Os irmãos Mairon e Micael Machado, responsáveis por desvendar a história de The Wall, um dos principais discos do rock progressivo, lançado pelo Pink Floyd em 1979, presenciaram ao vivo e a cores o espetáculo "The Wall Live", apresentado por Roger Waters no último domingo, dia 25 de março, no estádio Beira-Rio, em Porto Alegre. Confira suas impressões neste review exclusivíssimo.
As fotos com * foram retiradas do site ClicRBS.
As fotos com * foram retiradas do site ClicRBS.
Por Micael Machado (Publicado originalmente no blog Consultoria do Rock)
O álbum The Wall, do Pink Floyd, lançado em 1979, nem chega a ser um dos meus favoritos do grupo. Contudo, desde que o conheci há uns vinte e poucos anos, tudo o que já li, vi e ouvi sobre essa obra conceitual escrita pelo baixista e vocalista Roger Waters, que também envolve um filme e um show sob o mesmo tema, sempre me deixou bastante frustrado pelo fato de não ter tido a oportunidade de conferir ao vivo a apresentação criada pelo Floyd a fim de representar o isolamento que o personagem Pink causa a si mesmo e sua eventual libertação do muro que criou em sua mente.
Já assisti ao filme diversas vezes e ouvi o disco incontáveis outras. Até encontrei com o auxílio da internet alguns bootlegs mal filmados com a apresentação original executada em 1980 e 1981, quando o grupo realizou 29 shows que quase os levaram à falência, sendo este um dos motivos para a separação do quarteto pouco tempo depois. Assistir The Wall ao vivo era, eu tinha certeza, um sonho impossível!
Até que, em 2010, meu irmão e nosso colaborador Mairon Machado estava na Europa e enviou-me um e-mail relatando que Waters estava em turnê pelo Velho Continente executando sua obra prima na íntegra, em um conceito atualizado do show de 1981. Foi quando decidimos que, não importava se fosse em São Paulo, Rio de Janeiro ou Buenos Aires, não perderíamos a oportunidade de presenciar a história sendo refeita trinta anos depois. Afinal, presenciar um show desse porte em Porto Alegre era bastante improvável.
O tempo passou e Waters anunciou sua turnê sul-americana. E, surpresa maior, a capital gaúcha estava no roteiro! Em novembro de 2011, no primeiro dia de vendas, meu irmão garantiu nossos ingressos, e a espera tornou a ansiedade quase insuportável. Por diversas vezes disse a conhecidos que eu aguardava essa apresentação havia 30 anos, embora nem soubesse o que era Pink Floyd naquela época. Ocorre que não é todo dia que o passado vem lhe visitar ou que os sonhos se realizam!
Finalmente o 25 de março de 2012 chegou, e rumamos ao estádio Beira-Rio a fim de conferir a história sendo refeita na nossa frente. Chegamos ao local por volta das 15 horas da tarde, e, graças ao atraso de uma hora para a abertura dos portões (inicialmente marcada para as 16 horas), acabamos adentrando gramado apenas às 18 horas e 30 minutos. Tudo bem, afinal, estávamos de frente ao enorme muro (117 metros de largura por 11 metros de altura) semiconstruído, o qual aguardávamos ansiosamente para ver totalmente erguido e, ao final da apresentação, tombado ao chão.
Graças à dificuldade que os 48 mil presentes tiveram de adentrar o estádio - muito em função da demora na abertura dos portões, as filas eram gigantescas do lado de fora, tornando caótico o trânsito nas redondezas -, o show foi atrasado em quarenta minutos. Às 20 horas e 40 minutos as luzes se apagaram e “Outside the Wall” começou a ecoar nos alto-falantes do estádio do Sport Club Internacional!
Fogos de artifício anunciaram o início de “In the Flesh?”, e, dali por diante, o que se viu foi um dos melhores espetáculos que Porto Alegre já presenciou. Se musicalmente o show não trazia muitas novidades a quem já decorou todas as passagens sonoras de Is There Anybody Out There, disco ao vivo extraído da turnê original, lançado em 2000, visualmente, a apresentação deixava boquiaberto até mesmo quem já cansou de assistir ao filme "The Wall" ou aos bootlegs da tour de 1980.
Com o avanço da tecnologia nos últimos 30 anos, Waters conseguiu criar um espetáculo ainda mais impactante que o anterior. Ainda que o palco fosse ridiculamente baixo e que a empolgação da multidão que lotava o gramado do Beira Rio por vezes não permitisse que se enxergasse com clareza o que se passava, havia muito para se ver nas partes do muro que já estavam construídas ou no imenso telão circular ao centro do palco. Assim, quando a réplica do avião da segunda guerra mundial se chocou contra o muro ao final da primeira música (causando um impacto menor que o do show original, diga-se de passagem, apesar de toda a pirotecnia envolvida) e abriu espaço para “The Thin Ice”, já estávamos todos cativados pelo “ditador” Pink. E o show estava apenas no começo!
Falar do lado musical da apresentação seria chover no molhado. A banda reunida por Waters para esta excursão - com destaque para os tecladistas Jon Carin, ex-“Pink-Floyd-sem-Roger-Waters”, e Harry Waters, o “filho do homem”, além dos guitarristas Snowy White, que participou da turnê original, e Dave Kilminster, que executou muito bem a maioria dos solos, e do cantor Robbie Wyckoff, que substituiu a contento as partes vocais de David Gilmour - é extremamente competente, e os efeitos pré-gravados dos quais nunca nos cansamos (pássaros, vidros quebrando, sirenes, ligações telefônicas, etc.) funcionaram à perfeição.
Waters, começando a construir o muro de Pink * |
A disposição do áudio pelo estádio era tão bem feita que, quando o som do helicóptero que abre “The Happiest Days of Our Lives” surgiu nos alto falantes, era impossível não olhar para os lados ou para cima à procura do mesmo, pois não parecia crível que não houvesse mesmo um veículo pairando acima de nossas cabeças! Lembrou-me muito os cães de “Dogs” (Animals), que pareciam nos cercar durante sua execução na apresentação feita por Waters em 2002, também na capital gaúcha. Se ajustar o som em um local aberto nunca foi fácil para ninguém, a equipe de Roger deu uma aula de como fazê-lo, ao menos para quem estava no gramado do Beira-Rio. Ao que parece, segundo informações que obtive, a qualidade sonora não era tão cristalina para quem estava nas arquibancadas.
No aspecto visual, as informações eram tantas, que a impressão era de que bastava piscar os olhos para que perdêssemos algo interessante. A citada “The Thin Ice” trouxe uma foto do pai de Roger Waters em uma espécie de ficha de informações, dando seu nome, cargo no exército, data e local de sua morte durante a Segunda Guerra Mundial. Ao longo da música, outras vítimas do “terrorismo de Estado”, como Roger as chamou (em bom português, pronunciado sem o auxílio de um texto escrito, como muitos o fazem), apareceram no telão ou nos dois lados do muro.
O gigantesco boneco do professor opressor e as crianças da ONG Canta Brasil, acompanhando Waters em "Another Brick in the Wall part II" * |
Imagens do oceano acompanharam a primeira parte de “Another Brick In The Wall”, e, ao final da canção, e ao som do citado helicóptero, o enorme boneco inflável representando o “professor repressor” surgiu como que saído do nada no lado esquerdo do palco (direito de quem assistia), anunciando a muito aguardada “The Happiest Days Of Our Lives” e o hino “Another Brick In The Wall – Part II”, no qual crianças da ONG Canta Brasil, da cidade de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, entraram no palco para executar as vozes do coral da canção. As crianças interagiam com o boneco do professor, o qual por vezes parecia que iria pisotear os pequenos, e às vezes se encolhia assustado por suas ameaças. Indescritível!
Waters adicionou uma espécie de coda à canção, com uma letra dedicada ao brasileiro Jean Charles de Menezes (morto por engano pela polícia inglesa em 2005 ao ser confundido com um terrorista), enquanto a foto do homenageado aparecia no telão, para o aplauso da multidão. O cantor então se dirigiu pela primeira – e única – vez ao público, falando em português, agradecendo a todos os presentes e dedicando o show a Jean Charles e a todas as vítimas do terrorismo de estado.
Em inglês, disse que quando escreveu “The Wall” nos anos setenta pensava que a obra fosse sobre ele, mas que hoje sabe que é também sobre todos aqueles que sofrem injustiças no mundo, e anunciou que na próxima canção, “Mother”, seria acompanhado pela imagem e o som dele mesmo quando jovem. Assim, uma projeção sua no Earls Court em 1980 surgiu no telão e nos lados do muro, interpretando a canção e sendo acompanhada palavra por palavra por todo o público. Emocionante! Um boneco inflável representando a superprotetora mãe de Pink ficou meio escondido no canto do palco, e, quando Waters cantou a frase “Mother, should I trust the government?” (“Mãe, devo confiar no governo?”), um imenso “Nem Fudendo” em português mesmo surgiu projetado no muro, em resposta à questão!
Avião jogando "bombas" com o símbolo da estrela de David, simbolizando as guerras religiosas |
A linda “Goodbye Blue Sky” trouxe aviões militares jogando sobre o povo, ao invés de bombas, símbolos das principais causas de guerras no mundo atual: religiões, capitalismo, comunismo e consumismo, dentre outros, foram representados pelas projeções que tomavam conta do palco. A mensagem era forte, e continuou em “Empty Spaces” (com o famoso “ato sexual’ das flores sendo projetado no telão) e “What Shall We Do Now?”, onde as imagens originais do filme foram utilizadas para reforçar o conceito de opressão do povo pelo Estado.
“Young Lust” trouxe imagens de belas mulheres dançando sensualmente (algumas semi-nuas), terminando com a imagem de uma groupie entrando no quarto de Pink antes do começo de “One of My Turns”, onde a garota aparece em cenas sensuais ao lado de Pink (que aparenta estar distante e desconfortável, e tem seu rosto coberto por rabiscos). “Don't Leave Me Now” mostrou Waters sentado no muro, interpretando a dor de Pink ao ser abandonado pela esposa, e mostrando que talvez não fosse um ator tão ruim quanto o diretor Alan Parsons o considerou quando surgiu a oportunidade do cantor representar o personagem principal da película baseada no disco (e que acabou sendo interpretado pelo também cantor Bob Geldof).
O muro sendo gradativamente construído |
Gradativamente, o restante do muro ia sendo erguido, e, durante “Another Brick in the Wall Part III” e “The Last Few Bricks”, finalmente toda a extensão do palco estava tomada por ele. Restava apenas um pequeno espaço em aberto, e foi nesta abertura ao centro do muro que Waters surgiu para cantar “Goodbye Cruel World”. Ao final da canção, o último tijolo foi acrescentado e, finalmente, “The Wall” estava presente por inteiro, e o primeiro disco havia terminado.
Uma voz anunciou um intervalo de vinte minutos, e a palavra “Intermission” surgiu no imenso muro, sendo logo depois substituída por outras imagens de vítimas do terrorismo ao longo do mundo, retomando o conceito da necessidade de paz e tolerância que Waters parece querer passar com esta nova versão de sua ópera rock.
Os irmãos Machado no intervalo de The Wall Live, com o muro projetando mortos de vítimas do terrorismo ao fundo |
Ouvir “Hey You” vendo apenas o muro à nossa frente na volta do intervalo foi indescritível. Durante a música, as projeções fazem com que o muro pareça se abrir, e uma imagem do boneco de pano que representa a psique destruída de Pink surge lá no fundo, correndo em nossa direção através da abertura criada virtualmente, para se chocar com uma parede invisível antes de conseguir escapar do muro! Impressionante, assim como ouvir uma voz vinda lá de trás perguntando se “há alguém aí fora” (“Is There Anybody Out There?”) nos fez a todos respondermos “Yes!” em uníssono.
Parte do muro é então retirada, e Snowy e Dave surgem por trás do espaço vazio interpretando o belo tema de violões que compõem esta canção. Ao final, as atenções se voltam para nosso lado esquerdo, onde Waters surge em seu desolado quarto de hotel no meio do muro para cantar “Nobody Home”. Esta imagem, que tanto me fascinava nos bootlegs em vídeo a que já assisti, trouxe um pouco de frustração para mim, devido a Waters estar pouco acima do chão em relação à turnê original. Mas, de resto, não há do que reclamar da tocante interpretação do “ator” Roger Waters nesta parte.
"Comfortably Numb", um dos principais momentos do show |
“Vera” trouxe imagens de crianças reencontrando os pais que voltam da guerra, e a frase título de “Bring The Boys Back Home” ocupou todo o muro durante sua execução. E então era chegada a hora do ápice musical do espetáculo, a excepcional “Comfortably Numb”, com Roger à frente do muro interpretando a primeira parte desta obra prima, acompanhado pela emocionada multidão. Por sobre o muro, à nossa esquerda, surge então Robbie Wyckoff cantando as frases originalmente gravadas por Gilmour, para logo depois, também sobre o muro, Dave Kilminster aparecer à nossa direita executando o primeiro e mais curto solo. O esquema se repete na segunda parte da canção, e chega enfim o momento do solo final de guitarra, uma das melhores coisas já feitas com o instrumento no mundo da música, inegavelmente o clímax da canção, e que um grupo de idiotas próximo a mim conseguiu destruir completamente ao começar a bater papo em voz bem mais alta que o recomendável. Depois de alguma reclamação (pelo menos da minha parte, bem veemente, admito), os babacas silenciaram para que pudéssemos ouvir o resto do solo, mas o momentum já estava lamentavelmente perdido.
O porco, com uma mensagem em alusão direta à Porto Alegre |
“The Show Must Go On” anunciou a chegada da banda fascista de Pink, a Bleeding Heart, e, com todos uniformizados à frente do muro, “In The Flesh” foi executada com perfeição, com muita gente (eu inclusive) repetindo o gesto dos punhos cruzados que Pink faz no filme. Durante a canção, o famoso porco inflável surge sobre a plateia, com várias mensagens de ordem gravadas em seu corpo, dentre as quais se destacava a frase "2,85 é roubo", em alusão ao preço da passagem dos ônibus circulares de Porto Alegre, e que pode ser vista pichada em vários lugares da cidade. Ainda com o porco sobre nossas cabeças (chegando tão perto que foi possível toca-lo diversas vezes, em algo que pode parecer estúpido para alguns, mas que foi marcante para todos que, como eu, conseguiram fazer o mesmo), “Run Like Hell” e “Waitng For The Worms” retomaram as projeções do filme, além de vários outros efeitos visuais que quase sobrecarregavam nossa capacidade de compreensão, e “Stop” trouxe apenas Waters à frente do palco e o citado boneco de pano (agora “em pessoa”) sentado sobre o muro, com os refletores voltados para si.
“The Trial” utilizou as imagens do filme para exemplificar o julgamento, e era difícil prestar atenção a Waters andando pelo palco durante a execução da música com tanta coisa acontecendo ao longo do muro. Quando o “verme-juiz” proclama a sentença, o público começou a ordenar “Tear down the wall” (“derrubem o muro”) em uníssono, para que o mesmo viesse ao chão com um grande estrondo, para imenso delírio da multidão.
O espetáculo chegava ao fim com todos extasiados, e “Outside The Wall”, agora na íntegra, trouxe os membros da banda sem os uniformes para frente das ruínas, carregando instrumentos acústicos que eram usados para interpretar a canção. Nos dois lados do que restava do muro, as imagens de uma criança árabe e de outra judia eram projetadas, retomando a ideia de tolerância e compreensão que todo o show carregou. Após serem apresentados por Waters, um por um os músicos iam entrando por uma passagem no chão para baixo do palco, até sobrar apenas Roger, que, com o seu nome gritado por todos, agradeceu e se despediu do público, encerrando um espetáculo que dificilmente será superado tão cedo, e que, em termos visuais, só consigo comparar à primeira apresentação do próprio Waters na capital gaúcha dez anos atrás. Simplesmente fantástico!
Terminamos o show extasiados, ainda precisando de vários momentos para nos livrarmos da espécie de transe a que fomos levados pelo drama de Pink. A tumultuada saída do estádio e a dificuldade em conseguir transporte de volta para casa (mostrando que a estrutura de Porto Alegre ainda está muito aquém do necessário para eventos deste porte) ficaram obscurecidas pelas lembranças do que havíamos acabados de presenciar, e que sem dúvida não sumirão de nossas memórias tão cedo! Resumindo, e em bom gauchês: “um baita show”!
Por Mairon Machado
Tchês, eu apenas vou fazer um complemento ao texto do Micael, até por que muito do que ele escreveu resume excelentemente o que aconteceu no último domingo. A minha história com The Wall é muito forte. Foi o primeiro disco que eu ouvi na minha vida do início ao fim, foi o primeiro que me chamou a atenção para uma letra, foi o primeiro que me fez ver um filme de música (o próprio The Wall), enfim, eu sempre tive The Wall como um dos meus pilares musicais.
Tudo o que eu encontrei sobre o álbum, eu li, ouvi, e vi, como manda o roteiro de um verdadeiro bolha como eu. O documentário Behind the Wall acho que já vi umas trinta vezes, mas nada supera os vídeos bootlegs da turnê desse disco. Tenho uns dez shows diferentes baixados no meu HD, e vi muito, sempre com a ilusão de que nunca eu poderia ver isso ao vivo, e me servia de consolo que poucos locais (29 como citado pelo Micael) tinham visto uma das mais espetaculares turnês da história da música, que eu inclusive narrei no meu blog, como vocês podem conferir aqui.
Quis o destino que Roger Waters, o cérebro criador de tal obra-prima, viesse ao Brasil, e mostrasse para os meros mortais uma recriação do que foi apresentado ao público em 1980. Digo recriação por que não da para comparar o que é The Wall Live com o que era a The Wall Tour. São dois shows diferentes apresentando o mesmo disco.
As próprias canções do The Wall não são apresentadas respeitando as versões originais. Pequenas modificações aqui e ali, a ausência fortemente sentida de David Gilmour em diversos solos, ampliações e novidades inesperadas, fazem da apresentação de Waters algo novo, e inigualável.
Vários são os detalhes que se perderam do show de 1980. As máscaras que abriam o show não são mais usadas. Waters já surge com óculos escuros. Não há mais os fones de ouvido que marcaram as fotos registradas durante The Wall Tour, ou a roupa de médico característica de "Comfortably Numb", assim como os filmes apresentados no muro foram em sua maioria modificados. Dizer que isso piorou seria uma barbaridade, e eu posso afirmar que, se o charme do "analógico" de 1980 foi perdido, o avanço tecnológico abre horizontes que vendo os vídeos originais, jamais seriam pensados.
Como eu disse, a ausência mais sentida é Gilmour. O solo de "Comfortably Numb" em nada se iguala a magia que o hoje gordinho Gilmour conseguia (e ainda consegue) retirar de sua Fender Stratocaster, por mais que o atual guitarrista de Waters se esforce. Chega a ser vergonhoso a tentativa de tocar igual a Gilmour. Vários são os erros, atravessadas, batidas inversas, mas claro, tudo justificável, pois grande parte do show é feito com uma iluminação parca, atrás do gigantesco muro, e por músicos que não são do porte dos caras que consolidaram o rock progressivo (Waters, Gilmour, Rick Wright e Nick Mason, ou seja, o Pink Floyd).
Mas isso é apenas para tentar achar um defeito em algo tão grandioso. Nada se compara ao que foi visto no último dia 25 de março. No fim de semana onde Porto Alegre viu talvez o maior público para uma apresentação solo (65 mil pessoas lotaram o Anfiteatro Pôr-do-Sol para ver Maria Rita homenagear sua mãe, Elis Regina, no projeto Viva Elis, apresentado dia 24 de março), as 48 mil pessoas que estiveram no Beira-Rio já entravam no estádio e se deparavam com o gigantesco pré-palco, ou melhor, o muro parcialmente construído.
Eu, ao ver aquilo, enorme, tomando conta do estádio, engasguei de emoção. Afinal, eu começava a ter noção de que um sonho de infância, inimaginável há quatro anos atrás, estava prestes a se tornar realidade. O avião escondido entre os refletores do Beira-Rio quase passou despercebido, até a hora de colidir com o muro logo na primeira música do show, "In the Flesh?".
E foi com "In the Flesh?" que começamos a viajar pelo show. O muro foi sendo construído vagarosamente, com diversos "operários" entrando e saindo de cena, trazendo tijolos, suportes, andaimes, e diversos apetrechos que era possível ver claramente, entre as diversas câmeras fotográficas que registravam tudo na maldita inclusão digital, a qual foi compensada pelo pedido de não usar flash para bater as fotos, atendido pela maioria das pessoas (principalmente por que a filmagem era mais importante do que as fotos). Detalhes novos surgiam, destacando as imagens das vítimas de terrorismo, o Capitalism escrito no formato das letras da Coca-Cola, uma morena nua demasiadamente gostosa dançando durante "Young Lust", e até Waters falando em um português quase perfeito, e melhor ainda, sem ler. Deslumbre total!
Quando o muro foi concluído em "Goodbye Blue Sky", e o último tijolo tapou o rosto de Waters, um arrepio correu solto pela minha espinha, e ao ver as luzes acendendo-se para o intervalo, com o muro inteiro repleto de fotos de vítimas do terrorismo, as lágrimas surgiram. A emoção de ver algo que jamais pensei em poder ver, sabendo toda a história, foi maior do que o cansaço da longa espera na fila, de enfrentar a "bendita" inclusão digital nas pontas dos pés, e de ter visto a primeira parte do show com a boca-aberta, não acreditando na centena de informação que meus olhos viam naquele muro.
"Hey You" abriu a segunda parte do show, as lágrimas sumiram e os olhos se voltaram para o enorme muro, agora totalmente recheado por imagens dos projetores. Aqui pôde ser conferida a perfeição de The Wall Live. Não existia um risco que mostrasse o muro como um muro. As projeções encaixavam-se sensacionalmente, e não tem palavras que descreva o que acontece no palco de The Wall Live.
Por vezes, parece que não existe muro. As imagens tomam conta do muro com tamanha nitidez que o que parece termos diante de nossos olhos é a maior televisão do mundo. E o som meus caros. O som é quadrifônico, saindo de todos os lados do estádio, e atingindo o peito e os ouvidos dos fãs com uma potência impressionante. Quando Waters deu tiros na sua metralhadora, era como que balas estivessem saindo do lado de sua cabeça. O helicóptero de "The Happiest Days of Our Lives" com certeza deveria estar sobre a minha cabeça.
O desbunde aumenta em "Comfortably Numb". Apesar do solo tinhoso de Dave Kilminster, a parte visual foi o máximo do show. Um tom sujo e escuro tomou conta do muro durante quase toda a canção, explodindo em uma estonteante combinação de cores quando Waters socou o muro durante o solo de Kilminster, e que combinadas com as elevações que surgiam do show, formavam um cenário lindo, encantador, ou seja, de cair o queixo.
Tivemos também direito a diversão, quando o porquinho surgiu do lado esquerdo do palco e acabou descendo exatamente aonde eu estava. Pude tocar em suas patas, agarrar um pedaço de um símbolo sagrado do Pink Floyd, e ter a certeza de que não estava sonhando debaixo das estrelas que iluminavam o céu majestoso de Porto Alegre.
Os martelos andando, Waters berrando no megafone, o quarto de hotel, os gigantescos bonecos do professor, da esposa e da mãe (esse último, eu infelizmente não vi), os figurantes que encenavam tudo conforme Waters coordenava, tudo aumentava a perfeição de um grande espetáculo, que chegou no seu esplendor durante "The Trial".
A canção mais esperada da noite por este que vos escreve arrancou mais lágrimas do mesmo. O Beira-Rio em silêncio, ouvindo o julgamento de Pink, e depois seguindo as ordens de "derrubar o muro" aos gritos, concluindo com uma queda assustadora de grande parte do muro sobre os fãs, foi o prenúncio de que o show estava por acabar, mas que cada centavo investido, a longa viagem de mais de 10 horas entre São Borja (cidade onde resido atualmente) e Porto Alegre, o calor, o cansaço, a inclusão digital, enfim, todos os contratempos valeram a pena. Claro, a parceria dos companheiros de viagem Larissa e Alexander, e dos colegas de show Letícia, João, Everton, Pedro, Diogo, o casal de Floripa que esqueci o nome, já era algo que valia a pena a presença no show, mas o espetáculo total foi imbatível.
Os instantes finais, com os músicos saindo pouco a pouco sob o palco, foram o delírio coletivo de algo que jamais Porto Alegre irá esquecer. Com o muro derrubado, fomos saindo, anestesiados com o que tínhamos visto, e que superou de longe o que Paul McCartney havia apresentado no mesmo Beira-Rio no dia 07 de novembro de 2010.
É outro show em comparação a 1980, com uma temática muito mais política e social do que era a história original de Pink, centrada apenas em um único personagem. A nova versão abre ainda mais o leque de opressões, e combina muito bem com o mundo atual.
Se tivesse que definir em uma frase, diria apenas: "Vá ver e se encante". Em uma palavra: "Inesquecível".
Tudo o que eu encontrei sobre o álbum, eu li, ouvi, e vi, como manda o roteiro de um verdadeiro bolha como eu. O documentário Behind the Wall acho que já vi umas trinta vezes, mas nada supera os vídeos bootlegs da turnê desse disco. Tenho uns dez shows diferentes baixados no meu HD, e vi muito, sempre com a ilusão de que nunca eu poderia ver isso ao vivo, e me servia de consolo que poucos locais (29 como citado pelo Micael) tinham visto uma das mais espetaculares turnês da história da música, que eu inclusive narrei no meu blog, como vocês podem conferir aqui.
Quis o destino que Roger Waters, o cérebro criador de tal obra-prima, viesse ao Brasil, e mostrasse para os meros mortais uma recriação do que foi apresentado ao público em 1980. Digo recriação por que não da para comparar o que é The Wall Live com o que era a The Wall Tour. São dois shows diferentes apresentando o mesmo disco.
As próprias canções do The Wall não são apresentadas respeitando as versões originais. Pequenas modificações aqui e ali, a ausência fortemente sentida de David Gilmour em diversos solos, ampliações e novidades inesperadas, fazem da apresentação de Waters algo novo, e inigualável.
Vários são os detalhes que se perderam do show de 1980. As máscaras que abriam o show não são mais usadas. Waters já surge com óculos escuros. Não há mais os fones de ouvido que marcaram as fotos registradas durante The Wall Tour, ou a roupa de médico característica de "Comfortably Numb", assim como os filmes apresentados no muro foram em sua maioria modificados. Dizer que isso piorou seria uma barbaridade, e eu posso afirmar que, se o charme do "analógico" de 1980 foi perdido, o avanço tecnológico abre horizontes que vendo os vídeos originais, jamais seriam pensados.
Como eu disse, a ausência mais sentida é Gilmour. O solo de "Comfortably Numb" em nada se iguala a magia que o hoje gordinho Gilmour conseguia (e ainda consegue) retirar de sua Fender Stratocaster, por mais que o atual guitarrista de Waters se esforce. Chega a ser vergonhoso a tentativa de tocar igual a Gilmour. Vários são os erros, atravessadas, batidas inversas, mas claro, tudo justificável, pois grande parte do show é feito com uma iluminação parca, atrás do gigantesco muro, e por músicos que não são do porte dos caras que consolidaram o rock progressivo (Waters, Gilmour, Rick Wright e Nick Mason, ou seja, o Pink Floyd).
Mas isso é apenas para tentar achar um defeito em algo tão grandioso. Nada se compara ao que foi visto no último dia 25 de março. No fim de semana onde Porto Alegre viu talvez o maior público para uma apresentação solo (65 mil pessoas lotaram o Anfiteatro Pôr-do-Sol para ver Maria Rita homenagear sua mãe, Elis Regina, no projeto Viva Elis, apresentado dia 24 de março), as 48 mil pessoas que estiveram no Beira-Rio já entravam no estádio e se deparavam com o gigantesco pré-palco, ou melhor, o muro parcialmente construído.
O avião que colide com o muro em "In the Flesh?", escondido nos refletores do Beira-Rio |
Eu, ao ver aquilo, enorme, tomando conta do estádio, engasguei de emoção. Afinal, eu começava a ter noção de que um sonho de infância, inimaginável há quatro anos atrás, estava prestes a se tornar realidade. O avião escondido entre os refletores do Beira-Rio quase passou despercebido, até a hora de colidir com o muro logo na primeira música do show, "In the Flesh?".
E foi com "In the Flesh?" que começamos a viajar pelo show. O muro foi sendo construído vagarosamente, com diversos "operários" entrando e saindo de cena, trazendo tijolos, suportes, andaimes, e diversos apetrechos que era possível ver claramente, entre as diversas câmeras fotográficas que registravam tudo na maldita inclusão digital, a qual foi compensada pelo pedido de não usar flash para bater as fotos, atendido pela maioria das pessoas (principalmente por que a filmagem era mais importante do que as fotos). Detalhes novos surgiam, destacando as imagens das vítimas de terrorismo, o Capitalism escrito no formato das letras da Coca-Cola, uma morena nua demasiadamente gostosa dançando durante "Young Lust", e até Waters falando em um português quase perfeito, e melhor ainda, sem ler. Deslumbre total!
O muro prestes a ser concluído |
Quando o muro foi concluído em "Goodbye Blue Sky", e o último tijolo tapou o rosto de Waters, um arrepio correu solto pela minha espinha, e ao ver as luzes acendendo-se para o intervalo, com o muro inteiro repleto de fotos de vítimas do terrorismo, as lágrimas surgiram. A emoção de ver algo que jamais pensei em poder ver, sabendo toda a história, foi maior do que o cansaço da longa espera na fila, de enfrentar a "bendita" inclusão digital nas pontas dos pés, e de ter visto a primeira parte do show com a boca-aberta, não acreditando na centena de informação que meus olhos viam naquele muro.
"Hey You" abriu a segunda parte do show, as lágrimas sumiram e os olhos se voltaram para o enorme muro, agora totalmente recheado por imagens dos projetores. Aqui pôde ser conferida a perfeição de The Wall Live. Não existia um risco que mostrasse o muro como um muro. As projeções encaixavam-se sensacionalmente, e não tem palavras que descreva o que acontece no palco de The Wall Live.
Waters e sua metralhadora * |
Por vezes, parece que não existe muro. As imagens tomam conta do muro com tamanha nitidez que o que parece termos diante de nossos olhos é a maior televisão do mundo. E o som meus caros. O som é quadrifônico, saindo de todos os lados do estádio, e atingindo o peito e os ouvidos dos fãs com uma potência impressionante. Quando Waters deu tiros na sua metralhadora, era como que balas estivessem saindo do lado de sua cabeça. O helicóptero de "The Happiest Days of Our Lives" com certeza deveria estar sobre a minha cabeça.
A embasbacante imagem durante "Comfortably Numb" |
O desbunde aumenta em "Comfortably Numb". Apesar do solo tinhoso de Dave Kilminster, a parte visual foi o máximo do show. Um tom sujo e escuro tomou conta do muro durante quase toda a canção, explodindo em uma estonteante combinação de cores quando Waters socou o muro durante o solo de Kilminster, e que combinadas com as elevações que surgiam do show, formavam um cenário lindo, encantador, ou seja, de cair o queixo.
Tivemos também direito a diversão, quando o porquinho surgiu do lado esquerdo do palco e acabou descendo exatamente aonde eu estava. Pude tocar em suas patas, agarrar um pedaço de um símbolo sagrado do Pink Floyd, e ter a certeza de que não estava sonhando debaixo das estrelas que iluminavam o céu majestoso de Porto Alegre.
Os martelos andando * |
Os martelos andando, Waters berrando no megafone, o quarto de hotel, os gigantescos bonecos do professor, da esposa e da mãe (esse último, eu infelizmente não vi), os figurantes que encenavam tudo conforme Waters coordenava, tudo aumentava a perfeição de um grande espetáculo, que chegou no seu esplendor durante "The Trial".
A canção mais esperada da noite por este que vos escreve arrancou mais lágrimas do mesmo. O Beira-Rio em silêncio, ouvindo o julgamento de Pink, e depois seguindo as ordens de "derrubar o muro" aos gritos, concluindo com uma queda assustadora de grande parte do muro sobre os fãs, foi o prenúncio de que o show estava por acabar, mas que cada centavo investido, a longa viagem de mais de 10 horas entre São Borja (cidade onde resido atualmente) e Porto Alegre, o calor, o cansaço, a inclusão digital, enfim, todos os contratempos valeram a pena. Claro, a parceria dos companheiros de viagem Larissa e Alexander, e dos colegas de show Letícia, João, Everton, Pedro, Diogo, o casal de Floripa que esqueci o nome, já era algo que valia a pena a presença no show, mas o espetáculo total foi imbatível.
O bolha e o muro caído |
Os instantes finais, com os músicos saindo pouco a pouco sob o palco, foram o delírio coletivo de algo que jamais Porto Alegre irá esquecer. Com o muro derrubado, fomos saindo, anestesiados com o que tínhamos visto, e que superou de longe o que Paul McCartney havia apresentado no mesmo Beira-Rio no dia 07 de novembro de 2010.
É outro show em comparação a 1980, com uma temática muito mais política e social do que era a história original de Pink, centrada apenas em um único personagem. A nova versão abre ainda mais o leque de opressões, e combina muito bem com o mundo atual.
Se tivesse que definir em uma frase, diria apenas: "Vá ver e se encante". Em uma palavra: "Inesquecível".