domingo, 26 de abril de 2015

Elis Regina - Parte V



O casal Elis Regina e César Camargo Mariano desfrutaram do sucesso de Falso Brilhante, mas não baixaram a guarda. Enquanto excursionavam com o espetáculo, aclamado em todo o Brasil, preparam material para um novo álbum, e também um novo espetáculo, gerando mais dois álbuns essenciais. Após o lançamento de ambos, uma polêmica envolvendo o casal e a Philips colocou a imagem principalmente de Elis no ventilador, porém, uma série de três lançamentos soberanos colocaram novamente a gaúcha no topo das estrelas.

A clássica "Romaria" está registrada no álbum homônimo de 1977
O primeiro álbum pós-Falso Brilhante retomou os títulos homônimos. Lançado em 1977, Elis foi desenvolvido durante o espetáculo Falso Brilhante, e mantém o mesmo nível rocker de seu antecessor. Acompanhada por César (piano, grande piano, Hammond, orquestrações e arranjos), Nathan Marques (guitarras, violão, viola, voz), Crispin Dell Cistia (guitarra, violão, viola, teclados), Wilson Gomes (baixo) e Dudu Portes (bateria, percussã0), Elis brinca com vários estilos, e deixa registrado nos anais da Música Popular Brasileira a clássica e definitiva versão de "Romaria", uma de suas interpretações mais célebres, ao lado de "Arrastão", "Como Nossos Pais", "Águas de Março", "Fascinação" e "O Bêbado E A Equilibrista", tendo o acompanhamento do Grupo Água, formado por Renato Teixeira (autor da canção) no violão e voz, Carlão na viola e voz, Sérgio Mineiro na flauta e voz e Márcio Werneck na flauta. 

O instrumental do LP passeia por inspirações progressivas, como a visível influência de Genesis em "A Dama do Apocalipse", na qual o moog e a utilização do mesmo timbre da guitarra de Steve Hackett por parte de Nathan fazem o ouvido fácil fácil achar que estamos ouvindo algo de Wind and Wuthering ou A Trick of the Tail, e a cantora lembra Secos & Molhados na primeira parte de "Colagem", que possui para mim o grande momento do LP, com as viagens progressivas tipicamente Yes onde Nathan abusa do pedal de volume na melhor linha Steve Howe no trecho "Soon" de "The Gates of Dellirium", entre longas camadas de teclados que sufocam a angustiante voz de Elis. 


Elis, sorrindo com o sucesso

Ouvir Elis na verdade causa uma sensação de delírio e confusão pelas primeiras vezes, por que em nada temos de parecido em álbuns consagrados, já que o LP vive de momentos intensos como outros muito amenos, apresentados na balada "Sentimental Eu Fico", com uma ótima participação de César ao piano, na flamenca "Vecchio Novo", destacando o baixo de Wilson, e a forte faixa-título, pequena amostra do que apenas duas pessoas são capazes de fazer com seu cérebro, quando acompanhados por um time de excelência. O que Elis canta nessa faixa já vale o álbum, e as intervenções do moog e piano de César são uma lisergia à parte. 

O LP também contém várias participações especiais, que vão de Ivan Lins no piano e vozes da dolorida "Qualquer Dia", e na alegre "Cartomante", essa com Thomas Roth, Lucinha Lins e Zé Luiz fazendo vocalizações, e Nathan novamente delirando com o pedal de volume, e Milton Nascimento fazendo vocalizações e tocando violão na bela versão de "Caxangá", bem como também ao violão na emocionante revisão para "Morro Velho", essa com a majestosa contribuição de Antonio Carlos Dell Claro no violoncelo. Um destaque interessante nesse LP, relançado em CD em 1993, vai para a citação às marcas dos instrumentos usados pelos músicos, com o uso das guitarras Les Paul e Fender, bem como o exclusivo uso do baixo Rickenbacker, o que só enaltece ainda mais a forte ligação do casal Elis e César com o rock setentista.

Pedro Mariano, Maria Rita e Elis Regina, em 1978


Em 09 de setembro de 1977 nasce o terceiro filho de Elis Regina, e o segundo do casal, no caso Maria Rita, hoje famosa cantora de nosso país.  O nascimento de Maria Rita não atrapalhou a divulgação daquele que considero o maior espetáculo realizado por Elis e César, o qual estreiou em 17 de novembro de 1977 no Teatro Leopoldina, em Porto Alegre, e gerou aquele que é o melhor álbum ao vivo nacional da década de 70, Transversal do Tempo.


Excepcional álbum ao vivo, o melhor de um artista brasileiro na década de 70

Para a falar a verdade, eu gostaria mesmo de colocar esse disco aqui e deixar o ouvinte ouvi-lo, por que palavras não irão descrever o que Transversal do Tempo me causa. Gravado ao vivo no Teatro Ginástico do Rio de Janeiro, entre 6 e 9 de abril de 1978, em uma temporada que durou três meses com a companhia de Nathan, Crispin, Dudu e Fernando Sizão (baixo), temos um disco complexo, em uma lisergia e potência que não há em nenhum outro álbum de Elis. Basta ouvir o que o grupo faz na magistral e intrincada versão para a épica "Deus Lhe Pague" (Chico Buarque), com um peso absurdo, a raivosa voz de Elis e as marcações que fariam Frank Zappa aplaudir o arranjo em pé, ou então a assustadora e esquizofrênica versão para "Construção", escondida perfeitamente após a alegre revisão para "O Rancho da Goiabada", e que deve ter feito Chico Buarque cair do sofá com os gritos e percussões que encaixariam-se perfeitamente na trilha sonora de um filme de terror, entre a esplêndida e fulminante voz de Elis, as notas ácidas de Nathan e os viajantes acordes de hammond, em uma faixa que a palavra "viagem" a define muito bem. Nathan aliás dá seu espetáculo à parte fazendo o dedilhado do violão da linda "Meio Termo", a interpretação mais cativante de Elis no álbum, já que somente com o violão ao fundo, a pimentinha dá um show de dramaticidade e emoção, complementadas por uma viajante sessão de encerramento com percussão e  um acorde longo de hammond, que conduzem-nos para a incrível "Corpos", na qual os efeitos de teclados e da guitarra, além do peso da cozinha baixo/bateria, auxiliam Elis a alcançar notas altíssimas, variando da intensidade progressiva para o melhor do jazz rock. 

Logo no início do álbum, o moog e o mellotron de César mostram que o objetivo é colocar o normal para baixo, desconstruindo a clássica "Fascinação", com Elis rasgando a garganta. Mas se você quer mesmo ver o que é desconstruir um clássico, ouça a tecladeira hipnotizante de "Boto" (Tom Jobim), ou Elis Regina chorando ao microfone na psicodélica versão do tradicional samba paulista "Saudosa Maloca". Put@ que o P@riu!, como é que é possível alguém conseguir fazer algo tão sinistro e condizente com a letra depois de ficar praticamente marcado à ferro no nossos ouvidos a alegre versão do Demônios da Garoa? Que grandiosa versão, para mim, definitiva, e que só por ela já vale o LP. 


Espetáculo "Transversal do Tempo", talvez o melhor da carreira de Elis

O casal mostra uma intimidade arrepiante na complicada "Sinal Fechado", apenas com Elis soltando os pulmões entre as variações de intensidade do piano de César, na ótima "Cartomante", trazendo as mesmas características de sua versão do álbum de 1977, ou então, acalma os ânimos na intimista "Cão Sem Dono", além de divertir com o samba da complicadíssima letra de "Querelas do Brasil". Para resumir esse discaço, relançado em CD em 1989, fico com as palavras de Aldir Blanc: " ... muitos entenderam e gostaram, muitos entenderam e não gostaram, outros gostaram e não entenderam, e alguns não entenderam e não gostaram. Então, o show deve ser bom". Na verdade, o show é digno do nome ESPETÁCULO, com letras garrafais.

O espetáculo Transversal do Tempo percorreu o mundo, sendo apresentado no Rio Grande do Sul, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Ceará, além de Itália, França e Espanha, sendo a apresentação no Teatro Lírico de Milão considerada o zênite dessa temporada europeia. Por outro lado, a gravadora Philips pretendia lançar  um segundo volume de Transversal do Tempo, já que no espetáculo eram apresentadas normalmente vinte e cinco canções, e no próprio registro oficial, ficamos com a sensação de que algumas canções foram podadas, mas Elis acabou se desligando da gravadora por desentendimentos com seu antigo parceiro e agora produtor Roberto Menescal, com o projeto sendo infelizmente cancelado. 


Disco lançado contra a vontade da Pimentinha,
trazendo sobras de Elis (1972) e Elis (1973)
Elis assinou com a WEA, mas em revelia, a Philips acabou resgatando material inédito no álbum Especial. Este disco contém onze faixas que não foram lançadas nos álbuns Elis (1972), Elis (1973) e Elis & Tom (174), , e traz de tudo um pouco. Temos o samba alegre "Noves Fora", o samba-jazz "Entrudo", com um ótimo arranjo de cordas, a intimista "Violeta de Belfort Roxo", e as perfeitas revisões para "Credo" (Milton Nascimento) e a linda "Joanna Francesa" (Chico Buarque), que seria originalmente lançada na trilha do filme homônimo de Cacá Diegues (filme aliás, fracasso comercial, mas que ainda está para ser descoberto pelos amantes da cinematografia brasileira). A novidade sonora fica para a onda disco de "Ou Bola Ou Búlica", uma das letras mais complicadas de João Bosco e Aldir Blanc, com Elis mostrando uma agilidade fantástica, e a magistral balada "Deixa O Mundo E O Sol Entrar". 

Acho perfeita a versão de "Bodas de Prata" (também de João e Aldir) e o crescendo da belíssima "Valsa Rancho", canções que por si só já valem a aquisição desse álbum na discografia da Elis. A quebrada "Dinorah, Dinorah" e a versão em inglês da bossa "Bonita" (Tom Jobim) complementam Especial, que não é um grande disco se comparado aos outros álbuns lançados durante o período ao lado de César, mas ao mesmo tempo, seria uma lástima se os fãs acabassem desconhecendo versões tão relevantes como "Valsa Rancho", "Ou Bola Ou Búlica", "Deixa O Mundo E O Sol Entrar", "Credo" e "Joanna Francesa". Relançado em CD em 1994.


Elis e os cabelos black-power de 1974

Elis ficou put@ da vida com esse lançamento, mas a gravadora argumentou que pelo contrato feito com a cantora, ela ainda devia dezesseis canções para a gravadora. 

Onze saíram em Especial, e as restantes foram acordadas com a seguinte distribuição: "O Que Foi Feito de Vera", "Sabiá" e "Yesterday", canções registradas para os álbuns Elis (1977), Elis & Tom (1974) e um compacto simples, respectivamente, nunca foram lançadas oficialmente, mas estão em poder da Philips. Já "No Dia Em Que Eu Vim Me Embora" e "Para Lennon e McCartney" foram posteriormente lançadas no álbum póstumo Luz das Estrelas, lançado pela Som Livre, como veremos na última edição desta Discografia.


O álbum com o Hino da Anistia: "O Bêbado e a Equilibrista"
O disco de estreia do casal pela WEA foi Elis, Essa Mulher, em 1979, que tem a banda de apoio formada por Luizão Maia (baixo), Hélio Delmiro (violão, guitarra), Paulinho Braga (bateria), Cidinho (percussão), além de arranjo de metais com os músicos Maurílio e Márcio Montarroyos (trompete), Edmundo Maciel (trombone), Zé Bodega (saxofone), Celso, Mauro, Jorginho, Jayme e Altamiro (flautas), bem como a orquestra de cordas da WEA, e trouxe mais um grande clássico para a já imensa coletânea de sucessos da pimentinha, no caso a eterna versão de "O Bêbado E A Equilibrista", de João Bosco e Aldir Blanc. Essa canção, com uma letra enorme e complicada, mas com uma melodia encantadora, tornou-se o hino da anistia, e colocou Elis como uma das referências artísticas contra a ditadura, algo que ela havia lutado e muito durante os anos 70, mas deixando um pouco a pulga atrás da orelha para os fãs se ela era uma aliada ou contrária ao regime militar. 

Além do clássico, Elis, Essa Mulher é um álbum muito maduro e romântico, com temas bastante voltados para a intimidade feminina, concentrando-se principalmente nas relações amorosas, tendo a única exceção "O Bêbado E A Equilibrista", por que no mais, temos a fantástica revisão para "Basta de Clamares Inocência", samba tradicional de Cartola transformada em um jazz de cortar os pulsos, levada pelo groove de Luizão Maia, as baladas "Altos e Baixo" e "As Aparências Enganam", essa com uma excepcional performance de César ao piano, os boleros "Beguine Dodói" e "Bolero de Satã", com participação especial de Cauby Peixoto, e a dolorida "Essa Mulher", com a participação de Joyce no violão. 


Elis em 1979, mais madura e mais mulher

Por outro lado, depois de algum tempo Elis resolveu voltar aos grandes sambas, com uma empolgante versão para "Eu Hein Rosa" e a agitada "Cai Dentro", ambas tendo a participação de Jorge Luiz, Carlinhos e Ronaldo da Mocidade no agogô, repique e pandeiro, respectivamente, além do naipe de metais citado, e o samba-choro "Pé Sem Cabeça". O álbum, relançado em 1987 na versão digital, levou Elis novamente para a Europa, tendo destaque shows na Bélgica (ao lado de Toots Thielemans) e no 13° Festival de Jazz de Montreux, na Suíça, onde realizou uma inesquecível jam session ao lado de Hermeto Pascoal, além de uma rápida passagem pelo Japão.
Registro duplo com o aclamado espetáculo Saudade do Brasil

Depois da bem sucedida turnê pela Europa, e da mini-turnê nipônica, o casal trouxe Elis, Essa Mulher para o Brasil, e começou a montar o espetáculo Saudade do Brasil, com o objetivo de tornar o Brasil ainda mais brasileiro, redescobrindo uma brasilidade que, segundo a própria, foi perdida durante a ditadura militar. Com uma super banda formada por Nathan Marques (guitarras, violão), Kzam (baixo, violão), Sagixa (bateria), Bocato (trombone), Sérgio Henriques (teclados), Nonô Camargo (trompete), Cláudio Faria (trompete), Octavio Bangla (saxofone e clarinete), Lino Simão (saxofone), Paulo Garfunkel (flauta, clarinete, saxofone), Chiquinho Brandão (flauta) e Chacal (percussão), além de um grupo de 11 bailarinos, o mesmo estreou em janeiro de 1980 em São Paulo, e logo foi extremamente aclamado por público e mídia. A WEA oferecu a oportunidade de o casal registrar o espetáculo em um disco ao vivo, mas Elis preferiu gravar tudo em estúdio, e assim, nasceu seu primeiro e único álbum duplo, Saudade do Brasil. Em pouco mais de uma hora de duração, o álbum é dividido em momentos intensos e outros de profunda intimidade. 

O lado A é de tirar o fôlego, começando com a longa instrumental "Abertura", com um andamento veloz e um ótimo arranjo de César, que intercalou canções conhecidas da pimentinha como "Arrastão" e "Lapinha" entre um maravilhoso naipe de metais, e seguida pela vinheta "Terra de Ninguém", leva para a magistral sequência "Maria, Maria", "Agora Tá" e "Alô, Alô Marciano", essa última repleta de brincadeiras no estilo de cantar de Elis, debochando da "high society" citada na canção. 


Encartes do Box Saudade do Brasil

O lado B é mais suave, com a latina "Canção da América", onde a voz de Elis é tão suave quanto uma pluma, a dolorida "As Aparências Enganam", muito mais sofrida do que a registrada em Elis, Essa Mulher, graças ao arranjo orquestral criado por César, a tocante "Moda de Sangue", em outra sensacional interpretação da gaúcha. O samba "Marambaia" e a infantil "O Primeiro Jornal" destoam do clima ameno deste lado, e particularmente, considero a última uma das canções mais fracas registradas pela cantora. 

O lado C resgata o clima apreensivo e progressivo da turnê de Transversal do Tempo, e desprezando-se a vinheta "Presidente Bossa Nova", temos a ótima releitura para "Conversando No Bar", totalmente diferente da versão de Elis (1974), a arrepiante "Onze Fitas", na qual os efeitos dos teclados de César são simplesmente insanos, uma entrega total de Elis para "Menino" e a triste e comovente, mas com a melhor interpretação de Elis no álbum, "Aos Nossos Filhos", uma das letras mais belas de Ivan Lins. 

O lado D é o que mais gosto, principalmente por que é o mais surpreendente, com a intimista "Sabiá", de Tom Jobim, apenas com Elis e o piano de César, a assustadora "Aquarela do Brasil", com um coro de vozes e percussão remetendo-nos às tribos indígenas, enquanto Elis manda ver na tradicional peça de Ary Barroso, duas canções de Gonzaguinha, sendo a linda  e clássica "Redescobrir", trazendo seu imortal coro de vozes cantando "como se fora a brincadeira de roda" e a estonteante montagem para "Mundo Novo, Vida Nova", e a fantástica "O Que Foi Feito Deverá", mais uma canção de Milton Nascimento, outro artista que um dia irei tomar coragem de trazer sua vasta discografia para essas páginas. Saudade do Brasil foi lançado originalmente em um box com livreto e encartes especiais, em tiragem limita de de 25 mil cópias, e posteriormente, foi relançado em dois volumes (Saudade do Brasil Vol. 1 e Saudade do Brasil Vol. 2), misturando a sequência de canções da versão original.


Arrepiante sequência de imagens de Elis debulhando-se em lágrimas em "Atrás da Porta"

É importante ressaltar que no meio das gravações do álbum, o casal teve seu relacionamento passando por turbulências, chegando a se separar por algumas semanas. Mas após uma linda homenagem realizada por Elis durante o especial da Rede Globo Elis Regina Carvalho Costa, na qual primeiro ela debulha-se em lágrimas durante "Atrás da Porta", naquele que é um dos momentos mais marcantes da TV brasileira, e depois, sentada ao lado de César no piano, faz misérias com "Rebento", o casal reconciliou-se, propiciando assim a criação da última obra oficial registrada pela gaúcha enquanto viva. 

Essa magistral apresentação pode ser conferida no DVD que leva o nome do especial, que inclusive, foi relançado em formato box em 2007.

A despedida para os fãs

Elis saiu da WEA, e assinou com a EMI-Odeon, que em dezembro de 1980 lançou Elis, álbum dedicado à Rita Lee e que traz alguns nomes que se consagrariam nos anos 80, como Beto Guedes, Guilherme Arantes e os irmãos Borges. A banda de apoio conta com Nathan Marques (guitarra, baixo, violão), Sergio della Monica (percussão), Picolé (bateria), Pisca (violão) e Pedro Baldanza (baixo), e temos nele a dançante "O Medo de Amar É O Medo de Ser Livre", de Beto Guedes, a balada "Só Deus É Quem Sabe" (Guilherme Arantes), os sambas "Sai Dessa" e "Calcanhar de Aquiles", que abrem e fecham o LP respectivamente, e o bolero "Nova Estação", com a participação de Kzan no baixo e Chico Batera nas marimbas. 

A perfeita versão de "O Trem Azul", de Lô Borges, conta com a participação de José Roberto no saxofone, Lô Borges esse que participa de "Vento de Maio" (Telô e Márcio Borges) cantando de forma incidental "Um Girassol da Cor de Seu Cabelo", enquanto "Vivendo e Aprendendo a Jogar" (Guilherme Arantes) é um funk dançante influenciado pela cena disco. Este álbum contém o último grande momento de Elis com César, a linda bluesy "Rebento", (Gilberto Gil), com Elis emocionada acompanhada pelo magistral piano de César, fazendo até surdo chorar. 


Todo o material do box Elis

Considerado um álbum fraco quando de seu lançamento, hoje ele é admirado e consagrado como uma das principais obras do casal, mas particularmente, não entra em um Top 5 do que foi feito pela dupla nesse período, apesar de "Rebento" ser incrível. Elis foi relançado em CD em 2002, trazendo como bônus "Tiro ao Álvaro", "Se Eu Quiser Falar com Deus", "O que Foi Feito Devera (de Vera)" e "Outro Cais", e em 2007, ganhou uma belíssima caixa especial da Odeon para homenagear o único lançamento da artista pelo selo, trazendo como bônus a última participação de Elis em um programa de TV, o especial Jogo da Verdade da TV Cultura, que foi ao ar nove dias antes de sua morte. A despedida de Elis é uma obra que marcou por ser também o fim do relacionamento do casal, que se separou oficialmente em 1981, deixando um legado de onze discos essenciais.

O casal César Camargo Mariano e Elis Regina
Depois de uma breve temporada por Chile, Estados Unidos (onde quase foi registrado um álbum com Wayne Shorter, o que não vingou por que a gaúcha teve mais um dos vários desentendimentos que levaram a criação de seu apelido por Vinícius de Moraes) e da estreia do festival Trem Azul, o primeiro sem César, a cantora saiu da WEA para assinar com a Som Livre, por onde não chegou a lançar nenhum álbum oficial. No dia 19 de janeiro de 1982, depois de uma overdose de cocaína e álcool, a cantora é encontrada morta no seu apartamento pelo então namorado Samuel Mac Dowell. Era o fim da vida de Elis, que entrou para a eternidade como a maior e mais talentosa voz do Brasil.

Nesse período, foram lançada as coletâneas O Melhor de Elis (1979) e Elis Regina e Seus Amigos em Encontros Históricos (1981), bem como os compactos "O Bêbado E A Equilibrista" / "As Aparências Enganam" (1979), o primeiro em cinco anos, "Alô, Alô, Marciano" / "No Céu da Vibração" (1980), "Se Eu Quiser Falar Com Deus" / "O Trem Azul" (1980) e "Me Deixas Louca / Baby Face" (1982). Elis também participou de alguns álbuns, cantando "O Que Foi Feito Devera" no álbum Clube da Esquina 2 (1978), "Outros Cais", no álbum Os Borges, do grupo formado pela família Borges - Lô, Yé, Márcio, Marilton e Telo - (1980), "Tiro ao Álvaro" no álbum Adoniran Barbosa e Convidados (1980), "O Pequeno Exilado" no álbum homônimo do gaúcho Raul Ellwanger (1980), "A Corujinha", do álbum A Arca de Noé (1980), além de ter inseridas em trilhas de novelas as canções "Fascinação" (O Casarão, 1976), "Altos e Baixos" (Água Viva, 1980), "Moda de Sangue" (Coração Alado, 1980) e "Me Deixas Louca" (Brilhante, 1981).

Em quinze dias, irei trazer os álbuns póstumos lançados em nome de Elis com material inédito, bem como um apanhado geral das coletâneas que podem introduzir o ouvinte ao maravilhoso mundo dessa bela discografia da pimentinha, encerrando então nossa homenagem para a ainda hoje Maior Voz do Brasil.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

The Clash - Clash on Broadway [1991]



Quem hoje em dia se deleita com boxes recheados de mimos, dos quais a maioria sobrevive e faz boas vendas graças a camisetas, fotos inéditas, adesivos, chaveiros, patchs ou outros materiais não audíveis, pouco sabe que quando os boxes surgiram no final da década de 80, a coisa era bem diferente.

Os lançamentos da época concentravam-se na maioria das vezes eram concebidos para portarem-se como coletâneas dos artistas homenageados, trazendo aqui e a li uma ou outra canção inédita, que fazia o fã gastar alguns Obamas (Clintons ou Bushes na época) apenas para ter uma "rara" versão ao vivo de determinada faixa (lembrando que youtube ou torrent era algo impensável na época).

Uma das poucas caixas que se diferenciaram naquele início da década de 90 foi Clash on Broadway. Lançada em 1991, essa caixinha saiu no formato tradicional das caixas, aquelas retangulares com uma tampa abrindo por cima, e faz um amplo apanhado das principais faixas de uma das principais bandas do punk rock britânico entre 1977 e 1982, anos dourados do quarteto.

No total, são 64 canções divididas em três CDs, sendo cinco delas totalmente inéditas (até 1991), as quais duas são versões demo, no caso "One Emotion", retirada das sessões de gravação de Give 'Em Enough Rope, de 1978, e a balada cover de "Every Little Bit Hurts", original de Ed Cobb e retirada das sessões de gravação de Sandinista! (1980), e três canções ao vivo, as quais são "English Civil War", registrada em uma apresentação do grupo no Lyceum Ballroom de Londres, em janeiro de 1979, "Lightning Strikes (Not Once But Twice)", retirada do show no Bonds International Casino, Nova Iorque, em 1981, e "Midnight to Steven's", do show no People's Hall em Londres, 1981.

Joe Strummer, Paul Simonon, Topper Headon e Mick Jones, a formação clássica

Outro ponto positivo vai para a inclusão de doze dos vinte e cinco singles lançados pelo grupo no Reino Unido durante o período coberto pela caixa, sendo que destes vinte e cinco, cinco foram lançados com duas versões diferentes.

Um dos singles que ficaram de fora não ficou tão de fora assim, já que é a versão inédita de "English Civil War" citada acima, e seu lado B, "Pressure Drop", está incluída no box (o single de "English Civil War" / "Pressure Drop" foi lançado em 23/2/1979). Os demais excluídos são: "Capital Radio One" / "Interview" (4/77), "Remote Control" / "London's Burning" (31/5/1977), "Hitsville UK" / "Radio One" (16/1/1981) e "Know Your Rights" / "First Night Back in London" 23/4/1982).

Os doze singles são clássicos do mais alto calibre na discografia do The Clash, obrigatórios para todos aqueles que vão se aventurar nas pegadas linhas de guitarra de Jones, ou na levada de baixo de Simonon, ou sacudir a cabeleira com os vocais de Strummers, que fazem uma boa apresentação para quem não conhece o grupo. São eles:

  • "White Riot" / "1977" (18/3/1977);
  • "Complete Control" / "City of the Dead" (23/9/1977);
  • "Clash City Rockers"/ "Jail Guitar Doors" (17/2/1978);
  • "(White Man) In Hammersmith Palais" / "The Prisoner" (16/6/1978);
  • "Tommy Gun" / "1-2 Crush on You" (24/11/1978);
  • "London Calling" / "Armagideon Time" (7/12/1979);
  • "Rudie Can't Fail" / "Bankrobber" (6/1980);
  • "Train in Vain" / "Bankrobber" (6/1980);
  • "The Call Up" / "Stop the World" (28/11/1980);
  • "Should I Stay or Should I Go" / "Straight to Hell" (17/9/1982)
e os lados A "The Magnificent Seven" (10/4/1981) e "Rock the Casbah" (11/6/1982), além de "Groovy Times" / "Gates of the West" (26/7/1979*), single lançado apenas nos Estados Unidos.

Algumas letras

Aliás, no mercado americano, o The Clash lançou nove singles, sendo três deles com "Should I Stay Or Should I Go" no lado A, em formatos diferentes do britânico e somente contemplado na caixa o lado B "Cool Confusion" (24/6/1982), bem como o single com * acima.

Só aqui temos quase metade das canções da caixa em clássicos incontestáveis, que já valem a aquisição das bolachinhas. Mas e as demais? As demais são pérolas também essenciais, que mesclam-se com perfeição aos singles em uma distribuição cronológica muito bem feita.

No CD 1, além dos singles lançados de "White Riot" até "The Prisoner" na lista acima, temos "Capitol Radio", retirada do raro flexidisc de abril de 1977, e as versões ao vivo de "I Fought the Law" e "English Civil War" também citadas anteriormente. Ao longo das vinte e cinco faixas do CD, uma aula da simplicidade contagiante do Punk Rock. Canções em sua maioria entre dois e três minutos, linhas envolventes, refrões grudentos e uma banda que, apesar de ainda estar dando seus primeiros passos, mostrava-se com capacidade para alcançar grandes voos em sua carreira.

Assim, apesar de não haver nada de totalmente inédito, deliciamo-nos com raridades como as versões retiradas da primeira DEMO do The Clash, no caso "Janie Jones" e "Carrer Oportunities" (essa parecendo sair de algum álbum dos Ramones), e uma grande gama de canções de The Clash, primeiro álbum do grupo, lançado em 08 de abril de 1977 no Reino Unido, e somente em 26 de julho de 1979 nos Estados Unidos, com outro track list. Da versão britânica foram extraídas o pseudo-pop-reggae "Police and Thieves", as calmas, mas agressivas, "Garageland" e "Hate and War", e as quebra-salas "White Riot", "I'm So Bored With the U. S. A.", "What's My Name", "Deny", "London's Burning", "Protex Blue", "48 Hours" e "Cheat".

"Deny", "Protex Blue", "Cheat" e "48 Hours" não apareceram na versão americana de The Clash, mas as canções que as substituíram também ganharam lugar no track list do CD 1 de Clash On Broadway, no caso "Complete Control", "Clash City Rockers", "Jail Guitar Doors", bem como as pérolas lançadas apenas como lado B, "1977", "City of the Dead", "The Prisoner","Pressure Drop" e "1-2 Crush on You". Complementa o primeiro CD uma única canção de "Give 'Em Enough Rope, "(White Man) In Hammersmith Palais", porém na versão original do single de 1978, e uma versão raríssima de "I Fought the Law", retirada da trilha sonora do documentário Rude Boy (1980), narrando a história de Ray Gange, um fã de The Clash que larga seu emprego em um sex shop para tornar-se roadie da banda.

Capa do livreto de histórias

O CD 2 é aquele que mais vai animar os ouvidos do pessoal. Afinal, nele estão faixas dos principais discos do The Clash, Give 'Em Enough Rope (lançado em 10 de novembro de 1978) e London Calling (lançado em 14 de dezembro de 1979), além do EP Cost of Living (11/5/1979). "Safe European Home" e o single de "Tommy Gun" são os responsáveis por abrirem o CD, que compreende os singles listados acima até "Bankrobber". Um período impecável de composições marcantes que colocaram o The Clash como um dos maiores nomes do Punk Rock britânico, ao mesmo tempo que consagraram as letras-manifesto de Strummer e Jones.

O principal são as canções retiradas de London Calling, álbum de melhor reputação dos britânicos, lançado no formato duplo e vendendo mais de cinco milhões de discos em todo o mundo. Então, aproveite para ouvir onze das dezenove faixas desse incrível e fértil álbum, as quais são "London Calling", "Brand New Candillac", "Rudie Can't Fail", "Spanish Bombs", "The Card Cheat" "Lost in the Supermarket", "Train in Vain", "The Right Profile", "Clampdown", "Death or Glory" e "The Guns of Brixton", a primeira composição do grupo a realmente mostrar a influência do reggae, algo que tornou-se uma constante depois de London Calling, e também uma das raras criações de Paul Simonon, e única a contar com ele no vocal principal.

Nessas canções, podemos conferir o experimentalismo que a banda sofria naquele momento, incluindo metais, piano, sintetizadores e letras bastante críticas, que fazem ainda hoje de London Calling uma referência musical no rock 'n' roll. Ainda ligada à este álbum, "Armagideon Time", o lado B do single da faixa-título, e primeira incursão dos britânicos pelos terrenos jamaicanos do Reggae, assim como a citada "Bankrobber". Afinal, até a própria "London Calling", mesmo com todo o peso envolvido na canção, possui boas pitadas de reggae principalmente na guitarra de Jones.

Páginas do livreto de histórias

O EP Cost of Living foi lançado originalmente com cinco canções, e dele, entraram no CD 2 "Groovy Times" e "Gates fo the West", ficando infelizmente de fora a versão original de "I Fought the Law", "Capitol Radio" (que entrou no CD 1), e a rara "The Cost of Living Advert", que saiu apenas nas versões inglesas de Cost of Living. Da parte de inéditas, está apenas "One Emotion", gravada originalmente para Give 'Em Enough Rope, álbum que para o CD 2 também forneceu as citadas "Safe European Home" e "Tommy Gun", além de "Julie's Been Working for the Drug Squad" e "Stay Free".

No CD três, estão os singles a partir de "The Call Up" na lista de cima, com exceção de "Bankrobber". Musicalmente, temos a grande mudança de sonoridade do grupo. Abrangendo os álbuns Sandinista! (1980) e Combat Rock (1982), temos a saída do punk rock marcante feito pelo quarteto em "Police on My Back" e "Somebody Got Murdered", para inspirações no reggae de "The Magnificent Seven", "Cool Confusion" e "Broadway", além do pop dançante e eletrônico de "This is Radio Clash", o clima caribenho de "Washington Bullets", a New Age "The Call Up, o rockabilly de "The Leader" e as viagens musicais de "Stop the World", bem como versões editadas de "Red Angel Dragnet" e "Ghetto Defendant", reggaes confusos e que servem apenas para diminuir um pouco a qualidade do CD.

Também no CD, estão três das cinco faixas inéditas: "Lightning Strikes (Not Once But Twice)" em uma matadora versão ao vivo gravada no Bonds International Casino de Nova Iorque em 09/06/1981, "Every Little Bit Hurts", uma balada sessentista inimaginável na coleção de canções e variedades do The Clash, retirada das sessões de gravação de Sandinista!, e "Midnight to Stevens", outra balada muito diferente do pensado para uma canção do grupo, gravada em 17/09/1981 no Ear Studios, em Londres, além de uma faixa escondida, "The Street Parade", gravada originalmente em Sandinista!, uma boa canção para uma festa oitentista, e os clássicos "Rock the Casbah", "Should I Stay Or Should I Go" - que virou "Chopis Céntis" pelos Mamonas Assassinas em 1995 - e "Straight to Hell", todas essenciais para quem que conhecer a banda.

O livreto com as letras
O grande diferencial do box, mesmo com essa quantidade de sons, são os livretos que o acompanha. Um traz as letras de quase todas as canções, exceto "Police & Thieves", "Presssure Drop", "I Fought the Law", "One Emotion", "Armagideon Time", "Brand New Cadillac", "Police on My Back", "Every Little Bit Hurts"

O outro é um belíssimo booklet de 66 páginas, na qual são apresentados depoimentos de Lenny Kaye, guitarrista do grupo de Patti Smith, e o famoso jornalista americano Lester Bangs, bem como a história do The Clash desde sua fundação em 1976 até o fim do grupo com Combat Rock, narrada através de entrevistas com Mick, Paul, Terry, Joe, Topper e outros nomes ligados ao The Clash, todas compiladas e editadas por Kosmo Vinyl, empresário do grupo

Livreto com a história do The Clash entre 1976 e 1982

Dentre os principais momentos da história, é interessante quando são citados fatos no mínimo curiosos para os fãs do The Clash relacionados com às origens do grupo, como:


  • Paul Simonon não sabia tocar baixo quando entrou no grupo (e hoje ser considerado um dos maiores baixistas de todos os tempos);
  • A amizade do grupo com os membros do Sex Pistols;
  • A reverência que todos tinham perante a pessoa de Joe Strummer, vocalista do 101ers até então, e último membro a entrar no grupo, após um ultimato de 48 horas dado pelo empresário do The Clash, Bernard Rhodes, com a promessa de que a banda que Joe entraria se tornaria a maior rival do Sex Pistols;
  • O breve período que o The Clash foi um quinteto, contando com Keith Levene nas guitarras;
  • A saída de Terry Chimes e a árdua busca por um novo baterista, gerando mais de duzentas audições;
  • Diversos detalhes das gravações dos três primeiros álbuns, quando ainda eram um grupo jovem tocando nos estúdios Rehearsal Rehearsals,
  • A difícil aceitação de Topper por ter que tocar algo tão simples, sendo ele um grande fã de jazz.

Outros momentos importantes são o primeiro contato do grupo com o produtor jamaicano Lee "Scratch" Perry, um dos responsáveis pela guinada reggae que a banda teve a partir de 1980, a prisão de Paul Simonon e Joe Strummer, momentos importantes da gravação de London Calling, as mudanças de sonoridade do grupo no triplo Sandinista! e os últimos momentos com Combat Rock. Além das histórias, o booklet apresenta diversas imagens (todas em preto e branco) que eram inéditas até então, e passaram a ser reproduzidas por diversas revistas (e posteriormente sites) no mundo inteiro, bem como uma discografia detalhada dos singles e LPs lançados no Reino Unido e nos Estados Unidos.

Clash On Broadway pode parecer hoje uma caixa ultrapassada, até por que a maior parte do pouco material inédito que ela apresenta já foi relançado em outras coletâneas ou edições especiais, mas seu pioneirismo em revelar a história de uma das maiores bandas punk da história, bem como o fato da nostálgica versão dos boxes nos anos 90, que realmente eram uma caixa, fazem sua aquisição valer e muito a pena.

E se você quer saber por que do nome Clash on Broadway, sinto muito, deixo a dica apenas que o booklet irá sanar vossa dúvida.

Todo o material de Clash on Broadway

Track list

CD 1

1. Janie Jones
2. Career Opportunities
3. White Riot
4. 1977"
5. I'm So Bored with the USA
6. Hate and War
7. What's My Name
8. Deny
9. London's Burning
10. Protex Blue
11. Police and Thieves
12. 48 Hours
13. Cheat
14. Garageland
15. Capital Radio One
16. Complete Control
17. Clash City Rockers
18. City of the Dead
19. Jail Guitar Doors
20. The Prisoner
21. (White Man) In Hammersmith Palais
22. Pressure Drop
23. 1-2 Crush on You
24. English Civil War
25. I Fought the Law

CD 2

1. Safe European Home
2. Tommy Gun
3. Julie's Been Working for the Drug Squad
4. Stay Free
5. One Emotion
6. Groovy Times
7. Gates of the West
8. Armagideon Time
9. London Calling
10. Brand New Cadillac
11. Rudie Can't Fail
12. The Guns of Brixton
13. Spanish Bombs
14. Lost in the Supermarket
15. The Right Profile
16. The Card Cheat
17. Death or Glory
18. Clampdown
19. Train in Vain
20. Bankrobber

CD 3

1. Police on My Back
2. The Magnificent Seven
3. The Leader
4. The Call Up
5. Somebody Got Murdered
6. Washington Bullets
7. Broadway
8. Lightning Strikes (Not Once But Twice)
9. Every Little Bit Hurts
10. Stop the World
11. Midnight to Stevens
12. This Is Radio Clash
13. Cool Confusion
14. Red Angel Dragnet
15. Ghetto Defendant
16. Rock the Casbah
17. Should I Stay or Should I Go
18. Straight to Hell
19. The Street Parade

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Discos Que Parece Que Só Eu Gosto: Alice Cooper - The Last Tempation [1994]



A discografia de Alice Cooper é recheada de altos e baixos. Depois de uma estreia tímida com Pretties for You, Alice e sua banda marcaram o início da década de 70 com álbuns essenciais na discoteca metálica de um admirador do estilo, com destaque para Killers (1971), Billion Dollar Babies (1972) e School's Out (1972). O último disco como banda Alice Cooper, Muscle of Love (1974), mostrava que o grupo já não caminhava por caminhos sólidos, e assim, tia Alice partiu para sua carreira solo.

Logo na estreia, dois petardos certeiros: Welcome to My Nightmare (1975) e Alice Cooper Goes to Hell (1976), que consagraram o artista como o principal nome do rock de horror, com suas histórias repletas de contos capazes de assustar até Stephen King. Porém, o final da década de 70 foi marcado pelos excessos de drogas e bebidas, até que depois de From the Inside (1978), Alice mergulhou no mar da obscuridade, compartilhando com diversos colegas lançamentos de gosto duvidoso por boa parte dos anos 80.

Alice Cooper comemora o retorno à boa fase
Foi com Raise Your Fist and Yell (1987) que Alice conseguiu voltar ao mercado da música, graças a um álbum bastante pesado, que teve sequência com o aclamado Trash (1989), álbum de incrível sucesso, puxado pelo hit "Poison". Dois anos depois, Hey Stoopid contou com a participação de gigantes do metal, como Slash, Mick Mars, Steve Vai, Vinnie Moore e Joe Satriani nas guitarras, e ainda Ozzy Osbourne nos vocais, e o disco vendeu muito, mas um lado da crítica especializada, e principalmente dos fãs, faziam sempre que possível a citação de que Alice conseguiu o sucesso fugindo daquilo que o consagrou, o rock de horror.

Pois foi com essa crítica enfadonha em mente que Alice concebeu seu álbum mais ousado na década de 90, praticamente esquecido em sua discografia, e que considero um dos melhores trabalhos feito pelo artista americano em sua carreira solo. The Last Temptation chegou às lojas em 1994, trazendo junto com o vinil uma história em quadrinhos, escrito por Neil Gaiman e com ilustrações de Michael Zulli, em artes advindas da produtora Marvel Comics. Tudo isso para elucidar uma história de suspense envolvendo Steven, um jovem garoto cercado de problemas e questionamentos pessoais, que já havia sido o personagem principal de Welcome to My Nightmare,  e também tema de uma canção de Hey Stoopid!, no caso "Wind-Up Toy", e um diretor de teatro que, através de jogos psicológicos, tenta levar Steven para o mundo sobrenatural.

Os três volumes da história em quadrinhos
A história foi lançada em história em quadrinhos em três volumes, e vamos tratar da história em quadrinhos antes das canções do LP. Apenas o primeiro volume acompanhava a versão original do LP, com os demais sendo possíveis de ser adquiridos pouco depois do lançamento do álbum. Tudo começa com Steven e um grupo de amigos andando pelas ruas de uma determinada cidade na véspera do Halloween, parando diante de um Teatro que é novo na cidade, o The Theater of the Real - The Grandest Guignol (Teatro do Real - O Grandioso Guignol), sendo o Guignol um teatro que realmente existiu nos anos 20, na França. Um recepcionista - o próprio Alice Cooper - faz as honras da casa e convida um dos cavalheiros para entrar. Por pressão dos amigos, o escolhido é Steven. Descobrimos então que o recepcionista é o diretor do teatro, e também o apresentador.

No teatro, Steven é apresentado à uma moça chamada Mercy, que recebe seu ingresso ao mesmo tempo que o diretor diz que tudo no teatro é livre. Mercy desaparece diante dos olhos de Steven, que penetra no teatro para assistir o que o diretor disse ser uma peça inesquecível.

Encarte do LP, mostrando a entrada de Steven no teatro,
em sequência de imagens que também aparece na história em quadrinhos

O personagem principal da peça é, por incrível que pareça, o próprio Steven, que passa a dialogar com zumbis e outros seres assustadores. Porém, o garoto não percebe que tudo é uma história armada para conquistar a confiança dele com o administrador do Teatro, que tem outras intenções junto à pessoa de Steven. No final do primeiro livro, ele acaba saindo do teatro sendo zombado pelos amigos, mas carregando na face uma imagem sinistra de que algo mudou em sua vida.

O início do segundo livro traz Steven correndo, voltando para casa, e encontrando sua mãe. Após levar uma breve "regada" do pai e da mãe, Steven vai para o quarto, e assustado, percebe mudanças na voz e na personalidade da mãe, que remetem ao diretor do teatro. Assustado, Steven acaba adormecendo, tendo um estranho pesadelo no qual necessita salvar Mercy das garras do diretor.

Encerramento do livro I

No outro dia, Steven acorda para ir a escola, buscando mais informações sobre o teatro, que não existe. Ninguém conhece o teatro, os amigos que "pareciam" estar com ele na frente do teatro dizem que não estavam lá, e Steven fica mais perturbado do que quando saiu do mesmo.

Na escola, ele enxerga o diretor Alice Cooper em vários personagens - a professora, o técnico do time de beisebol, a merendeira, dois colegas, o zelador, e por fim, encontra o próprio Alice diante do espelho. É véspera de Halloween, e nesse momento acaba o livro II, com Steven fazendo a clássica maquiagem de Tia Alice para ir "assustar" as pessoas no tradicional "Gostosuras ou travessuras".

Encerramento do livro II

O livro III começa já no Halloween, com Steven e amigos fantasiados saindo pela escola. Steven foge da turma, e vai buscar informações sobre o teatro em uma biblioteca. Lá ele pesquisa em diversas fontes, e acaba frustrando-se. Saindo da biblioteca, Steven encontra  na rua zumbis parecidos com o que viu no teatro, e retorna ao mesmo em um passe de mágica. No Teatro, ele é confrontado com o diretor, e finalmente, Steven descobre tudo o que aconteceu.

O diretor havia mostrado para o garoto os problemas e dramas da fase adulta, tentando levar Steven para um pensamento de que a vida adulta é feita somente de coisas ruins, que a fase adolescente pela qual ele passava era a vida ideal e a melhor etapa que tinha que ele passava. 

Encerramento do livro III

Dessa forma, o Diretor faz uma oferta estranha para Steven: ele nunca mais iria envelhecer, e para isso, bastava entrar para o teatro. O garoto pensa sério sobre o assunto, mas então, ao ver Mercy novamente, agora como uma zumbi, acaba refutando da ideia. Depois de muita discussão e ameças do diretor, em uma batalha psicológica muito forte, Steven consegue sair do teatro, salvando Mercy,  a qual ele acaba descobrindo ser uma fantasma. 

A história encerra-se com o Diretor ainda presente na mente de Steven, mesmo com toda a discussão e briga, sugerindo que, apesar de ter se livrado da questão "dúvidas adolescentes", o medo ainda continuará diante dele.


Encarte de The Last Tempation

Acompanharam Alice na gravação de The Last Tempation Stef Burns (guitarra, vocais), Greg Smith (baixo, vocais), Derek Sherinian (teclados, vocais) e David Uosikkinen (bateria), além dos vocais de apoio Lou Merlino, Mark Hudson, Craig Copeland e Brett Hudson.

O que muitos reclamam é que o acabamento final de The Last Tempation não representa um álbum fiel ao som de Alice Cooper. Realmente, ouvindo o disco na sua integridade, encontramos elementos de diversas bandas em voga naquela época, como The Cult, Guns N' Roses, Soundgarden e Mötley Crüe, por exemplo, o que por outro lado, é o que torna o álbum mais atraente.

Alice Cooper e Derek Sherinian
The Last Temptation surge com o violão puxando o riff da oitentista "Sideshow", com seu andamento característico de canções da década de 80, na linha de Mötley Crüe e Poison por exemplo, cuja a letra apresenta-nos Steven, um garoto frustrado que procura por coisas legais e aterrorizantes para fazer. Apesar de o nome Steven não ser citado, sabemos que ele é o personagem por conta da história em quadrinhos, já que o volume 1 acompanhava a versão original do LP. Musicalmente, destaca-se o trecho do solo final, com a participação de metais que lembram bastante algumas viagens musicais feitas pelos Rolling Stones na década de 70.

Barulhos de circo e a voz de Cooper fazendo o personagem do diretor do teatro levam-nos para "Nothing's Free", a qual surge com um forte andamento percussivo, em uma canção que parece ter saído dos álbuns do The Cult. A voz de Cooper modifica-se, para encarar o personagem do diretor, que nesta canção, surge para conversar com Steven, com destaque para o belo solo de Burns.

Single de "Lost in America"
Na sequência, uma das canções mais hards da carreira de Cooper, "Lost in America", contando com a participação de Don Wexler nas guitarras, coloca Steven dentro do Teatro, com os problemas da fase adulta/adolescente sendo apresentados para ele (sem mulher, sem carro, sem emprego, problemas familiares) e com uma hilária citação para "Estou tentando tocar guitarra, aprendendo 'Stairway to Heaven' ...), e cujo refrão, assim como toda a canção, resgata faces do Guns N' Roses dos álbuns Use Your Illusion, além de novamente apresentar uma tímida participação dos metais, e encerrar com uma breve citação a "Star Spangled Banner", mais conhecido como o hino nacional americano.

"Bad Place Alone" mostra a face raivosa de Steven, uma criatura das ruas dura como a pedra, sobre um andamento arrastado e pesado. A presença de Steven no Teatro conclui-se com "You're My Temptation", canção que já entra rasgando com o riff de wah-wah estourando as caixas de som, mantendo o clima arrastado de "Bad Place Alone", e é o momento em que Steven cai em tentação por Mercy. John Purdell participa nos teclados de "You're My Temptation", que safadamente, o diretor do teatro canta sussurra uma canção, e com uma risada sádica, conclui o Lado A de The Last Temptation.


Alice Cooper e Chris Cornell

A balada "Stolen Prayer" abre o lado B com Steven voltando para a casa e refletindo sobre o que viu no Teatro, Chris Cornell participa co-assinando essa faixa e fazendo vocais de apoio, e ele é o único responsável pela composição da próxima faixa, "Unholy War", com um ritmo agressivo, um show de guitarras e Steven cada vez mais perturbado em seu mundo.

Single de "It's Me"
"Lullaby" surge com vozes que sugerem o desespero vivencial de Steven, e deixa mais claro os medos do menino, que confronta seus medos, principalmente dos monstros que vivem sob a cama de Steven ou preso no armário do mesmo. Musicalmente, as guitarras de Burns são o principal destaque de uma ótima faixa, onde Steven revela seu desejo de não querer ser uma criança assustada, e assim, o diretor entra novamente em ação, agora na leve "It's Me", com o diretor falando para Steven das coisas que ele viveu no Teatro, como viagens para Paris, Espanha, Rio de Janeiro e Londres, mas que independente disso, ele sempre viverá com medo, e esse medo é o próprio diretor que o persegue. O grande destaque para essa balada vai para a presença do mandolin, um instrumento que marcou a música que acabou tornando-se o principal sucesso do álbum, atingindo a trigésima quarta posição nos charts britânicos. Em ambas as canções está a participação de John Purdell nos teclados.

O melhor do disco fica para o encerramento. "Cleansed By Fire" é uma faixa pesada, na qual Steven e o Diretor duelam com rispidez, trocando farpas entre riffs pesados e um dos refrões mais grudentos da carreira de Tia Alice. No fim das contas, o Teatro é queimado, ficando a sensação de que Steven conseguiu livrar-se de seus medos, mas ao final da faixa, sons induzem o ouvinte ao fato de que a história ainda não foi encerrada.


Contra-capa de The Last Tempation

Entendo que a torcida de nariz para o álbum seja por conta do som ser muito diferente do que Alice Cooper já havia gravado, e a história não ser das mais fortes, mas acredito que esse preconceito dos ouvidos é culpa de quem apenas vê cara e não vê coração. Por outro lado, o desprezo e rejeição foi tamanha que Alice demorou seis anos para voltar ao batente, com o ótimo e barulhento Brutal Planet (2000).

Como não sou um xiita, afirmo com convicção que ouvir The Last Temptation sem conhecer ou lembrar do passado de Alice com certeza irá mudar o pensamento de muitos sobre ele, e quem sabe, venham me acompanhar e desmentir que esse seja um Disco que Parece que Só Eu Gosto.


O LP e as revistas com a história de Steven

Track list

1. Sideshow
2. Nothing's Free
3. Lost in America
4. Bad Place Alone
5. You're My Temptation
6. Stolen Prayer
7. Unholy War
8. Lullaby
9. It's Me
10. Cleansed By Fire
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