sábado, 28 de fevereiro de 2009

Os discos menos conhecidos do Secos & Molhados


Muita gente já ouviu "O Vira", "Sangue Latino" e "Rosa de Hiroshima" e ficou pensando como o Secos & Molhados pode durar tão pouco. Na realidade, o Secos & Molhados que muitos conhecem gravou apenas os dois discos mais conhecidos, mas João Ricardo reformulou a banda por diversas vezes, registrando diversos outros álbuns, porém sem nunca atingir o sucesso que havia obtido com Ney Matogrosso. Mesmo assim, temos no mínimo dois excelentes discos e que devem ser ouvidos e admirados por todo fã da banda e até mesmo por quem não gosta da fase Ney Matogrosso.

Após a saída de Gerson Conrad e Ney Matogrosso, João Ricardo (violões de 12 e 6 cordas, gaita e voz) decidiu partir para uma carreira solo, lançando dois álbuns que não fizeram muito sucesso, João Ricardo e Da Boca Pra Fora. Fracassado financeiramente, João ganha os direitos sobre o nome Secos & Molhados e resolve reviver o grupo. Para isso, convoca o guitarrista e vocalista Wander Taffo (que fez sucesso em carreira solo e também como fundador do Rádio Taxi, além de ser integrante da clássica formação do Made in Brazil), o baixista João Ascensão e o vocalista Lili Rodrigues. Com a participação de Gel Fernandes (bateria), Lazy (teclados) e Rubão (percussão), em maio de 1978, quatro anos após o fim prematuro da primeira formação do Secos & Molhados, a chama voltava a ser acesa. Porém a proposta era diferente. 


Apesar de seguir uma linha similar aos primeiros discos e de Lili ter uma voz tão aguda quanto a de Ney, João decidiu parar com a androginia, e, de cara limpa, lançou o excelente álbum Secos & Molhados (também conhecido como A Volta dos Secos & Molhados). O disco abre com um clássico. A gaita de João dá espaço para as vozes entoarem o nome da canção de abertura, "Que Fim Levaram Todas as Flores?", a qual foi um sucesso nacional, dando direito à banda de participar de inúmeros programas de televisão. A semelhança com faixas como "Flores Astrais" e "Assim Assado" não pode ser evitada, e Lili mostra que estava na banda para substituir, e bem, Ney. Muita festa curti ao som dessa canção, onde 99% das pessoas achavam que o vocalista era o próprio Ney Matogrosso, mas não era, e isso já se torna evidente na faixa seguinte, "Lindeza", onde os violões introduzem a canção com o baixo característico das músicas mais rápidas dos primeiros álbuns, além de trazer um belo arranjo de cordas, o que era novidade no som dos Secos. 

Segue uma canção totalmente diferente do que já havia sido feito pela banda. Após flertar com o blues em "Primavera nos Dentes", o flamenco em "Primer Mundo" e o fado de "O Vira", o Secos & Molhados invadia o funk, com uma bateria marcando o ritmo, seguida na sequência por uma ótima linha de baixo, guitarras e teclados, dando espaço para os vocais cantarem "De Mim Pra Você", uma das faixas mais dançantes da banda e que merece espaço em qualquer festa anos setenta que você pense em fazer, ao lado dos clássicos de Village People, Bee Gees, Gloria Gaynor entre outros. 

Após a sacudida no esqueleto de "De Mim Pra Você", temos a bela balada "Minha Namorada", onde Lili está fenomenal, mostrando sua simpatia (a qual contava nos créditos do álbum). O violão de 12 cordas de João leva a canção, que ainda trás um belo solo de Taffo (conhecido no álbum como Wander Tosh). O lado A encerra com a fraca "Anônimo Brasileiro", que apesar da bela melodia e do arranjo de cordas e metais, traz os vocais graves de João Ricardo, não combinando com o clima proposto na canção.

O lado B começa com "Última Lágrima", que lembra muito "Sangue Latino", principalmente pela levada do violão e do baixo. Segue "Insatisfação", uma pedrada na orelha de quem achava que o lado B seria lento, contando com as vocalizações dos três integrantes, com destaque maior para a voz de Lili. Temos aqui uma boa letra de João, bem auxiliada por uma sessão instrumental de teclados e guitarras. Os arranjos de cordas se fazem presente em "Oh! Canção Vulgar". 

Segue uma sessão acústica (antes mesmo dos acústicos terem sido inventados), com a belíssima "Como Eu, Como Tu". Com João Ricardo liderando as vozes, temos aqui uma das mais belas e comoventes letras da banda, a qual trata sobre a dor de uma pessoa que recorda os poucos momentos de um amor entre dois amigos que não deu certo. De chorar! A animada "Quadro Negro" resgata o clima leve do álbum, contando com boas participações dos integrantes nas vocalizações, que também possui João no vocal principal. Essa é uma canção perfeita para adolescentes cantarem em um luau. 

Por fim, "Cobra Coral Indiana", introduzida pelo piano elétrico e baixos que lembram bastante "Flores Astrais". A pequena letra, narrando a história de milhares de brasileiros que entram e saem de filas enormes para pagar suas contas, dá espaço para um longo tema instrumental com cordas e guitarras, encerrando o álbum tão bem quanto os demais discos da banda, e revivendo os grandes momentos da fase 1973-1974.

Porém, nem toda flor cheira bem, e João acabou tendo diversos problemas com os integrantes dessa formação, lançando seu terceiro trabalho solo, Musicar, em 1979. Em meados de 1980 tenta mais uma vez resgatar o Secos & Molhados, contando agora com os irmãos Roberto Lampé (violão), César Lampé (voz) e Carlos Amantor (percussão), lançando mais um álbum homônimo. 



O disco seguiu a mesma linha dos anteriores, contando na abertura com a faixa "Quantas Canções é Preciso Cantar", com aquela levada a la "Que Fim Levaram Todas as Flores", destacando a voz aguda do novo cantor. "Roído de Amor" é uma balada semelhante as do disco com Lili, porém com César e João alternando-se nos vocais. "Meu Coração Não Pode Parar", apesar do nome, é uma faixa bem rock'n'roll, com muito baixo, guitarras e vocalizações ao melhor estilo Secos & Molhados. "Sem as Plumas, Numas" traz novamente a gaita e o baixo como destaques. Segue "Homenzarrão", a qual possui uma letra bem agressiva, mostrando que nem só de doces e agrados vivia a cabeça de João. O lado A encerra, e muito bem, com "Pão João", outro rock estilo Secos & Molhados.

Temos no lado B a gaita introduzindo "Muitas Pessoas", a qual conta com várias vocalizações. Depois do blues, funk, flamenco e fado, surge o jazz anos trinta na faixa "Você Faz Amor Engraçado", a qual lembra as faixas cabaré dos álbuns do Queen, com destaque para baixo e piano. "Pelos Dois Cantos da Boca" retoma os rocks do grupo, seguida pela pequena "Aja", revivendo os momentos de canções curtas como "El Rey" e "As Andorinhas", do primeiro disco. "Contudo" é uma canção sombria, contando com muito piano e vocalizações. O álbum encerra-se com "Vira Safado", que, como o nome diz, relembra a letra de "O Vira" em mais um fado e tentativa de resgatar o antigo sucesso.


Com o fracasso comercial do disco, João partiu para o exterior, tentando esquecer de vez a banda que o havia revelado e seguir finalmente em uma carreira solo. No ano seguinte retorna ao Brasil, por onde fica na obscuridade até 1987, quando conhece o cantor Heitor Abujamra (Totô Braxil), o qual o incentiva a resgatar o Secos & Molhados. Com a participação de Edinho França (guitarras), Jean Eduardo (baixo), Gilberto Ninho (bateria) e Wilson (teclados), volta a fazer shows com o nome Secos & Molhados e, com apoio da Rede Bandeirantes, lançam, em 1988, o oitentista
A Volta do Gato Preto, o qual possui poucos momentos de inspiração, como "Sem Rei Nem Rock", "Eu Estou Fugindo de Casa" e o medley "Final Jam", resgatando os clássicos "Assim Assado", "Flores Astrais" e "O Vira".

Em 1999 João lançou
Teatro? com o nome Secos & Molhados, onde ele é o único membro da banda, e em 2000 lança Memória Velha, com canções feitas no período entre 1986 e 1990.

E feitas de papel machê, as flores se encontraram entre muitas pessoas que cantavam engraçado em uma fila indiana.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Happy The Man


Uma das principais bandas do rock progressivo norte-americano foi a Happy the Man. Mesmo com uma carreira tão curta (lançou apenas dois discos), o grupo se consagrou no cenário americano juntamente com o Kansas, deixando boquiabertos fãs em todo o mundo, principalmente por ter um som muito inovador em seu tempo, demonstrando que a música do Happy the Man estava muito além de um simples conjunto progressivo.

Contando com as linhas melódicas de Yes e Genesis, as intrincadas composições de Gentle Giant e Van der Graaf Generator e a simplicidade do Pink Floyd, o Happy the Man conseguiu unir todas essas características em apenas um estilo, que viria a ser conhecido posteriormente como new prog.

Formada em 1972 por Stanley Whitaker (guitarras, voz), Cliff Fortney (voz, flautas), David Bach (teclados), Rick Kennel (baixo), Mick Beck (bateria) e Frank Wyatt (teclados, saxofones, flautas, piano e voz), o grupo teve em suas origens a inspiração de diversos nomes, tais quais os citados acima, principalmente o Genesis, onde costumavam tocar canções como "The Knife" e a própria "Happy the Man". Apesar disso, o nome não veio da canção do Genesis, mas sim de uma frase dita pelo irmão mais velho de Whitaker, que havia lido algo similar no livro "Faust", de Goethe. 

Em 1974, David decidiu sair, sendo substituído pelo mágico tecladista Kit Watkins (moog, piano, harpsichord, clavinete  e marimbas). Cliff também pediu as contas, sendo substituído por Dan Owen, mas esse não durou muito, e o Happy the Man acabou se consolidando por ser uma banda praticamente instrumental, com os vocais sendo pouco participativos e, quando realizados, feitos por Whitaker.



O grupo começou a entrar na rota de shows do cenário ianque, tendo inclusive a oportunidade de tocar com Peter Gabriel quando este esteve nos Estados Unidos durante o ano de 1976 (em uma relação similar a da The Band com Bob Dylan ou do Crazy Horse com Neil Young), o que os levou a assinar rapidamente um contrato com a gravadora Arista. 



Em 1977, sai o primeiro LP, auto-intitulado. Happy the Man, o disco, mostrava ao mundo todas as maravilhas que os norte-americanos já ouviam há algum tempo, principalmente as viagens de moog a la Brian Eno de Watkins e a perfeita complexidade dos instrumentos de cada um dos integrantes da banda. O disco abre com a viajante "Starborne", onde sons de baixo imitam violoncelos com pequenas intervenções do clavinete. A banda entra então em uma marcação pesada, com um crescendo no baixo, voltando à introdução com uma pequena viagem do clavinete. A marcação retorna, apenas encerrando e mostrando ao mundo o que o Happy the Man se propunha a fazer: viajar, e muito, com os instrumentos. 

"Stumpy Meets the Firecracker in Stencil Forest" começa com uma pesada introdução de piano e sax, indo para uma sequência de duelos entre guitarra, saxofone, baixo e bateria, os quais sempre contém pequenas intervenções do moog. Essa canção lembra, e muito, os bons tempos do Gentle Giant, principalmente pela elaborada parte rítmica. A loucura pega com um furioso solo de sax, encerrando a faixa com um belo solo de moog e a intrincada marcação do ritmo. 

Surge então a primeira canção com letra do álbum. "Upon the Rainbow (Befrost)" novamente lembra Gentle Giant, com o piano dedilhando uma sequência complicadíssima. Porém, uma bela flauta aparece para acompanhar os vocais de Whitaker. Uma pequena sessão instrumental com um solo de sax retorna ao início da canção, porém com o grup acompanhando os vocais, não somente a flauta. A canção segue com um pequeno solo de moog, encerrando com o refrão e curtos solos de sax e moog. Essa era a principal característica do Happy the Man, a capacidade de se repetir na música, retomar diversos temas, sem ser chato ou preguiçoso. 

Segue a suíte "Mr. Mirror's Reflection On Dreams", com seus quase nove minutos de duração. Temos uma sequência de "Befrost", com uma introdução similar feita somente ao moog. Baixo e bateria aparecem marcando o tempo, enquanto o moog acompanha uma guitarra abafada, fazendo o tema principal da canção. De repente um piano surge, solando livre, retomando diversas vezes o tema principal, fazendo a canção ir num crescendo bem devagar. A partir de então temos uma sessão onde o moog ajuda o piano no tema principal, terminando com diversos solos de moog e guitarra. O ponto marcante é o solo rápido e vigoroso de guitarra de Whitaker, feito com o uso do volume. Novamente a música viaja para muito longe, somente ao som do clavinete, auxiliado também por uma fllauta que retoma o tema principal, tal qual as grandes canções do rock progressivo. Essa com certeza é uma das melhores canções já composta pela banda. O lado A encerra com "Carousel", que é um seguimento das duas obras anteriores, porém com um acompanhamento diferente, contando com um longo solo de moog.

O lado B traz ao ouvinte a canção "Knee Biten Nymphs in Limbo", onde camadas e camadas de teclados abrem espaço para uma sessão instrumental que alterna duelos de guitarra e baixo, sons de clavinete e solos de moog, com um destaque especial para a bateria de Beck. "On Time As a Helix of Precious Laugh" é a segunda canção com vocal do disco. É muito difícil não ouvir essa faixa e lembrar-se dos tempos de ouro do Genesis. Uma introdução lenta com barulhos de piano acompanham o vocal a la Peter Gabriel, tornando-se pesada, com guitarras e pianos marcando suas presenças. Tem-se então uma sessão melódica, onde a guitarra sola idem a Steve Hackett (é impossível não fazer essa comparação, ouçam e digam depois). A letra é retomada com o acompanhamento de uma percussão, camadas de teclados e o baixo, encerrando com uma complicada sessão rítmica. 

"Hidden Moods" traz a marimba e o teclado fazendo a base para o piano elétrico solar de forma bem simples. Temos um belo solo de violão acompanhado por baixo e teclados, dando origem a uma pequena viagem do clavinete, com a canção alternando diversos solos. O álbum encerra-se com a primordial "New York Dream's Suite". O piano de Wyatt executa assovios acompanhados de clavinete e marimbas, em mais uma canção similar às do Genesis. Um moog totalmente distorcido começa a solar, acompanhado pela ótima sessão rítimica da introdução e por camadas de teclados. A doideira toma conta, com o moog solando sobre outra intrincada peça instrumental feita por baixo, piano e bateria. A música torna-se lenta, com a guitarra executando alguns acordes, passando para os solos de moog e clavinete, encerrando a faixa lentamente, como se a canção não possuísse um final, deixando o ouvinte com o gosto de quero mais.

O Happy the Man participou de diversas excursões por toda a América. Porém, o punk rock e a disco music já estavam na moda, o que dificultou bastante as vendas do grupo, desagradando principalmente a Beck, que decidiu pular fora. Através de um velho amigo, conhecem o baterista Ron Riddle, o qual já havia feito diversas gravações em estúdio, inclusive tocando com o The Cars, e que assume de cara o posto.


Com a nova formação lançam o grandioso e quebra-cabeças Crafty Hands, um dos mais belos e intrincados álbuns progressivos pós-fase áurea (entenda por pós-fase áurea os anos entre 1968/1975, onde Floyd, ELP, Yes, Crimson, VDGG, Gentle Giant, PFM, Genesis e outros lançaram seus principais discos). 

A pequena canção "Service With a Smile" mostrava como a banda estava preocupada em manter suas características originais, sem se apegar a nova onda musical que assolava todo o planeta. Ali, temos um acompanhamento forte da cozinha formada por baixo e bateria para as viagens de harpsichord, moog e guitarra. "Morning Sun" é uma canção lenta, com os teclados executando o tema principal junto ao moog e ao violão. O baixo e a bateria continuam lentamente, sendo sempre acompanhados pelo crescendo do moog no tema principal. "Ibby It Is" remete às intrincadas peças do primeiro disco, alternando partes rápidas, com solos de moog, e outras mais lentas, com solos de teclado. Um pequeno solo de guitarra e temos uma virada na canção, criando um clima pesado, com a guitarra solando estridente e viajante. O tema intricado é retomado, encerrando a canção com dois curtos solos de moog e guitarra.

Finalmente, "Streaming Pipes" encerra o lado A mantendo a complexidade de "Ibby It Is", porém mais rápida e com muitos solos de moog e guitarra.


O lado B abre com "Wind Up Doll Day Wind", onde temos uma introdução de guitarra dedilhada acompanhada por flautas e teclados, trazendo os vocais de Whitaker. Essa é a única canção com vocais no disco, que segue em uma cadência mais rápida, com o teclado acompanhado a linha vocal, sendo os vocais no melhor estilo Genesis, porém da fase quarteto (com Phil Collins nos vocais). Uma sequência de solos de sax, guitarra e teclados encerra a canção junto ao refrão da música. 

"Open Book" traz os teclados dedilhados a la Gentle Giant, levando a uma batida cadenciada de baixo e bateria, que acompanham um moog viajante, junto aos acordes de guitarra. Beba umas vodkas e viaje nessa canção. Uma sessão instrumental com flauta, violão e percussão traz um solo de guitarra fenomenal, encerrando com o moog substituindo a flauta no tema executado anteriormente. Simplesmente viajante. 

"I Forgot to Push It" começa com um forte duelo de sax e guitarra, acompanhados pelo belo duo de bateria e baixo. A canção cresce com diversos duelos, sendo que os instrumentos passam a ser apresentados na música devagar, sempre acompanhando o tema principal, entre eles palmas, batidas de percussão, teclados e flautas. O disco encerra com a fenomenal "The Moon I Sing (Mossori)", onde o teclado executa o tema principal crescendo juntamente com cada instrumento, sendo adicionado o moog, violões, guitarras, baixo, marimba e bateria, encerrando apenas com o teclado viajando, dizendo que mais estaria por vir. 



Infelizmente a banda acabou se dissolvendo, principalmente pela falta de apoio da Arista, que os despediu devido às baixas vendas dos álbuns. Kit Watkins acabou ingressando em outro grande grupo dos anos setenta, o Camel, enquanto Ron Riddle foi parar no Blue Oyster Cult, sendo substituído por Coco Roussel.


Em 1983 foi lançado o álbum 3rd - Better Late ..., que traz diversas gravações feitas para o lançamento do terceiro disco, que acabou não saindo pela Arista, bem como algumas feitas já com Roussel na bateria. Infelizmente ainda não tive a oportunidade de ouvir esse álbum, portanto, não farei mais comentários.


O Happy the Man acabou voltando à ativa em 2000, com a mesma formação do primeiro disco, à exceção do tecladista Dave Rosenthal no lugar de Watkins. Assim, lançam "Death's Crown", que contém muito material inedito do início da carreira, principalmente com Dan Owen nos vocais. Em 2004 lançam "The Muse Awakens", contando somente com músicas inéditas e com Joe Bergamini substituindo Mick Beck.


Atualmente, Whitaker e Wyatt participam do projeto Oblivious Sun, ao lado de Bill Plummer (teclados), Chris Mack (bateria) e Dave DeMarco (baixo), encantando os olhos de diversas pessoas com clássicos dos anos setenta, principalmente pelo talento e a capacidade criativa de cada um de seus integrantes e pela memória dos velhos e bons tempos de seus dois primeiros álbuns.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Lula Côrtes e Zé Ramalho - Paêbirú



Nem só de "Avohai" e "Chão de Giz" viveu Zé Ramalho. A doideira atingiu o cantor, assim como diversos outros ao redor do mundo, mas aqui ocorreu antes da fama, mais precisamente no ano de 1974. Ali, Zé Ramalho, ao lado de Lula Côrtes, registrou um dos mais originais álbuns da musicultura brasileira, o raríssimo Paêbirú.

Muitas histórias existem a respeito desse disco. A principal delas, e que acabou levando o álbum a ser famoso, é a questão da sua raridade. Conta a lenda que o álbum ficou armazenado dentro do estoque da gravadora Rozenblit, principal companhia da região, a qual localizava-se ao lado do rio Capiberibe, em Pernambuco, e onde o trabalho havia sido gravado durante a primavera de 74. Porém, uma sequência de chuvas torrenciais começou a atingir Pernambuco, fazendo o rio transbordar, levando casas, vidas e o lote de discos que estava no galpão. De todo o material que havia sido gravado, conta-se que somente pouco mais de 300 cópias da versão original restaram com qualidade boa para o lançamento, as quais haviam sido levadas para a casa de Lula, e que, devido principalmente pela qualidade do material, acabaram sendo vendidos a preço de ouro, parando na mão de diversos colecionadores, principalmente no exterior.


Segundo uma entrevista de Lula Côrtes, isso tudo é lenda. O álbum acabou vendendo pouco e, devido ao alto custo de se fabricar o disco, já que o mesmo era duplo e contava com um belíssimo encarte-livreto, a gravadora preferiu não lançar mais, mas ninguém sabe se a história real é essa.
 
O que sim, se sabe, é que o álbum inovava em termos sonoros e visuais. Dois anos antes o Módulo 1000 havia feito algo similar com o "Não Fale Com Paredes", com sua capa tripla e com o trabalho perfeito da prensagem, mas Paêbirú trazia mais. Além do formato duplo, o encarte-livreto continha fotos, imagens e pinturas próprias dos álbuns progressivos internacionais, coisa que não havia sido vista no Brasil ainda, e tão pouco seria vista em muitos anos.

 

A qualidade psicodélica do som da dupla também era algo anormal para a época. Até o lançamento de Paêbirú, Zé Ramalho estava formando carreira ao lado de Alceu Valença, tendo tocado em diversos grupos na época da Jovem Guarda, dentre eles Os Quatro Loucos, o mais importante de todo o Nordeste, e registrado outra raridade brazuca, o conceitual "Marconi Notaro no Sub Reino dos Metozoários". Lula Cortês havia gravado somente o disco "Satwa" (1973), ao lado de Lailson, que trazia canções como "Alegro Piradíssimo", "Blues do Cachorro Muito Louco" e "Can I Be Satwa", uma pérola nacional garimpada, e muito, pelos quatro cantos do planeta. Vale a pena ressaltar que somente esses três LPs (Marconi Notaro ..., Satwa e Paêbirú) valem juntos mais de 4.000 reais em suas versões originais.
 
 
 
No início de 74, Zé Ramalho foi apresentado a Lula Côrtes, e de cara o ácido fez com que ambos viajassem juntos, afim de gravar um LP em homenagem à Pedrá do Ingá e ao sítio arqueológco de Ingá do Bacamarte. A obra conceitual começou a ser elaborada rapidamente, sendo gravada em quatro partes: Terra, Ar, Fogo e Água.

O lado A traz a Terra em seus mais de treze minutos da viajante "Trilha do Sumé - Culto a Terra - Bailado das Máscaras". Barulhos de mata, percussões indígenas e sopros que imitam moscas dão espaço para uma viajante flauta que sola sem compromisso, acompanhada por palmas e por Zé Ramalho entoando o nome de alguns planetas e a complicadíssima letra da canção. Um saxofone forte entra solando do nada, enquanto a música muda seu ritmo, onde aí sim a viagem pega solta, com diversos gritos e solos de guitarras sem o mínimo de sentido, somente a mais pura piração. Disparada, essa é a faixa mais psicodélica já gravada no Brasil, quase uma "Interstellar Overdrive". Finalmente, um belo piano acompanha um lindo solo de flauta, esse sim, sem ser viajante, que encerra a faixa acompanhado por um violão que começa a solar, dando entradas para violas caipiras que duelam de forma magnífica.
 
O lado B traz o Ar, agora com "Harpa dos Ares". Aqui, o violão de Zé Ramalho lembra os antigos grupos de chorinho. Sons de pássaros intercalam a bela sessão instrumental, que é regada ainda por flautas e crianças brincando. Segue "Não Existe Molhado Igual ao Pranto". O início da faixa, com o violão e viola baixinhos, cercado por gritos e sopros, leva a uma sessão lenta dos violões intercaladas por saxofones e gritos, e por mais violões que, por horas, parecem um berimbau. A letra é entoada em meio a gritos e solos de saxofone. "Omm" encerra o lado B com barulhos de animais cercados pela marcação lenta do violão e da flauta, que viaja pelo mais distante rincão acompanhando um saxofone maluco que intervém de vez em quando durante os solos de viola e violão. Simplesmente fantástico. A faixa termina com uma delirante participação do piano, bem similar aos solos de Keith Jarrett, e com muitos sons externos.


O lado Fogo abre com "Raga dos Raios" e os violões acompanhados por uma guitarra super distorcida. O clima muda totalmente nesse lado. A guitarra furiosa sola como um peão lutando contra uma tourada, enquanto o violão apenas marca o ritmo da canção, bem no estilo cancioneiro da caatinga nordestina. São dois minutos de tirar o fôlego de muito guitarrista. 

Segue a bateria e a percussão de "Nas Parede da Pedra Encantada, Os Segredos Talhados por Sumé". Essa já é uma canção mais rock'n'roll, com uma boa levada de bateria e baixo, que fazem a cama para teclados solarem independentemente. O ritmo da canção lembra as músicas dos anos oitenta, como New Order, Depeche Mode, entre outros, mas claro, soando aqui bem psicodélica. A esquisita letra é entoada entre barulhos de saxofone, teclados e a marcação de baixo e bateria. A tecladeira toma conta, com saxofones, apitos e flautas viajando ao fundo da letra e do refrão, que repete o nome da canção. A instrumental "Maracas de Fogo" encerra o lado C com uma levada flamenca do violão e da percussão, acompanhados por gritos e intervenções de guitarra e os berros de "Ah, Ah, Ah, Maracatu!!".
 
Finalmente, o lado D, a Água, abre com "Louvação à Iemanjá", que como o nome diz, trata-se de uma louvação pasra a rainha do mar. Sons de água então dão espaço para a viola e orquestras acompanharem um solo de guitarra novamente bem distorcido, mas dessa vez sem tanta fúria como em "Raga dos Raios", mas bem mais viajante, terminando com os barulho de água que abrem a faixa "Beira-Mar", com um belo duelo de viola caipira. "Pedra Templo Animal" tem sua levada caipira construída em cima do baixo, viola e marcação do côco. Gritos intercalam a letra, que fala sobre sereias, cachoeiras e águas cristalinas. Finalmente, temos somente a sessão de "Trilha do Sumé", com os violões que encerram o lado Terra concluindo belíssimamente esse grande álbum.

O disco contou com a participação de Paulo Rafael, Robertinho de Recife, Geraldo Azevedo e Alceu Valença, entre outros, mas acabou ficando cercado mesmo pela sua sombriedade, e também pela marcante história. Porém, para aqueles que hoje acessam e fazem downloads na internet, vale a pena conferir cada segundo desse incrível álbum, do qual tive o prazer de ver um, na versão original, através de um amigo meu que pagou a bagatela de mais ou menos 2.000 reais para tê-lo em sua coleção.

(Nota: para quem se interessar, a gravadora inglesa Mr Bongo lançou uma reedição de Paêbirú em vinil de 180 gramas em 2007, já um pouco rara, que é vendida por no mínimo 200 reais entre os colecionadores. Essa versão da Mr Bongo é linda de morrer, já vi uma pessoalmente e ela mantém todo o conceito gráfico original. Vá atrás que vale a pena!  Existe ainda uma versão em CD, lançada em 2005 pela gravadora alemã Shadoks, mas essa eu nunca tive o prazer de pegar na mão.)
 
 

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Som Nosso de Cada Dia



À procura da essência. Esse era o lema de um dos grandes diamantes do rock nacional, a banda Som Nosso de Cada Dia, que estará fazendo muita gente chorar em poucos dias no festival Psicodália.Pouco se conhece sobre a real história do grupo, já que sua carreira ficou resumida em apenas dois discos e muita saudade. O surgimento de um embrião do Som Nosso começou a vir ao mundo no início da década de 70. No final da década de 60, chegava à cidade de São Paulo um jovem chamado Pedro Baldanza, o qual contava em sua mala com um baixo Fender Jazz, comprado graças a venda de um outro baixo Giannini semi-acústico, engraxe de sapato, máquina de escrever e a coleção completa de gibis do Cavaleiro Negro.

Com o baixo e vontade nas mãos, Pedro adotou o nome de Pedrão e montou a banda Enigma, que por incrível que pareça foi a pedra fundamental para o surgimento de outro grande nome do rock nacional, os Novos Baianos. O Enigma no início era formado pelo trio Pedrão (baixo e vocais), Jean (guitarras) e Odair (bateria). A banda passou a frequentar diversos bares e cidades do interior paulista, até que em um determinado dia, na cidade de Ubatuba, conheceram três desconhecidos cantores: Paulinho (Boca de Cantor), João Gilberto, Moraes Moreira e Baby Consuelo. Os três passaram a integrar o Enigma. Durante um festival, conheceram o grupo Minus, de onde surgiu o talentoso guitarrista Pepeu Gomes. Com o protótipo dos Novos Baianos praticamente pronto, lançaram o compacto duplo "Psiu", "29 Beijos", "Globo da Morte" e "Mini Planeta Íris", o qual é cobiçadíssimo por qualquer colecionador que se preze.
A banda assumui o nome de Novos Baianos, seguiu carreira no Rio de Janeiro e tornou-se famosa no Brasil inteiro, graças a obras divinas como "Acabou Chorare" (1972) e "Novos Baianos F.C." (1973) . Porém, somente Baby, Paulinho, Pepeu e Moraes foram para o Rio. Jean e Odair largaram fora quando a doidera começou a aparecer ainda em São Paulo, e Pedrão, com diversos problemas familiares, acabou decidindo por ficar na terra da garoa mesmo, morando com a sua mãe. Mas a senhora acabou conseguindo uma grana considerável pela indenização da morte do pai de Pedrão, pegou mala e cuia e viajou para o Rio Grande do Sul, deixando Pedrão morando sozinho na casa de parentes em São Paulo, afundado em dívidas e sabendo que tinha perdido uma grande chance de se tornar famoso ao lado dos Novos Baianos.
Graças ao amigo Edson Ribeiro, conhece o artista plástico Agamenon e também o cantor Walter Franco, e a partir de então uma carreira musical passa a ser construída. A partir de Agamenon, Pedrão conhece o guitarrista Benvindo, que estava montando a banda Perfume Azul do Sol, onde Pedrão rapidinho virou o baixista. Quem tiver a oportunidade de conhecer o único álbum da banda, "Nascimento" (1974), corra atrás e descubra de onde surgiu a inspiração e a levada de muita banda brazuca.


Mal das pernas, Pedrão resolve ir para o exterior ver se consegue construir sua carreira por lá. Antes disso, era necessário grana, e assim, participou de um sarau organizao por Marcus Pereira, que viraria dono da gravadora de sambas Discos Marcus Pereira. Com a grana do sarau, Pedrão encaminha seus documentos para sair do Brasil, mas, antes, um convite inusitado surgiu através da esposa de um amigo, a qual apresenta para ele o multi-instrumentista Manito, o qual era ídolo de Pedrão e estava procurando integrantes para montar uma banda após sua saída dos Incríveis.


Na verdade a idéia de Manito era montar uma banda para tocar em bailes, e para tal projeto já havia conseguido o baterista Pedrinho Batera. Quando Pedrão chegou, trazendo consigo um violão e nada mais, começou a ser formado o embrião do Bloco Cabala, o qual era o nome do projeto de Manito. Pedrão mostrou algumas de suas idéias para Manito e Pedrinho e, em poucos dias, o projeto Cabala caía por terra, dando origem ao Som Nosso de Cada Dia (SNCD). Isso ocorreu no ano de 1971.


Após esses primeiros encontros, Manito teve uma breve passagem pelos Mutantes, o que atrasou o trabalho do SNCD. O problema principal era a falta de equipamento da banda, que se limitava apenas a aparelhagem de Manito, uma bateria, um violão e o baixo de Pedrão. Porém, graças à participação em festivais, a banda finalmente conseguiu dar o primeiro passo pra sair do anonimato, através do produtor Peninha, que lhes deu uma aparelhagem de primeira e conseguiu um contrato com a gravadora Continental.

Com dinheiro, aparelhos e muita criatividade, o grupo entra nos estúdios para gravar seu primeiro álbum, o fabuloso "Snegs". Porém, o disco ficou engavetado por quase um ano, mas mesmo assim o Som Nosso seguiu seus caminhos.



Em abril de 1974 acontece uma das primeiras apresentações de rock internacional no Brasil, no caso Alice Cooper, e, para banda de abertura, o Som Nosso foi selecionado entre inúmeras outras. Vale a pena ser dito aqui, para quem conhece a história, de que o papo dos Mutantes exigirem uma quantia imensa de dinheiro, entre outras coisas, é tudo lenda. O Som Nosso foi escolhido pura e simplesmente pelo seu talento musical.

A banda então abriu os shows de Titia Alice, tocando para mais de 100 mil pessoas em duas noites na cidade de São Paulo. No Rio, o grupo tocou no Maracanãzinho lotado, levando a platéia a gritar o nome da banda durante o show de Tia Alice. Com o sucesso do SNCD Brasil afora, finalmente é desengavetado o primeiro LP do conjunto.





Regravado em apenas dois dias, ou seja, praticamente ao vivo, "Snegs" contou com poucos overdubs, como violões, solos de Manito tocando violino e sax e mais os vocais da banda, que contavam ainda com a esposa de Pedrão, Marcinha. Infelizmente, a qualidade registrada no vinil não é das mais fiéis em relação ao som que a banda fazia, mas mesmo assim, uma jóia chegava às lojas brasileiras, levando o Som Nosso ao status de supergrupo.

O disco já abre mostrando toda a sonoridade que o SNCD conseguiu em seus dois anos de ensaios e shows. "Sinal de Paranóia" traz uma levada forte de Pedrinho Batera, com aquele som tradicional das baterias brasileiras dos anos 70. Manito vai introduzindo seus teclados aos poucos, enquanto Pedrão marca o ritmo em seu baixo. Então a belíssima letra, composta por Capitão Fuguete, começa a ser entoada por Pedrão, até alcançar o seu refrão. Após o refrão, uma viagem bem no estilo ELP surge, com Manito mostrando toda sua evolução com a saída dos Incríveis, inclusive fazendo um solo de violino que lembra muito o King Crimson na fase "Lark's Tongues in Aspic" (1973). A música termina com o refrão sendo cantado novamente e uma pequena sessão instrumental. Uma bela canção que mostra como o Som Nosso estava disposto a sacudir a cabeça de muita gente por aí. 


"Bicho do Mato" é a faixa seguinte. Essa já uma faixa mais rock'n'roll, com uma levada bem blues, diferente de "Sinal de Paranóia", mas que tem o seu valor, principalmente pela bela sessão instrumental que encerra a música, onde Manito está muito bem nos teclados. A faixa "O Som Nosso de Cada Dia" faz lembrar "Tarkus" (disco lançado pelo ELP em 1971), com seu início levado na marcação do violão de Pedrão e da bateria de Pedrinho, e na tecladeira comendo solta. Pedrão canta a letra na forma que o deixou marcado como um os grandes cantores dos anos 70, enquanto a cadência de Pedrinho passa a segurança para Manito viajar em seus teclados. É impressionante como Manito havia evoluído instrumentalmente, tanto nos teclados, violinos quanto executando um belo solo de saxofone no fim da canção, e como o trio havia se encaixado com precisão em tão pouco tempo. 


A belíssima "Snegs de Biufrais" encerra o lado A de forma suave e lenta. Para quem não sabe, "Snegs de Biufrais" significa algo como estar muito a vontade, doidão, aberto para coisas novas, que é realmente o que a letra da canção diz.

O lado B abre com a tecladeira de "Massavilha". O moog de Manito novamente se faz presente em um belo solo, acompanhado pela precisão de Pedrão e Pedrinho. Manito alterna o uso de seus teclados como um Rick Wakeman, assim como a música vai alternando diversas variações durante quase três minutos, até mudar para uma sessão mais dançante, que viria a ficar mais presente no segundo álbum da banda, quando Pedrão passa a entoar a letra da canção. Manito dá mais um show nos teclados, totalmente inspirado nos maiores tecladistas da época (seria Manito um deles também? Acho que sim!). 



"Direccion de Aquarius", com o violão de 12 cordas de Pedrão imitando uma cítara, é talvez a mais viajante do álbum. Com letra cantada em espanhol, a canção está apoiada basicamente no violão e nos vocais, no melhor estilo "acenda um incenso e viaje". Essa é uma das canções onde os backing vocais de Marcinha se fazem mais presentes. Uma parte da letra é retomada em inglês, mostrando que o SNCD pretendia fazer vôos mais altos. O álbum encerra com "A Outra Face", cuja introdução lembra bastante a fase dos Mutantes pós-Rita Lee. Porém, a música vira um delírio sonoro, com muitos improvisos, alternando entre momentos mais cadenciados e mais viajantes, até termos a letra da canção de forma que somente o Som Nosso podia fazer, terminando com uma longa sessão instrumental, onde mais uma vez Manito executa um furioso solo de sax.


Outro detalhe importante é sobre a maravilhosa capa do álbum. Elaborada por Agamenon, a capa é uma arte inacabada do mesmo, já que, segundo o próprio Pedrão, Agamanon ficou viajando dias e dias pintando a arte, até que a gravadora exigiu uma capa e teve que ser levado o que já havia sido pintado. A versão original do vinil ainda trazia um belo encarte com uma borboleta que possuía um fotolito por cima, dando um belo efeito (maravilhas brasilis).

A banda passou a ser mais cultuada do que já era, tornando-se atração principal, ao lado dos Mutantes de Serginho, em festivais como o de Águas Claras, onde fizeram uma apresentação fenomenal em meio a uma pane elétrica e iluminados por um belo nascer do sol; Rock da Garoa (festival que contava somente com bandas paulistas) e O Maior Show de Todos os Tempos, o qual marcou o encontro histórico das bandas Som Nosso de Cada Dia, O Terço, Mutantes, Joelho de Porco, Sindicato e Humauaca.


Antes disso, algumas mudanças ocorreram. A principal delas, e que nunca teve uma explicação muito saudável, foi a saída de Manito, levando a alterações até mesmo na composição do grupo, que virou um quinteto. O SNCD mudou de nome, e passou a se chamar apenas Som Nosso. 


Em 1975 uma imensa viagem foi concebida. A banda realizou (e gravou) a ópera chamada "Amazônia", com a intenção de lançar um LP com a mesma ocupando totalmente um dos lados da bolacha. Porém, a gravadora Continental decidiu não lançar essa jóia por ser "anti-comercial" (êta povinho sem cultura!) e o álbum ficou a ver navios. Mesmo assim a banda conseguiu o apoio de amigos e entrou estúdios para gravar o projeto, porém, sem grana, ficaram rendidos nas mãos de quem tinha dinheiro, no caso um amigo mais próximo chamado Toni Bizarro. Na época, Pedrão e Pedrinho já estavam desenvolvendo outros estilos musicais, não ficando somente nas viagens progressivas, mas se adaptando a onda disco music e soul que aparecia por aqui. Em um dos ensaios da banda, Bizarro delirou com o ritmo suingado da banda e decidiu emprestar a grana pros garotos desde que eles gravassem um LP com aqueles sons bem no estilo funk de James Brown (por favor, não confudir com essa m ... que chamam de funk que e desce o morro no Rio).



Com a formação do Som Nosso contando com Pedrão, Pedrinho, Dino Vicente (teclados), Paulinho (teclados) e Rangel (percussão), o resultado foi o álbum Som Nosso, lançado em 1977, e que trazia também a participação de Egídio Conde (guitarra), Tuca Camargo (teclados), Marcinha, Armando e Tony Osanah (vocais). Totalmente diferente de "Snegs", "Som Nosso" já mostra suas diferenças direto na capa, apenas com as letras "Som Nosso" escritas em branco sobre um fundo preto. 


O disco traz onze faixas (quatro a mais que "Snegs") que, sem os teclados de Manito, perderam o brilho e a veia progressiva, mas ganharam, e muito, no swing e no embalo. Divido em dois lados, o Sábado, com sons perfeitos para uma balada de sábado, e o Domingo, com sons mais relaxantes pra curar a ressaca, o álbum se caracteriza por mesclar músicas bem funkeadas com as composições que fariam parte do outro lado do álbum "Amazônia". O resultado foi decepcionante para os fãs de "Snegs", mas, para aquele com a mente mais aberta, agradou, e muito (principalmente pela época em que foi lançado). 


O lado A abre com "Pra Swingar", cheia de metais e super dançante, com Pedrão cantando igual aos velhos tempos. Para aquele que conhecia a banda, foi realmente um choque, mas os embalos da canção fizeram surgir novos fãs. "Levante a Cabeça" parece saída da trilha sonora de "Os Embalos de Sábado à Noite", principalmente pela levada da guitarra e os solos de trompete. "François" é outra com um embalo super swingado. Para aqueles que curtem esse tipo de som, talvez essa seja a faixa que mais agrade em todo o álbum. "Pra Segurar" é um pouco mais rock, mas mesmo assim os metais são presença garantida na canção. "Estação da Luz" retomar os embalos swingados das três primeiras faixas, contando com a bela letra de Tony Osanah. "Vida de Artista" encerra o lado A, destruindo as pernas dos dançarinos de plantão em pouco mais de quinze minutos.


O lado B já mostra como a banda havia trabalhado, e bem, as músicas do álbum "Amazônia". "Bem no Fim" traz os teclados de volta, bem como a batida forte de Pedrinho e o baixão de Pedrão. Mesmo assim, a canção tem uma certa semelhança com o lado A, servindo bem como faixa de transição. "Montanhas" já é bem mais progressiva. O a guitarra e os teclados do início entram em uma sensação bem agressiva da bateria, com um belo duelo de teclados e a marcação precisa de Pedrão. A música muda sua cadência, abrindo espaço para os vocais de Pedrão, como nos velhos tempos. Essa é disparada a mais "Snegs" do álbum. 


"Neblina" começa com uma introdução bem suave da guitarra. Sobre uma camada de teclados, Pedrão canta agonizantemente, de forma única, levando a canção para uma bela sessão instrumental, lenta, improvisional e literalmente chapante. "Água Limpa" também retoma os tempos de "Snegs", com Pedrinho e sua batida forte e uma bela letra de Paulinho Foguete. A música possui uma bela sessão instrumental com improvisos e harmonias de primeira. Por fim,  "Rara Confluência" encerra com muito moog e muita guitarra, misturando tanto o swing do lado Sábado quanto o progressivo do lado Domingo, esse álbum que tocou em muito nas rádios brazucas, principalmente pelas faixas do lado Sábado, mas que sepultou a carreira da banda.

Os anos se passaram, até que em 1993 uma reunião do trio original aconteceu para a gravação da faixa "O Guarani", que entrou como bônus na versão em CD de "Snegs". Mesmo ficando anos sem tocar juntos, Manito, Pedrão e Pedrinho mostraram talento em uma belíssima composição, a qual começa com sons de floresta, flautas, pássaros, e entra em um regime de viagem incomensurável. A banda então começa a entoar os famosos acordes da ópera "O Guarani" de Carlos Gomes, viajando em cima das estrofes da canção.



Em 1994, o grupo se reuniu para dois shows que resultaram no CD "Live 94", mas que infelizmente não tem o mesmo brilho dos álbuns anteriores, mesmo contando com músicas inéditas, como "Tinta Preta Fosca" e "O Amor". Para alguns, a banda parecia um Roupa Nova reformuldo. Nesse álbum participam Pedrão (baixo e voz), Pedrinho (bateria), Manito (flauta e sax), Jean Trad (guitarra) e Homero Lotito (teclados). Pouco tempo depois desses shows, Pedrinho faleceu, deixando órfãos milhares de bateristas no Brasil e no mundo.




Uma onda revival ocorre no início do século atual, culminando no lançamento do maravilhoso álbum À Procura da Essência no ano de 2004. Gravado ao vivo nos anos de 1975-1976, o disco traz versões estendidas e viajantes para diversos sons do álbum "Snegs", bem como partes da ópera "Amazônia", mostrando toda a força da nova formação do SNCD, com o quinteto Pedrão, Pedrinho, Dino, Tuca e Rangel.

Ano passado, Manito voltou a participar de um show com o Som Nosso, agora na Virada Cultural de São Paulo. Tocando ao lado dos Mutantes (e no mesmo horário que eles), O SNCD lotou o Teatro Municipal de São Paulo, emocionando à todos com a interpretação na íntegra do álbum "Snegs".

E, como dito no início da matéria, nesse dia 22 de fevereiro de 2009, em pleno carnaval, a banda será a atração principal do festival Psicodália, em São Martinho (SC), contando com Manito (teclados, sax, flauta), Pedrão (baixo e vocais), Marcelo Schevano (guitarra e flauta), Edson Guilardi (bateria), Fernando Cardoso (teclados) e Thiago Furlan e Jorge Canti (vocais).





Quem puder, vá, pois com certeza, estará vendo e ouvindo uma das mais preciosas jóias do rock nacional.

A tortura e a procura da essência, essa obsessão de chegar!!!
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