quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Mutantes Parte II

Os Mutantes já tinham se tornado a maior banda do rock nacional. O sucesso de seu segundo álbum, regado com as diversas participações em festivais, fizeram com que Rita Lee se tornasse uma musa para os fãs, chamando a atenção também de diversas gravadoras.

Nos festivais, os Mutantes começaram a ganhar notoriedade desde o início, como citado na primeira parte. Em 1968 eles acompanharam Caetano na interpretação de "É Proibido Proibir", no II Festival Internacional da Canção, organizado pela Rede Globo. No mesmo festival eles defenderam uma canção própria da banda, no caso "Caminhante Noturno", o que gerou certas turbulências para a emissora, já que diversos compositores enviaram um abaixo-assinado para a mesma protestando contra a participação dos Mutantes. 

"Dom Quixote" foi defendida no IV Festival da Música Popular Brasileira, organizado pela Record, e contou com a participação do grupo Anteontem 56 e meio, o qual era o embrião da famosa Joelho de Porco. A banda ainda registraria o compacto "Glória Ao Rei dos Confins do Além", em 1968, e faria uma ponta no filme "As Amorosas", onde interpretaram "Misteriosas Rosas Brancas" e "O Tigre", sendo que Rita teve um papel de, digamos, destaque em comparação aos demais integrantes dos Mutantes.
Primeiro disco com Liminha
Após o lançamento de "Mutantes", foram convidados a participar de uma feira na França, onde apareceram até na TV do país, agora contando com o novo integrante, Dinho, na bateria. A passagem pela França influenciou direto os garotos, que voltaram a mil para o Brasil, lançando o antológico e marcante "A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado". Já na capa, uma visão do inferno de Dante, com Arnaldo saindo de uma tumba feita de isopor e com muito gelo seco, mais uma idéia do irmão Cláudio. 


O disco abre com a clássica "Ando Meio Desligado", com o riffzão chupado de alguma banda da década de 60. Essa é com certeza a mais famosa canção da banda. "Quem Tem Medo de Brincar de Amor" mostra como os Mutantes haviam evoluído musicalmente. Agora não precisavam mais dos arranjos de Duprat ou das letras de Caetano e Gil. O carisma de Serginho, a genialidade de Arnaldo e a voz de Rita eram instrumentos que podiam seguir por si só, e essa é uma canção que mostra bem isso, com Rita entoando um "inglês-americano" no meio de uma bossa nova, que se torna um rockzão pesado com riffs grudentos. 


Aliás, Serginho nesse álbum especializou-se em criar riffs. "Ave Lúcifer" é uma balada que traz Rita nos vocais cantando de forma fenomenal, seguida por mais uma balada, "Desculpe Babe" (teria Arnaldo feito essa canção em homenagem à Rita?). "Hey Boy", composta juntamente com Élcio Decário, é uma canção que mostra a parte "jazzística" da banda, lembrando as tradicionais bandas de jazz da década de 40. 


Por fim, a melhor música do álbum, o bluesão "Meu Refrigerador Não Funciona", composta pelo trio original e que foi uma das canções de maior trabalho para ser gravada, tudo por que durante a estada na França Serginho e Arnaldo viram um show de Janis Joplin e decidiram que uma música similar aquilo teria que ser feita. Rita ficou horas e horas no estúdio dando o máximo de si para alcançar as notas mais difíceis, e, enquanto os irmãos não estavam satisfeitos, ela permanecia. O resultado, bem, o resultado é a mais brilhante interpretação de Rita em todos os tempos. Realmente é de chorar!!


O lado B abre com dois covers: "Preciso Urgentemente Encontrar Um Amigo" (de Roberto e Erasmo Carlos) traz Arnaldo infernal nos teclados, enquanto "Chão de Giz", de Silvio Caldas, marcou a banda, já que nesta eles destroem (literalmente) um clássico da seresta brasileira, com helicópteros, bandinhas de soldados, metralhadoras, entre outros barulhos que satirizam a letra da canção. Diversas lojas acabaram não vendendo o vinil ou então arranhando a faixa (como, por exemplo, foi feito no disco da Blitz anos depois) e muitas donas de casa levaram o álbum para ser queimado ou quebrado em praça pública. Enfim, os Mutantes queriam mesmo era escandalizar e não seria isso que iria afetar eles. 


"Jogo de Calçada" trás uma letra adolescente, lembrando os dois primeiros álbuns. Já "Haleluia", com o órgão de Arnaldo soando como uma igreja, é mais uma das canções em que os Mutantes mostram seu talento. Um soulzão bem ao estilo Otis Redding e que serve de base para o ótimo encerramento com a cavernosa instrumental "Oh! Mulher Infiel", onde Arnaldo mostra que, se era pra tocar teclados, então ele realmente iria fazer. O disco teve o acompanhamento do baixista Liminha, mas o mesmo só se tornou integrante da banda a partir do próximo álbum.

A estreia solo de Rita

Antes disso foi lançado o primeiro trabalho solo de Rita Lee. "Build Up" tem a participação dos Mutantes em todas as faixas, mas, perto do que eles haviam feito com "A Divina Comédia ...", é um álbum relativamente fraco.


Se em "A Divina Comédia ..." os Mutantes rasgaram o cordão umbilical que os prendia a sua carreira inicial, foi em "Jardim Elétrico" que se tornaram respeitados também como músicos. O álbum começou a ser gravado em uma nova incursão pela França. A idéia era lançar os Mutantes como banda também na Europa, fazendo então um álbum totalmente voltado para a indústria fonográfica européia. O problema barrou na falta de critério para a seleção das músicas, bem como na falta de apoio financeiro para os integrantes (que agora já eram cinco) permanecerem na França. O álbum ficou engavetado por anos, sendo lançado somente em 2000 com o nome de "Tecnicolor".

Primeiro disco como quinteto


Voltando ao Brasil, participaram do Som Livre Exportação e excursionaram por várias cidades do país, além de estarem cada vez mais envolvidos com o LSD. Nessa época decidiram criar uma "comunidade mutante" na serra da cantareira (o que viria a ser copiado depois pelos Novos Baianos), onde passaram a se chapar e ensaiar (não nessa mesma ordem) direto. O ponto de extase era tão grande que certo dia o caminhão de som da banda pegou fogo e eles nem perceberam. Enfim, no início de 71 lançam o álbum "Jardim Elétrico", com os cinco integrantes posando na contra-capa. O álbum traz algumas canções gravadas na França ("Vírginia", "El Justiciero" e " Tecnicolor") e outras compostas já na fase cantareira.


De abertura, mais uma clássica. "Top Top" era um bom meio de mandar alguém se fu ... naquelas épocas, e virou hit de rádio (um dos primeiros aliás). "Benvinda" era uma sátira a Tim Maia, como o próprio encarte do LP já avisava. Arnaldo está impecável na imitação do famoso cantor. "Tecnicolor" é uma das mais viajantes do álbum. Cantada em inglês, trás Serginho tocando cítara e um embalo parecido com os Mamas & Papas. "El Justiciero" é um bolero cantado em espanhol, com letra hironizante em frases como "la guerra me estrupato tanto", entre outras. 


A balada "It's Very Nice pra Xuxu" mostra mais uma vez Arnaldo detonando nos vocais e teclados. Aliás, nesse álbum começaram a surgir os problemas de ego da banda, já que Arnaldo começou a abusar demais das drogas e também do seu controle emocional. "Portugal de Navio" (que pode ser interpretada também como a famosa frase da sigla PQP) encerra o lado A de forma mais uma vez jazzística, tal qual "Hey Boy".


O lado B abre com a balada "Virgínia", no melhor estilo Beach Boys do início dos anos 60. "Jardim Elétrico" é um super rock (podendo ser até interpretado como metal) onde o baixão de Liminha marca forte a canção, enquanto a tecladeira e a guitarra tomam conta. "Lady Lady" é mais uma balada simplista, que somente abre espaço para mais um rockzão de primeira, chamado "Saravá". Os três integrantes cantando juntos faz da canção ainda mais forte, tornando-a uma das melhores do álbum. Por fim, uma versão bossa nova de "Baby", cantada em inglês, encerra o disco de forma calma, suavizando a cabeça de qualquer rockeiro que tenha ouvido o trabalho inteiro desde o seu início.


"Jardim Elétrico" foi uma pedrada nos críticos, que diziam que os Mutantes era somente Rita Lee. Arnaldo está impecável nos teclados e Serginho nas guitarras, enquanto a cozinha, com Liminha e Dinho, funcionou muito bem. Rita se tornava cada vez mais "um membro" da banda, sendo que o seu único talento realmente era a voz.

Com o passar do tempo na Cantareira, os Mutantes decidiram se embrenhar em uma turnê pelas cidades do interior de São Paulo, munidos de seus instrumentos e de um ônibus. Esses shows começaram em Guararema (onde foram tiradas as fotos que aparecem no segundo álbum solo de Rita) e passaram por mais algumas cidades.


O último LP com Rita

Após essa rápida turnê, a banda gravou seu quinto e mais controverso álbum, "Mutantes e seus Cometas no País dos Baurets", no início de 1972. O disco já começou a ter problemas de cara com a censura, que podou a faixa "Cabeludo Patriota", a qual teve o nome alterado para "A Hora e a Vez do Cabelo Nascer". Além disso, o álbum mostrava que, com exceção de Rita, os Mutantes estavam sendo guinados para a nova vertente musical que crescia na Europa, o rock progressivo, sendo influenciados diretamente por Yes e Pink Floyd.

Mesmo assim é um grande disco, e para muitos fãs (eu incluso) o melhor da banda. O lado A abre com o rockzão "Posso Perder Minha Mulher, Minha Mãe, Desde Que Eu Tenha o Meu Rock 'N' Roll", cantada por Arnaldo, que lembra muito as primeiras canções da banda. Segue "Vida de Cachorro", onde Rita está mais sensual do que nunca com sua voz. "Dune Buggy", outra cantada por Arnaldo, traz o mesmo pilotando um moog que havia adquirido há algum tempo. "Cantor de Mambo", também com Arnaldo, é um mambozão mesmo, tentando seguir a linha de "El Justiciero" em canções latino-americanas, e com uma letra tão sacana quanto. "Beijo Exagerado" é outro rockzão de primeira e "Todo Mundo Pastou" encerra o lado A debochando de todos aqueles que criticavam a banda, ou seja, vai todo mundo pastar.

O lado B já abre com mais uma clássica, "Balada do Louco". Considerada por muitos a obra-prima de Arnaldo, essa canção virou símbolo dos estudantes e músicos contra a ditadura brasileira. Uma pérola que com certeza deve estar entre as melhores letras da música brasileira. Mais um "metal" surge em nossos ouvidos, agora com "A Hora e a Vez do Cabelo Nascer", que viria a ser regravada anos depois pelo Sepultura no álbum "Sanguinho Novo". "Rua Augusta", de Hervé Cordovil, é uma versão debochada para o clássico da pompéia paulistana, famosa na voz de Celly Campello. 


Por fim, a maior viagem da banda até, a faixa-título "Mutantes e seus Cometas no País dos Baurets". Com seus mais de dez minutos de muita doideira, a faixa abre com o órgão de Arnaldo, como um "Fantasma da Ópera", preenchendo lenta e agonizantemente os canais do ouvinte, com a guitarra de Serginho soltando agudos cavernosos em cada participação do órgão, até os dois começarem a duelar, com o acompanhamento da bateria. O baixo de Liminha então faz o acompanhamento junto a Dinho para um longo solo de Arnaldo tanto no moog quanto no órgão. Após alguns riffs, a música muda para um jazz de primeira, onde Serginho relembra o velho Slam Stewart, solando sua guitarra e acompanhando o solo com a voz. Fenomenal!!! 


Após a magnífica participação de Serginho, a música começa a viajar, com Arnaldo mais uma vez destruindo no órgão, até atingir um extase de canção de igreja, onde os integrantes finalmente começam a cantar, entoando a letra de "Tempo no Tempo", do primeiro álbum. Os riffs do meio da canção voltam novamente, terminando a faixa com mais um belo solo de Serginho. Realmente essa faixa fugia dos padrões mutantísticos, e é daquelas "ame ou odeie", mas que, de uma forma ou de outra, mostrava para todos o quão Rita estava sendo desnecessária para a banda naquele ponto. O disco encerra com mais uma versão para "Todo Mundo Pastou", mas isso era o de menos, o "orgasmo musical" já havia sido obtido na música anterior.

A última participação entre Rita e os Mutantes
Descontente com o que estava acontecendo, não só com a banda mas também com sua vida pessoal (Arnaldo tornava-se cada vez mais agressivo e infiel), Rita passou a projetar sua carreira solo. Ainda em 1972 foi lançado o seu segundo disco, "Hoje é o Primeiro Dia do Resto da sua Vidas", que também conta com a participação dos Mutantes e é bem melhor que o primeiro. Esse LP tem pérolas como "Tapupukitipa", "Beija-Me Amor" e Superfície do Planeta", mas o que parecia uma realidade acabou tornando-se uma ilusão.

Rita não tinha mais moral nenhuma com a banda. Em uma ida à Europa, voltou com um minimoog e um mellotron, mas quando foi tentar usar em um ensaio virou alvo de chacota por parte dos outros integrantes. Além disso, problemas internos como falta de criatividade, briga com empresários e também os excessos de Arnaldo fizeram com que no final de 72 Rita pedisse o boné (ou os Mutantes dessem o boné para Rita, ninguém sabe realmente o que aconteceu), seguindo uma carreira solo de sucesso, enquanto os demais passaram a dedicar somente a virtuose e ao progressivo, esquecendo o passado de vez. 



Segue, sem o cigarro, mas com muito rock and roll ...

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