "Focus 10".  A versão japonesa possui dois bônus: “Santa Teresa”, trazendo Ivan Lins nos vocais, em espanhol, e uma versão ao vivo para “Hocus Pocus”. Recentemente, Van Leer declarou que esse é um dos seus discos preferidos da banda, ao lado de Moving Waves e Focus 3.

O grupo retornou ao Brasil para mais apresentações em abril de 2014, com uma grande turnê e shows em Florianopolis (09), Curitiba (12), Pouso Alegre (12), Rio de Janeiro (15), Belo Horizonte (16), Catanduva (17), Porto Alegre (18) e São Paulo (19). No mesmo mês, mais precisamente no dia 29, lançam pelo novo selo, In And Out of Focus Records, mais um álbum.


Coletânea com regravações

Golden Oldies (2014) trata de regravações de clássicos da banda com a formação de Focus X. Estão aqui "Aya Yippie Hippie Yee", "Brother" (similar ao arranjo de Focus 8, e não ao de Con Proby), "Focus 1", "Focus 3 & 2", "Hocus Pocus", "House Of The King", "Neurotica", "Sylvia" e "Tommy" (uma das partes de "Eruption"). Com exceção de "Focus 3 & 2", que faz uma mistura dessas duas partes de "Focus", e de pequenas modificações em "Focus 1" e "Sylvia", conforme apresentadas nos shows da época, bem como Van Leer nos vocais de "Brother", não há nenhum arranjo novo. 

Apenas uma nova formação interpretando de forma fiel os arranjos originais. Claro que os solos de Menno são bastante diferentes dos de Akkerman (nas faixas em que este era o guitarrista), Van Leer acrescenta novos improvisos aqui e acolá, a cozinha modifica algumas partes de determinados trechos das canções, mas no geral, é mais um caça-níqueis do que um item de exceção na discografia da banda. Vale como uma boa coletânea revisitada.
Álbum gravado no Brasil e com músicos brasileiros

Apresentando uma série de convidados, e sob o título Focus and Friends Featuring Marvio Ciribelli, Focus 8.5 / Beyond The Horizon foi gravado em nosso país durante a turnê de 2005, como resultado das tours citadas acima. O pianista Marvio Ciribelli é a atração na capa, e um dos arranjadores ao lado de Van Leer. Além do brasileiro, estão também Sérgio Chiavazzoli (guitarras, violões), David Ganc (Flauta), Marcelo Martins (Flauta), Mário Sève (Flauta), Arthur Maia (baixo), Rogério Fernandes (baixo), Amaro Júnior (bateria), Marcio Bahia (bateria, voz), Fabiano Segalote (Trombone, voz), Amaro Júnior (Percussão), Flavio Santos (Percussão), Marcio Bahia (efeitos), Mylena Ciribelli (ela mesma, repórter esportiva, efeitos e vocais), Thaís Motta (vocais), Marcio Lott (vocais), além de Van Leer, Van Der Linden, Jacobs e Dumée. 

O Focus como banda surge apenas na estonteante "Hola, Como Estas?", belíssima e quebrada faixa com a participação vocal dos amigos brasileiros. Thijs, Jacobs e Pierre estão em "Surrecit Christus", faixa hipnotizante, onde as flautas de Thijs, David e Mário Seve são os destaques junto das vocalizações de Thaís, além de um solo de baixo por Jacobs. Os músicos estão improvisando de forma descontraída, sem compromisso, como comprova-se em "Focus Zero", faixa fantástica na qual Van Der Linden e Van Leer são o centro das atenções, trazendo o brilhante suingue de Marvio ao piano, Arthur no baixo e Sérgio na guitarra. 

A versão nacional, devidamente autografada

É legal de ver a influência do som brasileiro em "Millenium", faixa criada por Dumée, com a participação de Van der Linden, mas onde o principal destaque é o suingue percussivo provocado por Amaro, Flavio, Marcio e Pierre, o piano elétrico de Marvio e o piano acústico do próprio Dumée, que também faz vocalizações na melhor linha Milton Nascimento, sendo essa uma faixa que tranquilamente apareceria em algum disco do Clube da Esquina. Marvio é o responsável pela criação de duas canções, "Rock 5", faixa linda, dividida entre uma balada que destaca as vocalizações de Thaís e uma dançante sessão instrumental, com Jacobs sendo o único membro do Focus a participar, e "Înãlta", marchinha com pitadas progs tendo a flauta de Van Leer e as suaves vocalizações de Mylena tornando a mesma ainda mais agradável. 

Por fim, Van der Linden e Marcio fazem um duelo nada empolgante em "Talking Rhythms", faixa onde somente as baterias e vocalizações estão presentes, e bem desnecessária. No geral, um bom álbum, que no Brasil, foi lançado com uma capa diferente, trazendo caricaturas dos músicos da banda e de alguns dos "amigos". Também é de 2016 o CD e DVD ao vivo Live In England, com o registro de Bilston, no dia 28 de abril de 2009. Mais uma mudança na formação, com Udo Pannekeet substituindo Jacobs, e assim, surge mais um disco da banda, logo após mais uma importante compilação de sobras, chamada The Focus Family Album, de 2017.

Coletânea dupla com material diverso
Essa coletânea dupla, com mais uma belíssima arte de Roger Dean, traz canções do Focus somadas a faixas solo de Van Leer, Van Der Linden, Gootjes, Pannekeet e do projeto Swung, um trio com Menno, Jacobs e Van der Linden. Concentrando-se apenas nas canções do Focus, há de tudo um pouco. O Brasil participa com o Estúdio Mosh cedendo espaço para a jam session "Mosh Blues", gravada em 18 de março de 2012, e para "The Fifth Man", registrada no dia 13 de abril 2014. A primeira é uma jam session com improvisos muito simples, enquanto a segunda é uma faixa muito boa, hardeira e mais trabalhada, pensada inclusive de aparecer em Focus XI, mas que foi descartada. "Santa Teresa" é o bônus da versão nipônica de Focus X, com Ivan Lins nos vocais.Falando em Ivan Lins, Van Leer substitui ele nos vocais de "Birds Come Fly Over (Le Tango)", cujo instrumental é idêntico ao de Focus X. Do mesmo álbum temos uma versão editada e com nova mixagem vocal para "Victoria". Ainda, "Five Fourth" nasceu no Brasil, e foi gravada em apenas uma tomada, com os músicos tocando uma sequência de notas escritas por Van Leer no intervalo das gravações de Focus X. "Clair-Obscur" e "Winnie" são versões primárias da mesmas faixas que irão aparecer em Focus XI. "Song For Eva" é uma longa peça de quase dez minutos, trazendo o poema “They Say that Hope is Happiness” de Lord Byron, e com um belo solo de Menno. O vocalista Jo de Roeck, que participou de “Just Like Eddy” em Focus 9, interpreta "Fine Without You". Da "família", "Nature Is Our Friend" e "Let us Wander" foram gravadas exclusivamente para o disco, tendo apenas Van Leer na sua flauta, caminhando junto a natureza. "Hazel" e "Two-part Intervention", também exclusivas do álbum, são lindas peças ao violão clássico, na linha de canções de Bach. Já "Riverdance" e "Spiritual Swung", solos de bateria, foram retiradas de Pierre’s Drum Poetry, um disco apenas para os amigos e familiares, lançado em 2000, mas que teve uma tiragem mundial em 2018. "Song for Yaminah" é uma das faixas que Pannekeet apresentou em seu teste, enquanto "Anaya" destaca o uso do baixo de seis cordas. Já as duas faixas do projeto Swung são do álbum Swung Vol. 1 & 2, de 2014. Apesar de longo (80 minutos), não é um disco a ser desprezado pelos fãs, valendo muito a pena sua posição nas prateleiras.

No dia 04 de março de 2018, Hans Cleuver, primeiro baterista da banda, faleceu. O baterista, mesmo após sair do Focus, continuou esporadicamente trabalhando com Van Leer e Akkerman nos discos solos dos mesmos.





Focus 11 [2018]

Outra linda capa de Roger Dean dá sequência aos trabalhos e shows que a nova formação já vinha apresentando, com improvisos e muita experimentação, Focus XI encerra (por enquanto) a Discografia dos holandeses no mesmo nível dos álbuns Focus 8 e Focus 9. Das faixas mais Focus, posso citar " How Many Miles?", na linha de "Sylvia" e com Van Leer aos vocais, sem yodel, a bela "Theodora Na Na Na", com um riff de flauta e guitarra hipnotizante, e a intrincada "Mazzel", para mim a melhor do disco, principalmente pela sua complexidade. Mas quer mesmo Focus, então faça uma emocionante volta ao passado de "Focus II" ou "Focus III" com "Mare Nostrum", principalmente pelo timbre Akkermaniano da guitarra de Gootjes, mas com uma virada surpreendente em sua segunda metade, ou com "Focus 11", bem diferente das versões anteriores, e mantendo o nível de capacidade de tocar os ouvidos e a mente ds fãs. No mais, temos de tudo um pouco. Inspirações latinas em "Heaven", com Van Leer destacando-se ao piano, a mistura de jazz e rock 'n' roll de "Palindrome" (um espetáculo a parte de Van der Linden na bateria) e "Who's Calling", ambas lembrando os grandes nomes do jazz rock do final dos anos 70, além de um retorno aos anos 80 em "Final Analysis", momentos de profunda intensidade emocional em "Winnie" (que já tinha dado as caras em Focus Family, aqui registrada com um arranjo idêntico), com a flauta e o piano derretendo corações. "Clair-Obscur", outra que está em Focus Family, também possui um arranjo similar, mas prefiro a versão anterior, mais crua em termos de equalização. Focus 11 foi lançado em uma limitada tiragem em vinil turquesa, especial para colecionadores.

E para mais histórias e notícias, indico o excelente blog Focus the Band, totalmente dedicado ao maior grupo holandês da história da música.

terça-feira, 11 de junho de 2019

Ouve Isso Aqui: O nome é o mesmo, mas a sonoridade, quanta diferença




Por André Kaminski

Tema escolhido por Mairon Machado

Com Davi Pascale e Ronaldo Rodrigues

Segunda edição do Ouve Isso Aqui, hoje, Mairon resolveu tirar uma com os nomes de algumas bandas famosas que já foram usadas por outras mais antigas (e não por vezes, com mais qualidade dos que as mais atuais, a exemplo de uma certa banda de moleques cabeludos dos anos 90). A sonoridade, ah, muita diferença mesmo. Conhece mais algumas bandas antigas cujos nomes foram surrupiados (intencionalmente ou não) por outras mais novatas que se tornaram mais famosas que as originais? Recomende nos comentários.


Skid Row – 34 Hours [1971]

Mairon: Lembro até hoje da primeira vez que ouvi esse disco. Sabia que não era o Skid Row do Sebastian Bach, mas não imaginava que por trás desse nome havia um hard rock tão visceral. Gary Moore, o famoso guitarrista irlandês, está assessorado por Brush Shiels (vocais, baixo) e Noel Bridgeman (bateria), e esse power trio detona quase que o tempo inteiro.Os mais de nove minutos da faixa de abertura, “Night of the Warm Witch”, são um tour de force para qualquer aficcionado do estilo já ficar apaixonado pela banda na primeira audição. O vocal potente de Shiels, a guitarra ácida e virtuosa de Moore e o incansável ritmo de Bridgeman sobressaem imediatamente. O hardão também se sobressai em “Go, I’m Never Gonna Let You, Pt. 1”, uma paulada onde as linhas de guitarra e baixo comandam, e nas quatro partes de “Love Story”. É interessante ver as inspirações hippies dos irlandeses, principalmente em “Mar”, a qual parece saída de algum álbum de Cat Stevens, porém, com a contribuição essencial de um fantástico solo de Moore. Ainda temos o rockaço “First Thing in the Morning”, que em dois minutos coloca a casa para baixo, na melhor linha de outros power trios como Cream ou Mountain, e a brincadeira country de “Lonesome Still”, único deslize de um disco fantástico, muito melhor do que toda a obra da banda mais famosa.

André: Como a ideia do Mairon foi fazer graça com os nomes das bandas famosas das quais existiam homônimos mais antigos, vou cair na brincadeira. Pois é, parece que a turma de Sebastian Bach andou tomando uns ácidos a mais quando fez este disco. Um belíssimo disco da primeira banda do Gary Moore, cuja guitarra já transparece toda a qualidade que ele sempre demonstrou em toda a carreira. Além disso, Moore parece também bem a vontade em usar diferentes pedais para tantos efeitos (tem fuzz, wah-wah e mais alguns). Aliás, o baixo de Brush Shiels também está em alto volume, dando uma encorpada no som muito bem vinda. Não tem o que reclamar aqui, é rockão setentista clássico para quem gosta de Thin Lizzy, Budgie e Bad Company. Não conhecia, amei e recomendo.

Davi: Segundo e último álbum desse primeiro Skid Row. Na época, a banda não foi um enorme sucesso comercial, mas hoje esses álbuns tornaram-se cultuados por conta da presença ilustríssima de Gary Moore. E realmente, ele era o grande destaque do álbum com riffs e solos fortes. A cozinha de Noel Bridgeman e Brush Shiels também era bem eficiente. Brush construía linhas de baixo inteligentes e seguras, enquanto Noel demonstrava paixão e enorme feeling na bateria. O som do grupo era basicamente um hard rock com pegadas de blues, country (mais perceptível na balada “Lonesome Still”) e um pouco de prog. O ponto baixo, para mim, fica pela interpretação vocal de Brush. O cara não era ruim, mas era um cantor comum para os padrões da época. Se tivessem investido em um cantor foda, acredito que teriam ido mais longe. Trabalho interessante, mas ainda prefiro o Skid Row do Sebastian Bach. Faixa de destaque: “Go, I´m Never Gonna Let You”.

Ronaldo: A fórmula de blues pesado embebido em psicodelia era aplicada pela maioria das bandas de rock entre 1970-1971. Mesmo analisando uma certa “saturação” de lançamentos com essa pegada no período, é possível perceber os grupos que se destacavam nesta abordagem. Com o baixo pouco ortodoxo de Brush Shiels e a bateria insana Noel Bridgeman, um jovem e ainda desconhecido Gary Moore tentava ampliar as fronteiras do blues-rock reinante da época, sob a égide do Skid Row. O disco tem uma certa urgência e um certo desleixo, que trazem ao mesmo tempo uma singularidade e também algum incômodo, fazendo o ouvinte se perguntar se o que boas canções, como “Mar” e “The Love Story”, poderiam se tornar caso tivessem sido mais apuradas nos arranjos e na qualidade da gravação. “Night of the Warm Witch” e “Go, I’m Never Gonna Let You” são rocks pulsantes e com ótimas ideias, e que não devem ser preteridos por ninguém.


Nirvana – The Existence of Chance Is Everything and Nothing While the Greatest Achievement Is the Living of Life, and so Say ALL OF US [1968]

Mairon: Uma das grandes bandas do British Pop psicodélico da década de 60, o Nirvana se apoiava em uma estrutura sonora similar ao Wall of Sound de Phil Spector, mas do outro lado do Atlântico. Poderia ter escolhido o belíssimo disco de estreia, The Story of Simon Simopath, mas é com esse seu segundo álbum que o Nirvana chega na maturidade. Afinal, ele possui uma musicalidade tão grande quanto seu nome. É impossível não se impressionar com a qualidade dos arranjos de “Rainbow Chaser”, uma das primeiras canções da história a trazer o phasing em uma gravação, a sutileza da flauta e do violoncelo na instrumental “The Show Must Go On”, a mistura de cordas e dedilhado de violão em “Trapeze” ou o hipnotizante canto vocal de “You Can Try It”. E isso é o que mais me chama a atenção. Quase todas as canções possuem arranjos orquestrais primorosos, mas também os vocais são super bem encaixados. “Frankie the Great”, “The Touchables (All of Us)” e “St. John’s Wood Affair” são ótimos exemplos disso. A delicadeza musical de “Tiny Goddess” e “Melanie Blue” sempre me emocionam. E claro, há aqueles elementos mais “britânicos”, tais como “Girl in the Park”, e outros menos atrativos, como “Miami Masquerade” e “Everybody Loves the Clown” (parece uma “The Laughing Gnome” mas sem grife). Uma banda que eu comparo ao Nirvana é o Aphrodite’s Child, já que os teclados de Alex Spyropoulos lembram muito os de Vangelis na fase inicial dos gregos, mas nunca consegui encontrar algo que realmente afirmasse influências advindas da Inglaterra para Vangelis e Roussos. É uma injustiça que o grupo seja conhecido apenas por ter processado Kurt Cobain e cia., já que seu som é de altíssima qualidade.

André: O que aconteceu com Kurt Cobain aqui? Acho que ele andou escutando pop barroco demais. Bom disco do Nirvana, pega aquele estilo de pop aparentemente influenciado pelos Beatles do Sargento Pimenta elevado a enésima potência. As vezes o disco dá uma exagerada e soa meio cafona (aquela meio infantil “Everybody Loves the Clown”), mas canções como a animadinha “Trapeze” e a divertida “Girl in the Park” jogam o disco para cima. Apesar de ter certeza que alguns instrumentos como o naipe de metais e o violoncelo são reais, eu tive a impressão que algumas orquestrações eram na base do mellotron, não?

Davi: Esse foi o que mais gostei da lista. É, certamente, o trabalho mais pop entre os indicados, mas os arranjos são muito bem construídos, é muito bem tocado e muito bem cantado. Os garotos faziam uma sonoridade bem típica desse fim de anos 60. Tratava-se de um pop/rock meio psicodélico com bastante orquestração, vozes com efeitos, uns fraseados bem influenciados pela fase psicodélica dos Beatles (ouça “Trapeze” com atenção e você entenderá o que quis dizer). O lado A é mais forte do que o lado B, mas mesmo assim, trata-se de um bom LP. Minhas faixas preferidas ficam por conta de “Rainbow Chaser”, “The Touchables”, “Trapeze” e “Girl In The Park”. Altamente recomendado para fãs de The Zombies, Love e Electric Light Orchestra.

Ronaldo: Se considerado o que está escrito na capa, talvez este disco seja um dos recordistas em tamanho do nome de um álbum. Trata-se de um pop barroco tal qual a cartilha da época – boas melodias, refrões, arranjos repletos de elementos orquestrais e algumas tímidas pinceladas psicodélicas na produção. Com claras influências dos Beatles, algumas canções são realmente bastante agradáveis, mas outras passam batido. O disco é bastante datado e se você não for flechado por alguma melodia em específico, dificilmente se fixará atentamente ao disco. Trabalho coerente, mas um tanto maçante e previsível.


Iron Maiden – Maiden Voyage [1998]

Mairon: Toda vez que alguém me pergunta: “Você é fã de Iron Maiden”, eu sempre respondo “sim”. Automaticamente, a pergunta seguinte é “qual a melhor música para você? ‘Fear of the Dark’? ‘The Number of the Beast’? ‘Powerslave’? E eu respondo: “Cara, com certeza é ‘Liar’. A cara do fã bitolado tentando encontrar a canção no meio do vasto repertório do grupo do titio Harris é hilária, e então explico que o Iron Maiden de verdade, que eu sou fãzão, é o quarteto inglês sessentista que lançou algumas canções que tornaram-se, no final dos anos 90, essa cultuada coletânea. “Liar”, a faixa em questão, é um petardo de doze minutos, que lembra muito o UFO da fase pré-Schenker, com solos de guitarra e baixo, bateria alucinada, vocalizações e muita lisergia, em um Space Rock para viajar pelo cosmos sem gasolina (parafraseando Nei Lisboa). Mas não é só isso. O baixo galopante de Barry Skeels, virtude presente em quase todo Maiden Voyage, é a força do boogie “C. C. Rider”, com uma harmônica sensacional. O mesmo baixo une-se e as grandes vocalizações de “Falling”, com um riff de guitarra inspirado em música clássica, mostrando quão avançados eram esses garotos para sua época. As baladaças “Plague” e “Ritual” parecem saídas de algum trabalho perdido do Animals, mas muito bem trabalhadas e viajantes, com efeitos malucos e baita solos de guitarra (e dê-lhe baixo cavalgante). As faixas mais curtas, “Ned Kelly” e “God of Darkness”, demonstram ainda mais a virtude dos ácidos solos de Trevor Thoms. E falando em baladas, “Ballad of Martha Kent” poderia muito bem embalar bailinhos e jovens casais junto a baladas de Stones e Beatles, não fosse a doideira propiciada pelo quarteto na sua segunda metade. Que LOUCURA! Maiden Voyage é hard rock dos mais pesados e densos que você já ouviu, junto a um trabalho instrumental que beira o progressivo e também pequenas doses de psicodelia. Ou seja, bom pra caralho!!

André: É uma banda que seria boa caso se empenhassem mais em suas próprias composições no caso de lançarem um disco (do qual nunca fizeram). Com as canções que tinham, não conseguiriam competir contra Moby Grape, Jefferson Airplane e Iron Butterfly por um espaço nas gravadoras. “Falling” talvez seja a única que faça frente às grandes bandas. “Liar” e um longo solo de baixo parece uma coincidência daquelas quando se trata de donzelas de ferro. As outras precisam dar uma boa retrabalhada para soarem boas. O vocalista, apesar de soar diferente, não me incomoda. Creio que um bom produtor poderia dar uma azeitada no grupo e nas composições. Nada marcante mas foi bacana conhecer.

Davi: Interessante notarmos quantas e quantas bandas reutilizaram nome de grupos do passado e, em muitos casos, não vale aquela velha máxima de que o original é sempre melhor. Esse é um caso clássico. Sim, são estilos e épocas diferentes, sem dúvidas, mas o Iron Maiden de Steve Harris foi um divisor de águas no heavy metal, criaram um estilo próprio. Esse Iron Maiden do final dos anos 60 era uma banda mediana para os padrões da época. Os caras apostavam em um rock psicodélico que até era redondinho, mas nada além disso. O guitarrista Trev Thoms era o melhor músico do grupo. Curiosamente, embora essas músicas tenham sido lançadas em compactos (esse CD é meio que uma coletânea dos compactos), as músicas em sua maioria eram longas. Em se tratando de composição, “Falling” é minha preferida. “God of Darkness” conta com um riff bacana, mas deixa explicita a limitação vocal. Uma pena… Foi bacana ouvir pela curiosidade, mas não foi uma banda que me cativou.

Ronaldo: É de se lamentar que esta banda não tenha gravado nada oficialmente. O álbum indicado é uma compilação de material de arquivo. Instrumental caprichado e uma banda que desenvolvia um rock “pesado” ainda envolto nas raias psicodélicas, mas com determinação e ideias consistentes. Talvez não soe pesado na audição por mera precariedade dos instrumentos, amplificadores e/ou da gravação, já que em termos de construção musical o material do Iron Maiden se assemelha aos momentos mais distorcidos do Jethro Tull pré-Aqualung. Impressiona a relação entre bateria, baixo e guitarra, fazendo muito com poucos elementos. Os vocais também são interessantes e as melodias vocais são bastante apreciáveis. Por não ser um material oficial a qualidade de gravação fica a desejar a medida que o disco avança, mas analisando pelo aspecto musical, as composições tendem a agradar o filão de fãs que se interessam por bandas pós-psicodélicas.


Possessed – Exploration [2006]

Mairon: Discaço representante da geração hard setentista, de uma banda enigmática, tão obscura quanto sua história, repleta de curiosidades (ligadas principalmente ao Judas Priest e ao Led Zeppelin) e tragédias. O trio apoia-se em uma linha vocal grudenta, belos riffs de guitarra e uma cozinha fantástica, conforme atestam “All Night Long”, uma faixa classicamente hard, “Climb the Wooden Hills”, com um brilhante solo de slide, “Darkness, Darkness”, destacando o poderoso refrão, “I See The Light” e seus momentos de pura intrincação, além da faixa-título, com o baixo esbofeteando a cara do ouvinte sem piedade. Mas também temos espaço para uma aula de violão acústico nos moldes de Jimmy Page em “Exploration Pt. II”, o swing de “The Love That You Gave” e “Reminiscing”, e pancadaria comendo solta em “Thunder & Lightning”, com uma boa sequência de solos. As melhores faixas para mim são “Dream”, maluquíssima, repleta de variações e com um arranjo vocal arrepiante, além de um solo de guitarra para sair pulando pela casa, a baladaça acústica “Love ‘em or Leave ‘em” e “Disheartened & Disillusioned”, na qual os solos de guitarra são a grande atração. Em uma comparação bem sutil, podemos dizer que é uma mistura de Grand Funk Railroad com Led Zeppelin, mas tendo um certo peso de Black Sabbath. Uma ácida combinação de peso, lisergia e rock’n’roll, em nada próxima ao death dos xarás americanos. Alguns irão reclamar da voz aguda de Mike Vernon, mas isso é o de menos perto da qualidade musical de uma grande banda, que infelizmente, não chegou a ver seu álbum nas lojas, como conto nesse texto aqui.

André: Gostei bastante desse trabalho, é como se misturasse o peso do Zeppelin e do Sabbath e chamassem Barry Gibb, dos Bee Gees, para fazer os vocais (praticamente todo o disco em falsete). E claro, com uma pitadona de ácido na sonoridade. Daqui, destaco o peso de “Darkness Darkness” e os ótimos solos de guitarra de “Climb the Wooden Hills”. De fato, reconheço que não é um disco para todos principalmente em relação aos vocais, mas eu particularmente curti o jeitão descompromissado deles.

Davi: Esse foi um álbum que ficou engavetado por mais de 30 anos. Embora tenha sido gravado na década de 70, somente viu a luz do dia em 2006. Impressionante que tenha sido lançado, tendo em vista que essa é uma banda que nunca aconteceu. O som deles era bem pesado para a época. Faziam um hard rock, com um ‘q’ de prog e psicodelia. O trabalho de guitarra é bacana, parte rítmica é eficiente. A parte instrumental é, de fato, o grande destaque. Sim, acho que eles pecam no vocal. Com uma audição mais atenta é perceptível alguns deslizes, mas o grande problema não é nem esse. O problema é que o cara insiste em cantar meio que no falsete o tempo todo, acho que o sonho dele era ser uma espécie de Geddy Lee, só que a voz dele não era tão forte quanto. Tem horas que ele soa como um gato no cio. Infelizmente, o trabalho vocal torna a audição cansativa. Essa é mais uma banda que se tivesse contratado um cantor (quem canta aqui é o guitarrista), poderiam ter ido mais longe. Interessante, mas cansa um pouquinho. Faixas de destaque: “Darkness, Darkness” e “Reminiscing”. Recomendado aos fãs de Budgie e Humble Pie.

Ronaldo: Material de arquivo de uma obscura banda inglesa ativa durante os pesados anos iniciais da década de 70. Seguindo a cartilha do nascente hard/heavy rock da época, o disco e a banda tem lá seus bons momentos – há bons riffs e algumas levadas sacolejantes, tão típicas do rock pesado da época, que não negava um swingue. Porém, as músicas soam apressadas e as ideias ensanduichadas em músicas curtas. Soa como uma banda que precisava de um bom produtor para aparar as arestas, mas que decidiu fazer as coisas ao estilo “do it yourself”. Os vocais se concentram muito nos agudos, com excessos de vocais dobrados; também há a impressão de que a banda quis ousar um bocado e tocar coisas mais complexas musicalmente do que era capaz de executar com segurança, já que é nítido algumas momentos de imprecisão entre a bateria e as guitarras. Fico imaginando o que algumas dessas músicas poderiam se tornar caso músicos do naipe de Cozy Powell, Roger Glover ou Mick Box estivessem envolvidos. A banda tinha criatividade, mas faltou pista e torre de controle para o avião decolar.


Hanson – Now Hear This [1973]

Mairon: Lembro até hoje de quando um amigo meu chegou e me falou: “Cara, tu já ouviu Hanson?”. Ri, gargalhei, e debochei com a pergunta, e então esse meu amigo falou: “Senta aí e ouve, duvido tu continuares rindo”. Para minha sorte, ele nunca tinha ouvido “Mmmbop”, e falava especificamente de uma talentosa banda inglesa que fez um dos grandes sons da década de 70 em seus dois únicos álbuns. Now Hear This é a estreia do quarteto comandado pelo genial guitarrista e vocalista Junior Hanson, e que estreia. “Love Knows Everything” é uma canção bem diferente no repertório, até por que é a única que conta com uma formação diferente das demais, sendo uma faixa dançante e com a guitarra de Hanson comandando o baile. No mais, é uma sonzeira raiz. Se quiser entender o que é Now Hear This, pule direto para os magníficos dez minutos instrumentais de “Smokin’ To The Big “M”, daquelas faixas que não tem explicação, onde a inspiração brota em cada segundo do sulco do vinil, e só o que resta é curtir. Ou então, deixe rolar desde o início, e duvido que você se segure com os embalos de “Traveling Like A Gypsy”, sonzeira para deixar a Family Stone com um sorriso nas orelhas. Uma obra que possui um baixo tão gingado quanto o de Clive Chaman em “Gospel Truth” com certeza necessita de uma atenção especial. Adoro muito a sensualidade do órgão de Jean Roussel e da guitarra em “Catch That Beat”, “Rain” e “Take You Into My Home”, essas últimas com solos sensacionais de guitarra. Até Chris Wood (flauta) da o ar da graça em “Mister Music Maker”, baladaça para se agarrar na companheira no próximo dia 12, e curtir junto a um bom vinho. O som possui forte influência funk, com elementos de hard, algo mais pop aqui e acolá, umas pitadas de psicodelia, e é agradável do início ao fim, com diversas partes dignas de nota dez. Lembra muito Trapeze pós-Glenn Hughes. Mais uma daquelas obscuridades que começaram a surgir ao mundo graças aos MP3s da vida. Como curiosidade final, Neil Murray participou como baixista da banda no álbum seguinte, tão bom quanto esse!!!

André: Outro disco muito bom desta lista. Fazem um som mais funkeado e muito, mas muito legal. A flauta em “Mister Music Maker” me soa como se o Jethro Tull fosse dar um passeio nas comunidades afro-americanas da década de 60. Junior Marvin é um guitarrista muito conceituado lá no Reino Unido (embora seja jamaicano, fez praticamente toda a sua carreira lá). Mairon me lembrou que eu preciso tirar um tempo para me aprofundar na sonoridade de bandas como Funkadelic, Parliament e Sly & The Family Stone.

Davi: “Hmmm-bop-dia-badiu-ba-ieeee-iee”. Brincadeira! Esse é um outro Hanson. Liderado pelo guitarrista jamaicano Donald Hanson Marvin Kerr Richards Jr, ou simplesmente Junior Marvin, o rapaz até hoje é lembrado pelo trabalho que realizou ao lado de Bob Marley nos The Wailers, mas seu currículo vai mais além. Ele era um daqueles guitarristas que todo mundo estava de olho na época. Já ouvi dizer que quando se juntou ao Wailers, ele teve que optar entre ir tocar com Bob Marley ou ir para a banda de Stevie Wonder. É mole? Não preciso dizer que o trabalho de guitarra aqui é bom, né? Bastante influência de Hendrix, um ‘q’ de Santana. Os garotos faziam um som bem interessante aqui mesclando a sonoridade blues-rock com a pegada do funk, basicamente. Há bastante daquele sentimento de ‘jam’, portanto, os músicos de plantão irão se deliciar com essa audição, especialmente na faixa que fecha o álbum, “Smokin´ To Big M”. Minhas preferidas, contudo, ficam por conta de “Traveling Like a Gipsy”, “Catch That Beat” e “Gospel Truth”. Álbum muito bacana.

Ronaldo: Banda inglesa, que orbitava em torno do guitarrista e vocalista Junior Marvin’s Hanson, e que executava uma música 100% norte-americana. O som é absolutamente baseado na ala mais sofisticada do funk/soul produzido nos EUA, com muito destaque para a parte instrumental. Há qualidade musical e grooves lancinantes em todas as faixas de Now Hear This, o primeiro álbum da banda. O baixista Neil Murray (famoso posteriormente por ter tocado com Black Sabbath, Whitesnake, Colosseum II, dentre outros), fez parte da segunda formação da banda. “Gospel Truth” é um dos principais destaques, com sua batida contagiante e excelentes passagens de teclados e guitarras.

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Livro: Bob Dylan - No Direction Home (A Vida E A Música De Bob Dylan) [2010]



Há algum tempo, escrevi sobre o belíssimo DVD duplo No Direction Home, que trata sobre a carreira do músico americano Bob Dylan no período entre seu nascimento em 1941, e o final da década de 60. Esse DVD tem como parente próximo o igualmente belíssimo livro No Direction Home (A Vida E A Música de Bob Dylan). Lançado primeiramente em 1986 pelo escritor Robert Shelton, em 2010 o livro recebeu uma nova edição revisada, que irei tratar hoje sobre ela.

Shelton foi o responsável, digamos assim, por apresentar Dylan ao mundo. Escrevendo para o New York Times, com o título Bob Dylan: Um Cantor de Folk com Estilo Distinto (29 de setembro de 1961), o jornalista foi o primeiro a traçar um perfil positivo para o jovem Dylan, exatamente um ano após o mesmo ter chegado em Nova Iorque. Desde então, acompanhou fielmente a carreira de Dylan, e teve autorização para publicar o livro ainda na década de 60. Porém, No Direction Home demorou quase 20 anos para ficar pronto, e quando estava, Shelton recebeu uma dura missão: ou ele cortava 180 mil palavras da edição apresentada a editora, ou reduzia 35 mil dólares de seu orçamento.


O texto de Robert Shelton, que praticamente apresentou Bob Dylan ao mundo

Isso foi em outubro de 1983, e Shelton preferiu reduzir 35 mil dólares de direitos autorais. Com 210 mil cópias vendidas de imediato, em setembro de 1986 foi lançada a primeira edição, de grandioso sucesso. A edição de 2010 foi atualizada por Elizabeth Thomson e Patrick Humphries. Nela, foram adicionados novos textos, assim como um Prelúdio e uma atualização da Discografia, Bibliografia e Cronologia da carreira de Dylan até 2010.

A edição de 2010 apresenta então o Prelúdio, totalmente inédito, uma Introdução de 10 páginas, Notas da primeira edição, Discografia Selecionada, incluindo participações especiais em discos de alguns autores, mais de 60 fotos distribuídas ao longo de 48 páginas, além da Bibliografia Selecionada e da Cronologia de Dylan a partir de 1979 (ano que Shelton encerrou a escrita de No Direction Home) a 2010 (ano da edição), bem como treze capítulos. A nova edição totaliza 736 páginas.

A introdução deixa clara que na edição de 2010 há uma melhor organização cronológica, adicionando cerca de 20 mil palavras e anedotas advindas dos manuscritos originais de Shelton de 1977. Além disso, são feitas adições aos capítulos Um, Quatro e Dez, além da celebrada entrevista do voo entre Lincoln e Denver, na qual Dylan afirma que era viciado em heroína, estar na íntegra. Por outro lado, em relação ao original, as partes das gravações piratas e Os Novos Dylans foram removidas.


Peter, Paul and Mary, Joan Baez, Bob Dylan, the Freedom Singers, Pete Seeger e Theodore Bikel, cantando “We Shall Overcome” no Newport Folk Festival de 1963.

Os capítulos são divididos por nomes relacionados à frases que aparecem em canções de Dylan, e assim temos:

I - Não Levante A Voz Aqui
II - O Extremo Errado Do Mississippi
III - Talking Greenwich Village Blues
IV - Positivamente 161 West Fourth Street
V - Não Sou Um Fantoche Laureado
VI - Rola, Gutenberg
VII - Diversas Temporadas No Inferno
VIII - O Orfeu Elétrico
IX - No Coliseu
X - Um Pé Na Estrada
XI - Escutando O Silêncio
XII - Correndo Livre
XIII - Trovão, Furacão E Chuva Forte


Robert Shelton e Bob Dylan

Depois do prelúdio e da introdução, Não Levante A Voz Aqui traz ao leitor a vida do pequeno Bob na pacata cidade de Hibbing, Minnesota. A dura vida no interior, bem como o relacionamento com a primeira namorada, Echo Helstom Shivers, são os únicos momentos de atração inicial. É a partir de O Extremo Errado Do Mississippi que o Dylan que conhecemos passa a sair das páginas de No Direction Home. Percebe-se a inteligência e, por que não, arrogância do adolescente Dylan quando ele rouba cerca de 20 discos do amigo John Pancake, colega de faculdade em Dinky Town, apenas por que considerava que o amigo não era um apreciador de música como ele. Esse capítulo traz também informações sobre raras gravações de Dylan em 61, além de algo que chama a atenção durante todo o livro, que é um resumo biográfico da vida / obra de algum artista ou pessoa citada no texto. Nesse capítulo em especial, surgem breves resumos da vida de Woody Guthrie e Chuck Berry, dois nomes fundamentais e influentes na carreira de Dylan.

Talking Greenwich Village Blues traça a vida de Dylan pegando carona para chegar em Nova Iorque, e seus desaforos com imprensa e pessoas em geral. Destaca também uma importante amizade com o músico Dave Van Ronk, um dos responsáveis por incentivar Dylan a gravar, e o encontro com Guthrie, que deixou Dylan muito emocionado, já que seu ídolo estava vivendo os últimos dias de vida. Por fim, surge o contrato de 5 anos com a Columbia e uma opinião faixa a faixa de Shelton sobre Bob Dylan (1961). Positivamente 161 West Fourth Street relata a parceria calorosa de Dylan com o empresário Albert Groosman. Temos também um faixa a faixa de Freewhellin' (1963) e destaque para o boletim de protesto mimeografado, que divulgou muitas canções de Dylan no início de sua carreira, bem como o raro álbum Broadside Ballads Vol. 1, com faixas de Dylan e diversos outros artistas.


Imagens do livro

Não Sou Um Fantoche Laureado passa a comentar sobre o período do auge da carreira de Dylan no Folk Rock. Aqui aparecem comentários sobre a participação do músico no Newport Folk Festival de 1963, a profunda amizade com Joan Baez, algumas entrevistas, sempre com humor mordaz, e um discurso fracassado no Tom Paine Award de 1963, apresentado na íntegra, e que deixou muita gente indignada com o comportamento agressivo e arrogante do músico, principalmente quando ele alegou ter empatia por alguns sentimentos de Lee Harvey Oswald, isso dias depois do assassinato de John Kennedy.

Rola, Gutenberg traz um faixa a faixa de The Times They Are A-Changing (1964), uma profunda análise das 11 Outlined Epitaphs (textos que aparecem na contra-capa do mesmo disco), um faixa a faixa de Another Side of Bob Dylan (1964) e detalhes sobre a escrita do livro Tarantula, lançado por Dylan somente em 1971. Diversas Temporadas No Inferno tenta mostrar um outro lado de Dylan, ligado as causas sociais e com alguma roda de amigos. Aqui são relatados a participação do artista junto ao comitê de emergência pelas liberdades civis, um longo passeio atravessando os EUA com amigos, a ida para Londres (documentada no já citado DVD No Direction Home) bem como a polêmica apresentação no Newport Folk Festival de 1965, onde realizou seu primeiro shows com uma banda elétrica.


Mais algumas imagens do livro, destacando a capa de Tarantula

Essa fase elétrica tem mais detalhes (e desgastes) em O Orfeu Elétrico. Dylan passa a ser considerado o pai do folk rock, e recebe muitas vaias dos fãs mais antigos, por onde passa. O ápice das vaias ocorre no show de 10 de maio, no Albert Hall, onde é chamado de Judas por um dos fãs (conforme registrado no belíssimo CD da Bootleg Series - Bob Dylan Live 1966, The “Royal Albert Hall” Concert, que apesar do nome errado, registra o show suparcitado. Entrevistas problemáticas para o New York Post e KQTP TV, a complicada turnê inglesa, a filmagem de Don't Look Back e um faixa a faixa de Bringing It All Back Home (1965) e Highway 61 Revisited (1965) também estão presentes nesse que é um dos melhores capítulos do livro para quem gosta de saber podres de seu ídolo.

No Coliseu destaca o grupo canadense The Band, como eles influenciaram na sonoridade de Dylan na segunda metade dos anos 60, inclusive acompanhando o mesmo em shows e gravações de discos, e faz um faixa a faixa detalhado de Blonde On Blonde (1966), considerado por Shelton um dos melhores discos de Dylan. No capítulo Um Pé Na Estrada está a entrevista completa dada por Dylan à Shelton no vôo entre Lincoln e Denver (1965), bem como detalhes da primeira visita de Dylan à Austrália, e uma turnê europeia ainda sob muitas vaias.


Com a companheira Suze Rotolo, em meados dos anos 60

O acidente de moto que Dylan sofreu em 29 de julho de 1966 aparece em Escutando O Silêncio. Aqui, Shelton descreve com detalhes a cidade de Woodstock, e como foi a recuperação de Dylan pós-acidente. É interessante que ele não se envolve em melodramas ou heroísmos para contar o que aconteceu, passando pelo acidente como se aquilo fosse uma situação corriqueira. Shelton se prende na musicalidade e na recuperação de Dylan, gravado com a The Band o ótimo The Basement Tapes e fazendo uma inesquecível participação de retorno aos palcos no Isle of Wight Festival de 1969. Ainda há um faixa a faixa de John Wesley Harding (1967) e uma pequena parte dedicada a parceria de Dylan com Johnny Cash, outro que tem uma breve biografia apresentada ao leitor. Também há breves comentários sobre Nashville Skyline (1969).

Na reta final do livro, Shelton começa a apressar o passo. Correndo Livre abrange a primeira metade da década de 70, e cinco álbuns: Self Portait (1970, esculachado pelo autor como um dos piores discos de Dylan), breves comentários sobre New Morning (1970), Dylan (1973) e Planet Waves (1974) e um faixa a faixa de Blood on the Tracks (1975), ressaltando que esse último não é um disco em homenagem à Joan Baez como muitos atestam. Também há a brilhante participação de Dylan no Concerto para Bangladesh, que levantou e muito os fundos adquiridos em auxílio ao país, e como Dylan desenvolveu seu lado de ator no filme Pat Garret and Billy the Kid, interpretando o personagem Alias. Ainda há espaço para um breve comentário sobre a grande turnê americana de 1974, e assim, chegamos ao último capítulo de No Direction Home.


Com Joan Baez, na Rolling Thunder Revue

Trovão, Furacão E Chuva Forte resume a segunda metade da década de 70, narrando com precisão diversos momentos da gigantesca turnê Rolling Thunder Revue, que iniciou no final de 1975 e atravessou o EUA ao longo de 1976, totalizando 57 shows e tendo nomes como  Joan Baez, Jack Elliott, Roger McGuinn, Mick Ronson, entre outros, um pouco sobre a história do boxeador Rubin "Hurricane" Cartes, e de como Dylan ficou bastante indignado ao ponto de compor uma canção para o mesmo, e comentários sobre Desire (1976). Ou seja, se em dez capítulos Shelton traça a vida de Dylan durante a década de 60, dois capítulos para uma década tão importante quanto a dos anos 70 acaba sendo pouco, e essa é uma falha importante no livro, já que muitos dos detalhes expressos na década de 60 poderiam ter sido tirados, e fatos como as gravações ao vivo da década de 70, ou até mesmo a conversão cristã de Dylan já no final da década de 70, início dos anos 80, poderia aparecer.

O Poslúdio até tenta fazer isso, principalmente quando comenta sobre a gravação de Live at Budokan, originalmente pensando somente para o Japão, mas que devido ao grande número de lançamentos piratas, acabou sendo lançado no ocidente, tudo em 1978, e breves comentários sobre Street Legal (1978), o último álbum analisado por Shelton na época do lançamento do livro. A fase cristã ficou totalmente de fora, sem se quer um comentário sobre o mesmo, o que considero uma pena, pois é um fato muito relevante na carreira do americano.


Contra-capa

Claro, essa resenha é apenas um resumo de um livro com muitas histórias. Há os relacionamentos de Dylan, passagens interessantes de gravações dos álbuns, diversos e diversos trechos de entrevistas, enfim, muito material. Caso decida adquiri-lo, tenha certeza que você terá em mão um livro grandioso tanto em tamanho quanto em informações, mas essencialmente, um livro crucial e fundamental para quem quiser conhecer detalhadamente a carreira de um dos maiores gênios da arte do século passado.


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