quarta-feira, 29 de abril de 2009

Fernando Pacheco



Talento e genialidade foram misturados e condensados em um dos mais belos álbuns dos anos oitenta. Trata-se de Himalaia. Esse diamante começou a ser lapidado no final dos anos setenta. Ali, o compositor e músico Fernando Pacheco, junto com os demais seis integrantes do grupo Recordando o Vale da Maçãs, lançava o magnífico As Crianças da Nova Floresta, onde o progressivo tradicional ganhava espaço entre a disco music e o punk.

Fernando sempre se caracterizou por ser um talentoso músico. Tendo diversos professores em sua vida, multi-instrumentista, acompanhou bandas de baile, sendo líder da conhecida banda santista Tropical Jungle, e também contou com a ajuda de diferentes pessoas para consolidar sua marca entre os grandes no cenário brasileiro. Foi na RVM que começou a ganhar destaque, ao mesmo tempo em que se tornou professor no Grupo AMA e no Conservatório Musical Heitor Villa-Lobos, ambos em Sampa. 

Porém, mesmo com o fim precoce da banda em 1982, ele não parou no tempo (como por exemplo, nosso querido guitarrista Mario Neto). Antes, a RVM havia lançado o compacto Sorriso de Verão / Flores na Estrada, queficou no primeiro lugar das paradas brasileiras durante seis meses. Fernando ainda apresentou-se com o projeto Pacheco e Carioca, ao lado de Carioca Freitas, antes de mudar-se para o sul de Minas Gerais, onde assumiu a função de professor titular do Conservatório Estadual de Música J.K.O., na cidade de Pouso Alegre. Em 1985 lançou o magnífico álbum Instrumental junto com Fernando Pereira e com o nome de Duo Fernando's. Os dois já vinham ensaiando e fazendo shows desde 1983. 



No ano seguinte, Fernando lançava o seu primeiro e melhor trabalho. O disco é dividido em duas partes: "The Past", gravado ainda com a RVM na cidade de Curitiba durante o ano de 1982, e "The Present", onde Pacheco toca todos os instrumentos. O álbum é uma aula de sentimentalismo e técnica, com o músico viajando por onde mais gostava, os temas instrumentais. Apesar de composto por apenas cinco faixas, as mesmas são certeiras e grudam no cérebro de qualquer apreciador de boa música.

O disco abre com o violão de "Sonho", acompanhado pelos teclados e flautas do RVM que relembram o álbum As Crianças da Nova Floresta. Cada instrumento do RVM vai sendo adicionado aos poucos, com a música aumentando sua cadência enquanto temos diversos solos de flauta, guitarra. O embalo lento e cadenciado vai trazendo um clima de expectativa, que só é compensado pela emotiva introdução de "Himalaia", com violão, flautas e pássaros, no melhor estilo RVM. 

Essa longa suíte também trás a marcação lenta de "Sonho", porém contando com um belo solo de guitarra e de teclados. A canção, após começar lenta e suave, vai aumentando a cadência, atingindo seu pique no rápido e complicado solo de violino. O clima muda, com flauta e teclados duelando sobre dedilhados de violões e baixo, parecendo uma guerra de cantos entre pássaros na floresta, que apenas introduzem uma sessão mais viajante, com solos de flauta, violino e guitarra, sempre acompanhados pela cadência RVMiana. Por fim, a bela introdução é retomada, com o violão solando mais agressivo enquantos teclados e violinos deliram. A canção termina em um climão de floresta, com a levada principal executada anteriormente sendo acompanhada pelos viajantes solos de teclado, flauta, guitarra e, principalmente, pelo violão dedilhado que acompanha toda essa faixa, encerrando o lado "The Past" com um tema de flauta daqueles tão grudentos como a introdução.

O lado "The Present" abre com a complícadissima "Progressivo L-2 Sul", onde Fernando mostra todo o seu trabalho e aprendizado no violão clássico. A introdução é feita pelo violão e também por alguns outros instrumentos, mas é o violão que se destaca com um rápido dedilhado. O trabalho da canção nos dá direito de ouvir trêmolos, arpejos e muitas outra técnicas que fazem parte dos estudos de violão clássico. Escrita em 1982 na Escola de Música de Brasília, localizada no endereço L-2 Sul, essa canção trás uma das mais belas melodias do cenário nacional, sendo que o trabalho de composição de Fernando é da altura de Sor, Segóvia, Julian Bream ente outros. 

"Ciclo da Vida" dá sequência ao lado onde Fernando é o único músico, com mais uma suíte. A guitarra de Fernando, cercada de sintetizadores e violões, sola lentamente. A velha cadência RVMiana é mantida, e é incrível saber que somente Fernando está tocando todos os instrumentos. Essa canção difere principalmente pelo fato de Pacheco mostrar toda sua técnica também na guitarra. Ou seja, temos um lado que podemos vivenciar o talento ao extremo de um exímio músico, tanto na guitarra quanto no violão, algo que poucos conseguem. Após o solo de guitarra, os violões dedilhados voltam a marcar presença, com destaque para um solo de flauta, que, a medida que avança na canção, dá espaço para a guitarra servir de um "abre-alas" para a sessão mais agitada da faixa, a qual lembra, e muito, as boas canções do Rush dos anos setenta, cheia de viradas de bateria e guitarras pesadas. 

Sintetizadores, flautas e violões preenchem um vazio que não existe, atingindo um clima pesado, tal qual uma catástrofe, onde cada instrumento varia suas escalas com a guitarra delirando, até a bateria encerrar todas as pretensões de delírio que possam existir. A flauta nos trás novamente à realidade, com um ritmo mais simples do que as intrincadas partes anteriores, tal qual o ciclo sugerido na canção, já que todos passamos por momentos mais leves, mais difíceis, mas temos principalmente uma vida rotineira, e é exatamente isso o que o ouvinte sente ao ouvir a canção, terminando de forma mais alegre e tranquila, apesar de algumas outras complicadas partes surgirem com um final apoteótico, onde trovões nos levam à canção final, "Civilização", contendo um pequeno dedilhado de violão e um belíssimo solo de flauta.


Himalaia não fez muito sucesso no Brasil, mas acabou estourando no exterior (como já havia acontecido com a RVM). Fernando ainda gravaria o CD As Crianças da Nova Floresta II (1993) e o trabalho 1977-82, ambos ao lado do RVM. Em termos de carreira solo, lançou em 1998 Himalaia II, realizando com concertos e trabalhos de divulgação na Espanha e Portugal, e em 2005, com o Duo Fernando's, lançou um CD Homenagem a Johnny Alf. Já em 2006 lançou o belo trabalho Spirals of Time ao lado de Giuliano Tiburzio (baixo), Antonio Bortoloto (bateria), Leonardo Zambianco (voz), Nélio Porto (teclados) e Eduardo Floriano (vocais).

Em termos docentes, Pacheco assumiu o cargo de professor de violão e guitarra no curso de música da Universidade Vale do Rio Verde (UninCor) em Três Corações (MG) no ano de 2002 e também, nessa mesma universidade, assumiu o cargo de coordenador e professor do curso de Pós-Graduação em Música em 2007, onde leciona até os dias atuais, ao mesmo tempo em que apresenta-se em concertos com o RVM e em trabalhos de jazz instrumental brasileiro com o Duo Fernando's e Fernando Pacheco Trio, mostrando todo o seu talento e inteligência para o público que sabe valorizar um trabalho de primeira qualidade.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Kiss em Porto Alegre (1998)


Hoje vou tirar do fundo do meu baú as lembranças de uma data que completou dez anos na última semana, mais precisamente no dia 15 de abril. Neste dia, ocorria em Porto Alegre um dos maiores (senão o maior) show de rock de todos os tempos: o triunfal retorno do Kiss com suas máscaras.

Vamos voltar um pouco antes de abril para entender o que aconteceu naquela noite incrível. Quatro anos antes, nas famosas Kiss Konventions (convenções em homenagem ao Kiss que ocorriam tradicionalmente durante a década de noventa), os boatos da volta do quarteto original rolavam a solta, sendo que em 1995 o Kiss participou de shows com ingressos custando 100 dólares. Neles, a formação da época, Paul Stanley (guitarras, voz), Gene Simmons (baixo, voz), Bruce Kulick (guitarras) e Eric Singer (bateria) contaram vez ou outra com a aparição ou de Ace Frehley (guitarras, voz) ou Peter Criss (bateria, voz). 

Em seguida, Ace e Peter fizeram uma turnê juntos. Finalmente, o Kiss gravaria seu especial Unplugged MTV, contando com a participação animadíssima de Peter e Ace ao lado de Gene, Paul, Bruce e Eric. O resultado final foi no mínimo emocionante, porém ia além, era a primeira vez que os quatro - Ace, Gene, Paul e Peter - tocavam juntos em anos. 

Regados pela volta às notícias e também por ofertas milionárias para uma turnê, a banda acabou decidindo por um retorno especial 17 anos após a saída de Peter. Então, em abril de 1996, na sala de conferênciasdo USS Intrepid em Nova York, o apresentador Conan O'Brien anunciava o retorno de uma das mais importantes bandas de rock do mundo, o Kiss. Após as palavras de "Ladies and gentlemen, Kiss!!!", os quatro apareceram, mascarados, com suas roupas clássicas e botas com saltos de sete polegadas, causando excitação e pavorosa em todos os presentes. O sonho havia se tornado real.

Uma mega-turnê e um álbum foram preparados, bem como a participação da banda em um filme, que veio a ser lançado em 1999 com o nome de Detroit Rock City. O primeiro show da turnê, batizada de Worldwide Tour, foi na cidade de Detroit, no dia 28 de junho de 1996. Antes, em Irvine, no dia 15 de junho, houve uma pequena participação em um festival promovido pela rádio KROQ. O Tiger Stadium lotou para ver de novo as pirotecnias e malabarismos que fizeram do Kiss um sucesso em vendas e, principalmente, em auto-promoção. 


Esta turnê acabou levando a banda a lançar, em 1998, o maravilhoso Psycho Circus, o qual vinha embalado em uma caixa especial em formato 3D. A partir da divulgação desse álbum surgiu a turnê Psycho Circus Tour, que trazia o Kiss ao Brasil cinco anos após a participação no Monters of Rock e dezesseis anos após o show no Morumbi lotado, ainda mascarados. Duas datas somente foram agendadas: 15 de abril em Porto Alegre, no Jockey Club, e 17 de abril no Autódromo de Interlagos, em Sampa.

Naqueles anos, a divulgação de shows devia-se principalmente a TV ou rádio, e, graças aos bons deuses, o show do Kiss chegou até minha pessoa bem antes dele ocorrer, mesmo eu morando em uma cidade do interior. 

O duro foi conseguir convencer meus pais a deixarem eu ir para Poa para ver o show. Porto Alegre fica a aproximadamente 400 Km de minha cidade natal, Pedro Osório, e na época eu estava com dezesseis anos. Imagina que um guri recém saído das fraldas poderia vir para cá. Mas convenci os velhos de que era melhor vir para o Kiss do que para o show que ocorreria semanas depois no mesmo lugar, e que infelizmente perdi (a saber, Metallica e Sepultura tocaram juntos no dia 06 de maio, também no Jockey, levando à loucura 25.000 pessoas). 
Além disso, meu irmão morava em Porto e também uns amigos mais "educados" viriam na excursão, me impedindo de ter contato com alguma coisa ilegal.

Ridicularidades à parte, o próximo passo foi juntar grana para o show. Começando pelo ingresso, "caríssimos" 20 reais (quanto foi agora? 350???). Esses suei vendendo salgados e doces com minha mãe. Mas consegui comprar na recém criada AM/PM. Para a passagem foi mais fácil. Houve uma excursão saindo de Pelotas que ia e voltava para o show somente pela passagem de ida para Porto Alegre, 15 reais (hoje, dez anos depois, o mesmo trajeto só de ida custa 40 reais). Deixei de sair por alguns fins de semana e paguei a passagem no dia 19 de março, um mês antes. 

Estava tudo pronto. Eu, mais os meus amigos Daniel e Leandro, bem como a namorada de Leandro, a Giani, fomos levados de Pedro Osório para Pelotas por meu pai, e pegamos a excursão de quatro ônibus em direção à capital. Na viagem, lembro de uma gurizada se chapando de cerveja e dos vídeos do AC/DC que rolavam no vídeocassete do busão. Eu estava somente lendo os jornais que, desde uma semana, traziam todos os dias um pôster em contagem regressiva para o show, bem como as notícias das festas que ocorriam em homenagem ao Kiss. 


Por volta das 17 horas chegamos ao Jockey, dando tempo de ver um belo pôr-do-sol na beira do Guaíba (o Jockey, pra quem não conhece, fica em frente ao rio) após um dia de muita chuva e frio, o que acabou enlameando toda a região. Sem muita dificuldade entramos no local, recebendo das mãos de belas gurias pintadas com as máscaras do Kiss os já famosos e comentados óculos 3D que permitiriam ver algumas cenas como se os integrantes estivessem na nossa frente, além de um adesivo da rádio que promovia o show. Lembro que dois caras ficaram no ônibus, pois o trago foi tão grande que não aguentaram descer.

Eu sim estava no paraíso. Conhecia o Kiss desde pequeno e ouvia quase todos os dias o Alive I. O Alive II também rodava direto, mas o Alive I tinha (e continua tendo) algo que é difícil de explicar. Ver os caras mascarados já era o suficiente para mim, mas tinha mais: era o primeiro grande show que eu participava. Antes, só havia visto o Yes na turnê do Open Your Eyes tocando no Bar Opinião apertadíssimo, com pouco mais de 2.000 pessoas, onde Steve Howe dançou e bordou no lightman. Mas ali no Jockey era diferente. 

Quarenta mil kissnáticos (o número varia entre 35 e 45.000, daí fiz a média) aglomeraram-se para ver aquele show que, com certeza, marcaria Porto Alegre como o maior espetáculo de rock de todos os tempos. E não é que, no meio de toda essa gente, o meu irmão conseguiu me encontrar, graças a um gigante de uns 2,10 m que estava ao meu lado? Meu irmão ligava para o celular que meu pai havia me emprestado para alguma emergência, e, por destino, o cidadão gigante levantou o braço na hora. Era o marco para que meu irmão visse e fosse ao meu encontro.

O local possuía o imenso palco da turnê e um pequeno palco, localizado bem à frente do palco maior, ao lado da mesa de som. A fria noite da quinta-feira ainda tinha um gélido vento vindo do Guaíba, mas nada tirava o ânimo da gurizada. O show estava marcado para as 21:00 horas, contando com a participação da novata Rammstein na abertura. 

Fui levado do céu ao inferno exatamente às 21 horas. O vocalista do Rammstein, Till Lindemannn, começou o show de muita pancadaria anunciando ao povo que "era o homem que ardia", com o corpo coberto por chamas e com a banda mandando ver na faixa "Rammstein", trilha do filme Estrada Perdida. O visual do Rammstein me assombrou. Fui preparado para ver e ouvir o Kiss, não aquela mistura de heavy metal com músicas eletrônicas, com letras em alemão. Não foi só eu, toda a gurizada, após a entrada triunfal da banda, acabou esfriando. A pirotecnia da Rammstein (baquetas de fogo, arcos com flechas em chama, foguetes, lança-chamas e visual robótico) acabou ganhando vaias durante a execução de "Büch Dich", onde Till colocou um pênis de borracha e simulou urinar durante toda a canção. Não satisfeito, ainda bebeu da própria "urina" e simulou um sexo anal com o tecladista Frank Lorenz. Till levou umas garrafadas e viu que estava na hora de pular fora. O público queria algo anormal, mas não tão anormal assim (hoje o Rammstein é respeitado justamente pelo fato de ser uma das primeiras bandas a usar de sua pirotecnia para fazer um som raivoso e enérgico, arrebanhando milhões de fãs e admiradores, muitos dos quais estavam presentes naquela turnê com o Kiss).

Às 22:15 um cidadão que não sei quem é subiu ao palco. A vaia comeu solta e o medo de que o Kiss não teria vindo tomava conta (o boato havia surgido devido às chuvas que tomaram conta do Rio Grande do Sul naquela semana). Mas o coitado somente foi explicar como e quando eram para ser colocados os óculos, que era exatamente quando o palhaço da capa do álbum aparecia com uma luz verde do lado. Recado dado, as cortinas caíram, e Paul Stanley surgiu, rebolando e gritando a letra da faixa "Psycho Circus". A empolgação superou o frio e o Rammstein, e o Jockey literalmente tremeu. Pouco a pouco o pique foi caindo, principalmente por que uns 80% da galera que foi lá estava para ouvir ou "I Love It Loud" ou "We Are One", e nenhuma das duas foi tocada.


Mesmo assim eu curtia cada solo, cada pisada de palco das botas de Ace, cada virada errada da bateria de Peter. Os momentos com o 3D foram incríveis, principalmente no solo de Ace, quando ele "entregou" a guitarra para mim e eu a vi "voar" das minhas mãos pegando fogo. Lembro que ali chorei. Também foi legal ver as cabeças das pessoas sendo jogadas para trás quando Gene aparecia lambendo o telão que mostrava as imagens 3D. A tradicional sessão de sangue em "God of Thunder", as sirenes de "Firehouse" e as pétalas de rosa em "Beth" também estiveram presentes. 

Mas dois momentos marcaram mais a noite para mim. A primeira em "Love Gun", onde Paul voou do grande palco para o pequeno, passando exatamente sobre minha cabeça. Enquanto ele pulava feito um doido, Ace mandava ver em um dos melhores solos que já vi ao vivo. Todo mundo ficou olhando para o Paul rebolando, e poucos viram Ace ajoelhado, em frente às caixas de som, com as costas encostadas em suas pernas e pensando "é uma pena que estamos fazendo isso somente por dinheiro". Após o término de "Love Gun", Paul voltou ao palco original e o público parou de gritar. Eu já havia me perdido dos meus amigos de Pedro Osório, mas isso não importava, sabia onde o ônibus estava. Num momento em que Paul começou a falar, gritei alto "100.000 Years". Óbvio que eles não me ouviram, mas a canção seguinte foi exatamente "100.000 ...". Literalmente, não tem preço!!!


"Rock And Roll All Night" levantou o pique da galera de novo (o que uma música conhecida pode fazer?) e a banda encerrou com a tradicional quebra de guitarra durante "Black Diamond". Saí de Porto Alegre por volta das duas da manhã, chegando em Pedro Osório somente na manhã do daquele dia, mas com a certeza de que tinha visto o maior show da minha vida, e que os gritos de "Porto Alegre is awesome" estão na minha cabeça até os dias de hoje.
Anos depois consegui o CD do show e constatei o que muitos me disseram na época: que o som estava ruim, que a banda não estava com o mesmo pique, que faltaram músicas, que teve muito playback (principalmente em "Beth" e em "Firehouse"), mas não importa. O Kiss sempre foi feito de marketing sobre si mesmo. Cometeu atos gravíssimos (para mim) como colocar Eric Carr cantando "Beth", ou ainda,deixar Eric Singer e Tommy Thayer usarem as máscaras de Peter e Ace respectivamente, o que me fez ficar em Porto e não ir até Sampa esse ano. 

Não importa se não sejam excelentes músicos, se já não estavam com o mesmo pique ou que tenha faltado uma cacetada de som. Ver os quatro mascarados originais ao vivo é uma experiência que não pode ser desprezada por ninguém, e que com certeza jamais verei de novo.
Shout It, Shout It, Shout It Out Looooooooooud!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


Repertório:

Psycho Circus
Shout It Out Loud
Deuce
Do You Love Me?
Firehouse
Shock Me
Let Me Go Rock'N'Roll
Calling Dr. Love
Into The Void / Ace's Solo
King Of The Nightime World
God Of Thunder
Whithin'
Peter's Solo
I Was Made For Loving You
Love Gun
100.000 Years
Rock And Roll All Night

Beth
Detroit Rock City

Black Diamond


Entrevista Exclusiva: Fernando Pacheco


Primeiramente gostaria de agradecê-lo por participar do Baú do Mairon.

Quem acessa seu webspace (http://www.myspace.com/pachecoband) fica impressionado sobre sua carreira, principalmente pelas suas diferentes colaborações. Conte-nos um pouco sobre sua formação musical e suas principais influências?
No gênero clássico sempre estudei com professores particular e/ou conservatórios e faculdades, porém no gênero popular (jazz, rock, mpb) sou auto-didata, minha escola foram a noite, bandas de baile e grupos de jazz e rock progressivo (shows e produção de discos). Nos anos 60 e 70, não haviam escolas ou professores do gênero popular, porém eu tive sorte de trabalhar, logo de início, meu primeiro emprego na noite (tocando de terça à domingo das 22 às 4h durante mais de 2 anos) com o Baterista Milton Banana, foi um bom começo para um garoto de 19 anos em 1974. Outros grandes músicos, mas não tão conhecidos me ajudaram a aprender jazz, rock, bossa-nova, com isso em 1978 fui um dos primeiros professores a ensinar jazz em escolas em S. Paulo (capital), abri um novo campo de trabalho unindo o clássico e o popular. Aproveitei meus 5 anos de S. Paulo para estudar jazz na escola do Zimbo Trio, com os métodos da Berklee School de Boston (USA), porém o Zimbo não tinha guitarrista e eu estudava com Pianista Fernando Campos Motta (conterrâneo santista - músico de bandas de baile ex-Pop-Six) , discipulo direto do Godoy, e com isso eu tinha que transpor tudo para a linguagem da guitarra (estudava duas vezes - isso foi muito bom - apreendi mais rápido e decorei tudo, graças a essa mão de obra, hoje dou aulas de improvisação, harmonia, arranjo sem precisar seguir livros, está tudo na cabeça), apesar que nos anos 80 tive 4 excelentes professores = Claudio Santoro, Almeida Prado (composição) Ian Guest (harmonia e arranjo) e Nelson Faria (guitarra jazz - improvisação). Mais tarde nos anos 90 estudei com Koellreutter (composição), e nos 2000 com Larry Coryell (guitarra fusion)e Eliot Fisk (violão clássico), entre esses apareceram outros como Eduardo Isaac, Miguel Girolet, Henrique Pinto. Mas a formação básica na área popular foi, como já disse, auto-didata, só muito depois que começaram a aparecer alguns professores, citados, com os quais fui procurando entende e organizar, didáticamente, esse linguagem, até aquele momento ainda não acadêmica. Em 1989 a UNICAMP inseriu na academia o gênero popular, no Sul de Minas eu consegui abrir portas para esse gênero, de uma forma pioneira, no início dos anos 90 no Conservatório Estadual de Música JKO (Pouso Alegre - MG) e a partir de 2002 na UninCor - Universidade Vale do Rio Verde (Três Corações - MG), na graduação e Pós-graduação. Gosto sempre de lembrar que a minha base de estudos técnicos no violão com o Professor Antonio Manzione (Santos) 60's e a complementação em nível acadêmico na área de pesquisa nos anos 90 na PUC/SP no programa de Pós-Graduação em Semiótica Musical e Crítica Genética Musical. Quanto a influências podemos destacar todos os grandes ícones 60's = começando por Beatles e Joven Guarda, seguindo para Santana e bandas de progressivo = Gênesis, Yes e Pnk Floyd, e todas as outras como ELP, Led Zepellin, etc... guitarristas de jazz fusion e jazz rock = Jeff Back, John Scofield, Pat Matheny, e segue-se nessa linha, ouço muita coisa, são muitos nomes, na Bossa-Nova = Johnny Alf, Tom Jobim, Baden Powell, etc..., etc...., etc....


Você chegou a fazer gravações com Larry Coryell? Como conheceu o mesmo?
Infelizmente ainda não, mas combinamos de gravar algumas coisas, ele era meu convidado no CD em Homenagem a Johnny Alf, porém na época da gravação eu estava envolvido com outros compromissos que me impediram de ir a Orlando (USA) para que ele participasse. Conheci Coryell em um Festival de guitarrista em Córdoba na Espanha e nessa oportunidade fui seu aluno, tive também o privilégio de tocar bossa-nova com ele em duo de guitarras e, também, de assitir, na primeira fila, uma apresentação histórica de Coryell tocando Beatles com a orquestra sinfonica de Córdoba regida pelo maestro Leo Brower, não acredito que se possa juntar esses dois novamente, foi um momento único, e eu estava lá.


Como foi a idéia de montar a Recordando O Vale das Maçãs? Quais bandas/projetos você teve antes da RVM.
O RVM nasceu naturalmente, eu, Motta e Domingos, convivemos desde a infância, começamos a tocar juntos, e com isso o RVM foi se surgindo, o batizado aconteceu em 1974, mas nós já tocavamos juntos desde 1967. Antes do RVM, sempre tocando junto com o Motta tivemos "Os Lobos" e o "End Up Six".

O disco "As Crianças da Nova Floresta" é considerado um dos melhores álbuns do rock progressivo nacional. Porém, a época de lançamento do álbum foi posterior a grande geração progressiva como os álbuns Close To The Edge e The Lamb Lies Down On Broadway. Qual foi o impacto causado pela banda com relação a imprensa e também ao público?
Justamente por só conseguir espaço na grande mídia (TV TUPI), na qual éramos contratados exclusivos, em 1977/78/79, no final do movimento progressivo/brasil e na época em que a TV TUPI estava fechando, isso fez com que o trabalho tivesse dificuldades de ser divulgado, com isso ele acabou abrindo mais portas no exterior (Europa e Japão) do que aqui no Brasil, onde só veio a conquistar novos espaços alternativos, nos anos 90, depois de algum reconhecimento no Exterior.


Por que Domingos Mariotti saiu antes do lançamento do primeiro álbum? Ele chegou a participar da composição de algumas canções?
Foi meu parceiro na música "Besteira", gravado no LP de 1977. Saiu antes, porque não queria seguir, na música, profissionalmente, mas a partir de 90's sempre esteve com a gente.

No site oficial temos que em 1975 a RVM já contava com vários integrantes, os quais participariam da gravação de "As Crianças". A idéia inicial era realmente ser uma banda progressiva ou, na época ao lado de Domingos e Fernando Motta o estilo era diferente.
A idéia era fazer um som, não havia preocupação com estilos, porém as influências são claras e sem pensar nosso trabalho se tornou progressivo, mas no início, na formação, inicial (73/74/75), de TRIO, o som estava mais para NEW AGE do que para PROGRESSIVO. 


Como foi a elaboração da bela capa do álbum? É verdade que ela foi feita por um artista daqui do Sul?
Se vc está se referindo ao LP de 77 e o CD de 93, ele era contratado da GTA (gravadora - Gravações Tupi Associadas)), que eu saiba ele é de S. Paulo, não me lembro de ter conhecido, pessoalmente.


De onde surgiu o convite para a RVM ser o principal nome da Rede Tupi?
O responsável pelo primeiro contato foi o tecladista LEE que na época morava em S. Paulo, e resolveu sair com uma fita cassete batendo de porta em porta.


Como era a participação da banda no programa "Almoço das Estrelas"?
Da mesma forma que hoje, os artistas da globo, são obrigados a participar de programas de auditório, para divulgar novelas e etc..., nós, contratados da GTA, tinhamos o mesmo compromisso em divulgar nosso produto me programas da TV TUPI, fizemos vários, além de muitos clips da banda que passavam, em média, 6 vezes por dia.


É inegável a qualidade da obra do RVM, mas o que levou o cd da banda a ser considerado como a melhor reedição progressiva de 1994 pelos franceses da revista Big Bang e também ao fato da banda ter representado o Brasil no "Fête de la Music" de Paris?
Uma coisa está ligada à outra, a revista fez um estudo e concluiu que o melhor lançamento de 1994, foi "As crianças da Nova Floresta II", o mesmo aconteceu na Noruega em 1996, com isso a Embaixada do Brasil na França, nos convidou para representar o Brasil na mais tradicional festa de Paris "Fête de la Musique" (21 de junho). Maiores detalhes do porque disso ou daquilo, eu não sei, teria que perguntar a eles.


Como foi essa experiência?
Foi viajante, tudo muito novo, contato com outra culltura, um respeito e uma valorização do nosso trabalho que nunca tivemos em nosso País, apreendemos muito com essas novas experiência, o que ajudou para abrir outras portas, e ter uma visão de que o mundo é muito maior do que simplesmente a cidade, o estado ou o País em que vivemos, e que o músico não pode ficar limitado ao um público ou espaço, tem que fazer seu trabalho andar e seguir junto com ele. Nessa viagem a Paris fizemos um especial para a "TV5" com uma produtora Alemã, outra experiencia interessante.


Como tomou conhecimento sobre o sucesso da RVM na Europa?
Em 1987, quando recebi um telefonema de um distribuidor de discos de Santo André (SP), o qual comprou o LP "Himalaia I" em uma loja de S. Paulo, e na contra-capa desse LP tinha meu telefone de contato, ele ligou encomendando caixas do Himalaia I e aí descobri que havia procura do nosso trabalho em vários países. Depois das primeiras distribuições, desse contato, mais dois distribuidores do Rio de Janeiro me procuraram e compraram o que restava daquela produção. Em 1993, isso se concretiza com o selo Progressiverock de São Paulo que lança o CD de 1973, com produção final nos USA, o qual abre novas portas na Europa e Japão. 

Fora da RVM, como foram suas participações junto ao "Quarteto Livre" e aos duos "Pacheco e Carioca" e "Duo Fernando's"?
Foram parcerias com amigos, muito amigos, grandes amigos até hoje, com os quais trabalhamos nesses projetos de múisca instrumental (jazz brasileiro ou se preferir músicaz instrumental brasileira), sempre paralelo a outros, como trabalhos comerciais em bandas de baile e noite, afinal eu trabalhei 30 anos em baile, por isso não morri de fome, foi de 1975 até 2006, agora só faço concertos e produções.


Sobre o álbum Himalaia I, a divisão em lado "The Past" e "The Present" se deve ao fato de "The Past" contar com a colaboração da RVM?
O passado foi uma gravação feita pela formação de 1982 em Curitiba - PR, que eu aproveitei para lançar em 1986, nesse album, e o presente eu gravei em 1986 sózinho usando um violão e uma guitarra sintetizada fazendo as orquestrações.

Quando ouvi "Himalaia" pela primeira vez logo percebi que era um trabalho ligado a RVM, principalmente pelas linhas instrumentais. Mesmo assim, temos um disco instrumental, e que não tira a qualidade do disco. As letras da RVM eram muito boas, então, por que você decidiu lançar um álbum somente instrumental?
Minha praia, sempre foi instrumental, apesar de sempre acompanhar cantores para sobreviver. A partir de 1986, quando assumi a produção do RVM, segui o meu caminho = instrumental, apesar que a formação atual apresenta músicas cantadas do CD de 2006 "Spirals of Time". Não tenho nada contra, porque sou a favor da democracia. Uma banda só se desenvolve se fizer o gosto de todos, mas se depender só da minha opinião trabalho sempre com as versões instrumentais.


Sobre a canção "Progressivo L-2 Sul", qual foi sua inspiração para a bela melodia e o belo dedilhado de violão que você executa na mesma?
L-2 Sul é o endereço da Escola de Música de Brasília, por aí vc já pode concluir que essa música foi composta nessa escola, em 1982, quando eu participava de um curso de composição com um professor da Inglaterra Cristofer Boochiman.

As intrincadas peças de "Ciclo da Vida" demoraram quantos dias para serem gravadas?
Nunca demorei muito para gravar. Estudio é cobrado por hora, o músico não tem muito dinheiro e a s produtoras de progressivo também não. Com isso o músico tem que chegar, no estudio, bem ensaiado. Ao longo dos anos a experiencia também ajuda. O produtor também é muito importante nessa hora e a concentração dos músicos e toda a equipe, também. Além disso não sou de enrolar com improvisos, o que soa pior é o que eu deixo, e quase sempre o primeiro, soa mais natural, sem emendas. O improviso que vc não gosta, na primeira audição é aquele que tem menos padrões prontos, com isso ele dedmora mais para ficar cansativo e/ou repetitivo, porque a cada nova audição ele te passa novas informações. Sempre gravei minha parte em uma sessão de 6 horas, no máximo 8 para dobras, bases, etc... costumo cobrar o mesmo dos meus colegas, e todos sempre corresponderam a isso, nunca tivemos problemas de estourar o orçamento em estudio.


Você fez shows em diversos países como Espanha, Portugal e França. A divulgação tanto da RVM e de Himalaia ocorreu em muitos países incluindo o Japão. Você chegou a ir até lá também?
Fomos convidados, o convite está aqui, na minha casa (arquivado), mas infelizmente não fomos (1999 - lançamemento do Himalaia II) porque o convite foi feito pela Embaixada do Brasil no Japão para 4 concertos em cidades diferente, porém a verba teria que sair pelo Itamarati, foram 3 meses de negociação, e a proposta foi indeferida por falta de verba do Itamarati. Coisas do Brasil.


Você chegou a fazer uma turnê de divulgação do álbum "Himalaia I" pelo Brasil?
Só no Sul de Minas, porque é mais perto de casa e o prejuízo é menor. Não dá pra ir muito longe, no Brasil, com uma Banda, a despesa é grande, os patrocinadores são poucos, e o público prefere pagode, sertanejo e axé.


O projeto Spirals, que culminou no lançamento do cd "Spirals of Time" em 2006, ainda está na ativa?
Está na ativa, sendo divulgado pelo RVM, cuja formação atual é, praticamente, a mesma do GALF.


Você já tocou aqui em Porto Alegre? Se sim, aonde e como foi a participação dos gaúchos? Se não, existe essa possibilidade?
Existe a possibilidade, é só ter um convite. Cheguei com o RVM até Floripa (SC). Em Porto Alegre tive sózinho em 1999 durante 30 dias num seminário de violão - Faculdade Palestrina, que juntou grandes nomes. Foi aí que estudei com Eduardo Isaac e Miguel Girolet (Argentinos)


Sou um grande fã de seu trabalho, porém admito que só fui conhecê-lo através de downloads na internet, em sites como o orkut e o e-mule. A partir de então, procurei em diversos sebos e na própria internet os vinis originais tanto da RVM como de "Himalaia I" e "Instrumental" (álbum gravado pelo Duo Fernando's) e, infelizmente, sei que nenhum centavo do que investi nos mesmos retornou para você, o que acho injusto, pois tenho um material de ótima qualidade cujo criador não teve seu retorno. Como você vê esse processo de downloads e do uso da internet para venda de vinis, cds e outros itens ligados à cultura.
São novos tempos. Incomodava um pouco no início, mas hoje vejo como uma excelente fonte de divulgação do trabalho do artista. Sempre quem ganhou dinheiro com discos foram as gravadoras, o músico sempre genhou com shows. Hoje as gravadoras perdem, com esse novo formato da internet, porém os músicos conseguem um público maior que antes não teriam acesso ao seu trabalho. O ideal é que tivessemos um meio termo, uma forma de divulgar, porém também VENDER, pela internet. Existem ferramentas, mas não impedem o downloads.


Você acompanha os blogs ligados a música? Como atualiza-se sobre som hoje em dia?
Vivo música 24 horas à 42 anos, isso se dá de forma natural, estou sempre ouvindo, são alunos que me trazem novas informações, as vezes colagas de trabalho, faz parte do meu dia/dia, mas não uso a internet para isso, o pouco tempo que tenho uso o computador, no estudio, para gravações, para estudos, para aulas, e para contatos via e-mail, como este que estamos fazendo agora. Sempre recebo de amigos, novos trabalhos. Nem sempre tenho tempo de ouvir todos.


Muitos falam que o vinil era melhor para o músico por que era mais difícil de ser pirateado. Você concorda com isso?
Nunca pensei nisso. Isso não me preocupa, a pirataria nunca me atrapalhou. Como já disse me incomodava no começo, mas logo me adaptei. Não interferiu no meu orçamento. Prejudica mais as gravadoras, do que os músicos.


Aqui no blog temos muitos leitores que são colecionadores. Teremos a chance de vermos algum DVD da RVM ou de sua carreira solo ou até mesmo algum lançamento de material raro, como shows ou fitas perdidas?
Pretendo gravar DVD's mas isso depende de leis de incentivo à cultura e/ou de algum produtor maluco, que goste de perder dinheiro se interessar. Mas se vc procurar por Recordando o Vale das Maçãs no You Tube poderá assitir pedaços de nossos concertos do segundo semestre de 2008.

Obrigado pela colaboração e sucesso sempre para você, sua família e a todos próximos de vocês.
Desejo o mesmo para vc e sua família. Agradeço a oportunidade de falar sobre a história do RVM e também por ajudar a divulgar nosso trabalho.
Abraços,

quarta-feira, 15 de abril de 2009

La Máquina de Hacer Pájaros


No início da década de setenta o mundo deleitava-se com o rock progressivo. Da Patagônia à Islândia, diversos grupos surgiram, influenciados principalmente por bandas como Yes, Genesis e Pink Floyd. A Argentina, rockeira desde sua essência, também estava envolvida nessa sonoridade, e lá um jovem garoto chamado Charly Garcia (teclados, voz) começava a despontar como uma promessa na música portenha. Sua primeira participação em discos foi no ano de 1972, com somente 21 anos, tocando teclados no raríssimo Cristo Rock, de Raúl Porchetto.


Antes, Charly já havia formado uma das principais bandas argentinas de todos os tempos, a Sui Generis, ao lado do também importante Nito Mestre e contando com Carlos Piegari, Beto Rodriguez, Juan Belia e Alejandro Correa. O grupo fez enorme sucesso com o seu folk rock tradicional, lançando quatro aclamados álbuns, mas, devido à censura imposta pela ditadura militar e também pela diferença sonora entre Charly e Nito, acabou sucumbido em 1975, com o lançamento do maravilhoso álbum Adios Sui Generis, gravado ao vivo para um público de quase 30.000 pessoas.


Nito então fundou a banda de folk rock Nito Miestre y los Desconocidos (quem puder, ouça o primeiro álbum) enquanto Charly decidiu seguir com suas loucuras sonoras, formando então um novo grupo, o qual veio se chamar La Máquina de Hacer Pájaros, em homenagem a uma tirinha de jornal local que contava com um tal de García que havia construído uma máquina de fazer pássaros. Neste novo projeto Charly levaria ao extremo o seu instrumento favorito, o teclado, já que a banda inovou, contando com dois tecladistas ao mesmo tempo.


No início, o La Máquina era um trio tipo ELP, formado por Charly e mais dois ex-integrantes da Crucis, Oscar Moro (bateria, que também tocou no Los Gatos Selvagens) e José Luis Fernández (baixo). Em seguida entraram Gustavo Bazterrica (guitarras, ex-Reino de Munt - banda de Porchetto) e Carlos Cutaia (teclados, ex-Pescado Rabioso), formando a espinha dorsal da música complexa e densa que Charly tanto sonhava. 

Temos então monstros do rock argentino unidos com a única intenção de tocar um som de ótima qualidade, com muitas viagens e longos temas instrumentais. Os primeiros shows começaram a acontecer no ano de 1976, para pouco mais de trezentas pessoas, lembrando que na época o progressivo já estava perdendo espaço para o punk e a disco music.


Mesmo assim Charly conseguiu um contrato com a gravadora Microfón, e, no mesmo ano, lançou o maravilhoso disco La Máquina de Hacer Pájaros. A capa ficou a cargo do autor da tira de jornal, um tal de Crist, que elaborou uma pequena história onde o protagonista, García, apresentava a banda para um amigo, definindo-a como um "pássaro progressivo". Dentro da capa havia outra, toda preta, contando com a foto dos cinco integrantes em um colorido todo especial. Outro destaque é que todas as músicas foram compostas por Charly, mesmo contra a vontade dele, que pretendia ser somente mais um integrante. 

Os teclados introdutórios de "Bubulina", com Charly cantando sobre as diversas camadas de sintetizadores que surgem imitando uma orquestra, abrem o primeiro lado. A voz suave do tecladista dá espaço para a guitarra, que sola lentamente acompanhada pela banda e por muitos sintetizadores, que tomam contam dos canais. A forte influência jazzística aparece na guitarra de Gustavo, que sola durante a letra. Camadas de vocais se intercalam com a voz de Charlie. Temos uma pequena pausa onde os teclados assumem novamente a posição de destaque, com a guitarra novamente solando. Os moogs agora aparecem, com diversos duelos de escalas entre eles e a guitarra. Vale a pena destacar a bela presença dos teclados nessa faixa. A canção segue, com a lenta introdução sendo reproduzida, tendo uma intervenção mais pesada, porém curta, terminando com os teclados viajando em notas que decaem como um avião atingindo o solo. 

A faixa seguinte, "Como Mata El Viento Norte", lembra a fase Sui Generis. O violão folk junto aos sintetizadores dá espaço para vocalizações e a letra da canção, que é acompanhada pelo andar tradicional da Sui. Temos uma sessão instrumental com destaque para piano e baixo, que retoma e encerra com a letra da canção. 

A marcação de bateria, acompanhada por intervenções de baixo, guitarra e teclados, introduz "Boletos, Pases y Abonos", que tem um ritmo bem suingado, similar ao que o Vímana fez mais ou menos na mesma época. Destaque para o refrão, bem rock'n'roll, lembrando as canções dos Mutantes na fase em que Serginho era o único do trio original. Temos uma sessão instrumental onde a levada da banda (guitarra, baixo e guitarra) abre espaço para um maluco solo de órgão. A guitarra então toma conta dos canais, com uma ótima levada da cozinha e com a participação direta ao fundo dos teclados de Charly e Cutaia. O órgão novamente volta a solar, atingindo um pique muito rápido, voltando então ao tema principal desta bela faixa, que encerra com muito barulho de baixo, bateria, guitarra e teclados. 

Finalmente, uma cópia de "The Return of the Giant Hogweed" do Genesis introduz "No Puedo Verme", outra canção bem suingada, com destaque para o belo trabalho de teclados e do baixão de José Luis. Temos uma sessão instrumental bem delirante, com uma baita levada jazzística, onde teclados e guitarra solam alucinados sobre camadas de órgão e sintetizadores, no melhor estilo Return to Forever. A faixa retoma seu início, encerrando o lado A com mais um solo de moog e guitarra, com a cozinha mandando ver, inclusive no pequeno solo de bateria.

Os pianos de Cutaia abrem o lado B. "Rock And Roll" é uma canção que lembra bastante o Genesis de Trespass em sua introdução, com violões e vocalizações belas. Porém, o piano passa a executar acordes enquanto a cozinha passa a mandar ver em um baita rock'n'roll, onde Charly rasga sua voz em diversos gritos. Moogs e sintetizadores tomam contam em mais uma sessão bem trabalhada, ganhando uma cadência incomum para as bandas argentinas. A guitarra sola com gana, terminando com um pequeno trecho clássico. 

Os temas à la Sui Generis são retomados na folk "Por Probar El Vino y El Agua Salada", cheia de moogs e violões. A suíte "Ah, Te Vi Entre Las Luces" encerra esse primeiro álbum de forma brilhante. Os teclados viajantes de Cutaia trazem os vocais de Charly acompanhados pelo piano. A banda entra então, com uma marcação precisa, enquanto temos duelos de teclados e clavinete. A canção fica somente nos teclados, com os vocais acompanhados pela guitarra utilizando o dispositivo do volume. Temos uma longa sessão instrumental, onde primeiro o piano sola sobre camadas de teclados, chegando a uma parte mais jazzística, com solos de clavinete, órgão e guitarra. Uma sessão mais viajante de guitarra, pratos, baixo e teclados dá sequência à parte mais bonita da canção, que retoma o refrão com muito teclado e com as intervenções de moog. 

O belo solo de guitarra de Gustavo mostra como os argentinos tinham talento para ser uma poderosa banda no cenário mundial, levando a um solo de piano “quase-tango”, acompanhado pela cadência da cozinha e pelas variações de volume da guitarra, seguindo pelos longos acordes de teclado que encerram essa brilhante faixa de forma emocionante.


O disco mostrava todo o refinamento e a potência do grupo, bem como a ambição de fazer algo totalmente novo dentro do cenário rock portenho. Porém, fez pouco sucesso, já que o público argentino ainda preferia ver Charly nas canções acústicas do Sui Generis, o que não impediu o trabalho da banda de ser continuado.


No ano seguinte chegava às lojas o segundo álbum. Películas traz uma sonoriedade mais diferente, com um amplo trabalho nos arranjos e também na composição das canções, já que todos os integrantes acabaram se envolvendo na elaboração das peças, apenas as letras ficaram a cargo de Charly. O encarte vinha recheado de fotos e, na contracapa, as músicas possuíam pequenos comentários elaborados pelo próprio Charly. 

O disco abre com a instrumental “Obertura 777”, com os teclados trazendo o piano e o violão, que solam acompanhados pelo baixo e pelos pratos. A bateria muda de ritmo, deixando a canção bem suingada, com uma boa levada no baixo e com aquele órgão típico dos anos setenta. Clavinete e guitarra executam um bonito tema em escalas que alternam de tom, mostrando que a banda decidiu trabalhar ainda mais. 

“Marylin, La Cenicienta y Las Mujeres” encaixa no seguimento do disco, lembrando bastante o Genesis da fase quarteto. Um coral de crianças surge no meio da canção, repetindo a mesma frase, "todos tenemos hogar", várias vezes, enquanto o ritmo aumenta, dando espaço para uma parte bem hard, onde baixo e guitarra executam escalas iguais enquanto os teclados deliram. 

“No Te Dejes Desanimar” é mais uma canção bem trabalhada. Violões, piano e assovios trazem a letra da canção acompanhados de cordas, as quais foram conduzidas por Cutaia. Um pequeno tema instrumental retoma as letras, que mantém sempre a mesma harmonia do início ao fim. 

“Que Se Puede Hacer Salvo Ver Películas” encerra o lado A com um ritmo mais latino com sua introdução ao baixo e piano. O principal destaque da faixa fica justamente pela forte presença do baixo, que marca muito bem durante a entonação da letra. Uma sessão mais jazzística aparece, dando espaço para vozes de atores de filmes argentinos trazerem novamente as letras. Piano e órgão executam o tema principal, acompanhados pelo ritmo da cozinha (guitarra-baixo-bateria), aumentando o ritmo até os vocais assumirem novamente o posto principal. Por fim, o tema jazzístico é retomado, encerrando a canção com o tema principal.


“Hipercandombe” abre o lado B com uma ótima introdução instrumental. Temos uma levada tri dançante, onde a bateria de Moro está infernal. Outro destaque fica para o ótimo trabalho dos teclados. “El Vendedor de las Munecas de Plastico” é uma canção lenta, com a destacada presença do baixo e dos teclados, contando também com um bom solo de guitarra. 

“Ruta Perdedora” traz em sua introdução o piano, aliado a barulhos de carro, violões dedilhados e a voz de Charly. Temos muitas vocalizações e teclados, com uma levada bem progressiva. O moog introduz uma pequena sessão instrumental, onde os instrumentos executam o mesmo tema, terminando com a execução de um tema principal. 

Por fim, a instrumental “En Las Calles de Costa Rica” é um jazzão de primeira, com solos de guitarra e teclado que tornam-se ainda melhores com a ótima performance da cozinha. Uma sessão mais lenta, onde o baixo sola sobre camadas de teclados, traz novamente o jazz, com um longo solo de guitarra, encerrando a canção e o álbum com uma quebradeira geral.


Temos um disco mais ligado ao jazz fusion de bandas como Return to Forever, Weather Report e The Eleventh House, e que também acabou fazendo pouco sucesso com o público. A banda então acabou após uma mini-excursão de divulgação, tendo seu último show realizado no Festival de Amor de 1977, contando com a participação de David Lebón, Rinaldo Rafanelli, Juan Rodríguez (ambos do Sui Generis), Aníbal Kerpel e Pino Marrone (ambos da Crucis).


Charly fundou a Banda del Amor ao lado de Lebón, mas não durou muito, vindo para o Brasil em busca de novos ares, já que estava bem influenciado pelo pessoal do Clube da Esquina, onde construiu o projeto Seru Giran. 

Cutaia formou o Ce.Ce. Cutaia ao lado de sua esposa, Carola, com quem gravou o álbum Rota Tierra Rota em 1979. Lançou então três álbuns solos (Ciudad de Tonos Lejanos em 1983, Carlos Cutaia Orquestra em 1985 e Sensación Melancólica em 2005) e dedicou-se à produção de bandas. Em 2005 recebeu o prêmio Carlos Gardel pelo seu trabalho no álbum Para la Guerra del Tango, onde misturava o tango com o jazz. 

Gustavo intregou um quarteto ao lado de Oscar Moro, Alejandro Lerner (teclados) e Rinaldo Rafanelli (baixo), seguindo como músico na banda de Luis Alberto Spinetta. Entre 1980 e 1984 fez parte do Los Abuelos de la Nada, e paralelamente participava do grupo que acompanhava Charly. Em 1987 lançou seu único disco solo, Joven Blando, que contava com a participação de Charly e Moro. 

José Luis fez pequenas participações com a banda de Charly antes de ir morar nos Estados Unidos, onde trabalhou no seu álbum solo, Mira Hacia el Futuro, lançado em 1982. Participou de vários grupos na Europa e, em 2007, lançou o disco Piedra por Cristal. Por fim, Oscar Moro fundou a Riff e fez parte da Seru Giran, e em 1983 formou o Moro-Satragni ao lado de Beto Satragni, vindo a falecer em 2006.



Os discos do La Máquina de Hacer Pájaros, seja pelas idéias musicais ou pelo conjunto sonoro emanado pelos integrantes, são peças fundamentais dentro de qualquer coleção de rock progressivo. A busca pelos mesmo e, principalmente, a raridade, faz com que os valores dos álbuns ultrapassassem R$ 100,00, chegando a valer R$ 500,00 em suas versões originais, o que mostra como a banda conseguiu obter o respeito e a valorização mesmo após ter encerrado a carreira de forma tão rápida. Não é a toa que são considerados como o Yes do mundo subdesenvolvido, caracterizando-se hoje como uma das mais raras e importantes bandas da América do Sul.
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