sábado, 18 de junho de 2016

Consultoria Recomenda: Artista Homenageando outro Artista


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Por André Kaminski
Tema escolhido por Mairon Machado
Com Alisson Caetano, Christiano Almeida, Davi Pascale, Diogo Bizotto, Marco Gaspari, Ronaldo Rodrigues e Ulisses Macedo
E começamos outra saga do Consultoria Recomenda após finalizarmos as nove edições da rodada anterior com todos os consultores participantes recomendando temas e discos para ouvirmos. Felizmente, todos os participantes retornam para mais uma série de discos e temas diferentes, cuja previsão pelos meus cálculos, é de encerrarmos apenas no primeiro semestre de 2018. A partir de agora também teremos o Alisson Caetano e o nosso estagiário Christiano Almeida participando com temas e discos, fechando 10 recomendações por edição. Infelizmente, o Fernando Bueno optou por não participar desta matéria, mas já decidimos que isso não voltará a ocorrer visto que o incluiremos de qualquer jeito, recomendaremos qualquer coisa e escreveremos os piores comentários possíveis para ele se queimar perante todos no site.
O primeiro sorteado da vez foi o Dr. Mairon Melo Machado que nos mandou buscar discos tributo em que um artista homenageia outro (diferente de um Recomenda anterior que poderiam ser várias bandas homenageando uma única) como lição de casa de suas aulas de Física. Pelo jeito, uma boa parte do pessoal aqui vai ganhar um 10 no semestre. Tem samba, jazz, blues, música latina, trilha sonora e claro, rock 'n' roll. Talvez a edição que mais teve discos elogiados. Curtiram nossas escolhas? Opine lá embaixo nos comentários!

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Xiu Xiu - Plays the Music of Twin Peaks (Angelo Badalamenti) [2016]
Por Alisson Caetano
Quando se arriscou a reinterpretar a trilha sonora de Twin Peaks, obra máxima em se tratando de trilhas sonoras, o grupo norte-americano de música experimental Xiu Xiu correu sérios riscos de simplesmente matarem sua carreira com um resultado desastroso. Para nossa felicidade, não apenas o resultado final é satisfatório como também apresenta uma estética e dinâmica completamente novas perante o material originalmente composto pelo italiano Angelo Badalamenti. Acrescentando em efeitos noise e drones, canções que já causavam suspense agora causam também impressões surreais e de estranheza no ouvinte. No lugar do elegantismo jazzístico, há uma aspereza e frieza das programações e modificações eletrônicas. Plays the Music of Twin Peaks não é apenas um mero cover da clássica obra de Badalamenti. É também uma visão diferente, feita por músicas que conheciam muito bem os aspectos a serem explorados do produto base.
André: Não conheço nem a banda e nem a série Twin Peaks. Devido a isso, resolvi tratar a audição do disco como uma das muitas trilhas sonoras de filmes que ouço por aqui. Gostei do piano, das guitarras e dos climas atmosféricos de suspense que volta e meia aparecem. A banda é competente naquilo que se propôs a fazer e apesar de eu não reconhecer nada do que ouvi (justamente por nunca ter assistido a série), são climas interessantes e os arranjos bem sacados que devem enriquecer a experiência de quem curte este tipo de programa.
Christiano: Não conhecia a banda, mas gostei bastante. Me lembrou algumas coisas do duo francês Air, mas com altas doses de experimentações. Inicialmente, a audição foi bem agradável, mas o excesso de “barulhinhos” acabou me cansando antes da metade do disco. Enfim, se o objetivo era gravar uma espécie de trilha sonora, o resultado foi bastante satisfatório. Só não dá pra parar e ficar escutando isso sem fazer nada. Então, esse é um ótimo disco para acompanhar outras atividades da vida diária.
Davi: Quando alguém lhe disser que você tem que ouvir esse disco, diga ‘xiiiiiiu, xiiiiiiiu’, pegue seu ipod e seja feliz. Mais chato, impossível!
Diogo: Em se tratando de uma trilha sonora de uma série de televisão tão marcante quanto foi e continua sendo “Twin Peaks”, o critério que mais levei em conta para avaliar o disco do Xiu Xiu é o fato dele funcionar ou não tão bem quanto as músicas originais de Angelo Badalamenti a fim de transportar o imaginário do ouvinte até aquela cidade fictícia, mas ao mesmo tempo tão real para seus admiradores. Devo confessar que, apesar de reconhecer a tentativa do trio de fazer algo interessante, isso não ocorre. Ok, é covardia, a trilha que Badalamenti criou para “Twin Peaks” é de um casamento absurdamente bem sucedido com a série e seus personagens, mas muito mais que isso não estou apto a comentar sobre o experimentalismo do Xiu Xiu. Mas vá, há faixas a serem destacadas, como é o caso de “Laura Palmer’s Theme”, “Harold’s Theme” e “Dance of the Dream Man”.
Mairon: Uma banda com esse nome não deve ser levada a sério, a não ser que seja uma banda experimental de altíssimo calibre, o que é o caso aqui. Tenho uma vaga lembrança da série que ficou famosa nos anos 90, e também lembro que a trilha fez enorme sucesso. Achei que o disco fazia um resgate da trilha original, mas na verdade é uma miscelânea de várias canções que pertenceram as diferentes trilhas feitas para o seriado. Ouvi o álbum e gostei de várias faixas, onde "Audrey's Dance" e seu ritmo pseudo-jazzy, e "Packard's Vibration" ficaram entre as melhores, muito também por conta do vibrafone presente em ambas, só que a segunda sendo uma viagem muuuuuuuuuio interessante. Claro, apesar de fugir totalmente do padrão do disco, a violência das guitarras em "Blue Frank / Pink Room" é também digna de elogios, assim como o clima dark quase "Low" de "Love Theme Farewell". Por ser em grande parte instrumental, fica mais fácil assimilar as viagens propostas. Os vocais de "Into the Night" e "Sycamore Tree" foram os momentos mais difíceis, mas nada insuportável. Serve ainda como trilha para o pouco que lembro da série, e portanto, deve ser fiel aos originais. E pqp, a fala de "Josie's Past" é assustadora.
Marco: Não conhecia o Xiu Xiu nem este seu disco que é bem recente. A trilha do Badalamenti ouvi na época em que a série passou na TV. E só. Li o que um critico escreveu: ao trabalhar nesse projeto para a exposição do David Linch, Xiu Xiu acabou fazendo seu trabalho mais digerível. É como se um chefe de cozinha vegano, ao ser desafiado para um concurso de churrasqueiros, tivesse criado seu prato mais gostoso.
Ronaldo: Recomendação bastante instigante, pois o grupo americano Xiu Xiu resolveu dar uma roupagem pós-rock para trilhas sonoras compostas por um maestro arranjador. O resultado é bem interessante, ao fazer as melodias e frases principais da obra original vestirem um traje mais sombrio e inquieto. Não é uma audição excitante, pois demanda atenção, mas tem muita riqueza tanto em conteúdo e variedade de texturas, em batidas contundentes e em acréscimos de boas ideias (especialmente pelo uso de vibrafone, um instrumento que deveria ser melhor aproveitado na música pop). Destaque para a psicodelizante versão de "Harold’s Theme".
Ulisses: Sei que Twin Peaks é uma série, mas nunca assisti. E do Xiu Xiu eu nunca tinha ouvido falar. Eles trazem um som etéreo e evocativo, tão cintilante quanto inquietante, porém ainda capaz de oferecer recompensas, especialmente lá na segunda metade do tracklist, com "Sycamore Tree", "Harold's Theme" e "Falling". Ainda assim, bizarro demais pro meu gosto.

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Zé Ramalho - Zé Ramalho Canta Raul Seixas (Raul Seixas) [2001]
Por André Kaminski
Tive enormes dificuldades para escolher neste tema visto que este formato de um artista homenageando outro não faz parte de minhas audições diárias. Mas me lembrei dessa boa homenagem por parte do Neandertal Paraibano ao Maluco Beleza. Infelizmente, Zé Ramalho teve enormes dificuldades para a escolha do repertório por um único motivo: Paulo Coelho não autorizou de jeito nenhum que Zé regravasse as músicas em que ele havia participado como compositor. Por isso, muitas canções famosas e que poderiam se encaixar melhor na voz do paraibano ficaram de fora. Mas ainda assim, gosto de sua interpretação pessoal com seu vozeirão de barítono que este faz das músicas de Raul. "O Trem das 7" para mim ficou lindíssima na versão de Zé.
Alisson: Zé Ramalho é um dos intérpretes mais viscerais que já tomei contato. Sua voz grossa e sua habilidade para transforar o cancioneiro nordestino em músicas pesadas e de ritmo nervoso são uma das melhores coisas que existem na música brasileira. Cantando as faixas mais famosas do Maluco Beleza, Zé por vezes acerta tanto a mão que entrega versões definitivas, enquanto em outros momentos, nos passa sensações bem desagradáveis. “As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor” é um primor, enquanto “O Trem das 7”, apesar de convencional demais, não deixa de ser funcional. O disco esbarra feio, porém, em faixas que definitivamente não podia esbarrar. É o caso da versão maltrapilha para “Ouro de Tolo” e “Metamorfose Ambulante”, onde Zé Ramalho enche a versão com ritmos truncados que a deixam desagradável de se escutar. Canta Raul Seixas é um produto que serve como curiosidade, para saber qual a visão que um grande da música tem de outro grande, apesar dessa visão não ser lá muito agradável.
Christiano: Raul Seixas é um dos maiores artistas que esse país já teve. Zé Ramalho tem uma bela carreira, mas depois que desistiu de cantar as músicas, preferindo “falar” as letras, se tornou insuportável. Infelizmente, nessa “homenagem” Zé já estava na fase declarativa de sua carreira. Sendo assim, prefiro não me alongar mais.
Davi: Sou muito fã da obra de Raul e nunca fui muito com a cara de Zé Ramalho, embora o respeite muito. Ouvi com as melhores das intenções. Infelizmente, não me cativou. O disco começa bem com uma ótima versão de “As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor”, mas depois cai de nível drasticamente. Arranjos fraquérrimos com um ar meio brega, gravação que parece de videokê. Para piorar, seu estilo vocal me cansa. Não foi dessa vez.
Diogo: Não conheço muito da carreira de Zé Ramalho além de alguns poucos sucessos, mas nutro simpatia pelo cantor paraibano e aprecio seu jeito contador de histórias, quase um declamador de letras. Também não sou um grande conhecedor da carreira de Raul Seixas, e julgo até que, neste caso, o artista homenageado é menos importante para avaliar esta obra do que o responsável pela homenagem. Zé impregna as canções de Raul com seu jeito peculiar e imprime sua personalidade em boas canções como “O Trem das 7” e “Ouro de Tolo”. No geral, não curti a produção nem os arranjos, meio pobrinhos, mas ouvir a interpretação de Zé é interessante. Esperava, porém, um pouco mais de variação.
Mairon: Do Zé Ramalho só consigo gostar de Paebirú e seus três discos iniciais (Zé RamalhoA Peleja do Diabo com o Dono do Céu e A Terceira Lâmina), enquanto do Raul gosto de tudo. A homenagem do Zé é interessante de início, mantendo os arranjos originais para algumas canções ("Maluco Beleza"), transformando outras totalmente (a dylanesca "SOS" e a enigmática "Prelúdio") mas principalmente, adicionando sua marcante voz, que talvez seja o principal problema, o casamento da voz de Zé com as músicas de Raul. Foi dose aturar "Metamorfose Ambulante", "O Trem das 7" e "Ouro de Tolo", a qual foi estragada totalmente sem nenhum pudor, assim como a terrível versão blues de "Dentadura Postiça". Salvou-se o resgate de pérolas como a sensacional "Ave Maria da Rua", uma das melhores músicas de Raul, e que está em apenas algumas versões (ainda bem que a edição que peguei tinha ela), "How Could I Know", "Você Ainda Pode Sonhar" e "Planos de Papel", obscura canção do igualmente obscuro e sensacional Mata Virgem (1978).A melhor versão ficou para "As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor", a qual sim casou muito bem com a voz de Zé Ramalho, e seu arranjo ficou "porreta dimais", mas no geral, não gostei muito do álbum, que é complementado por um poema de Zé para Raul, chamado "Para Raul". Pelo menos me pilhei a fazer a DC de Raul, que se estivesse vivo, estaria completando 71 anos no próximo dia 28 de junho.
Marco: Eu que gosto do Raul e do Zé não sei se compraria esse disco. Tem uns arranjos bem legais e a voz do Zé Ramalho até que ornou aqui e ali, mas sei lá... Aliás, toda vez que eu ouço uma interpretação do Zé para essa série “Zé Ramalho canta...”, parece que estou sempre ouvindo Admirável Gado Novo com outro arranjo. As composições dele, por outro lado, mereciam um “Bob Dylan sings Zé Ramalho”. E muito mais.
Ronaldo: Versões decentes para algumas das músicas mais importantes da carreira de Raul Seixas. Apenas a voz de trovador árido de Zé Ramalho que deu algum tom diferente para as músicas. Os acompanhamentos da banda são bem medianos e não trazem novidades positivas. Passa em brancas nuvens, exceto se o ouvinte for grande fã de alguns dos dois artistas.
Ulisses: A interpretação do Zé Ramalho soa meramente razoável na maior parte das escolhas; plástica, até - "Ouro de Tolo" é um bom exemplo. Mas em alguns momentos, especialmente "Ave Maria da Rua" e "Planos de Papel", a voz profunda do cara se encaixa perfeitamente e o resultado fica sensacional; vale a pena conferir. A original da vez, "Para Raul", também não é nada mal. No fim, era bem o que eu esperava do Zé.

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Paul Rodgers - Muddy Water Blues: A Tribute to Muddy Waters (Muddy Waters) [1993]
Por Christiano Almeida
Paul Rodgers é um dos mais brilhantes vocalistas de todos os tempos. Tem uma carreira impecável: passou pelo Free, Bad Company, The Firm, Queen. Em 1993, resolveu homenagear uma das figuras mais importantes da história do blues, o lendário Muddy Waters. Para isso, chamou alguns amigos, como David Gilmour, Jeff Beck, Steve Miller, Gary Moore, Brian May, Trevor Rabin, Slash etc. Tem como um time desses, nessas circunstâncias, produzir alguma coisa mediana? Muito difícil. Como é de se esperar, o que temos é um dos mais belos tributos já gravados, com um ótimo repertório e grandes performances dos músicos envolvidos, que conseguiram respeitar as versões originais e, ao mesmo tempo, imprimir seus estilos pessoais nas faixas que tocaram. Além disso tudo, temos a voz de Paul Rodgers como a cereja do bolo. É um disco indicado até para quem não tem muitas afinidades com o blues.
Alisson: Reúna num mesmo projeto um bom vocalista, convidados ilustres, gente do nível de Jeff Beck, Buddy Guy e David Gilmour e um setlist baseado em canções de uma das lendas do blues mundial. As chances de isto dar errado são muito baixas. Pode parecer estranho, mas a grande estrela curiosamente não é Paul Rodgers. O grande barato deste disco é sacar o que cada guitarrista incrementa nos vários licks e solos de guitarra, prestando tributo à um guitarrista que certamente influenciou profundamente cada um dos envolvidos neste disco. Do eruditismo e perfeccionismo progressivo de Trevor Rabin à exuberância de Brian May, são estilos diferentes que beberam da mesma fonte, no final das contas. Pode ouvir sem medo, que é diversão garantida.
André: Como esse sujeito tem um bom gosto e uma criatividade sem igual, mesmo quando é para fazer releituras de outras artistas como foi o caso de Muddy Waters. Além de uma lista impecável de convidados que o ajudaram a abrilhantar as execuções, as canções de Waters ganharam uma nova alma na voz de Rodgers. "Rollin' Stone" com Beck nas guitarras é simplesmente uma delícia do mais puro rock 'n' roll. Discaço com D maiúsculo.
Davi: Discaço. Comprei na época. Meu trabalho favorito do Paul Rodgers fora do Free e do Bad Company. Rodgers resgata as canções de Muddy Waters, mas mantém sua essência. Ou seja, o que temos aqui é um blues-rock de primeira, seguindo a lógica do Free. Mantém as guitarras mais sujas, mas com a levada bluesy. Trabalho vocal de Rodgers, como era de se esperar, é fenomenal. E os guitarristas que participam aqui são de tirar o chapéu. Nomes como Trevor Rabin, Jeff Beck, David Gilmour, Brian May, Richie Sambora, Gary Moore e Neal Schon emprestam seus dotes. Melhor disco da lista, de longe!
Diogo: Não deve ter sido surpresa alguma para quem tinha o mínimo conhecimento a respeito de sua carreira ver Paul Rodgers lançar um disco tributo a Muddy Waters. Desde os tempos de Free, ficou clara a importância que os arquitetos (e pedreiros!) do blues tiveram na formação musical deste que é um dos meus vocalistas favoritos. Por falar nisso, o time de guitarristas que o acompanha é acima de qualquer suspeita e incluir alguns de meus preferidos no instrumento, como Neal Schon, Gary Moore, Jeff Beck e Richie Sambora. Mesmo com a grande alternância de músicos, o disco não soa desconjuntado nem nada. Só tem um problema: apesar de ter Muddy Waters no título, o álbum não conta apenas com canções do cantor e guitarrista do Mississipi, mas também de outros artistas, muito provavelmente inspirados por Muddy. Critérios à parte, trata-se de um tributo na essência original, prestando reverência e interpretando os clássicos com fidelidade. Excelente registro que tive a oportunidade de conhecer.
Mairon: Paul Rodgers soltando a voz, acompanhado de vários exímios guitarristas, para homenagear o Deus Negro Muddy Waters. Temos de tudo, como o rockabilly de Brian Setzer introduzindo "I Can't Be Satisfied", pitadas de soul advindas da guitarra de Steve Miller em "(I'm Your) Hoochie Coochie Man", Até mesmo a participação de guitarristas mais virtuoses, no caso Richie Sambora, Trevor Rabin, Slash e Neal Schon, caíram como uma luva para as adaptações de "Good Morning Little School Girl (Part 2" (Sambora), "Louisiana Blues" e "She's Alright" (Rabin), "The Hunter" (Slash) e "Born Under a Bad Sign" e "Muddy Water Blues (Electric Version)" (Schon). Melhores faixas com a participação de veteranos, seja na acústica "Muddy Water Blues" (com Buddy Guy), a marcante guitarra de Brian May em "I'm Ready", as três faixas com Jeff Beck, "Rollin' Stone", "I Just Want To Make Love To You" e "Good Morning Little School Girl (Part 1)", mostrando que experiência é tudo na música, pois o homem dá um show no slide e na alavanca, bem como a experiência de Gary Moore em "She Moves Me", e a estupendamente bela "Standing Around Crying", onde David Gilmour mostra todo seu talento para tocar um legítimo blues. Rodgers não chega a ser o destaque, mas faz um belo trabalho. Para quem conhece a obra de Muddy Waters, as recriações podem soar um pouco modernas, mas não deixa de ser um bom disco.
Marco: Muddy Waters abriu um sorriso e deve ter batido os pés no caixão para acompanhar o ritmo deste trabalho cheio de estilo e personalidade. Paul Rodgers e uma incrível coleção de guitarristas fantásticos não estavam a fim de criar limo e as pedras rolaram como justa homenagem e não como mero caça níqueis.
Ronaldo: Só gente fina, elegante e sincera nesse tributo. Do artista principal ao homenageado, passando pelos convidados. O resultado é uma releitura atualizada de clássicos do bluesman Muddy Waters, com guitarras mais pesadas e solos mais trabalhados. Paul Rodgers tem uma voz tremenda e interpreta com muita garra e desprendimento o blues, sendo dos melhores cantores brancos a executar esse ofício. Bela homenagem. Os convidados ilustres (Jeff Beck, David Gilmour, Neil Schon, Brian May, etc.) acabam soando por demais padronizados, por conta da produção sonora.
Ulisses: Putz, todo mundo sabe que voz do Paul Rodgers é ótima. E aqui ele vem acompanhado de convidados feras como Jason Bonham, David Gilmour, Jeff Beck, Gary Moore e Slash, prestando tributo a um dos maiores nomes do blues. Não tinha como dar errado. Entretanto, as versões adquiriram uma linha mais roqueira, o que é bem mais legal do que simplesmente copiar o jeito de Waters.

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Great White - Great Zeppelin: A Tribute to Led Zeppelin (Led Zeppelin) [1998]
Por Davi Pascale
Alisson: Não sei se para bem ou mal, mas esperava uma abordagem diferente aqui. Por ser daquela safra de bandas glam, esperava que aquele clima despojado e festeiro adentrasse nas versões dos clássicos do Zeppelin. O que encontrei foram apenas execuções padrões. Nada fora dos conformes, apenas o Great White executando as músicas do Led Zeppelin exatamente como elas vieram ao mundo. Ficou digno, mas né, mil vezes ir ouvir a versão original.
André: Bom tributo dos caras. Sempre curti a banda e acho que fizeram algo seguro e digno para homenagear o Zeppelin. O maior mérito desse disco foi não tocarem as tradicionais "Black Dog" e "Rock and Roll" e se focarem em outras faixas não tão conhecidas como "When the Levee Breaks" e "The Rover". Pode ouvir tranquilo.
Christiano: O Great White é um nome associado a bandas oitentistas de hard rock. Nesse disco, resolveram registrar um show só com músicas do Led Zeppelin. Pode parecer um pouco incompatível uma banda “hair metal” executar clássicos consagrados como “Ramble On”, “Tangerine” e “No Quarter”, mas funcionou bem, pois foram bem fieis aos arranjos originais. O vocalista fez um ótimo trabalho. Talvez o único ponto negativo seja a performance do baterista, que teve a ingrata missão tocar as partes do monstro John Bonham. Além de ter escolhido um timbre bastante pasteurizado, ele acabou executando as músicas de forma extremamente “reta”.
Diogo: Em sua época de maior destaque, o Great White foi colocado no mesmo balaio do hair metal (motivo pelo qual espero críticas por aqui), mas sua sonoridade sempre buscou a maioria de suas referências na década de 1970. Trata-se de um tributo na sua acepção mais tradicional, respeitando as melodias e os arranjos originais, sem muita invenção de moda. O que pode ser motivo de crítica para alguns, neste caso é razão para elogios, pois o Great White executou um trabalho que surpreendeu até a mim, que conheço vários álbuns do grupo, mas nunca havia ouvido este disco. Mesmo as canções mais “sérias”, que talvez exijam mais dos músicos no sentido de adaptarem suas características, soam muito bem, como é o caso de “No Quarter” e “Stairway to Heaven”. Jack Russell manda especialmente bem e encarna um Robert Plant digno, obviamente sem o brilho do vocalista inglês em seu auge, mas superior àquilo em que Plant se transformou com o passar do tempo. Aponto ainda “Ramble On” como um grande destaque, mas sem desmerecer o restante do disco, que se mantém em alto nível o tempo todo.
Mairon: Gravado ao vivo em 1996, esse álbum mostra a trupe da farofa oitentista em uma zona de conforto, sem criar novos arranjos, mas sendo fieis as versões originais do quarteto inglês, e se saem muito bem. Me surpreendi com o resgate de tantas canções que o Led nunca, ou praticamente nunca, tocou ao vivo, como "All My Love", "Ramble On", "Thank You", "Living Loving Maid (She's Just a Woman)" e a fantástica "When the Levee Breaks", mas principalmente, com a similaridade da voz de Jack Russell com a de Robert Plant. Cá entre nós, fala sério que não  ele quem canta "Going to California" e "In the Light". Dos clássicos, gostei da versão de "Stairway to Heaven", com Russell fazendo o possível para emular Plant, e que encerra esse belo disco, a magia de "No Quarter", sempre encantadora, e trazendo Michael Lardie fazendo muito bem as linhas do teclado, e buda que me partiu, que loucura essa versão de "Since I've Been Loving You". Esperava ver o Led Zeppelin com o disco do Vanilla Fudge, Out Through the In Door (2007), e apesar de uma derrapada que outra em "Tangerine" e "Living Lovin' Maid (She's Just a Woman)" (principalmente nas guitarras), "Immigrant Song" (bateria tinhosa), "The Rover" (bateria terrível) e "D'yer Mak'er" (bateria pior ainda), foi uma ótima indicação, principalmente por fazer perceber o quanto o Led fez bem em não continuar sem Bonham. Ninguém tocava como ele.
Marco: Disco ao vivo, que apresenta algumas músicas que o Led não costumava tocar em seus shows. Tudo perfeitinho, e olha que não deve ser fácil tocar Led perfeitinho. Mas essa virtude acaba sendo o maior defeito da banda, pois se é para ouvir Great White como se fosse Led Zeppelin, melhor ouvir o original.
Ronaldo: Um cover de luxo com bom vocal e bom guitarrista, mas que não trouxe nada além do que o Led Zeppelin já tinha dado ao mundo, com imensa maestria. Com um agravante - timbres ruins de bateria e teclados, que não fazem jus ao que John Paul Jones e Jonh Bonham mereceriam. Disco divertido, apenas.
Ulisses: Eu nem curto Great White, mas não esperava que fizessem uma interpretação tão legal do Zeppelin, e acho que o fato de ser um tributo ao vivo ficou melhor ainda, mesmo que tenham se mantido fiéis às versões de estúdio das composições. Pelo visto, se o Great White nunca tivesse alcançado a fama, ainda assim poderiam se dar bem como uma banda cover de Led. Os caras até tiveram coragem de encerrar com "Starway to Heaven"!

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Beatallica - A Garage Dayz Nite (Beatles e Metallica) [2001]
Por Diogo Bizotto
Um tributo aos Beatles ou ao Metallica? Aos dois? Um tributo do próprio Metallica aos Beatles? Quando este disco saiu, em uma época em que o compartilhamento de arquivos musicais ainda engatinhava e as informações eram muito desencontradas, teve neguinho achando que era o próprio James Hetfield colocando sua voz nessas canções que respeitam as melodias originais dos Beatles, mas inserem referências líricas e musicais da turma liderada por James e Lars Ulrich. A repercussão, inclusive, foi muito positiva entre os fãs do Metallica, que aclamaram a criatividade desses músicos do Winsconsin (EUA) em unir de forma tão única e bem humorada as obras dos dois grupos. A faixa-título, “The Thing that Should Not Let It Be” e “…And Justice for All My Loving” são os melhores exemplos disso. O que eu não sei até hoje é como reagiram os fãs dos Beatles. Quem sabe esta é a oportunidade para que essas reações apareçam.
Alisson: É uma enorme piada, tudo bem, mas nossa... foi difícil de aguentar essa embromação malfeita de Metallica sings Beatles. Nessa mesma linha de banda paródia, acho que o The Rutlers fez um serviço mais digno – e engraçado – que isso aqui, ou eu simplesmente estava de muito mal humor quando coloquei os ouvidos nessa porcaria.
André: Confesso que não esperava ouvir algo tão legal. A impressão é de ouvirmos o Metallica realmente tocando. Não sei como o cara consegue fazer a voz de Hetfield tão parecida com o original. Passa fácil por um disco deles. "Come Together" e "Help" ficaram muito boas com esses arranjos. O que realmente peca são as pobres harmonias vocais, mas convenhamos, não fica muito diferente do que Hammet e Trujillo fazem com suas vozes atualmente. Valeu a pena ouvir.
Christiano: Um dos discos mais divertidos de todos os tempos. Uma banda que simula com perfeição o Metallica tocando Beatles, com todos os cacoetes vocais de James Hetfield hilariamente exagerados. Desde as letras até os nomes das faixas, tudo soa muito descomprometido e, ao mesmo tempo, cuidadosamente elaborado. Os caras conseguiram colocar o solo de “Fade do Black” em “Let it Be”, e batizaram a criança de “The Thing That Should Not Let it Be”. Simplesmente, genial.
Davi: Já conhecia. Os garotos decidiram fazer uma mistura de suas duas bandas preferidas. O resultado é muito bacana. Eles tocam canções dos Beatles como o Metallica, provavelmente, as tocaria. O instrumental é bem tocado, o vocal lembra bastante o James Hetfield. Só que eles alteram as letras, por isso não sei se encaixaria em uma lista de discos tributos. Os encaro mais como uma sátira do que qualquer outra coisa, mas é bacana...
Mairon: Cara, lembro de quando surgiu esse EP, o quão divertido foi ouvi-lo. Muitos achavam que se tratava mesmo do Metallica em ação, mas na verdade, trata-se daqueles momentos de criatividade de quatro excelentes músicos, que transformaram clássicos dos The Beatles em pauladas thrash executadas no melhor estilo Metallica, com destaque total para a performance de Jaymz Lennfield. O cara é igual ao James Hetfield nos seus vocais, e torna tudo mais autêntico. Muitas risadas com "Sgt. Hetfield's Motorbreath Pub Band", surpresas para  “Everybody’s Got A Ticket To Ride Except For Me And My Lightning”, e claro, destaque total para “The Thing That Should Not Let It Be”, remetendo-nos à introdução de "Fade To Black" (Metallica) e "Let it Be" (The Beatles). Não era o que tinha em mente quando propus o tema, mas é um belo álbum. Pena que é curtinho...
Marco: Pode ter até uma boa ideia escondida aí, que é combinar as duas bandas, mas basta comparar com quem já teve a mesma ideia antes, o Dread Zeppelin, pra ver que existe um abismo separando o ótimo Un-Led-Ed  desta... desta... pois é, desta. O que se salva aqui é o fato de ser um EP, pois se fosse um full lenght CD, puta que o pariu!
Ronaldo: Uns gozadores fazendo uma insólita paródia. Não recomendo.
Ulisses: Curtinho, porém um tanto divertido. Aliás, o vocalista é bem animado e parece ser quem mais se diverte nessa brincadeira toda. Alguém mais aí notou que essa união de Beatles com Metallica ficou com uma pegada meio punk?

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Ney Matogrosso - Ney Matogrosso Interpreta Cartola Ao Vivo (Cartola) [2003]
Por Mairon Machado
Quem já teve a oportunidade de assistir Ney Matogrosso ao vivo sempre sai impressionado com a performance do cantor. Talvez o maior intérprete da música nacional, Ney entrega-se completamente para o seu espetáculo, e raramente alguém sai decepcionado depois da apresentação. Esse CD ao vivo, registra o show de Floripa da turnê do álbum Ney Matogrosso Interpreta Cartola, ocorrido em 2002, de um projeto idealizado pelo próprio Ney para mostrar a sociedade a obra magnífica e desconhecida do mestre do Samba Carioca. Acompanhado de Ricardo Silveira (violão e direção musical), Zé Nogueira (Sax), Marcelo Gonçalves (violão de 7 cordas), Jorge Helder (baixo e cavaquinho), Celsinho Silva (percussão) e Zero (percussão), Ney é o centro das atenções, como deveria fazer, reconstruindo e arrepiando entre versões alegres ("O Sol Nascerá (A Sorrir)", "Ensaboa", "Corra e Olha O Céu" e "Desfigurado"), baladas doloridas ("Acontece") sambas-choros leves ("Sim", "Peito Vazio" e "Cordas de Aço"). Ney nos conduz com elegância e maestria como poucos sabem fazer, demole os arranjos originais, fazendo com que os sambas de Cartola, sempre com alto teor de alegria musicalmente, recebam interpretações doloridas como sugerem as letras das canções do músico.Ney cria peças exclusivas, as quais soam prazerosamente aos ouvidos, e servem como um deleite para apreciadores do gênero, mas como uma dor de cotovelo para metaleiros e roqueiros, que certamente irão malhar o álbum, menosprezando uma interpretação única de um monstro da MPB. É impossível não sentir um frio na espinha com o que ele faz nas doloridas (aqui) "As Rosas Não Falam", acompanhado apenas de violão e sax, e na tocante "O Mundo É Um Moinho", canção escrita por Cartola para a filha que escolheu a vida fácil da prostituição, e que ficou impecável com Ney. Pode um samba virar blues? Ouça então a introdução de "Senões", uma das melhores faixas do disco. Escolhi a versão ao vivo por que são exatamente duas canções que não estão no álbum de estúdio que mostram toda a potência vocal e interpretativa de Ney, no caso "Autonomia", acompanhado apenas pelo viajante sax de Nogueira, e na melhor de todas as faixas, a pancada "Basta de Clamares Inocência", uma faixa arrepiante onde os quinze segundos finais simplesmente são para colocar todas as lágrimas para fora com tamanha interpretação vocal/musical, tanto que entrou obrigatoriamente no Bis, assim como "Preciso Me Encontrar" (outra inédita), "Peito Vazio" e "O Sol Nascerá (A Sorrir)". Quem puder, confira o DVD de mesmo nome, e não espere um Ney rebolativo cheio de plumas e paetês, mas um intérprete sóbrio e dedicado para um espetáculo fantástico.
Alisson: Ney é um intérprete incrível. Até o presente momento, não consigo me lembrar de algum trabalho seu que não apresente nada digno. Até mesmo cantando músicas clássica da MPB e samba, estilos que passam longe do da extravagância dos Secos e Molhados – e de boa parte de sua carreira solo –, Ney às canta com propriedade, autenticidade e injetando muita identidade, concebendo um material extremamente elegante e agradável a qualquer ouvido de bom gosto.
André: Respeito Ney Matogrosso como o grande artista que é, mas suas músicas e sua voz nunca me agradaram. Embora respeite este tipo de samba-choro e Cartola é um compositor que faz falta em influenciar mais o samba atual, não posso mentir dizendo que gostei do que ouvi. O instrumental me lembra a Orquestra à Base de Corda, banda de câmara de Curitiba do qual curti muito quando assisti sua apresentação no meu último ano de faculdade, mas a voz de Ney me tira o ânimo de ouvir com mais vontade. Serviu para me lembrar à praia que pertenço (a dos metaleiros acéfalos).
Christiano: Nunca dei atenção a esse “revival” do “samba de raiz”. Não conheço a obra do sambista Cartola. No entanto, confesso que tive uma grata surpresa ao escutar esse belo disco do Ney Matogrosso, uma das mais belas vozes da música brasileira. Além de ter escolhido músicas muito boas, Ney foi acompanhado por uma banda extremamente competente e de bom gosto, que executou magnificamente as músicas. Difícil apontar alguma faixa de destaque, pois o álbum é todo muito bom. Por outro lado, não tem como negar que um dos pontos mais altos seja a bela “O Mundo é um Moinho”.  Achei o disco muito agradável.
Davi: Fazia tempo que não ouvia esse disco. Mais um belo álbum de Ney Matogrosso. Um dos melhores intérpretes da música popular brasileira. Apresentação extremamente profissional e passional. Ney coloca toda a sua alma na hora de reviver os clássicos do sambista Cartola. Muitos nomes da MPB insistem em gravar álbuns de samba, mas são poucos os que realmente se saem bem na aventura (que o diga o pavoroso álbum recém-lançado pela Zélia Duncan). Ney tira de letra. Arranjos sutis, bem trabalhados. Músicos de primeira acompanham uma das vozes mais afinadas do Brasil. Se você não ouve somente rock, vale uma audição atenta.
Diogo: Não tenho como esconder minha ignorância a respeito do artista homenageado, mas isso não me impede de reconhecer o talento enorme de Ney em levar a cabo interpretações magistrais, algo que não é exceção em se tratando de seus trabalhos. Da mesma maneira, meu conhecimento a respeito de samba é limitadíssimo, mas suficiente para diferenciar o joio do trigo, e o que encontramos neste disco é trigo de ótima qualidade. Com arranjos delicados e classudos, a banda que apoia Ney oferece ao cantor um veículo muito bem ajustado para que o intérprete o guie com segurança e seja o grande destaque da obra.
Marco: Até funk carioca deve ficar do caralho na interpretação do Ney Matogrosso. Cartola então é covardia. Dizer o quê? Vou é ficar quietinho e ouvir mais uma vez.
Ronaldo: Ney Matogrosso é um grande intérprete; Cartola tem um lirismo incomparável. A banda que tratou de acompanhar Ney nessa empreitada é primorosa, os arranjos são de intenso bom gosto. Contudo, faltou liga entre voz e música. A música é demasiado intimista e a voz de Ney demasiadamente eloquente para a ocasião.
Ulisses: Não sou conhecedor nem da carreira solo do Ney, e muito menos do Cartola. Não esperava gostar de um disco de em tributo ao sambista, mas ouvi na boa. A mistura de MPB com samba e jazz inscrita no sax e violões, misturada à sensibilidade palpável de Ney, dão vida a uma performance longa, porém cativante em toda a sua duração, até devido às sutilezas e variedades de cada interpretação. Excelente recomendação!

 
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Booker T and The MG's - McLemore Avenue (Beatles) [1970]
 
Por Marco Gaspari
 
Assim como o estúdio da EMI, onde os Beatles gravavam, ficava na Abbey Road, em Londres, o da Stax, onde Booker T and The MG’s eram a banda residente, ficava na 926 East McLemore Avenue. A homenagem já começa aí, no título do Lp e na foto da capa. Mas esse disco esconde outras coisinhas: provavelmente foi o primeiro do tipo a ser gravado e ainda por cima por uma banda americana homenageando uma inglesa.  George Benson fez a mesma coisa com o seu ótimo “The Other Side of Abbey Road”, mas eu tenho uma quedinha por este trabalho aqui: ele não é cópia escrachada, tem o costumeiro foderoso trabalho de órgão e guitarras de Booker T e Steve Crooper e as músicas contempladas (porque não são todas) não seguem a ordem do disco dos Beatles e são alinhadas em medleys, o que quebra a costumeira rotina.
 
Alisson: Não sabia exatamente o que esperar disso aqui. Gosto do Green Onions, mas o soul nunca foi um estilo musical que fez minha cabeça. Ouvindo essa reconstrução das músicas dos fab four para o suingue e malícia do estilo da Motown, posso ver que o disco ultrapassa a barreira de mero disco tributo para se tornar algo mais que isso. Muitos teclados, grooves sensacionais e uma reconstrução mais que perspicaz de músicas emblemáticas para uma roupagem completamente nova. Bela dica, me fez procurar mais trabalhos do próprio Booker T.
 
André: Disco fabuloso com aquele jeitão de blues e funk típicos dos anos 60. O teclado simula as linhas vocais na maior parte da obra, embora haja vozes em alguns momentos. Apesar de longos medleys, o disco é bem variado e não se torna cansativo, além de ser relativamente curto. Bela recomendação.
Christiano: Mais uma homenagem aos Beatles, só que agora o assunto é sério. Ótimos músicos resolveram gravar um disco quase totalmente instrumental com músicas do clássico Abbey Road. Acrescentaram uma roupagem soul/funk que trouxe novos ares para clássicos como “Here Comes the Sun”, “I Want You (She’s so Heavy) e “Something”. No mínimo, muito interessante.
Davi: Álbum instrumental (ok, tem uma vocalização de leve em “The End” e “Come Together”) criado em cima do repertório de Abbey Road (1969). O trabalho não segue a sequencia original e nem teve todas suas canções registradas. Aliás, é privilegiado o formato de medley. O teclado é responsável por fazer a linha de voz na maior parte do tempo. Há alguns improvisos inseridos no meio. Os instrumentistas são excelentes, mas achei o disco meio mala, cansativo. Valeu pela curiosidade.
Diogo: Algo interessante em participar desta seção é tentar adivinhar quem é o responsável por cada indicação, tomando como base o background que conhecemos de cada colaborador. Pois bem, eu creio que este disco foi indicado por um cara que costuma defender o grupo homenageado em nossas discussões internas, indo contra outros colaboradores que costumam diminuir a importância do Fab Four. Se é assim, talvez essa pessoa tenha dado mais argumentos para quem dá uma leve depreciada nos Beatles, pois as versões presentes em McLemore Avenue são sensacionais. O que a turma de Booker T. Jones fez neste disco foi pegar Abbey Road (1969) e jogar sobre ele todo o balanço rhythm ‘n’ blues de uma das grandes bandas de estúdio de todos os tempos. Calma! Abbey Roadcontinua sendo um disco magnífico, meu favorito do quarteto inglês, mas não dá pra ignorar que o time de Jones fez um trabalho sensacional. Não aponto destaques pois o álbum todo é muito bom.
Mairon: Booker T and The MG's foi uma das grandes bandas do final da década de 70 que ficaram relegadas à obscuridade, assim como Savoy Brown, Bloody, Sweat & Tears e a fase inicial do Chicago, bandas que misturavam o blues e o jazz com o rock de maneira formidável. Esse disco é mágico, totalmente instrumental, e traz em seus sulcos três longos Medleys e uma única canção completa, a saber, a lindíssima "Something", aqui especialmente reconstruída através do órgão arrepiante de Booker T., o dono da brincadeira. Quando ouço a dupla "Beacuse" / "You Never Give Me Your Money", sempre imagino que Thijs Van Leer projetava esse tipo de sonoridade para o Focus. O Medley inicial com  a fusão de cinco canções ("Golden Slumbers", "Carry That Weight", "The End", "Here Comes the Sun", "Come Together") é levado pelo órgão e teclados hipnotizantes de Booker T, com momentos viajantes principalmente em "Carry That Weight" e "Come Together". Para mim, a fusão de "Sun King", "Mean Mr. Mustard", "Polythene Pam", "She Came In Through the Bathroom Window" e "I Want You (She's So Heavy)" é o melhor momento do disco, onde além dos teclados de Booker T. podemos conferir também o talento na guitarra suingada de Steve Cropper. Até a capa nos remete aos Beatles (no caso, o álbum Abbey Road). A versão do relançamento ainda trouxe vários bônus, dessa vez de forma individual, mas infelizmente não consegui encontrar a mesma para ouvir. Era isso que eu queria ouvir nesse Recomenda. Obrigado para quem indicou essa pérola.
Ronaldo: Fantástico combo soul que merece mais letras aqui na Consultoria do Rock. Os MG’s aparecem aqui não só tocando Beatles, como tocando grande parte do álbum Abbey Road. Provavelmente impactados pela obra dos ingleses, os americanos não tardaram em criar sua versão apenas 1 ano após o original ser lançado, o fazendo com muita eficácia e feeling, mas sem muita originalidade. Apesar de usar excessivamente frases vocais e trechos de solo das músicas originais, os momentos em que a banda se dignou de ser capaz de acrescentar algo sobre as músicas dos Beatles são os mais interessantes, como a segunda metade de "Something", ou a apropriação das bases de "Sun King" e "I Want You (She’s so Heavy)" para deliciosos solos de órgão Hammond.
Ulisses: Achei curioso os caras coverizarem o Abbey Road quase inteiro menos de um ano após o lançamento do mesmo; isso é coisa da época? Seja como for, o álbum dos Beatles encaixou-se perfeitamente na sonoridade recheada de orgão Hammond do quarteto de Memphis. É até interessante notar como eles, sendo um grupo instrumental, tiveram que se virar com a falta de harmonias vocais.

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Gil Evans - Gil Evans Orchestra Plays Jimi Hendrix (Jimi Hendrix) [1974]
Por Ronaldo Rodrigues
Miles Davis dizia que esse cara era um gênio e quem sou eu pra discordar. Juntando um misto de orquestra, big band e grupo soul-funk, Gil Evans faz miséria com arranjos poderosos para a música de Jimi Hendrix. Seja em cândidas versões, como em "Angel", "Castles Made of Sand" ou "1983-A Merman I Should Turn to Be", ou nas explosivamente funkeadas "Gypsy Eyes" e ""Crosstown Traffic" (que tem também inserções de "Little Miss Lover"). O que é mais interessante é que Gil Evans não só mexeu na questão rítmica e explorou outros instrumentos de sopro para reproduzir a música, mas também tratou de colocar as melodias sobre novos acordes e estabeleceu novas convenções entre a bateria e o restante dos instrumentos, dando um tempero novo e especial para as músicas. Fez com que o prazer de ouvir essas músicas fosse dobrado – curtição na original, curtição no tributo.
Alisson: Isso é o que se pode chamar de uma homenagem realmente digna. As músicas do Hendrix, sem exceção, são grandiosas. Gil Evans percebeu isso e trouxe-as para seu mundo de big bands e jazz. O resultado é familiar, mas ainda assim completamente desassociado do produto base. O medley de “Castles Made of Sand” e “Foxey Lady” dão uma visão jazzy experimental muito interessante para as faixas, enquanto “Voodoo Chile” continua com sua visceral distorção de guitarra, mas em uma estrutura totalmente nova – e boa –. Apesar de alguns momentos se tornarem cansativos pela proposta parecer um tanto datada, os méritos de ser um disco homenagem corajoso e ousado fazem valer, e muito, a audição deste disco.
André: Já estou preparado para as pedras que irão voar em minha direção, mas apesar de respeitar muito Gil Evans, achei que ele descaracterizou demais as músicas de Hendrix que me faziam, de vez em quando, conferir se realmente era a faixa que eu imaginava que seria. Não sei se meus ouvidos estão falhando, mas tive dificuldades para reconhecer a clássica "Voodoo Chile" com esses novos arranjos, exceto pela guitarra. É até legal de se ouvir como um disco de jazz, mas como um tributo a Hendrix, confesso que não me deixou animado para conferi-lo outras vezes.
Christiano: Uma orquestra formada por grandes músicos de Jazz resolveu recriar algumas músicas de um dos mais famosos guitarristas de todos os tempos: Jimi Hendrix. No lugar dos solos carregados de distorções sujas, inseriram instrumentos como trompete e saxofone. As músicas foram totalmente reinventadas e adaptadas para uma nova linguagem. Estranhamente, funcionou muitíssimo bem. Além de uma banda extremante competente, o projeto conta com um vocalista de extremo bom gosto e de voz marcante. Como não conhecia esse disco, tive uma grata surpresa.
Davi: Tudo bem que na capa do disco ele está com a cara do Costinha, mas o que vale aqui é a música e a qualidade desse cara é inquestionável. Extremamente bem tocado, como era de se esperar, o musico traz o blues-rock de Jimi para dentro do jazz. Algumas músicas funcionam muito bem. A versão de “Angel” é de encher os olhos de lágrima. “Crosstown Traffic” ficou cativante. “Gypsy Eyes” também ficou espetacular. Em outras, a coisa não flui tão bacana. “Voodoo Chile” ficou bem estranha. “Up From The Skies” ficou com uma cara meia Snoopy demais. De todo modo, é um disco interessante. Foi bacana de escutar. Gosto desse tipo de ousadia.
Diogo: O que vou dizer aqui pode soar sacrílego para muitos, mas vamos lá: quando Gil Evans e sua turma soam mais fieis às melodias originais dessas belas canções de Jimi Hendrix, encontram-se os melhores momentos deste álbum. Há excelentes improvisos que atestam se tratar de um disco levado a cabo por músicos de jazz de grosso calibre, mas quando eles orbitam mais próximos à eclíptica hendrixeana surgem os melhores resultados. "Crosstown Traffic/Little Miss Lover", por exemplo, é um show. Outra que me agradou muito é "Angel". De resto, gostei bastante, até porque a personalidade roqueira de Hendrix foi respeitada e as canções não ficaram descaracterizadas. Indicação de bom gosto.
Mairon: A magnífica orquestra do pianista Gil Evans, composta entre outros por David Sanborn (saxofones), Warren Smith (vibrafone) e John Abercrombie (guitarras) reconstruindo clássicos de Jimi Hendrix é de tirar o fôlego. O embalo produzido por "Crosstown Traffic" . Adoro a versão instrumental de "Angel", a qual me lembra canções do álbum I Got Dem Ol' Kosmic Blues, Again Mama! (Janis Joplin), a orquestração de "1983... (A Merman I Should Turn to Be)", parecendo sair de um filme dos anos 70, o jazz animado de "Up from the Skies", com um show de Smith e totalmente diferente do que ouvimos originalmente em Axis: Bold as Love, e o zappeano Medley contendo "Castles Made from Sand" e "Foxy Lady", são as principais atrações, não apenas por fugirem totalmente das concepções originais, mas por que são faixas ricas em harmonias e construções melódicas. Complementam esse tributo a imponente "Gypsy Eyes" - que baita arranjo de metais - e a sempre sensacional "Little Wing", que apesar da quantidade de efeitos na sua introdução, preservou sua beleza principalmente pela performance de Don Pate no baixo e o arrepiante naipe de metais entoando a "letra" desse clássico, que aliás, é a única a conter voz, a cargo de Marvin Peterson, e que consta apenas como bônus na versão em CD. Baita disco, apesar de que "Voodoo Chile" podia ter ficado bem melhor, mas é exatamente o que pensei quando sugeri o tema. 
Marco: Imagine só se tivesse realmente acontecido a parceria entre Evans e Hendrix. A morte do guitarrista, infelizmente, deixou Evans na mão. Mas para nossa sorte ele foi em frente e cometeu um dos melhores discos do concorridíssimo ano de 1974. E uma coisa é você receber o tributo de alguém, outra completamente diferente é ser homenageado pelo gênio de Gil Evans.
Ulisses: Eu esperava mais desse disco. Acho que a fusão de jazz com Hendrix só ficou boa mesmo em "Angel", "Crosstown Traffic / Little Miss Lover" e "Gypsy Eyes"; praticamente valem o disco. "Voodoo Chile" ficaria ótima sem aquela coisa ruminante esquisita que até hoje eu estou tentando descobrir o que é. "Up From the Skies" ficou bem parecida com a versão original, mas essa era muito fácil. "A Merman I Should Turn to Be" está irreconhecível, mas olha, espero que não considerem uma blasfêmia se eu disser que preferi a versão do Evans!

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Brownout - Brownout Presents Brown Sabbath (Black Sabbath) [2014]
Por Ulisses Macedo
Alisson: Já passaram pela sensação de estar em um novo emprego, meio perdido e, para mostrar serviço, acaba fazendo muito mais do que o necessário, cometendo burradas atrás de burradas? Foi a primeira coisa que pensei enquanto ouvia esse trabalho. Para tentar dar uma cara própria às músicas do Sabbath, a banda acabou fazendo muito mais do que era realmente necessário. Metais, teclados, distorções vocais e um sem número de estéticas que, no fim das contas, mais poluem e pesam do que realmente acrescentam algo – e a ideia de transformar as canções do Sabbath em versões funk e soul não é ruim. Valeu a tentativa, garotos, mas precisam de mais experiência ainda.
André: Um Black Sabbath ensolarado e caribenho. Percebe-se claramente que os caras estão se divertindo com esses novos arranjos e esse groove sacolejante. Pois é, conseguiram fazer um Black Sabbath swingado. Até gostei mais dessa versão de "Planet Caravan" do que da original.
Christiano: Uma banda que resolveu homenagear o Black Sabbath. Até aí, nada de novo. Mas os caras conseguiram fazer uma coisa tão improvável, e de maneira tão brilhante, que o resultado superou todas as melhores expectativas. Imagine um grupo soul/funk setentista executando músicas como “Iron Man” e “Into the Void”, com vários “metais”, baixo e bateria perfeitamente “suingados”, e tudo isso alinhado a uma produção que lembra muito clássicos como “Superfly”, do Curtis Mayfield. Difícil? Escute e se surpreenda.
Davi: Não conhecia e achei muito bacana. Um dos meus preferidos nessa lista. Trabalho inteligente e muito bem feito. Os caras mantiveram a distorção das guitarras, mas criaram uma sonoridade diferenciada ao misturar naipe de metais, um groove meio psicodélico, uma pegada meio latina (tem momentos que me lembraram o Santana). Disco bem bacana de escutar.
Diogo: Nesta edição contamos com tributos daqueles bem fieis às canções originais, com resultados muito bons, e outros em que foi tomada a liberdade artística de promover muitas alterações, também com bons resultados. O Brownout equilibra-se no meio disso tudo, agindo de maneira fiel em relação às melodias e aos riffs antológicos do Black Sabbath, mas adicionando um tempero latino e jazzístico às canções. Por mais que as novas versões tenham lá seu charme, acho que faltou um pouco de ousadia para que o grupo se destacasse verdadeiramente. Não que isso seja uma novidade em se tratando do mundo do rock em geral, mas chega um ponto em que os arranjos se tornam um tanto previsíveis. Não dá pra negar, porém, que algumas músicas do Black Sabbath funcionam muito bem nesse formato, especialmente “The Wizard”, provavelmente por já ter uma pegada jazzística bem acima da média.
Mairon: Caraca, que sonzeira disgramada de boa. Black Sabbath revisitado com um naipe de metais e uma percussão santaniana sensacional, casada perfeitamente com a ótima dosagem de distorção da guitarra. Um álbum para levantar a casa, destacando as ótimas versões de "Planet Caravan" (belíssima), "Iron Man", "Into the Void" (a melhor de todas) e "Black Sabbath", as três últimas totalmente instrumentais, mas também com muitos pontos para "N. I. B.", "The Warning" e "Hand of Doom", e lamento apenas que tenham se focado nos três primeiros discos do Sabbath, pois imaginam o que não poderiam fazer com as peças progressivas de Sabbath Bloody Sabbath e Sabotage, ou as loucuras jazzísticas de Never Say Die. Bela indicação.
Marco: Recomendação simplesmente sensacional. Não conhecia o disco e fiquei abestado. Como é bom ouvir uma banda que você gosta ser tocada de uma forma completamente diferente  e perceber a mágica que é criar grandes canções. Isso sim é tributo e não aquela conta de luz que eu recebo lá em casa.
Ronaldo: Apesar de em alguns momentos a banda se limitar a rearranjar as músicas apenas em termos de ritmo e instrumentos (o que é o mais comum na maioria de discos tributos), o Brownout faz isso com um ótimo senso musical, já que tanto sua seção rítmica quanto os naipes de sopros e as guitarras são extremamente competentes. Com uma sonoridade da pesada em termos de bateria, percussão e baixo, uma guitarra virilmente densa e uma produção sonora cheia de gordura, as versões para "N.I.B.", "The Wizard", "Into the Void" e "Hand of Doom" (essa contendo uma colagem do som de guitarra original de Tony Iommi) são contagiantes e psicodélicas, com destaque para a batida afro-cubana e solos venenosos em Black Sabbath. Vale a pena conhecer também o trabalho autoral da banda, um funk-rock de alto calibre.

terça-feira, 7 de junho de 2016

War Room: Ulver - Perdition City [2000]

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Por Alisson Caetano [AC]
Com André Kaminski [AK], Bernardo Brum [BB] e Mairon Machado [MM]
Eis que estamos de volta com mais uma edição do War Room, dessa vez sob uma nova direção. O esquema segue o mesmo das edições anteriores: alguém escolhe um disco para alvo de críticas e chama quem estiver disponível para participar da jogada. Desta vez, resolvi deixar de lado qualquer disco ou banda óbvia que os leitores tanto requisitam par focar em algo que não seja tão conhecido dos leitores habituais do site.
O foco do War Room de hoje é uma banda que passou por uma das metamorfoses mais fascinantes da história da música. Indo do mais gélido e profano black metal para o mais introspectivo e psicodélico eletrônico possível, os noruegueses do Ulver são certamente uma banda que você deve ter contato ao menos uma vez na vida. Sem mais delongas, confira as impressões dos consultores abaixo.
Para acompanhar este e outros discos dos norueguêses, acesse o perfil oficial da banda no Bandcamp, onde você pode ouvir gratuitamente todos os seus discos da fase pós black metal, como também pode adiquirir seus discos em formato físico.

AC: Não escolhi esse disco por acaso. Além de achar o Ulver uma das bandas mais fascinantes da atual geração, acredito que ela sirva também para quebrar um pouco o estigma de que música eletrônica seja pura e simplesmente beats primários para se balançar a bunda em raves por aí. E também é uma boa oportunidade para apresentar um pouco do universo musical que estou metido atualmente.
AC: Apenas pra contextualizar um pouquinho, eles são da Noruega e começaram como uma típica banda de black metal, mas com influência folk mais acentuada. Permaneceram assim até seu terceiro disco, quando o mentor do grupo, Kriftoffer "Garm" Rygg (que já participou de uma cota de bandas bacanas, como o Arcturus, Borknagar e AEthenor) decidiu abraçar o lado mais experimental e ambient de suas influências. Culminou primeiramente em um LP, Themes From William Blake's The Marriage of Heaven and Hell [1998], com toques sutis de metal industrial ainda, e no EP Methamorphosis [1999], já totalmente desvinculado do metal. Perdition City, além de fixar o total rompimento do Ulver com suas origens metálicas, também é visto como um dos melhores discos de dark ambient e trip-hop da história.
AC: Formação: Kristoffer Rygg (vocais, sintetizadores, bateria, produção); Tore Ylwizaker (sintetizadores, piano, baixo, produção e mixagem); Havard Jordensen (guitarra)

1 - Lost in Moments


AC: Já de cara começa com uma das minhas favoritas, muito pelo tom dark e pelos belos arranjos de piano e clima dark jazz.
AK: Já tinha ouvido falar no Ulver e até tenho um disco baixado deles aqui chamado Shadow of the Sun. Porém, não ouvi nem esse e nem o que eu tenho.
MM: Mas que viagem...
AC: Inclusive, para os fãs de jazz e, principalmente, Miles Davis, o disco é recheado do que posso chamar de "easter eggs".
BB: A mudança de ritmo logo de início me instigou. Uma canção bem climática, com uma ambiência sonora tão fundamental quanto a execução dos instrumentos.
MM: Saxofone dando um climão bem Cine Privé sobre essa levada eletrônica hein? Sinto-me enxergando cenas de "Perfume de Emmanuelle" em minha TV.
AK: Esse início seria o que podemos chamar de jazz eletrônico.
MM: Esse início seria o que podemos chamar de jazz eletrônico sexy. Se colocassem a voz da Madonna sussurrando "Justify My Love" aí, é paudurecência na certa.
AC: O clima eletrônico e os momentos de devaneio futurísticos são complementados pelas temáticas das letras.
BB: Se Emanuelle fosse dirigido pelo Tim Burton ou David Lynch.
MM: Essa música é uma viagem, e que viagem. Gostei.
BB: A variação dentro da música vem bem a calhar. Você mal sente os sete minutos passando.
AC: Apenas a título de curiosidade, os saxofones são à cargo do músico norueguês Rolf Erik Nystrøm.
AK: Gosto desse tipo de música eletrônica mais ligada ao darkwave, meio obscura, de ar um tanto quanto pesado.
AC: O fim dessa música, apoteótico, talvez seja um dos momentos mais arrepiantes que já experimentei.
BB: O final é de arrepiar.

2 - Porn Piece or the Scars of Cold Kisses


MM: A música dois é uma prova de que o disco foi composto sobre os saudosos filmes da Bandeirantes. basta olhar o título.
AC: Essa faixa é dividida em duas peças, a primeira vai até os 3:58.
BB: Mais sofrência que o Pablo esse início.
AC: Gosto dessa por causar impressões de desolação, as guitarras, que vão e voltam em vários canais da faixa com toques sutis, são um detalhe que complementa muito.
AK: Um pouco de noise, a princípio não me incomoda, só espero que não exagerem.
BB: Gosto muito da maneira que o jazz compete espaço com a eletrônica. O piano segue seu próprio caminho enquanto os efeitos acrescentam texturas muito atmosféricas e criativas, que desaguam em batidas que tornam a música ainda mais tensa. Um casamento improvável mas funcional.
MM: Não consigo formar uma opinião. Sinto-me uma Glória Pires nesse momento.
AK: Prefiro os momentos com a bateria botando ritmo como agora. O som parece mais rico.
AC: Quando da primeira vez que ouvi, sentia sensações díspares, como calmaria, tristeza, solidão, sofrimento. Tecnicamente, porém, fiquei completamente perdido, pois não tinha uma base para avaliar.
AK: Definitivamente jamais imaginaria que esta banda já fez black metal. Ainda mais ouvindo esses vocais.
MM: A entrada da voz passou uma sensação de melodia para os ouvidos. Mas é interessante o trabalho do piano ao fundo. Parece que o rapaz está em um mundo a parte. Bastante complexo.
AC: Os vocais do Garm no início de carreira seguem bem a linha do Darkthrone, nisso já dá pra ter uma noção da versatilidade do homem.
MM: Prefiro nem ouvir os discos Black Metal. De metal, já não chegam as últimas listas de Melhores...
BB: Não sei se gostei tanto da entrada dos vocais quanto da "salada" anterior. A música pareceu ficar mais "convencional" por alguns momentos. Ainda bem que a banda sabe variar as paisagens sonoras que atravessa. Me sinto perdido em algum lugar indeterminado do século vinte pela variação de estilos.
MM: Não disse que gostei da entrada dos vocais, mas fez um sentido aos ouvidos. Só que a viagem instrumental é bem melhor.
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Apresentação no Teatro Regio Parma, 16/11/2013. Naquele mesmo ano, a banda divulgava seu disco Messe I.X-VI.X, gravado em conjunto com a Tromsø Chamber Orchestra. Foto por Eliza Catozzi.

3 - Hallways of Aways


AC: Para quem gostou das viagens instrumentais, as três próximas são completamente sem vocais. Essa, particularmente, é disparada minha favorita do disco inteiro.
MM: Que bom!
AC: Não quero falar nada sobre essa pra não estragar a surpresa, apenas sintam bater forte rsrsrs.
BB: Tem algo "pulsando" desde o início. Começa com um instrumento só, outros vão somando, parece que vai desaguar - ou desabar - a qualquer momento.
AK: O piano até agora é o destaque do disco. Notas simples mas que casam bem com o estilo proposto. Os samples dão uma boa cor a essa atmosfera aparentemente melancólica.
MM: Essa introdução ai é bem acessível ao nome do álbum. Parece que o cara entrou em uma cidade desconhecida e fica perdido com o que aparece na frente.
MM: Por enquanto, não curti muito essa. Quando fica sempre repetindo a mesma coisa por muitos minutos, não me agrada.
MM: Agora sim, uma boa guinada. Mas de qualquer forma, ainda prefiro as outras duas.
BB: Essa é boa para ouvir fazendo outra coisa. Eletrônica ambiente é algo que me atrai muito. Com essa execução meio "gótica" do piano o clima de contradição sonora aumenta.
AK: Esse final de uma boa empolgada na canção que como o Mairon disse, demorou para mudar. Um minuto a menos e ficaria ainda melhor.

4 - Tomorrow Never Knows


AC: Essa faixa pega mais no clima de suspense, também é outra completamente desprovida de vocais.
BB: Cover dos Beatles? Hahahaha
AK: Acabei de abrir a porta do Departamento de Polícia de Raccon City. Um licker vai me atacar a qualquer momento.
MM: AHahauhauhauahua, pensei a mesma coisa Bernardo. Pior André, maior climão de seriado da Fox.
BB: Parece trilha sonora de filme cyberpunk. Imaginei até a música numa sequência de Ghost in the Shell.
AC: Gosto muito como os beats e toques industriais se complementam com as cordas, criando uma junção improvável, mas harmoniosa.
MM: Achei que ia melhorar somente no instrumental, mas as duas primeiras faixas foram as que mais me agradaram.
BB: Impressão minha, mas com o passar das músicas a banda está soltando cada vez mais a coleira do batidão eletrônico. Acho cada vez mais acentuado.
MM: Concordo novamente, Bernardo.
AC: Sim, Bernardo, o disco vai evoluindo em influências. Citei o jazz como referência absurda, mas o disco ainda não mostrou com clareza essa faceta ainda, algo que vai ocorrer mais pra frente.
AK: Um ponto positivo até o momento é que o Ulver prefere o ambient do que se utilizar gratuitamente do noise para querer gerar o clima pesado/industrial.
BB: Engraçado que o tanto de paisagem sonora explorada faz parecer que o disco tem o dobro ou o triplo de canções.
MM: Essa proposta do ambient está salvando o disco, como por exemplo, o interessante final dessa faixa. Mas no geral, o início foi melhor para mim.
AK: Gostei mais das duas primeiras também, Mairon. Porém, ainda acho que o disco tem mantido um bom nível.

5 - The Future Sound of Music


MM: Opa, voltaram as viagens??
AC: Essa é a penúltima das instrumentais, e acho a mais agradável de se ouvir, casa muito bem efeitos de 16 bits com o melhor trabalho de piano do disco inteiro. Falo efeitos de 16bits, mas não manjo muito das músicas de vídeo game de Atari, quem saberia falar melhor é o André.
AK: São os chamados chiptunes.
BB: Até agora acho o disco bem consistente, apesar de que as duas iniciais realmente são os carros-chefe do disco. Essa aqui é uma das melhores a casar a execução intensa de um jazz com o calculismo meio doidão dos ambients.
MM: Cara, faixa bastante interessante. Uma variação inesperada e bem feita. Essa eu gostei. Mas continuo me sentindo Glória Pires.
AK: Não estou curtindo muito essa faixa. Os chiptunes não ficaram legais. Felizmente agora com essa explosão deu uma melhorada significativa.
BB: Com o perdão da expressão, mas que evolução descaralhante. Quando estava na medida de ficar repetitivo nossa cabeça implode.
AK: Fico contente que eles erraram quanto a previsão do "Futuro Som da Música". Mas se a música fosse 1 minuto da introdução e esse finalzinho, aí eu concordaria plenamente com eles.
MM: É um tipo de eletrônico muito mais ambiente do que o esperado.
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Show do Ulver em Tilburg, Holanda, 13/02/2014. Foto por Susanne A. Maathuis

6. We Are the Dead


AC: Voltam os vocais, dessa vez em uma música que fala sobre fantasmas. Gosto do que o Garm faz com a voz, deixando ela grave tal qual o Attila faz nos seus trabalhos longe do Mayhem (à saber, nos discos do Sunn O))) e no Burial Chamber Trio).
MM: Vocais e climas bem apreensivos e de suspense.
AK: Esse climão inicial me lembrou uma música muito foda da trilha sonora de Resident Evil Remake, procurem depois a canção "Macabre Hallway" no YouTube.
AC: Ela é bem industrial e robótica, apesar de curtinha, acho ela uma baita composições de clima de suspense.
BB: A eletrônica mais discreta e a valorização do clima sombrio quebraram o clima das outras faixas. Interessante, mas parece mais transitória do que qualquer outra coisa (é uma das menores inclusive).

7 - Dead City Centres


AC: Tenho certo problema com essa faixa, confesso ser uma das que menos escuto do disco.
MM: Definitivamente, isso não é música.
BB: Talvez a mais radical do disco.
AK: Peraí, que agora preciso mudar para a arma de gelo para destruir uns metroids.
AC: Não acho que a introdução com noises robóticos seja lá um atrativo ou coisa assim, isso me desagrada nela.
AC: O que me força a escutar ela é essa guinada pro jazz que ela toma.
MM: Ó, um jazz percussivo!!
MM: Ó, um saxofone!!!! Lindo!!
AK: Ah de fato, agora a Samus entrou em um pub intergalático.
BB: Isso é muito trilha cyberpunk. Mistura ruídos sequenciados com música mais formal... Uma mescla de conhecido/desconhecido. A gente fica chocado e familiarizado de uma vez só.
AC: Essa parte da música me faz lembrar muito de Blade Runner. O disco inteiro, pra falar a verdade.
MM: Não lembrei de Blade Runner, lembrei de alguma coisa do Dick Tracy.
BB: E essa voz de trailer de filme de ação parece aqueles comerciais que passam em algumas cenas de Robocop, hahahaha.
MM: Eu lembrei do Blade Runner no início. Estragaram com essas vozes, estava muito bom para ser verdade.

8 - Catalept


AC: Essa é uma reinterpretação de uma trilha sonora aí... Vocês devem saber qual.
MM: São samplers de orquestra?
AC: São sim. Únicos instrumentos tocados mesmo são Sax, bateria, baixo, piano e guitarras.
BB: Norman Bates na rave!!!
MM: Acabou a seção Psicose.
AK: Música que deveria estar em um filme do Zé do Caixão.
BB: Muito bom. Adoro reinvenções com base em canções pré-existente.

9 - Nowhere/Catastrophe


BB: Olha só, juntou praticamente tudo que nos foi apresentado até agora: a formatação sonora meio jazz, as intervenções eletrônicas, as vozes com efeitos. Bom desfecho.
AK: Essa última já é mais ao meu estilo de ambient. De darkwave, de eletrônico.
MM: Por enquanto, a melhor faixa do disco. Uma canção com início e meio (veremos o fim), que encerra o álbum em um clima bem pra cima.
AC: O que me atrai, curiosamente, nessa faixa são os vocais.
MM: Esse pianinho no final, encaixou muito bem.
BB: Mais quadradona que muitas outras faixas do disco, mas talvez seja a síntese dele todo. Bem bom.
AK: Tá encerrando de ótima maneira, quase não prestei atenção na guitarra, nessa última apareceu bem. Isso no disco todo.

Conclusões:


MM: O disco começou muito bem, com o clima de Cine Privé permeado pelo New Wave e o ambient. O eixo central do mesmo pecou um pouco na parte instrumental, e algumas músicas não me agradaram tanto quanto as duas primeiras. Porém, a faixa de encerramento foi a que mais curti, fazendo um resumo da obra. Não me atrevo a conhecer os discos anteriores da banda, e tão pouco irei adquirir esse que me foi apresentado, mas foi uma experiência interessante conhecer um disco de eletrônica que é muito mais New Wave ou ambient. Se fosse para entrar na lista de Melhores de 2000, receberia mais elogios do que algumas "coisas" que pintaram naquele ano
BB: Uma banda no mínimo diferente. Ousada em sua mescla de gêneros mas que consegue soar orgânica ao juntar dois mundos tão distantes quanto o jazz e a eletrônica. Sem muitas fórmulas ou estruturas fechadas, o que vale é a exploração sonora. Sou todo pelo experimentalismo, então achei um bom disco.
AK: O disco inicia de ótima maneira, com o jazz, o ambient e o eletrônico se fundindo em uma massa sonora instigante e muito bem feita. Infelizmente dá uma derrapada na quinta faixa e fica mediano até finalizar bem no fechamento. Banda interessante e disco que dá para manter no meu HD por aqui. Tenho um pouco mais de consideração pelo darkwave puro e pela new wave e synthpop, O noise costuma me incomodar, felizmente a banda não abusou tanto deles como imaginei que fosse. Enfim, é um bom trabalho no saldo geral.
AC: O Ulver é talvez uma das bandas que mais venero atualmente. Considero o Garm uma das mentes mais brilhantes da música por não se limitar a um mundo musical, incluindo em seus discos muito de vários outros gêneros. Este disco explora mais elementos de darkwave com climática de ficção científica e jazz, coisas que adoro e fazem desse um disco especial para mim. Faço um pedido de amigo, mas não deixem de ouvir os outros discos dos caras. Eles passeiam por muitas influências e nuances distintas, indo do trip-hop até o folk, seus discos nunca são semelhantes uns aos outros. Os três primeiros são os menos convidativos mesmo, mas recomendo que ouça o Shadows of the Sun (que tem uma versão de Solitude, do Black Sabbath, que é mil vezes melhor que a original) e o Messe I.X - VI.X, com parceria de uma orquestra sinfônica.
BB: Talvez vá ouvir de novo. Na hora de escrever literatura uma música que combina com a proposta ajuda bastante como companhia.
MM: Opa, versão de "Solitude" mil vezes melhor que a original? Isso não existe.
AK: Eu já tenho esse disco baixado aqui, será ouvido futuramente.
ULVER_BLOOD_INSIDE_1
Foto promocional do disco "Blood Inside". Foto por Sebastian Ludvigsen.

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