quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Maravilhas do Mundo Prog: Kansas - Magnum Opus [1976]




Antes que você se pergunte: "O quê, esse cara tá louco? Que que o Kansas faz aqui???" saliento que eu não estou louco, e esse Kansas que você pensa (que gravou "Dust in the Wind" e "Play the Game Tonight") é o mesmo Kansas citado. 


Fundado em 1970 por Phil Ehart (bateria), Kerry Livgren (guitarras, teclados) e Dave Hope (baixo), o Kansas em apenas dois anos teve várias formações, até estabelecer-se com os três acima mais Robby Steinhardt (violino, voz), Rich Williams (guitarras) e Steve Walsh (teclados, voz, percussão). Esse time foi contratado por Don Kirshner (do famoso programa Don Kirshner's Rock Concert), e juntos, lançaram 8 vinis, dos quais 5 são fundamentais para qualquer colecionador de rock progressivo.


Sim, isso mesmo. Os álbuns Kansas [1974], Song for America [1975],Masque [1975], Leftoverture [1976] e Two for the Show [ao vivo, 1978] apresentam tudo o que uma banda progressiva necessita para ser considerada como a tal, ou seja, virtuosismo, dificuldade nas composições e longas suítes.  Várias canções dessa fase do grupo (que sofria uma forte dúvida entre concentrar-se no blues e rhythm'n'blues ou investir pesado no progressivo) podem estar presentes aqui no Maravilhas do Mundo Prog, e talvez aos poucos eu comente sobre elas, mas nenhuma delas é tão maravilhosa quanto "Magnum Opus".


Lançada no álbum Leftoverture, "Magnum Opus" foi o último suspiro do Kansas mezzo progressivo mezzo bluesy  antes de gravar o álbum Point of Know Return, onde encontra-se "Dust in the Wind" e onde o grupo finalmente estourou. Na verdade, "Magnum Opus" nunca foi uma música pensada para ser como tal, e sim uma junção de seis partes que sobraram das suítes que o Kansas havia gravado anteriormente. Porém, o trabalho para fundir essas seis partes em uma complexíssima canção que fizesse sentido tornou "Magnum Opus" uma das canções mais difíceis de serem executadas na história do Kansas, e a nossa Maravilha do Mundo Prog dessa semana.

 Kansas no início da carreira. Da esquerda para direita: 
Dave Hope, Rich Williams, Robby Steinhardt,
Phil Ehart, Steve Walsh e Kerry Livgren.

Não é a toa que o grupo batizou-a com esse nome, que traduzindo do latim, significa "Grande Trabalho". Tudo começa com "Father Padilla Meets The Perfect Gnat", uma sessão lenta, onde o violino faz o tema da sessão, com as guitarras, baixo e bateria marcando pesadamente para Walsh, nos teclados, repetir o riff do violino, já dando o primeiro soco no estômago do ouvinte. O baixo então passa a solar acompanhado apenas pela bateria, com um virtuosismo não comum para Hope, e então a canção muda o clima, com Walsh solando ao xilofone enquanto a banda faz um leve acompanhamento. 

Do xilofone, surge o solo de Williams, ainda com a banda tocando suavemente, e então surge "Howling at the Moon", onde Walsh começa a cantar sobre o poder da música na vida de todos nós, dizendo que  "the music is all for you It's really all we've got to share" e que os roqueiros estão "apenas uivando para a lua", uma analogia um tanto confusa, mas enfim, a partir de então o lobo uiva, ou melhor, o bicho pega!

Tudo muda! Preste atenção em cada detalhe da canção por que aqui posso não conseguir narrar o que acontece nos próximos seis minutos de insanidade geral. Os teclados de Walsh apresentam "Man Overboard". Baixo e bateria surgem fazendo pequenas marcações, e então Livgren no moog, Hope no baixo e Steinhardt no violino, duelam em cima do mesmo riff, enquanto Walsh faz acordes no órgão acompanhando o ritmo de Ehart e Williams, baixando então um tom no duelo para Steinhardt viajar no violino enquanto agora Williams e Hope duelam ao fundo em um outro riff com Walsh e Livgren marcando o tempo junto com Ehart.

Steinhardt, Williams e Walsh agora fazem um novo tema enquanto Hope, Ehart e Williams marcam o tempo (doideira pura) e então novamente sobem o  tom. Steinhardt viaja novamente no violino, enquanto a banda inteira fica repetindo o mesmo tema. O que vem a seguir é algo complicadissimo. Intrincadas sessões de um duelo entre teclados, baixo, violino e guitarra apenas, e o teclado puxando "Industry on Parade", a parte mais pesada da canção, onde em uma caixa de som, Hope, Williams e Livgren (agora com a guitarra) ficam repetindo um riff intrincadissimo, enquanto na outra caixa de som, Walsh e Steinhardt fazem um tema nada a ver com o que as cordas estão fazendo, degladiando-se entre si de uma forma descomunal, tendo como juiz apenas Ehart, que faz a marcação do tempo dessas duas batalhas de uma forma precisa. 


O tom sobe mais uma vez, entrando em mais uma sequência fantástica, onde  em uma caixa fica apenas a guitarra de Williams, enquanto na outra Livgren delira na sua guitarra. Ehart novamente é o fiel da balança, marcando o tempo com viradas a la Peart. Recém passou-se um minuto e meio! Ainda tem muito mais.
 

Baixo, guitarras e teclados fazem mais um tema, pesado ao extremo, com Ehart acompanhando, e, do nada, o violino viajante de Steinhardt surge. O clima fica sombrio. O tema é repetido pelos músicos com o volume mais abaixo, e novamente o violino delirante aparece assombrando o recinto. Então, Livgren faz um riff bem thrashzão, com marcações da banda, passando a bola para Williams reproduzir o riff e depois os dois juntos, até os teclados fazerem uma cama para uma rápida sequência onde enquanto as guitarras e o teclado sobem uma determinada escala, violino, baixo e órgão descem outra, tudo com um acompanhamento fenomenal de Ehart, que mantém o nível desses distintos duelos lá em cima.
 

Então, todos passam a fazer o mesmo riff, ainda mais pesado do que os outros que você já ouviu, de onde surgem Livgren nas guitarras e Steinhardt batalhando entre si. Mais uma curta sessão de doideiras e os 40 segundos que se passaram foram o golpe no queixo (tudo o que narrei desde onde avisei que tinha muito mais foram em apenas 40 segundos).
 

"Release The Beavers" acalma os ânimos, como que a poeira baixasse após a  gigantesca batalha proporcionada pelo Kansas. Uma guitarra dedilhada faz a base para o xilofone solar apenas, então, aos poucos baixo e bateria vão surgindo, até Steinhardt mandar um lindo e ao mesmo tempo assustador solo de violino enquanto Livgren passa acompanhar no órgão o que o xilofone faz. 


A canção vai ganhando ritmo, e num último fôlego, a batalha pega fogo de novo em "Gnat Attack". Enquanto Williams, Ehart e Hope fazem o riff anterior,  Livgren sola. Livgren faz um riff novo enquanto a banda inteira marca o tempo em outro tema. Todo mundo se junta, mas não por muito tempo, pois é a vez de Walsh viajar no moog enquanto o que acontece no fundo é uma sonzeira infernal. Em clima de "
vamos resolver essa situação", pomposamente todos vão crescendo nas escalas juntos, até retomarem ao riff lá do início de "Father Padilla...", encerrando majestosamente e imponentemente, num "mata-cobra" que você cai no solo se debatendo, perguntando a si mesmo: "não pode ser, eu não ouvi isso, não é o Kansas!" (confesso a todos e tenho testemunhas aqui no Consultoria que comprovam essa reação com quem vos escreve).

 Kansas durante turnê de Leftoverture.
No sentido horário, esquerda para direita:
Phil Ehart, Rich Williams, Robby Steinhardt,
 Dave Hope, Kerry Livgren e Steve Walsh.

O magistral trabalho de Ehart é o principal destaque entre os diversos duelos da faixa. O mais incrível é ouvir essa canção ao vivo. O Kansas sempre a deixava como a faixa de encerramento, logicamente, já que o desgaste para tocar uma canção tão rápida, pesada e intrincada como essa, não é brincadeira.

Como eu disse, o Kansas tem muitas maravilhas perdidas em seus álbuns, desde "The Pilgrimage" e "The Pinnacle" até "Incomudro", todas com sua virtuose e intrincações. Ainda dentro de Leftoverture temos pelo menos mais duas pérolas: "Cheyenne Anthem" e "Mysteries and Mayhem", e também "Carry on My Wayward Son", que deu o pontapé para a guinada AOR que o grupo sofreria no álbum seguinte. 



Mas nada dentro do Kansas, nada mesmo, e digo até nem nas bandas mais progs como Yes, Gentle Giant ou Van der Graaf Generator, se compara ao Grande Trabalho de "Magnum Opus".

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