sábado, 22 de outubro de 2011

Discos que Parece que Só Eu Gosto: Sepultura - Morbid Visions [1986]



Por Mairon Machado (Publicado originalmente no blog Consultoria do Rock)

Acho que já falei repetidas vezes como eu e o meu irmão, nosso colaborador Micael Machado, desenvolvemos nossa paixão musical praticamente juntos, ouvindo as mesmas coisas, e discordando praticamente em tudo o que um ouvia do outro. Eram raros os materiais que o Micael me mostrava que eu dizia: "Bah, isso é muito bom", e vice-versa. Foi assim com Iron Maiden, Legião Urbana e The Cure (por parte do Micael, e eu não gostei), e Led Zeppelin, Black Sabbath ou Mutantes (por minha parte, que ele não gostou). Até mesmo o Deep Purple, uma banda que nós dois gostávamos, o Micael preferia Ian Gillan, e eu só ouvia David Coverdale

No auge da minha paixão pelo thrash metal, pouco depois de completar oito anos, eu descobri uma mera banda chamada Slayer, através de um K7 que o Micael arranjou sei lá com quem que continha de um lado um álbum do Metallica, o famoso black album Metallica e havia sido lançado dias antes, e do outro lado South of Heaven, o mais pesado disco do Slayer. Enquanto o Micael batia cabeça com "Enter Sandman", "Sad But True", "Holier Than Thou" e outras, eu delirava com "Mandatory Suicide", "South of Heaven" e "Dissident Agressor" (só para citar algumas). Nossa briga era por quem ouvia a fita, e o resultado foi algo que hoje os jovens não conhecem, ou acham que só existe em museu: a transferência de cada canção desejada para uma outra fita K7, nos famosos duplo-decks.

Porém, meu gosto pelo Slayer era por causa do Possessed, descoberto um ano antes em outro cassete que o Micael conseguiu que tinha sei lá o que no lado B (Agent Orange???) e no lado A o Seven Curches. Caraca! Aquilo era muito forte. As linhas de guitarra, o vocal gutural, as melodias infernais do grupo que eu não tinha nem ideia como era o nome de cada integrante, me arrepiava, me dava medo. E eu gostava. Passei a ser um fiel seguidor do Possessed e até hoje é uma das minhas bandas favoritas.

Sepultura no início de carreira
Exatamente naquele longíquo 1991, o Micael me apareceu um dia com uma banda chamada Sepultura (nem conto qual o outro disco que ele comprou no mesmo dia para o Mica não passar vergonha, hehehe). Tendo o álbum Beneath the Remains nas mãos, sentou-se a ouvir aquilo e me dizia: "Isso é thrash metal de verdade, não esses teus Possessed e Slayer que tu ouves". O som realmente não era dos piores, mas a blasfêmia do Micael em tentar comparar Sepultura com Possessed me causou revolta, e eu não conseguia gostar do grupo. Taradão pelo som dos mineiros, aos poucos o Micael foi comprando a coleção. Veio o Arise, depois o Schizophrenia, e por fim, Chaos A. D.Bestial Devastation e Morbid Visions.

Apesar da minha relutância em gostar do Sepultura, eu curtia no fundo o som, e sempre escondido, pegava os discos para ouvir. Pois quando chegaram o Bestial Devastation e o Morbid Visions, por um acaso os discos que o Micael ouviu e menos gostou, a casa caiu, e eu descobri que realmente, o Sepultura que o Micael gostava não era o que eu gostava.

Bestial Devastation, a estreia vinílica dos mineiros
Bestial Devastation é um EP lançado pelo Sepultura em 1985. A formação do grupo na época era Max Cavalera (guitarra, vocais), Igor Cavalera (bateria), Paulo Jr. (baixo) e Jairo T. Guedes (guitarras). De um lado da bolacha, o Sepultura apresenta as canções "The Curse" (uma pequena vinheta), "Bestial Devastation", "Antichrist", "Necromancer" e "Warriors of Death", todas pauladas certeiras, furiosas, raivosas, mostrando uma indignação que me lembrava muito o Seven Churches, e eu curti aquilo. Na versão original, o EP saiu com o lado B complementado pelo grupo Overdose, mas não era essa a versão que o Micael tinha. Mesmo assim, aquele Sepultura eu curti, principalmente por que Jairo T. era (na minha opinião) muito mais guitarrista do que o falado Andreas Kisser.

O EP serviu como divulgação do nome Sepultura, e no ano seguinte, através da Cogumelo Records, a mesma formação lançou um LP completo, Morbid Visions. A produção tosca, as distorções extremamente sujas, aquele satanismo rugindo em cada mili-segundo do sulco, a agressividade e pancadaria comendo solta, me encantavam como uma naja por uma flauta, e eu me tornei um fã do Sepultura de Jairo T., a melhor formação do grupo. O que mais me impressiona é que toda a explosão furiosa do grupo estava impregnada em jovens adolescentes. No quarteto, Max e Paulo tinham 17 anos, Igor 16 e Jairo T. era o único que completaria 18 anos em 1986, mas na gravação do LP, ainda estava com 17 anos.


Paulo Jr., Igor Cavalera, Max Cavalera e Jairo T.
Morbid Visions abre com a faixa-título, onde as guitarras surgem com muita distorção, e Max grita "Hell", para a pauleira pegar. Igor detona na bateria, um monstro, mesmo sendo ainda adolescente, e os zumbidos das guitarras de Max e Jairo são como zangões em volta da colmeia. A velocidade das notas de guitarra, misturadas com a violência de Igor, é o que sempre apreciei no thrash metal, sendo que dificilmente ouvimos o baixo de Paulo Jr. Após a segunda repetição do refrão, o ritmo muda, não tão veloz, com Igor utilizando os dois bumbos enquanto Max e Jairo fazem uma sequência de acordes, voltando para o refrão e ao escandaloso solo de Jairo que conclui a canção.

Já "Mayhem" nos permite ouvir um pouco do baixo de Paulo Jr.. A introdução com notas marcadas e o grito de Max, apresenta o riff quebrado de baixo e guitarras, com mais um show de Igor. Max vomita a letra com uma violência descomunal, e é impossível não lembrar do Slayer na ponte da canção, com baixo e guitarra fazendo as pesadas notas que Igor consegue inventar um ritmo quebrado para a mesma. Max muda o estilo de cantar, mas a pancadaria continua, e depois de gritar "Mayhem", mais um solo extremamente barulhento e visceral de Jairo conclui outra grande pedrada do Sepultura.

Uma das melhores canções do thrash metal vem a seguir, a linda "Troops of Doom", com uma introdução poderosa das guitarras, baixo e a bateria de Igor. O peso dos instrumentos junto a marcação da bateria e os gritos guturais de Max assombram. Parece que estamos ouvindo o tinhoso entrando no quarto. Max e Jairo puxam o riff que dá ritmo para Max cantar, e ouvimos isso mudar para algo muito veloz, com Igor detonando as caixas e os tons em viradas furiosas. Max retorna a letra, e então, mais outro riff recheado de distorções leva ao baixo de Paulo Jr., que sozinho, comanda o riff final, onde Jairo faz a guitarra rugir com arpejos, alavancadas e bends insanos, fechando com mais pancadas na cabeça.

Por fim, outro petardo, "War", encerra o lado A, tendo uma introdução quebrada, onde Max grita o nome da mesma, e a velocidade das guitarras lembra muito Seven Churches do Possessed (acho que é por isso que eu gosto tanto deste disco). Curto bastante a sessão mais lenta de "War", onde Igor faz rolos mais simples nos tons, e com o crescendo dos riffs formando um interessante tema. As violentas viradas de Igor, junto aos velozes riffs de Max e Jairo, mostram como o Sepultura era agressivo, não tinha medo de investir na pancadaria, totalmente diferente do grupo que virou pós o idolatrado Chaos A. D., que a mim, não passa na goela. É essa agressividade que eu sempre desejei ouvir do grupo, e isso ocorre com perfeição não só no lado A de Morbid Visions, já que o lado B ainda tem mais pancadaria.

A melhor formação do Sepultura para este que vos escreve

Não sei da onde o quarteto mineiro tirou tanta raiva para gravar "Crucifixion", algo tão sinistro quanto o inferno (se é que isso pode existir). Logo na introdução, as notas de guitarra com baixo e chimbal marcando, estouram em uma violenta sequência de acordes onde Max novamente vomita a letra, gravando na cabeça praticamente à ferro-quente a palavra que dá nome a canção. É pancada por todo lado, e não tem como se defender da violência que o grupo impõe. O baixo de Paulo Jr., encoberto pelas guitarras, tenta sobreviver com o peso extra da distorção, e novamente, a ponte lenta é muito bem-vinda, para dar sequência a canção com um novo riff, onde Jairo sola com uma velocidade incrível. Alguns dizem que é mais barulho do que solo, mas fazer "esses barulhos" como Jairo T. fazia, jamais Andreas Kisser conseguiu fazer. Alavancadas, arpejos, raspadas de palheta, sinos e a voz satânica de Max, falando em latim, é macabro demais, de correr crianças, e é isso que está presente no meio da canção, que repete-se até o final.

"Show Me the Wrath" começa diferente, com o riff pesado do baixo e da guitarra e o ritmo cadenciado de Igor, mas depois, Igor solta os braços e os pés, para Jairo e Max acompanharem outra violenta faixa, com efeitos nos vocais, e que é a única onde o baixo de Paulo Jr. pode ser ouvido com mais clareza, repetindo as notas do violento e veloz riff das guitarras. Igor é o centro das atenções, fazendo quebradas que imitam a velocidade dos riffs da guitarra, na melhor linha Dave Lombardo, e chutando os dois bumbos, não limitando-se apenas a pisar nos mesmos.

Já "Funeral Rites" abre com um riff tipicamente death/thrash metal, construído pelas guitarras e com o baixo sendo o fiel escudeiro da sonzera distorcida gerada pelas seis cordas de Max e Jairo, que em algum momento lembra Black Sabbath, e também é muito similar ao início de "Crucifixion". Depois da longa introdução, os zangões surgem novamente, em uma velocidade absurda, e a partir de então, segure-se, pois Max irá esmurrar sua cara com violentas palavras cuspidas ao microfone, agressivas, podres e sujas, como jamais iria cantar novamente. As palavras do nome da canção, gritadas no refrão, ferem pela violência, e a mudança no ritmo após esse intervalo, demonstra que mesmo jovens, os garotos sabiam o que faziam.

O LP encerra-se com "Empire of the Damned", também com uma introdução similar a "Funeral Rites", com a diferença apenas nas batidas de Igor, e depois com a pauleira pegando. Creio que é por que depois de tanta pancada, já chegamos aqui cansados, e não tem como curtir essa canção 100%. Mesmo assim, é de se destacar a velocidade dos riffs de Paulo Jr., Max e Jairo, e também para o estuprador solo de Jairo T.

Adolescentes e agressivos
No geral, pouco menos de 35 minutos de muita sujeira, muita raiva, muita sonzeira, muito thrash-death metal porradão, que eu ouvi e ouvi o quanto pude, até que o Micael se mudou e ficou para mim apenas mais um cassete. Depois, por problemas pessoais, Jairo T. saiu do grupo, sendo substituído por Andreas Kisser. Jairo parou no The Mist, enquanto que o Sepultura começou uma nova fase, que os levaria a serem reconhecidos mundialmente.

Mas ai que está. O Sepultura é venerado por álbuns como Chaos A. D. (1993) e Roots (1996), pelos temas políticos em suas letras, pela mistura de sons, pelo Andreas Kisser, sei lá por que. Honestamente, isso não é Sepultura. O grupo poderia ter acabado em Arise que teria feito um bom papel na minha opinião, e se tivesse lançado apenas Morbid Visions, seria sem dúvidas a maior banda de thrash metal / death metal do Brasil.

Só que eu não conheço ninguém além de mim que pensa isso. A maioria dos fãs despreza a fase Jairo T., torcendo o nariz e nem se quer ouvindo. É compreensível. O som do Sepultura pós-Jairo T. é bem mais ameno, mais acessível e mais polido, não tem a crueza inicial, a "podreira", a raiva, e isso, bom, isso só os que são diferentes conseguem gostar (para não me chamar de louco).

Jairo T. Guedes
Será que tem mais alguém "diferente" nesse mundão que curte o Morbid Visions mais do que o resto da discografia do Sepultura? Veremos ...

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