O que você pensa quando vê Yves Passarell fazendo pose de gostoso ao lado de Dinho Ouro Preto no Capital Inicial, ou Andre Matos tomando frango como a Musa Nissei Sanssei no Rock Gol da MTV? Pois é, mas um dia, esses dois personagens fizeram parte de uma das principais bandas do heavy metal nacional. Ao lado do Sepultura, Ratos de Porão e Korzus, o Viper foi uma das primeiras a conseguir conquistar o mercado europeu, tendo feito muito sucesso em países com Alemanha, Hungria e, principalmente, no Japão.
O início da banda tem suas origens no bairro paulistano de Santa Cecília. Lá, Felipe Machado (guitarras), Yves Passarell (guitarras) e seu irmão Pit Passarell (baixo, voz) eram vizinhos e amigos desde pequenos, tendo "trabalhado" como donos de jornal, fliperama e construtores de bicicletas. Como nenhum dos "empregos" anteriores deu certo, começaram a construir suas atividades musicais, mesmo sem ninguém ter um instrumento sequer. Daí surgiu a Dragon, com Pit na bateria. O nome acabou não durando muito, assim como os posteriores, Pruckles e Rock Migration.
Com o passar do tempo, conseguiram uma guitarra e uma caixa antiga de escola de samba. Com instrumentos, passam a surgir as primeiras composições, ganhando destaque "H. R. (Heavy Rock)", bem como os primeiros shows. O irmão de Felipe, Nando Machado, passou a integrar a Rock Migration tocando baixo. Com o dinheiro dos shows, cada integrante foi conseguindo um intrumento melhor. Sem grana, Pit passou a tocar o baixo de Nando, que havia desistido da carreira musical. A bateria foi assumida então por Markus Kleine, e assim, influenciados por Kiss, Black Sabbath, Deep Purple, Uriah Heep e Judas Priest, passaram a ver seu nome crescendo na região. Markus não durou muito no posto, sendo substituído por Cássio Audi.
Ao mesmo tempo, outras bandas surgiram entre os amigos e também entre os membros da Rock Migration, com destaque maior para a Nephtuno, que tinha como vocalista o ídolo das guriazinhas do bairro, Andre Matos. Foi com a mescla de diferentes bandas que acabou surgindo o Viper, sendo o nome adotado no melhor estilo de grupo iniciante: abra um dicionário em inglês, aponte e onde o dedo apontar será o nome escolhido.
No final de 1984, o Viper fez uma de suas primeiras aparições ao público, tocando em um festival de talentos. Na apresentação, interpretaram "H. R." e "Paranoid" (Black Sabath), conquistando o terceiro lugar do evento, ficando atrás de um grupo que ninguém lembra o nome, mas que interpretou "Bandolins" de Oswaldo Montenegro!! Sem grana, Pit e Yves arranjaram trampo como entregadores de pizza, de onde conseguiram dinheiro para comprar instrumentos ainda melhores. Nessa altura do campeonato, Felipe já possuía uma guitarra Giannini, que era considerada um petardo pelos garotos.
Em 1985, vendo o crescente sucesso de Andre Matos, convidam o mesmo para fazer parte da banda. Ele topa de cara, e, como por muita sorte, conseguem juntar uma grana para gravar a primeira demo, que posteriormente levou-os a assinar contrato com a gravadora da Rock Brigade. Vale a pena ressaltar que a idade média da gurizada era 15 e 17 anos na época.
Em 1987 então é lançado o álbum Soldiers of Sunrise, que trazia influências diretas de Judas Priest, Helloween e, principalmente, Iron Maiden. O disco é uma pauleira atrás da outra, começando com "Knights of Destruction", onde Andre mostra ao público por que viria a ser considerado o melhor vocalista do metal nacional durante anos. "Nightmares" possui na sua introdução a bateria e linhas de guitarra muito similares as do Iron , semelhança que fica ainda mais clara quando Andre entoa os "oooooo" tradicionais que Bruce Dickinson tanto nos privilegia. A medieval "The Whipper" começa com sons de vozes distorcidas, bem como um duo de guitarras executando os riffs principais, os quais são intercalados pelos vocais de Andre. Nesta, a pauleira come solta, principalmente no refrão, onde todos os integrantes gritam o nome da canção. O lado A encerra com duas faixas muito parecidas, "Wings of the Evil" e a já citada "H. R.", que mantém a linha dos primeiros álbuns do Maiden.
O massacre sonoro de "Soldiers of Sunrise" abre o lado B primordialmente. A música possui diversas variações, alterando entre partes pesadas como as de "Knights of Destruction" e uma sessão instrumental mais pesada ainda. Com refrões grudentos, essa foi uma das primeiras canções do grupo a fazer realmente sucesso. "Signs of the Night" traz aqueles riffs abafados de guitarra acompanhados por um crescendo no vocal. É metal puro, com o baixo marcando presença no refrão. Finalmente, a ótima instrumental "Killera (Princess of Hell)" e "Law of the Sword" encerram o álbum como ele começou, destruindo o pescoço de qualquer moleque que ouça o som pela primeira vez. Um destaque também cabe para a mensagem anti-drogas da banda na contra-capa, a qual dizia as seguintes palavras: "As drogas não são diversão, apresentam perigo de vida para milhões. A loucura precisa parar. Existem coisas muito melhores na vida".
O álbum acabou vendendo bem, garantindo aos meninos um contrato com a gravadora Eldorado. Nessa época Andre começou a frequentar mais assiduamente as aulas de música, indo parar na Faculdade de Artes Santa Marcelina.
Lançado em 1989, Theatre of Fate, o qual já contava com o baterista Guilherme Martin no lugar de Cássio Audi, mostrou o Viper para o mundo, conquistando mercados principalmente na Europa e no Japão, sendo que no país do sol nascente venderam mais que bandas como Van Halen, Nirvana e Firehouse. O álbum é composto por diversas pérolas, e traz um Viper diferente do primeiro disco, mais influenciado pelas bases melódicas de Iron e Judas, bem como o peso do Black Sabbath e, principalmente, a participação da música erudita, seja através dos violinos, como por citações a Beethoven, Mozart e Vivaldi. Além disso, Andre tocou teclados e sintetizadores na maioria das canções, destoando bastante do peso e velocidade insanos de Soldiers of Sunrise.
O disco abre com a bela instrumental "Illusions", onde o violão faz a base para uma pequena sequência de solos de guitarra e teclados que imitam flautas. Segue com a paulada "At Least A Chance", o qual lembra o Helloween da fase Keeper of the Seven Keys, contando com muitos teclados e também com cordas. Duas pérolas encerram o lado A: "To Live Again", cujo riff inicial é daqueles ao estilo "Smoke on the Water" e "Stairway to Heaven", você nunca mais vai esquecer, além de ter um ótimo trabalho de guitarras; e a lindíssima "A Cry From the Edge", outra que é super trabalhada. Esta última começa com o violão dedilhando lentamente, fazendo a base para um solo de guitarra que traz o riff principal. A canção começa a aumentar a velocidade, tendo então um duo de guitarras. Daí então, a pauleira toma conta, com Felipe e Yves mandando ver nas palhetadas. Um belo tema instrumental traz as letras novamente, que são cantadas de forma mágica por Andre, o qual estava no ápice dos vocais.
O lado B abre com o primeiro hit (se é que posso dizer assim) da banda. Seguindo o trabalho de "A Cry From the Edge", "Living For the Night" passou a ser a música principal dos shows da banda. A introdução feita pelo cravo, juntamente com a letra, dá espaço para um pesado e longo tema instrumental, com muitos solos de guitarra. O baixo aparece com destaque, dando sequência para mais um solo de guitarra. A letra também muda de melodia, acompanhando o peso das guitarras. Finalmente, as guitarras passam a fazer a melodia e os acordes do cravo, com Andre repetindo a letra da introdução, terminando a faixa com barulhos de sirene e muitos sintetizadores. Pauleira total!
Após a quebradeira, o ouvinte não consegue respirar, pois "Prelude to Oblivion" vem com tudo, com os vocais imitando um coral e a guitarra igual ao violino, interpretando temas eruditos de forma rápida, trazendo inclusive citações a Beethoven, Mozart e Vivaldi. Vale destacar aqui a presença do quarteto de cordas The Kubala Quartet Strings, formado por Fábio Brucoli (violinos), Renata Kubala (violinos), Ricardo Kubala (viola) e Suzana Kato (cello).
"Theatre of Fate" é a mais pesada do álbum, seguindo a linha de "To Live Again" e com um baita arranjo das guitarras. A clássica "Moonlight" encerra o álbum, trazendo a melodia de "Moonlight Sonata" de Beethoven ao piano, acompanhado pela letra construída por Andre. Toda a canção é em cima da melodia da obra de Beethoven , fechando a faixa com um belo solo de violino de Renata Kubala e com Andre fazendo os maiores agudos de sua vida. Essa canção viria aparecer anos depois no álbum solo do vocalista, Time to Be Free, porém com outra cara e com o nome de "A New Moonlight".
Os integrantes, com exceção de Andre, não curtiram muito a virada no som, e preferiam seguir um caminho mais pesado, ao estilo do primeiro álbum. Então, mesmo com o sucesso de "Theatre of Fate", Andre decide terminar sua faculdade de música ao invés de retomar os sons mais pesados e seguir carreira com o Viper, formando depois o Angra e o Shamman, virando atração principal dos shows ao lado de Kiko Loureiro, Luis Mariutti, Ricardo Confessori, entre outros, e seguindo o sucesso do Viper no Japão, criando um problema para a banda, afinal quem seria o novo vocalista? Guilherme também pulou do barco, sendo então substituído por Renato Graccia.
A solução foi voltar as origens, com Pit assumindo novamente os vocais, e assim, abriram para o Black Sabbath quando os mesmos estiveram no Brasil pela primeira vez, em 1992. Graças a Theatre of Fate, partiram para a Alemanha, onde gravaram o terceiro álbum, Evolution, em 1992. Ali, abandonam as influências da música clássica e do metal melódico, partindo para rumos novos, como o hard rock de bandas como Guns N' Roses, e também o peso de noms como o Metallica. Com muito peso, temos um disco que contém no mínimo mais dois hinos da carreira do Viper.
O lado A abre com "Coming From the Inside". Baixo e bateria trazem os vocais de Pit, o qual deu novo pique para a banda, fazendo as canções ficarem bem mais rápidas. Essa faixa em especial também tem um belo duo de guitarras. Seguem os clássicos "Evolution", onde novamente baixo e bateria trazem a voz de Pit. Essa lembra as canções da fase Andre, contando com uma boa letra. Pit mostra que servia bem para a nova empreitada, cantando com raiva o refrão "Is the future on my side".
"Rebel Maniac" é o outro clássico que não preciso falar nada, afinal todo headbanger que se preze balançou a cabeça ao som de "everybody, everybody ...". Lembro até hoje quando ouvi essa música pela primeira vez no Programa Livre do Serginho Groisman, ainda nos tempos do SBT (Fala Garoto!!), contando com aquele bonequinho cabeludo que aparecia no canto da tela tocando guitarra. Muito massa!
"Dead Light" traz uma mescla de violões e guitarras bem sujas, mostrando que o Viper buscava novos ares, inspirando-se em bandas da moda, como Skid Row e Pearl Jam. "Still the Same" contém uma introdução super pesada, com dois bumbos e muita palhetada. Essa é uma das faixas mais trabalhadas, alternando entre partes cadenciadas e outras com palhetadas a la Metallica. O cover de "We Will Rock You" na versão rock pesado que consta no Live Killers encerra o lado A, porém mais suja do que na proposta pelo Queen.
"The Shelter" abre o lado B pesadona, com boa pegada de guitarra, no melhor estilo do heavy metal. Aqui temos uma ótima sessão instrumental, com muito wah-wah e dois bumbos. Seguem-se os hardzões "Wasted" (o qual vem "embrulhado" em uma balada com violões) e "Pictures of Hate", os quais dão sequência para o punk rock de "Dance of Madness". O disco encerra com a balada "The Spreading Soul", a qual conta até com uso de cordas no meio e no fim da canção, com Pit cantando a mesma somente sob luz de velas dentro do estúdio.
Aproveitando-se da gravação na Alemanha, a banda partiu para uma pequena turnê pelo país e também por Hungria, Croácia, Áustria, Suíça e Japão, onde foi registrado o ao vivo Maniacs in Japan, o qual tem como destaques maiores o acompanhamento tipo Rob Halford de Pit em "Evolution", o longo solo de bateria em "Still the Same", bem como a engraçada apresentação da banda em japonês, com os integrantes Felipe Son e Ives Passarell Son. Além disso, temos o ótimo público japonês participando, e bem, nas faixas "We Will Rock You" e "Living For the Night", mostrando como os nipônicos realmente são um povo de respeito.
Por lá também lançaram o EP Vipera Sapiens, com músicas inéditas que ficaram de fora do álbum Evolution, como "Acid Heart", "Killing World" e uma versão acústica para "The Spreading Soul". Em 1994 a banda foi uma das atrações principais no Monsters of Rock de São Paulo, e também abriu a turnê do Metallica por nossas terras.
Em 1995 a mesma formação de Evolution lançou Coma Rage. O álbum trazia um Viper ligado aos novos sons que estavam surgindo pelo mundo, abrindo com a paulada "Coma Rage", punkzão na mesma levada do álbum anterior, com direito até a paradinha de bateria a la Marky Ramone. Segue a melhor faixa do álbum "Straight Ahead", o qual é super pesada, e "Somebody Told Me You're Dead", outra faixa tri punk. "Makin Love" começa com uma garota chamando o namorado para casa para fazer algo "so good". Então, riffs pesados e grudentos, com variações e uso de cowbells, tomam conta da canção, a qual ainda contém uma citação aos Beatles, com a frase "all you need is love". "Blast!" já segue a linha hardcore que ficou consagrada em bandas como Green Day e Offspring, enquanto "God Machine" e "Far and Near" encerram o lado A de forma muito parecida, com levadas fortes e guitarras no estilo Kirk Hammet, carregadas de wah-wah.
O lado B abre com "The Last Song", com um baixão e guitarras no estilo Alice In Chains, além de um ótimo refrão no melhor estilo das grandes bandas de metal. "Die by Hate" é uma canção mais rápida e pesada do que as demais, alternando momentos com riffs dedilhados e outros com acordes. Seguem "Day Before", com a guitarra lembrando muito as canções do Iron na fase Paul Di´Anno, e a instrumental "405 South", onde a bateria marca o tempo para a guitarra viajar. A percussão acompanha um solo de guitara super distorcido, lembrando as canções do álbum Chaos A.D. do Sepultura. "Face in the Crowd" começa com guitarras pesadas, enquanto o vocal é cantado como se estivesse em um megafone. A voz fica limpa, alternando sessões mais melódicas e trabalhadas com outras mais pesadas, lembrando muito o Metallica. A cover de "I Fought the Law" de Sonny Curtis and the Crickets, em uma versão mais rápida que a original, e a balada "Keep the Words" encerram esse bom álbum que, infelizmente, não fez muito sucesso.
O Viper ainda lançaria o descartável Tem Pra Todo Mundo em 1996, onde as letras estão cantadas em português, com direito até a um samba.
Em 2007 a banda voltou a ativa com o disco All My Life, e atualmente segue fazendo shows, mostrando suas pérolas para os que conheceram ou querem conhecer o bom do metal nacional.
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