quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Erasure - ABBA-esque [1992]


Os britânicos Andy Bell (vocais) e Vince Clarke (sintetizadores) são conhecidos pelo seu enorme sucesso através do Erasure, banda que no final dos anos 80, início dos anos 90, tornaram-se gigantes do Synthpop através de mega-sucessos como "A Little Respect", "Star", "Blue Savannah", "Oh L'Amour", "Stop!", "Victim of Love", entre outros. Uma das grandes inspirações para o duo foi o grupo sueco ABBA (Agnetha Faltskog, Björn Ulvaeus, Benny Anderson e Anni-Frid Lyngstad), os quais constantemente apareciam em versões covers nas apresentações da banda, sendo que logo no primeiro single do grupo, "Oh L'Amour" (1986), o Erasure já traz uma versão para "Gimme! Gimme! Gimme! (A Man After Midnight)" no lado B da bolacha de 12" (e em edições posteriores em CD). O sucesso e retorno que os fãs davam a esses covers levaram Andy e Vince a pensar em algo maior, e assim nasce o álbum aqui resenhado hoje. 

Inicialmente planejado para ser lançado como um disco completo de tributo ao ABBA, ABBA-esque acabou saindo como EP em primeiro de junho de 1992, e logo o disquinho acabou se tornando o primeiro e único EP do duo a ser número 1 na terra Natal dos rapazes, onde permaneceu por cinco semanas consecutivas, assim como também foi o mais vendido na Áustria, Dinamarca, Finlândia, Grécia, Irlanda e Suécia.

Andy Bell e Vince Clarke. Erasure em 1992

As vocalizações de Andy apresentam "Lay All Your Love On Me", faixa que foi regravada até pelo Helloween (!), e que aqui, ganha toda uma camada de sintetizadores tipicamente Erasure. O cidadão que desconhece ABBA certamente irá pensar que é uma canção original do duo. Vince puxa o riffzão de "S. O. S.", com uma interpretação fiel de Andy para as doloridas falas de Agnetha na versão original. Toda a linha vocal é mantida, assim como as notas centrais deste clássico também se fazem presentes, porém através dos sintetizadores. 

Chegamos então em "Take a Chance On Me", faixa para cima, alegre, clássico absoluto, e que ganhou um hilário video-clipe promocional no qual Andy e Vince estão travestidos de Frida e Agnetha respectivamente (falarei mais adiante sobre os vídeos que saíram daqui). A faixa por si só contém ainda a participação de MC Kinky fazendo um rap em sua parte central, é uma das melhores do EP,  junto da seguinte, a inesperada "Voulez Vous". Os sintetizadores trazendo a fabulosa introdução desta pérola já são um grande atrativo. A partir do momento que Andy começa a entoar uma das letras mais audaciosas de Björn Ulvaes, a casa vem abaixo. Como o ABBA sabia compor faixas absolutamente fantásticas, e que felicidade de ver o Erasure adaptar algo tão grandioso para o seu estilo, sem perder a grandiosidade.

Vince "Faltskog" Clarke e "Andy-Frid Lyngstad" Bell.
Erasure travestidos de ABBA no clipe de "Take a Chance on Me"

As quatro faixas ganharam clipes promocionais, lançados no VHS ABBA-esque. "Lay All Your Love On Me" faz uma mistura de Bela Adormecida e Chapeuzinho Vermelho na qual a primeira é socorrida graças a uma ligação da segunda para Andy e Vince, que com motos voadoras (isso funcionava nos anos 90 como legal?), chegam até a floresta e, com um beijo de amor, Andy acorda e salva a Bela Adormecida. Em "S. O. S.", Andy surge executando tarefas diárias de um dono-de-casa (cozinhar, limpar, passar roupa, ir ao mercado, etc), enquanto lamenta a ausência da pessoa amada. O clipe de "Voulez Vous" tem Andy com uma roupa comum a Benny, e Vince com o famoso terno vermelho de Björn, fazendo a apresentação em um palco giratório. Simples demais para uma faixa tão boa. Por outro lado, a citada "Take a Chance On Me" é um dos melhores videos da carreira da dupla. Ver o sempre sério Vince Clarke fazendo as caras e bocas sensuais de Agnetha é de rolar de rir, e o clipe por si só resgata muito bem momentos do vídeo original dos suecos, inclusive o mural de quatro faces. Parabéns ao diretor Philippe Gautier (os demais vídeos ficaram a cargo de Jan Kounen). 

                                   


Uma das várias versões de Erasure-ish,
aqui emulando a capa de Arrival

Vale a pena citar que ainda em 1992, como uma espécie de "resposta" a ABBA-esque, o quarteto australiano Björn Again lançou Erasure-ish, EP que traz versões de dois sucessos do Erasure ("A Little Respect" e "Stop!") interpretados no estilo ABBA. No mínimo curioso, e com vídeos muito interessantes. 

ABBA-esque não contém nenhuma versão melhor ou igual a original, isso é fato. Posteriormente, saiu uma edição com versões Remix para as quatro faixas, obviamente chamada ABBA-esque  The Remixes, e com o Erasure tendo o pseudônimo "Club" inserido ao seu nome, mas essa é somente para os fanáticos desejosos de ter tudo de seu ídolo. Caso apenas queira curtir uma honesta homenagem à uma das maiores bandas Pop da história, e feita dignamente por um dos maiores nomes do Synthpop da história, vá de cabeça nesse EP que não terá erro!

Contra-capa do EP

Track List

1. Lay All Your Love On Me

2. S. O. S.

3. Take A Chance On Me

4. Voulez-Vous

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Caetano Veloso & Banda Black Rio - 1978 Bicho Baile Show Ao Vivo No Teatro Carlos Gomes [2002]

No ano de 2002, foi lançada a incrível caixa Todo Caetano. O box da Universal Mercury traz nada mais nada menos do que toda a obra de Caetano Veloso, diluida em nada mais nada menos do que 41 (!) CDs e 1 DVD. Um dos 3 CDs inéditos do box (que apresento abaixo no nosso canal através da coluna Man in the Box) traz o registro da apresentação de Caetano durante a turnê do álbum Bicho (1977) ao lado da banda Black Rio no Teatro Carlos Gomes do Rio de Janeiro, em 1978.


Caetano estava fazendo a transição da sua carreira anárquica (que começará com Transa, 1972, passando por Araçá Azul de 73 e a dupla Joia / Qualquer Coisa, lançados em 1975) para o lado mais popular que o levou ao status de ícone da música brasileira (com os lançamentos de Muito Dentro da Estrela Azulada, de 1978, o mega sucesso Cinema Transcendetal de 1979, Outras Palavras, de 1981 e Cores, Nomes, de 1982), sendo Bicho o disco que faz essa mudança, sendo quase uma coletânea de sucessos, já que contém "Tigresa", "Odara",  "Gente", "O Leãozinho", "Um Indio", "Two Naira Fifty Kobo" e mais as anárquicas "Olha O Menino", "A Grande Borboleta" e a sensacional "Alguém Cantando", com a voz da irmã de Caetano, Nicinha.

Capa interna gatefold

Caetano vinha sendo criticado pela impresa justamente por se afastar da Tropicália e "se vender" ao lado mais comercial, e antenado com a onda disco music, e o sucesso da Black Rio com o excelente disco Maria Fumaça, chamou o grupo formado por Claudio Stevenson (guitarras), Jamil Joanes (baixo), Sidinho Moreira (percussão), Cristóvão Bastos (piano elétrico), Oberdan Magalhães (saxofone, flauta), Lucio Da Silva (trombone) e Barrosinho (trompete) para dividir o palco neste audacioso e impressionante show, que com certeza é uma das maiores performances da carreira do baiano, felizmente resgatada por Charles Gavin no box citado acima. 

A linda introdução da Black Rio para "Intro/Odara", com a presença da flauta de Oberdan, já prepara o terreno para o que virá a seguir, 80 minutos de muita energia em um conjunto que está vivendo uma forma impecável. Então, começa o swing dos metais e da guitarra, além do groove da ótima cozinha comandada pelo baixo trepidante de Jamil Joanes, embalando "Odara" por mais de 8 minutos, com solos de guitarra, fantástico arranjo de metais, e Caetano cedendo espaço para a Black Rio se apresentar para seu público. Caetano então empunha o violão para a introdução de "Tigresa" (mais uma audácia começar o show com duas músicas do mais recente álbum). Aos poucos, a Black Rio vai surgindo, transformando totalmente esse clássico, com os metais e o piano elétrico fazendo inserções magistrais. A performance de Caetano também é de destaque, com seus exageros vocais que marcam sua carreira sendo presentes, e ao mesmo tempo com uma força pouco comum em sua voz. O solo de trompete aqui é Magistral com M maiúsculo, assim como toda a canção! A Black Rio também faz mais uma das suas junto de Caetano, ao reformular "London London", de uma canção triste para uma suave e dançante faixa, onde a guitarra brilha com passagens muito bem inseridas, assim como a harmonia dos metais casa muito bem com a percussão. 

Encarte do CD

Caetano então sai do palco para deixar a Black Rio brilhar. Quem nao conhece a banda, prepare os ouvidos para muita ginga, e para o groove impactante do baixão de Jamil Joanes, um dos maiores músicos do Brasil. O hepteto manda ver em versões arrepiantes para "Na Baixa Do Sapateiro", "Leblon Via Vaz Lobo", e a pérola de abertura da novela Loco-Motivas, "Maria Fumaça". As três faixas, presentes no álbum homônimo do grupo (1977), são apresentadas com muitos improvisos individuais, e é genial, além de muito humilde, Caetano abrir esse longo trecho do show para que seus músicos brilhem. São quase 20 minutos exclusivos do grupo, nos quais a Black Rio mostra por que é uma das bandas mais cultuadas no mundo do funk/disco nacional, e não à toa, Maria Fumaça é um clássico atemporal dos lançamentos nacionais.

A percussão então traz Caetano para o palco, interpretando "Two Naira Fiffy Kobo", esta sim, muito fiel ao original, e com o baiano prestando sua homenagem à Jorge Ben, Luiz Melodia, Gilberto Gil e a própria Black Rio. Os improvisos retornam em "Gente", relembrando a fase Devadip de Carlos Santana, com o saxofone, órgão e percussão brilhando na introdução dessa empolgante canção. Os arranjos dos metais compensam a ausência dos vocais femininos originais, criando uma nova visão para o que ouvimos sair das caixas de som, além de fazer passagens que não estão presentes na versão original, principalmente o trecho final com a trilha d'Os Trapalhões. E o embalo segue com mais uma recriação, agora a assustadora e irreconhecível "Alegria, Alegria". Quem conhece a famosa versão tropicalista irá se surpreender com o que está registrado aqui. Guitarra a la Chic, metais a la Earth, Wind & Fire, uma versão puramente Black Tropical.

Parte interna do encarte

Temos mais uma sequência Black Rio, com "Baião" e "Caminho Da Roça", novamente com muitos improvisos - o que Cristóvão faz ao piano deve ter sido digno de abrir um sorriso de orelha a orelha em nomes como Chick Corea (R.I.P.), Jan Hammer e Herbie Hancock -  e encerrando o show com uma inexplicável revisão para "Qualquer Coisa" - não há palavras para descrever o quanto reformularam a música do álbum homônimo de 75, apenas ouça - e o ritmo trio elétrico grooveado de "Chuva Suor E Cerveja", clássico carnavalesco de Caetano que agitou (e ainda agita) carnavais Brasil afora.

Todo Caetano, quando encontrada completo, com o CD aqui resenhado, é um rim, um fígado e um pulmão, e mesmo o CD individual não se encontra por menos de 500 reais. Felizmente, streamings estão aí para compensar o fato de ter esta mídia fisicamente, permitindo uma audição fantástica, que dara um tapa na boca daqueles que ainda ousam chamar Caetano de chato, babaca, entre outros adjetivos pejorativos, sem ao menos conhecer a obra do cara. Viva Caetano, que completa hoje 82 anos. Muita saúde e obrigado por todas as canções e alegrias alegrias que você traz para o seu fã. Você é totalmente demais!

Contra-capa do CD


Track list

1. Intro / Odara

2. Odara

3. Tigresa

4. London London

5. Na Baixa Do Sapateiro

6. Leblon Via Vaz Lobo

7. Maria Fumaca

8. Two Naira Fiffy Kobo

9. Gente

10. Alegria Alegria

11. Baião

12. Caminho Da Roça

13. Qualquer Coisa

14. Chuva Suor E Cerveja

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