terça-feira, 29 de outubro de 2013

Pink Floyd - Dark Side of the Moon: Immersion Box Set [2011]


No dia 26 de setembro de 2011, deu-se início a série “Why Pink Floyd …?”, a qual relançou, em pouco mais de seis meses, o catálogo inteiro do grupo do grupo britânico em diferentes formatos. 

Os lançamentos foram divididos nas fases Discovery, trazendo o álbum original remasterizado, Experience, material gravado ao vivo e/ou demos, relançamento em vinil 180 gr e a Immersion, versão completa contendo todo o material das fases Discovery e Experience, além de material exclusivo, e que até o momento apenas três álbuns receberam essa versão: Dark Side of the Moon (26 de setembro de 2011), Wish You Were Here (07 de novembro de 2011) e The Wall (27 de fevereiro de 2012). A série Discovery saiu no primeiro dia da campanha em álbuns individuais e também em uma caixa única, chamada Pink Floyd Discovery, contendo os quatorze álbuns de estúdio do grupo com nova remasterização e acompanhadas de um livreto com 60 páginas, ilustrado pelo desenhista Storm Thorgerson, responsável por criar a maior parte das ilustrações do Pink Floyd (como as clássicas cenas do filme The Wall, por exemplo).


Discos 5 e 6, Collector's Cards, carta de Roger Waters , ingresso e backstage pass

A versão Immersion de The Wall já foi tratada aqui, e hoje trataremos sobre a versão de Dark Side of the Moon, justificando o tratamento da Immersion pelos atrativos musicais e/ou visuais do box.

Fazendo um breve resumo sobre Dark Side of the Moon, Roger Waters (baixo, vocais), David Gilmour (guitarra, vocais), Nick Mason (bateria) e Rick Wright (teclados, vocais) lançaram esse álbum originalmente em 1973, e revolucionaram a história do rock a partir de então. A inserção de vozes femininas, sintetizadores e programações, junto a uma música de alta qualidade, consagrou clássicos como "Time", "Money" e "Us & Them", isso só para citar alguns. 



O álbum permaneceu por 741 semanas entre os cem mais vendidos na Billboard americana (entre 1973 e 1988), vendendo até a data de hoje um valor estimado de mais de 50 milhões de cópias ao redor do mundo. Portanto, nada mais justo que uma luxuosa caixa como a Immersion.


Bolas de mármore

A caixa em questão possui seis mídias, sendo três CDs, dois DVDs e um Blu-Ray. Diferente da versão de The Wall, o lado musical não é tão atrativo assim. Apesar de a obra registrada em Dark Side of the Moon ser de altíssimo nível, soa incomodativo termos seis mídias diferentes para ouvir sempre o mesmo álbum. 

Sim, é isso que a caixa nos apresenta, Dark Side of the Moon na íntegra, repetido seis vezes. No CD 1, está o álbum na sua versão de estúdio, com uma nova remasterização, e nada mais. O CD 2 é o álbum apresentado em um show no Empire Pool Wembley de Londres, durante a turnê de Dark Side of the Moon, quando o LP era interpretado na íntegra. As canções são em sua maioria em versões maiores, permitindo improvisações e experimentações, principalmente em "Any Colour You Like" e "Money", mas por outro lado, a interpretação para a Maravilhosa "Great Gig in the Sky" peca bastante em relação a versão original.

Daí vem o disco três e começam as decepções. Um DVD somente com o áudio de estúdio em diferentes mixagens é muito pouco. Claro que é interessante brincar com as disposições de áudio oferecidas: 5.1 Surround Sound em 480kbit/s/640kbit/s, versão lançada em 2003; a versão 4.0 Quadrophonic Mix em 480kbit/s/640kbit/s, lançada originalmente em 1973; e LPCM Stereo Mix com remasterização de 2011, em 48 kHz/24bit, que é exatamente a mesma versão que está no CD 1. Uma mídia que cabe diversos minutos gravados ter o mesmo álbum repetido seis vezes, soa como exagero.


Livreto com artes de Storm Thorgerson e as doze artes dos porta-copos


O disco quatro é outro DVD, com bem mais atrativos que o seu antecessor, apesar de não serem muitos. Aqui é apenas vídeo o que rola, ao invés do áudio do disco três, e começa muito bem, com versões ao vivo em Brighton, no ano de 1972, para "Careful With That Axe Eugene" e "Set the Controls for the Heart of the Sun". A primeira foi podada suavemente, mas a segunda está em sua integridade. 

Temos também o documentário Making of The Dark Side of the Moon 2003 (com legendas em português, para aqueles que não são habeis na língua inglesa), narrando um pouco sobre os trabalhos de criação do disco, com entrevista com Roger Waters, David Gilmour, Rick Wright, Nick Mason e Storm Thorgerson, passando música por música em pouco mais de vinte e cinco minutos, e as projeções de tela utilizadas nas turnês britânica, francesa e norte-americana.

As diferenças são poucas, concentrando-se principalmente naquelas que estão presentes em todas as turnês destacadas, que são "Speak to Me", "On the Run", "Time", "Money" e "Eclipse". "The Grea Gig in the Sky" não aparece na turnê britânica, e surge com projeções de fogo na turnê francesa, enquanto na turnê americana as projeções são relativas a água. Aliás, a versão americana é a mais diferente, utilizando mais imagens reais do que ilustrações (como são os casos da parte europeia), e também por incluir projeções em "Us and Them". A maioria das projeções americanas acabaram virando clássicas, e foram resgatadas posteriormente nas turnês de A Momentary Lapse of Reason (1987) e The Division Bell (1994), que ficaram registradas nos vídeos Delicate Sound of Thunder (1988) e P. U. L. S. E. (1995).


Discos 1 a 4, litografia, manta e livro de fotos

O disco 5 é um Blu-Ray trazendo todo o conteúdo dos discos 3 e 4, ou seja, sem nada de novo, e o disco 6 é um CD com a mixagem original das canções de The Dark Side of the Moon,  além das inéditas "The Travel Sequence" e "The Hard Way", a demo de "Us and Them" somente com Wright, a demo de "Money", somente com Waters, e três canções ao vivo em Brighton, 1972 ("The Travel Sequence", "The Mortality Sequence" e "Any Colour You Like". Os discos de 1 a 4 são inseridos dentro da própria caixa, enquanto os discos 5 e 6 possuem envelopes exclusivos para eles.

Por outro lado, a caixona compensa a parte musical com belos atrativos para colecionadores, começando com um livreto de trinta e seis página, ilustradas por Storm Thorgerson, contendo as letras do álbum e diversas imagens inéditas. Também estão presentes um livro de fotos dos integrantes do Floyd, uma litografia com uma arte exclusiva referente à capa do álbum, quatro cartões da série Collector's Cards, com arte e comentários de Thorgerson (inseridos em um envelope exclusivo), réplica do ingresso e backstage pass da turnê de Dark Side of the Moon (inseridos em envelope exclusivo), uma manta para pescoço com a arte da capa do LP, três bolas de mármore (inseridas em uma bolsa exclusiva, remetendo a capa do álbum), doze suportes de copos com as letras P I N K F L O Y D de um lado e artes especiais relativas ao LP do outro lado, um livreto com doze páginas com os créditos da Immersion e uma carta de Roger Waters direcionada aos fãs (inserida em um envelope exclusivo).

O preço é um tanto quanto salgado (em média R$ 200,00 reais em sites de venda como e-bay e amazon), e apesar da parte musical não ser tão convidativa, vale a pena o investimento muito por conta desse material adicional, que para os fãs, sem dúvidas é um grande complemento para um dos melhores discos que a história da música já ouviu.

Todo o material da versão Immersion de Dark Side of the Moon

Track list

Disco 1 (Álbum original com uma nova remasterização)


1. Speak to Me
2. Breathe (In the Air)
3. On the Run
4. Time
5. Great Gig in the Sky
6. Money
7. Us & Them
8. Any Colour You Like
9. Brain Damage
10. Eclipse

Disco 2 (Live at Empire Pool, Wembley, Londres, 1974)

1. Speak to Me
2. Breathe (In the Air)
3. On the Run
4. Time
5. Great Gig in the Sky
6. Money
7. Us & Them
8. Any Colour You Like
9. Brain Damage
10. Eclipse

Disco 3 (DVD-Video - Áudio do álbum original em diferentes mixagens)

5.1 Surround Sound (2003) 480kbit/s/640kbit/s

4.0 Quadrophonic Mix (1973) 480kbit/s/640kbit/s

LPCM Stereo Mix (1973) (2011 Remaster) (48 kHz/24bit) (same as Disc 1)
Disco 4 (DVD-Video - Material inédito e Screens do telão da turnê do álbum)

Careful with That Axe, Eugene (Live in Brighton, 1972)

Set the Controls for the Heart of the Sun (Live in Brighton, 1972)

Making of The Dark Side of the Moon 2003

Concert screen films :

British and French tours, 1974

North American tour, 1975

Disco 5 – (Blu-ray Disc com todo o conteúdo dos discos 3 e 4)

Disco 6 – Previously Unreleased Material

1. Breathe (Previously unreleased early mix of The Dark Side of the Moon)

2. On the Run 
(Previously unreleased early mix of The Dark Side of the Moon)

3. Time 
(Previously unreleased early mix of The Dark Side of the Moon)
4. The Great Gig in the Sky (Previously unreleased early mix of The Dark Side of the Moon)

5. Money 
(Previously unreleased early mix of The Dark Side of the Moon)

6. Us and Them 
(Previously unreleased early mix of The Dark Side of the Moon)

7. Any Colour You Like 
(Previously unreleased early mix of The Dark Side of the Moon)

8. Brain Damage 
(Previously unreleased early mix of The Dark Side of the Moon)

9. Eclipse 
(Previously unreleased early mix of The Dark Side of the Moon)
10. The Hard Way (from the "Household Objects Experiment") 

11. Us and Them (Richard Wright demo)

12. The Travel Sequence (Live in Brighton, 1972)

13. The Mortality Sequence (Live in Brighton, 1972)

14. Any Colour You Like (Live in Brighton, 1972)

15. The Travel Sequence (studio recording)

16. Money (Roger Waters demo)

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Maravilhas do Mundo Prog: Genesis - The Colony of Slippermen [1974]



E chegamos na última Maravilha criada pelo quinteto britânico Genesis durante a formação Peter Gabriel (vocais, flautas), Steve Hackett (guitarras), Tony Banks (teclados, violões), Mike Rutherford (baixo, guitarras, violões, vocais) e Phil Collins (bateria, vocais). Não que realmente esta tenha sido a última Maravilha, pois o álbum em que ela está inserida, The Lamb Lies Down on Broadway (1974) é uma fonte inesgotável de Maravilhas, mas apenas encerrando temporariamente as citações Maravilhosas as canções do grupo nesse período, abrindo espaço para em um futuro (certamente) outras canções do Genesis aparecerem por aqui.

Voltamos então ao ano de 1974, quando o grupo fazia sua primeira grande turnê mundial. Peter Gabriel consagrava-se como um dos maiores performancers daquele momento, utilizando fantasias e fazendo encenações que ilustravam as histórias das canções do grupo. Musicalmente, o quinteto estava afiado, vivendo um momento fantástico através de suas individualidades e também como conjunto.


Phil Collins, Tony Banks, Peter Gabriel, Steve Hackett e Mike Rutherford, em 1975

Selling England by the Pound, o álbum que estava sendo excursionado, havia colocado o Genesis no Top 5 britânico, graças a gema pop "I Know What I Like (In Your Wardrobe)", e tudo parecia correr bem no jardim inglês, até que veio a mais brilhante e ousada ideia da vida de Peter Gabriel: a narração de uma história fictícia envolvendo drogas, alienígenas, Nova Iorque e diversos outros atrativos.

O projeto começou a ser criado de forma inconvencional: Após o término da Selling England by the Pound Tour, o grupo mandou-se para a fazenda Headley Grange (utilizada pelo Led Zeppelin para gravar parte de III, Led Zeppelin e Houses of the Holy), afim de descansar e viver em harmonia, e assim, começar a cômpor o sexto álbum do grupo. 

Porém, a esposa de Gabriel estava passando por uma complicada gravidez, sendo que o bebê, quando nasceu, ficou três semanas na incubadora. Gabriel acabou não indo para a fazenda, e insistiu em criar as letras do novo álbum enquanto o grupo criava a música. A ideia não foi bem aceita, gerando o primeiro atrito na banda, principalmente entre Gabriel e Rutherford, já que o segundo havia proposto outro tema para o álbum, baseado em um conto inspirado na obra O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint Exupéry.


Uma das últimas fotos como quinteto

Enquanto as canções eram criadas em Headley Grange, Gabriel anotava as principais partes da estranha história de Rael, um cidadão com origem porto-riquenha e que vive na cidade de Nova Iorque. Muitos fatos narrados na Maravilhoso e complicado texto da história foram retirados de sonhos que Gabriel teve durante a turnê, os quais ele escrevia logo após acordar, e agrupava de determinada forma que os mesmos só foram fazer sentido para o vocalista durante a turnê de promoção do novo álbum, batizado The Lamb Lies Down on Broadway, um dos mais significativos e importantes discos do rock progressivo.

Ao lado de Tales from Topographic Oceans (Yes), Thick as a Brick (Jethro Tull), The Wall (Pink Floyd) e 666 (Aphrodite's Child), The Lamb Lies Down on Broadway é daqueles raros discos que ou você se envolve com a história e ama o mesmo, ou não entende nada e acaba odiando. No caso específico do álbum do Genesis, a longa (e complicada, como citada anteriormente) história de Rael em busca do irmão John nos túneis subterrâneos de Nova Iorque gera sentimentos opostos, não só pela letra, mas pelas músicas e o estilo diferente que o Genesis surgiu em 1974, quando o LP duplo chegou às lojas.

O grupo praticamente abandonou as longas suítes que eram o foco em Foxtrot e Selling England by the Pound, concentrando-se em canções com pouco menos de cinco minutos de duração, repetições de temas e excesso de sintetizadores, trazendo uma modernidade jamais ouvida no rock progressivo britânico até então (não daquela maneira).


Gabriel, preparando-se para virar Rael

Passear pelos caminhos percorridos por Rael é um desafio literário que não me atrevo a fazer nesse momento. O próprio Gabriel, autor da história, só conseguiu compreender e contar a mesma de forma clara anos depois do disco já ter sido lançado. Porém, um resumo tornasse necessário para entendermos o que ocorre na nossa Maravilha de hoje.

O álbum começa portanto com Rael pelas ruas de Nova Iorque, um jovem delinquente, que faz pichações em metrôs e paredes tentando provar a si mesmo que sua origem caribenha não é algo a ser temido.

Repentinamente, uma nuvem negra transforma-se em um estranho balão que pousa no meio da Times Square, na rua 47, virando uma superfície rígida na qual mostra imagens de um outro mundo, expostas de forma tridimensional. A tela avança sobre Nova Iorque, sugando tudo o que vê pela frente, inclusive o próprio Rael.

Nosso herói cai no mundo subterrâneo dos alienígenas, em uma espécie de caverna, e lá passa por diversos apuros que são narrados nos mais de noventa minutos de duração do disco. A principal interrogação na história é se o que acontece é um sonho de Rael, uma alucinação ou realmente, todas as aventuras (e desventuras) de The Lamb Lies Down on Broadway estão ocorrendo.


Rael, o punk rebelde abduzido por alienígenas

O fato é que na caverna, Rael acaba vendo seu irmão, John, enquanto está aprisionado em uma jaula construída por estalagmites e estalactites. Ele clama por socorro, mas seu irmão foge do local ("In the Cage"). Após livra-se da jaula, Rael parte em busca do irmão em uma jornada na qual ele conhece seres inanimados (A "The Great Parade of Lifeless Packaging", exposição para compra de pessoas normais que foram abduzidas e ficaram sem movimentos), tenta uma fuga frustrada através de uma câmara com trinta e duas portas ("Chamber of 32 Doors"), tem um encontro com a morte (com "Here Comes the Supernatural Anaesthetist"), e envolve-se em um relacionamento amoroso com sereias répteis ("The Lamia") que é o ponto chave para a chegada na Maravilha de hoje.

Durante "The Lamia", uma horripilenta relação sexual ocorre. As Lâmias (três sereias répteis com cabeças pequenas e seios de mulheres) estão em um lago de água rosada, com paredes cobertas de veludo e decorado com peças de ouro, local esse que aparece após a fracassada tentativa de voltar para a superfície. Ao ver as Lâmias, uma paixão incontrolável toma conta de Rael, que não resiste ao convite das sereias para provar a água do lado. Ao beber a água, gotas fluorescentes azuis brotam da pele de Rael, sendo as gotas lambidas pelas Lâmias, que envolvem o corpo de Rael como uma jiboia prestes a abocanhar sua presa.


Rael, entregando-se para as Lâmias

Entregue à sedução das Lâmias, Rael não sente mais seu corpo, e mal percebe quando elas começam a morder seu corpo, arrancando gotas de sangue. O sangue é um veneno para as sereias, que começam a tremer, levando-as a morte. Em uma tentativa desesperada de trazer as lâmias de volta, Rael come os corpos das sereias, e abandona o lago através de uma passagem escura, que o leva para um bairro bizarro.

Essa é a colônia dos Slippermen, e a chegada na colônia é a primeira parte da Maravilha, chamada "The Arrival". A canção surge com barulhos do moog e notas da guitarra, em um clima oriental, além de uma percussão imitando gotas, simulando a caverna das Lâmias da qual Rael está saindo, chegando então na colônia dos Slippermen.

Os Slippermen são monstrengos, figuras destorcidas grotescas, com o corpo cheio de partes inchadas e partes que estão em carne viva. Os lábios grossos envolvem boa parte da face, e uma gosma melequenta escorre pelas mãos e pés da criatura. É assim que Rael os narra no início durante as duas primeiras estrofes da canção, trazendo o órgão de Banks intercalando notas, enquanto Hackett dedilha a guitarra e a cozinha Rutherford/Collins constroí uma complicada base, com uma quebrada que demora para nossa mente assimilar.

Na segunda estrofe, Rael conta da aproximação de um dos seres. É interessante que na parte vocal,  Gabriel tem a companhia dos vocais de Collins nas últimas sentenças de cada estrofe, dando um ar ainda mais festivo para o andamento cômico que leva os vocais. O saudoso Slipperman pede para Rael não ficar assustado, que todos são do bem, e que o que ele está vendo nada mais é do que sua própria figura, pois todos são iguais. A voz de Gabriel durante esse trecho é arrastada e nojenta, como de uma cobra falando nos filmes de história infantil, e nesse momento, "The Colony of Slippermen" ganha novos rumos com a entrada do moog.

A sequência de notas decrescentes no moog é acompanhada por marcações de guitarra, baixo e bateria, enquanto Rael se pergunta: "Eu? Igual a você? Desse jeito?". O moog agora faz uma escala saltitante, enquanto a base guitarra, baixo e bateria, gera um tema tenso, de apreensão. O Slipperman tenta acalmar Rael, e mostra John entre os vários moradores da colônia. É o início da segunda parte de nossa Maravilha: "A Visit to the Doktor"


Rael, prestes a entrar na colônia dos Slippermen

O Slipperman (Gabriel agora com a voz normal) apresenta a colônia. conta para Rael que todos que ali estão passaram pela mesma situação com as Lâmias, e que elas sempre se regeneram, mas por outro lado, o cidadão envolvido emocionalmente com as Lâmias acaba ficando daquele jeito (deformado). Rael e John lamentam a situação, mas o Slipperman informa que a única saída para livrarem-se da amarga vida de satisfazer a fome de emoções das Lâmias é visitar o temido Doktor Dyper, o qual tem a solução para os problemas: a castração. Ambos acabam concordando que é melhor estar castrados, e vão até o doutor, que o alerta: "É o fim do seu pênis" (Gabriel faz uma voz rouca para interpretar o doutor), mas Rael consente com a castração e encara a mesa de mármore do doutor. 

Esse trecho musical é uma das partes mais belas de The Lamb Lies Down on Broadway. A voz cristalina de Gabriel personaliza-se entre as mágicas notas do moog de Banks, que é um espetáculo a parte na canção. As quebradas marcações de Hackett, Rutherford e Collins fazem a tensão aumentar ainda mais, e Gabriel esbanja dramaticidade para interpretar a agonia de Rael. O moog faz um breve tema, repetido quatro vezes com uma marcação pesada do trio citado anteriormente, destacando as viradas de Collins.


Rael e as Lâmias (esquerda), como Slippermen (centro) e
recebendo seu membro após ser castrado
, com o corvo surgindo ao fundo (direita)

Resistindo a operação, recebem tubos plásticos amarelos esterilizados, na terceira e última parte de "The Colony of Slippermen", chamada "Raven". Os tubos contém o membro decepado de cada um, e ambos devem ser carregados ao pescoço, mas repentinamente, um corvo gigante surge no local.

O moog volta a saltitar notas, enquanto bateria e baixo mantem um ritmo cavalgante. Além disso, uma estridente guitarra executa algumas notas ao fundo, até o aparecimento do corvo, que é o solo central de "The Colony of Slippermen", com Banks mandando ver no moog naquele que é considerado, ao lado de "The Cinema Show", o solo mais marcante da carreira do tecladista. Sem virtuosismo, Banks apenas desliza seus dedos pelas teclas do moog, fazendo uma sutil escala, praticamente marcial, que ganha força com a entrada do órgão, e claro, com as viradas e batidas de Collins. 

O corvo rapta o tubo de Rael, que decide perseguir a ave, para ver aonde a mesma irá aterrisar. Talvez seja a saída daquele local. Rael insiste para John segui-lo, mas John responde, dizendo que não irá segui-lo, e foge do local, abandonando Rael mais uma vez. Nesse trecho, o andamento é o mesmo da parte inicial de "Raven" durante o momento do rapto, e a fuga de John possui o mesmo andamento de "The Arrival", com Collins e Gabriel dando um espetáculo de vocalizações.

Rael persegue a ave, e ruma em direção a possível saída, dando tudo o que pode para acompanhar o ritmo frenético do corvo, que acaba soltando o tubo em um lago localizado abaixo de uma grande ribanceira, impossível de ser escalada, e mais uma vez, o medo e a agonia tomam conta de Rael. Aqui, a parte musical é a mesma de "A Visit to the Doktor", mostrando a genialidade maravilhosa de "The Colony of Slippermen", quando suas três partes acabam fundindo-se em uma única e sólida composição.


Que figura bizarra é essa? Uma das fantasias mais marcantes de Peter Gabriel: Slipperman

Rael amargura novamente aonde está, e ouve vozes que não sabe diferenciar se são reais ou sonho. Ao mesmo tempo, ouve gritos desesperados de John, boiando no lago. Rael mostra mais uma vez sua simpatia pelo irmão, e arrisca-se jogando-se do desfiladeiro no lago, que na verdade é um rio, o qual arrasta o corpo de John. Rael agarra-se a uma pedra, e consegue resgatar John, mas, ao ver o rosto do irmão, enxerga a si mesmo. John está morto, e Rael também irá morrer. Ambos os corpos começam a se desmanchar em formato de uma neblina, até dissolverem-se completamente, ficando no ar como uma venenosa e intoxicante precipitação. É o fim de uma das melhores obras da música em todos os tempos.

Com exceção da faixa de abertura, que é a faixa-título, todo o resto do álbum é narrado em primeira pessoa, ou seja, Rael está contando a história, o que deixa a dúvida se realmente ele presenciou os fatos ou os mesmos eram sonhos (ou alucinações) que esteve em sua mente.

A parte teatral de The Lamb Lies Down on Broadway foi o auge da carreira performática que o grupo apresentou nos palcos. A disposição era simples, com quatro pequenas elevações estavam dispostas: duas para Gabriel, uma para Rutherford e uma para Hackett. Cada detalhe do palco, como andaimes e cornetas dos alto-falantes, era pintado de preto, com a intenção de absorver o máximo possível de luz, preservando a imagem de Gabriel (ou Rael). 

Além disso, o Genesis apresentou uma grande novidade na época: um enorme telão que imitava a capa do álbum, contando com três diferentes projeções. Neste telão, 1.450 slides diferentes, distribuídos em 18 cassetes, eram projetados por projetores no estilo carrosel (os mais jovens não sabem do que eu estou falando, certamente), que ficavam  localizados atrás da banda.


O palco do Genesis durante a Maravilha de hoje

A intrincada engenhoca era conduzida por Dave Lawrence, que seguia fielmente uma sinopse com três páginas dizendo quais slides deveriam aparecer em determinadas parte de uma canção que estava sendo apresentada. Os cassetes eram sempre modificados nos intervalos, onde Gabriel seguia a narrativa da próxima etapa (ou lado) do álbum. Obviamente, em muitos lugares a sequência não deu certo, mas mesmo assim a visão que se tinha daqueles slides era impressionante. Pela primeira vez o público experimentava a sensação de estar ao mesmo tempo em um cinema e num show de rock.

Por fim, as fantasias de Gabriel tornaram-se caprichadíssimas. Travestido de Rael, ele encarnou o personagem de forma única. No início das apresentações, Rael surge apenas com jaqueta e calça de couro, a cara pintada com forte maquiagem negra e cabelos curtos, e com o passar do espetáculo, ele tira a camisa, canta e toca flauta deitado em um canto do palco e também faz jogo de sombras com uma fantasia que lembra uma árvore. 

O ápice das apresentações ficava exatamente para a sequência "Lamia" e "The Colony of Slippermen". Em "Lamia", Gabriel surgia envolto por um gigante cone, com pinturas de cobras e textura de pele de réptil, a qual circundava o vocalista, ora girando para a esquerda, ora para a direita. 


A bizarra figura de Rael como Slipperman
Após alimentar-se das sereias, uma imensa bolha vermelha era iluminada embaixo do teclado de Banks. Dentro dela, uma estranha forma rasteja em direção a plateira. É Rael transformado em um Slippermen. A aparência é simplesmente horripilante, com uma grande cabeça, olhos esbugalhados, cheia de bolotas e imperfeições, dentre elas uma gigantesca genitália. A representação acabou marcando a carreira de Gabriel como mais uma fantasia importante na sua carreira, ao lado do velhinho de "The Musical Box", o Homem-morcego de "Watcher of the Skies" e o Homem-flor de "Supper's Ready".

Em termos de vendas, The Lamb Lies Down On Broadway alcançou a posição 10 no Reino Unido. Os americanos demoraram a absorver a ideia de Gabriel, com o disco alcançando somente a posição 41, o que não significa nada perto da exposição que o trabalho veio a sofrer após seu lançamento, tanto que na própria América o álbum veio a receber disco de ouro (500 mil cópias vendidas) no dia 20 de abril de 1990, fato que já havia ocorrido na Inglaterra em 01 de fevereiro de 1975.

Terminada a turnê, Gabriel anunciou para os colegas sua saída do grupo. Ele ficou afastado dos palcos por pouco mais de um ano, voltando a cena em 1977 com uma carreira solo de muito sucesso (fantasias e encenações teatrais). Apesar de terem sidos pegos de surpresa, para o quarteto restante foi um alívio sair das pressões e inseguranças de Gabriel, que lamentava e chorava muito após as apresentações, exausto e confuso sobre o período de sua vida.


Gabriel, seguindo sua vida pós Rael

O Genesis continuou com Collins nos vocais, e ainda lançou dois bons discos como um quarteto, A Trick of the Tail (1976) e Wind and Wüthering (1976), cada uma contendo pelo menos uma candidata a Maravilha Prog: "Ripples" no primeiro e "Unquiet Slumbers for the Sleepers…” / “… In that Quiet Earth" no segundo. Depois, Hackett seguiu carreira solo e o Genesis seguiu como um trio, peregrinando para um mundo pop que fez da banda uma das mais bem sucedidas nas paradas mundiais, vendendo como água, mas muito longe dos áureos anos quando Gabriel esteve à frente dos vocais, gerando Maravilhas Prog com muita naturalidade, período esse que é sonhado pelos fãs até hoje, agonizando e implorando por um retorno aos palcos desses incríveis e talentosos músicos. 

Em novembro, começamos nossa turnê pelas Maravilhas do Yes, com especial atenção para o mês de dezembro, quando iremos comemorar os quarenta anos de Tales from Topographic Oceans.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Os Mutantes - Fool Metal Jack [2013]



Tem coisas que nem Freud consegue explicar, e uma delas, é a mentalidade das produtoras nacionais. Afinal, se perguntarmos para qualquer pessoa que aprecie rock em nosso país qual é a banda mais importante da história do rock nacional, 9 entre 10 delas irão certamente responder: Os Mutantes.

Desta forma, é incompreensível que NENHUMA GRAVADORA tenha se prestado a registrar e lançar o novo álbum do guitarrista Sérgio Dias e cia. E isso não é novidade. Depois do estardalhaço do retorno do grupo com Arnaldo Baptista (teclados, baixo, vocais) e Dinho Leme (bateria, percussão) durante um festival homenageando os 40 anos da Tropicália, realizado em Londres no ano de 2006, e registrado no essencial Live at Barbican Theater, 2006 (com Zélia Duncan nos vocais), muita água rolou, até que em 2009, após a saída (novamente) de Arnaldo do grupo, foi lançado lá fora o álbum Haih ... or Amortecedor, mostrando que o novo Mutantes nada mais era do que uma sequência da carreira solo de Serginho nos anos 2000, mas mesmo assim, capaz de honrar o nome do grupo nos inúmeros shows que se seguiram mundo afora.


Mutantes em Portland


O grupo só veio se apresentar no Brasil em 2010, e Haih ... or Amortecedor só chegou nas lojas brazucas no inverno de 2010, quase um ano depois de ter sido lançado mundialmente, trazendo ainda dois bônus, mas que não conseguiram chamar a atenção dos fãs, nem na série de shows que rodou o país, com públicos bem diminutos perto da grandeza da banda. Enquanto isso, lá fora a banda continuava a se apresentar praticamente sem parar. 

O tempo passou e, em meados de 2012, foi anunciado que o grupo apresentaria-se no festival Psicodália, com a mesma formação que gravou o singular Tudo Foi Feito Pelo Sol (1974), um dos álbuns mais importantes do rock progressivo nacional, e que foi interpretado na íntegra na noite de 30 de dezembro de 2012, em um show marcante para os que o presenciaram.

Formação que gravou Fool Metal Jack: Vinícius Junqueira, Amy Crawford, Sergio Dias,
Esmeria Bulgari, Vitor Trida e Ani Cordeiro

Quando todos achavam que o retorno ao progressivo iria acontecer, eis que a banda, que oficialmente transferiu-se para Las Vegas, após receber o prêmio grammy Latino de Música na categoria Melhor Álbum de Rock (o já citado Haih ... Or Amortecedor), em 30 de abril desse ano, o site oficial da banda anuncia um novo disco.

Lançado naquele momento somente nos Estados Unidos através do selo Krian Group, e também via streaming no site oficial da banda semanas antes, Fool Metal Jack chegou ao resto do mundo graças a divulgação deste link. Na formação, estão Ani Cordeiro (bateria), Vinícius Junqueira (baixo), Esmeria Bulgari (voz), Vítor Trida (guitarra, teclados, flauta, viola, violino) e Amy Crawford (teclados), além de Sérgio nas guitarras, Sitar e vocais.


Sergio Dias, em Austin


No dia 27 de abril Os Mutantes já estavam em turnê pelos Estados Unidos, realizando doze shows entre esta data e o dia 11 de maio, seguindo posteriormente para a Europa, enquanto os fãs curtiam o novo álbum. Certamente, não podemos compará-lo nem com a genial fase do grupo com Rita Lee nos vocais e tão pouco com a fase progressiva dos anos 70, mas ouvindo o álbum sem preconceito, somos surpreendidos por um bom disco.

Claramente Os Mutantes viraram a banda de acompanhamento de Serginho, que comanda todos os passos das doze canções aqui registradas fazendo uma sequência digna para seu álbum antecessor. Porém, em Fool Metal Jack, alusão ao filme Full Metal Jacket (Nascido Para Matar) de Stanley Kubrick, lançado em 1987, estão inseridos diversos elementos que consagraram o grupo mundo a fora, como o experimentalismo e principalmente, a estridência da guitarra de ouro de Sergio Dias.

Como o disco foi lançando visando o mercado internacional, temos apenas uma canção em português, no caso "Eu Descobri", composição de Gilberto Gil em parceria com Sergio Dias e Vinícius Junqueira, cantada por Esmeria, e que por conta disso, é facilmente assimilada pelos admiradores de discos como Os Mutantes e A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado

No mais, dez canções com letras inglês, e que nos remetem para diversos álbuns do grupo, mas com uma cara muito própria, indo da linda experimentação de "The Dream is Gone", passando pelo peso absurdo do baixo na experimental faixa-título, peso esse presente também no riff de "Piccadilly Willie". 


Vitor Trida, Vinícius Junqueira, Esmeria Bulgari e Sérgio Dias, no clipe de "Look Out"

As viagens acúsicas "Time and Space" e "To Make it Beautiful" parecem saídas de Technicolor, e temos ainda espaço para recordar a fase progressiva da banda, através da complicada "Once Upon a Flight", ou então na inspirada "Bangladesh", com Serginho dando um show ao violão. 

Destaques positivos para "Look Out", cantada por Vitor e que inclusive ganhou um video-clipe, e que com certeza, a introdução feita por Ani é demolidora, em uma canção que nos remete diretamente aos Mutantes da época de Jardim Elétrico, "Valse LSD", dueto vocal entre Sergio e Esmeria recheado de psicodelia, e a encantadora "Into Limbo", com um show a parte das flautas. 

Claro, tem também um pequeno deslize, no caso a latinidade de "Ganjaman", totalmente desnecessária, mas que não afeta o aspecto geral do álbum de um novo grupo, com todas as características do passado, mas sem ser o mesmo grupo do passado, algo que diversas outras bandas também acabaram fazendo, ou seja, adaptaram-se para um novo mundo, novos fãs e novas possibilidades de divulgar sua música (caso de bandas como UFO, Uriah Heep, Saxon, entre outros).

Depois da gravação de Fool Metal Jack, houve mais uma reformulação no grupo, com a entrada do baterista Claudio Tchernev e do tecladista Henrique Peters, e são eles que passaram a excursionar muito recentemente pelo país. Porém, no último dia 12 de outubro, o grupo voltou a apresentar Tudo Foi Feito Pelo Sol na íntegra, em um show na cidade de Belo Horizonte, e parece que mais datas com esse formato irão surgir.

Qual é o futuro de Os Mutantes?, nem Sergio Dias sabe. O que podemos afirmar é que Fool Metal Jack não é o melhor disco do grupo, mas é um dos bons lançamentos de 2013, um pouco acima de Haih ... or Amortecedor,  mostrando que mesmo sendo uma invenção sobre si mesmo, o time que está jogando, apesar de não estar ganhando muito, continua batendo uma bolinha redondinha.

Contra-capa do CD


Track list

1. The Dream is Gone
2. Fool Metal Jack
3. Piccadilly Willie
4. Ganjaman
5. Look Out
6. Eu Descobri
7. Time and Space
8. To Make it Beautiful
9. Once Upon a Flight
10. Into Limbo
11. Bangladesh
12. Valse LSD

sábado, 12 de outubro de 2013

40 Anos de Selling England By The Pound




Qual é o grande álbum do Genesis? Se você perguntar para fãs do grupo britânico, nove a cada dez deles irão certamente responder que o grande álbum do grupo é seu quinto disco de estúdio, Selling England by the Pound, que hoje completa quarenta anos. Foi neste disco que Peter Gabriel (voz, flautas, percussão), Tony Banks (teclados, violões, mellotron, órgão, piano), Mike Rutherford (baixo, violões, voz), Steve Hackett (guitarras, violões) e Phil Collins (bateria, percussão, voz), conquistou o mercado mundial, entrando nas listas de mais vendidos e consolidando-se como um dos mais importantes grupos do rock progressivo mundial.

O álbum é marcado por uma sequência de crescendos que começaram dois anos antes, com o lançamento de Nursery Cryme, e a consagração dos shows do grupo na turnê de Foxtrot, quando Gabriel resolveu recriar as canções do grupo em cima do palco, através de fantasias e encenações teatrais, sendo o auge das apresentações a execução da suíte "Supper's Ready", na qual, após diversas mudanças de fantasias, Gabriel voava sobre o palco amarrado em cordas, ou então acendia luzes ultravioleta, bem como explosões, que chocavam as plateias com as novidades.


Dois momentos de Gabriel "voando" pelo palco durante "Supper's Ready"

Só que musicalmente, o grupo ainda buscava um formato, uma direção. Apesar do sucesso de "Supper's Ready", muitos julgavam que a figura de Gabriel estava carregando os demais, e foi com o objetivo de apagar essa imagem que o quinteto trancou-se nos estúdios, e durante todo o mês de agosto de 1973, após muito trabalho, pariram composições que marcaram o rock progressivo, e ainda, conquistaram uma geração de jovens com um pop sutil, praticamente brega, mas que alavancou as vendas do grupo em 100%, e colocou-os no mesmo patamar dos já gigantes King Crimson, Yes, Pink Floyd e Emerson, Lake & Palmer.

Através das oito canções do LP, percebemos o como a banda cresceu e amadureceu, saindo do beat-rock dos pubs londrinos no início de sua formação, as experimentações acústicas de Trespass, até chegarmos na mistura (perfeita, diga-se de passagem) do acústico com o elétrico apresentada nos álbuns Nursery Cryme e Foxtrot.

Britannia, fantasia de "Dancing With the Moonlit Knight"

Todas essas características condensam-se em Selling England by the Pound, a começar por "Dancing with the Moonlit Knight", uma das obras-primas da carreira do Genesis, com mais de oito minutos de duração, criticando e ironizando a sociedade inglesa, e que havia chegado no formato de compacto no dia 03 de agosto de 1973. Um dos principais clássicos da carreira do grupo surge com Gabriel a capella, que alterna-se entre uma introdução acústica típica de gemas como "The Musical Box" e "Supper's Ready", para uma sessão instrumental pesadíssima, com um solo espetacular de Hackett, empregando técnicas como arpejos, tapping e tremolo, além de uma cozinha fabulosa feita por Collins (um dos bateristas mais injustiçados da história do rock) e Rutherford. Destaque também para a utilização pela vez primeira do sintetizador 8 Voice Choir, simulando um coral.

A canção responsável por subir as vendas do Genesis vem na sequência, no caso, "I Know What I Like (In Your Wardrobe)", um pop assustador, jamais ouvido nos discos anteriores do grupo, contando a história do jardineiro contratado para fazer o Groundskeepin (aquela jardinagem estética eternizada no filme Eduardo, Mãos de Tesoura, de 1990), e cuja letra foi inspirada na capa do álbum. Esta foi a última canção a ser composta para Selling England by the Pound, e é a única canção do grupo a contar com o Sitar, instrumento que no álbum foi tocado por Rutherford. O refrão cheio de vocalizaões, o sintetizador ARP Pro Soloist de Banks e as percussões e barulhos de Collins já indicavam as mudanças que estariam por ocorrer no Genesis, e eu particularmente considero esta a canção mais fraca do LP.

Gabriel como o jardineiro de "I Know What I Like (In Your Wardrobe)" (Tony Banks ao fundo)
Por outro lado, na terceira faixa do LP, o Genesis nos propicia a Maravilha "Firth of Fifth", a canção sobre o rio que deságua no ocenao, e que é uma aurora boreal espalhada pelo mundo através das notas saltitantes do piano na introdução e do arrepiante solo de Hackett na parte central, além de uma performance perfeita de Gabriel na flauta. A mistura de sonoridades da canção cativa, e desconheço fã do grupo que não goste dessa canção criada por Banks.

O lado A é concluído com a balada "More Fool Me", uma rara especiaria concebida pela cozinha da banda, e tendo apenas Rutherford ao violão e Collins nos vocais. O interessante dessa canção é que ela é a segunda a ter os vocais de Collins exclusivamente. Ninguém imaginava que dois anos depois, ele tornaria-se o vocalista principal do grupo. 

O lado A de Selling England by the Pound
É no lado B que Selling England by the Pound mostra sua força. Para começar, é um lado mais longo que o normal, com quase meia hora de duração (vinte oito minutos e quarenta segundos), com duas mini-suítes que entraram rapidamente entre as preferidas da banda. Uma delas é a que abre o lado B, "The Battle of Epping Forest". A história das gangues rivais disputando território é marcada pelas mudanças tonais na voz de Gabriel, e também pelo andamento veloz da mesma, além das diversas variações de melodias.

No total, são doze mudanças de andamento ao longo dos quase doze minutos da canção, saindo da marcha de guerra da introdução, e passando pelo baixo sacolejante do início da letra, as vocalizações do refrão, os eletrônicos da parte central, com destaque certamente para as escalas jazzísticas de Rutherford, os curtos solos de Banks e Hackett e claro, a interpretação única de Gabriel no trecho final da canção, encarnando diversos personagens das gangues. Os teclados de Banks, cada vez mais eletrônicos, também chamam a atenção, sendo que é essa sonoridade dos teclados que iriam marcar a carreira do Genesis pós-saída de Peter Gabriel.

Segundo os músicos da banda, essa é a canção mais complicada e de difícil interpretação que o grupo gravou, seja pela enorme letra da canção (quatorze parágrafos, quase todos com mais de cinco sentenças), quanto pelas quebras de ritmo e mudanças atonais que a canção possui. Tanto que após a turnê de Selling England by the Pound, ela nunca mais foi apresentada ao vivo., mas mesmo assim, ficou eternizada como uma das melhores canções do grupo.

O Reverendo de "The Battle of Epping Forest"
"After the Ordeal" é uma linda canção instrumental, na qual Hackett exibe-se em duas partes distintas, a primeira no violão clássico, acompanhado por um virtuoso arranjo de piano, e depois na guitarra, acompanhado pelo órgão, baixo e bateria, e sobre um suave andamento, arrancar lágrimas de sua Les Paul, comprovando que era capaz de soar ainda mais melodioso e dramático do que os solos de David Gilmour (Pink Floyd).

Ainda vem mais. A segunda canção mais longa da carreira do grupo, com doze minutos e treze segundos de duração, roda tranquila na vitrola, sob codinome "The Cinema Show", e dividida em duas partes. Muitos a tem como a principal rival para "Supper's Ready", e realmente, "The Cinema Show" é uma épica canção, repleta de variações, foi inspirada no livro The Waste Land, de T. S. Eliot, e narra a história de Romeo e Julieta (nomes advindos dos personagens de Shakespeare), com Julieta sendo uma típica dona de casa e Romeo um pobre homem apaixonado por sua mulher, destacando a força do amor de duas pessoas destinadas a se apaixonar.

A história é contada como uma sátira a um trecho do poema de T. S. Elliot, na qual o personagem Tirésias vive um tempo como homem e depois como mulher, afim de descobrir qual dos dois sente mais prazer durante a relação sexual. As alusões estão presentes na citação "There is in fact more earth than sea" e em outras passagens da letra.

Ela começa sua primeira parte com um lindo arranjo de violões que nos remete diretamente para "Stagnation". A voz de Gabriel soa diferente, mais angustiante, e as vocalizações de Collins dão mais dramaticidade para a canção. A guitarra de Hackett aparece com efeitos, e a mistura com o dedilhado dos violões, além de vocalizações, fazem um contra-ponto com o que já havia sido apresentado em "Supper's Ready", talvez por isso que os fãs tanto dividem-se entre ambas.

Cédula fabricada para divulgação de Selling England by the Pound

O trecho instrumental, na qual um solo de flauta é apresentado, faz uma viagem por caminhos cibernéticos de altíssima codificação, com os instrumentos comunicando-se diretamente com cada um dos neurônios do ouvinte, colocando-os em ressonância de maneira prazeirosa, atingindo o clímax pré-orgásmico nas vocalizações que encerram a primeira parte são daquelas para serem entoadas em praça pública por uma multidão de pessoas.

O grande momento de prazer proporcionado por "The Cinema Show" fica por conta do longo solo de sintetizador executado por Banks na segunda parte da canção. Ele domina seu ARP Pro Soloist com uma agilidade incrível, passeando seus dedos pelas teclas enquanto Collins e Rutherford comandam o andamento veloz. A melodia do tema que faz a ponte do solo foi cantada a exaustão pelos fãs por onde o Genesis apresentou a canção, e "The Cinema Show" acabou sendo eleita como a melhor performance da carreira de Banks, taco-a-taco com "In the Cage (The Lamb Lies Down on Broadway).

Mike Rutherford, Phil Collins, Peter Gabriel, Steve Hackett e Tony Banks

Por fim, "Aisle of Plenty" retoma os andamentos de "Dancing With the Moonlit Knight", com o 8 Voice Choir soando forte enquanto Gabriel comenta seus caminhos por corredores de supermercado, mas o mais importante é o sentido de loop que o tema de "Dancing With the Moonlit Knight" deixa, com o fim do álbum sendo exatamente o início (assim como foi em In the Wake of Poseidon, do King Crimson).

Os efeitos no início e no final de "I Know What I Like (In Your Wardrobe)", simulando um cortador de grama, foram criados através de um mellotron, e quem é responsável pelos mesmos foi Gabriel, o qual brincava no instrumento enquanto Banks estava no banheiro. O single da canção (tendo "Twilight Alehouse" no lado B) alcançou o décimo nono lugar nas paradas inglesas, e chegou a ter um video-clipe para promovê-lo no programa Top of the Pops. Foi o maior sucesso comercial da era Gabriel.

Selling England by the Pound foi o primeiro disco do Genesis a alcançar o Top 5 da parada britânica chegando na terceira posição (septuagésima nos Estados Unidos, aonde conquistou ouro dezesseis anos depois). O grupo fez uma das mais longas turnês de sua carreira, começando no dia 06 de outubro de 1973 na cidade de Manchester, Inglaterra, passando por apresentações na Escócia, Inglaterra, Canadá e Estados Unidos (os dois últimos entre novembro e dezembro de 1973), novamente a Inglaterra, destacando seis noites seguidas no Drury Lane Theatre de Londres, entre 15 e 20 de janeiro de 1974, Holanda, Bélgica, Suíça, Alemanha, Itália, França (os dois últimos em fevereiro de 1974) e finalizando com uma longa excursão pela América do Norte entre os meses de março e maio de 1974, totalizando noventa e oito shows em sete meses (uma média de um show a cada dois dias).

Um pouco mais da fantasia Britannia


Nessas apresentações, além das já conhecidas fantasias do homem-morcego em "Watcher of the Skies" (que abria os espetáculos), o velhinho de "The Musical Box" e as diversas fantasias de "Supper's Ready", quatro novos personagens adentraram para o contidiano de Gabriel em cima dos palcos. O mais famoso deles foi o Britannia, personagem que surgia na abertura de "Dancing With the Moonlit Knight" na qual Gabriel usava um capacete de Dragão Inglês, uma armadura com a bandeira do Reino Unido e um tridente. As vezes, um escudo com a bandeira do Reino Unido pintada nele, também era utilizado.

Outros personagens famosos foram o jardineiro de "I Know What I Like (In Your Wardrobe)", com Gabriel utilizando apenas um chapéu de jardineiro, e O Reverendo de "The Battle of Epping Forest", personagem que aparecia no meio da canção tentando apaziguar as gangues, com Gabriel utilizando uma meia cobrindo sua cabeça e face, além de gravata, um colete e (as vezes) uma cartola, sendo que no início e no final da canção, Gabriel surgia apenas com a meia cobrindo sua face, todo vestido de preto e percorrendo pelo palco fazendo encenações em alusão à letra da canção.

A capa do álbum foi pintada por Betty Swanwick, e se tornou uma das mais célebres capas do rock progressivo. Vale a pena chamar a atenção que a pintura original, chamada "The Dream", não contém o cortador de grama, que foi inserido pela banda como uma alusão para "I Know What I Like (In Your Wardrobe)". No Brasil, a contra-capa do LP apresenta as letras das canções, sendo nosso país o único a conter essa contra-capa, já que as letras nos demais países vinham impressas em um encarte que acompanhava o vinil. Assim, a versão brazuca é bastante procurada pelos estrangeiros.
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Diferentes capas do compacto de "I Know What I Like (In Your Wardrobe)" ao redor do mundo:Estados Unidos (acima), Japão (centro) e Reino Unido (abaixo).


Por fim, existe na internet um CD Duplo (pirata, claro) chamado Selling England By the Sessions (1972-1973), que traz diversos takes de gravações do álbum, com destaque para os ensaios de "The Battle of Epping Forest", mostrando detalhes que corroboram o fato da canção ser especialmente intrincada, e também versões inicias para "Firth of Fifth", "The Cinema Show", "Dancing With the Moonlight Knight", além de mixagens e versões alternativas para "I Know What I Like (In Your Wardrobe)", "After the Ordeal" e "More Fool Me". Com certeza vale a pena buscá-lo para se ter um pouco de ideia do que rolava nos estúdios durante a gravação do álbum.

A fama do Genesis não parou de crescer a partir de então, e a curva exponencial que mandava no sucesso da banda atingiu seu platô no álbum seguinte, The Lamb Lies Down on Broadway, com mais uma gigantesca turnê e que levou a saída de Gabriel. Mas isso é história para quando comemorarmos os quarenta anos desse Maravilha de disco.


Contra-capa da versão inglesa


Track list



1. Dancing With the Moonlit Knight

2. I Know What I Like (In Ypur Wardrobe)

3. Fifth of Firth

4. More Fool Me
5. The Battle of Epping Forest
6. After the Ordeal
7. The Cinema Show
8. Aisle of Plenty
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