quinta-feira, 28 de junho de 2012

Maravilhas do Mundo Prog: Orgia Pravednikov - Начало века [2001]




Recentemente, nosso colega Marco Gaspari trouxe uma excelente matéria sobre o grupo Pesniary, da Bielorússia. Nela, Marco defende com unhas e dentes o fato de as bandas de rock progressivo da Cortina de Ferro terem uma característica própria daquela região adicionando elementos de sua cultura que em nada se assemelham aos grandes grupos do estilo, sejam eles britânicos, italianos ou de outros países ocidentais.

Da matéria, com louvor repito a seguinte frase de Marco: "Algumas pessoas parecem necessitar de pontos de referência confortáveis para compreender qualquer coisa estranha ou inexplicável. Como se cortar em tiras a foto de um boi ajudasse a explicar melhor a sensação de comer um bom bife."

Orgia Pravednikov: Alexei Burkov, Alexander Vetkhov, Yuri Ruslanov, Sergey Kalugin e Artemiy Bondarenko
Concordo plenamente com meu colega Consultor e o que mais me surpreendeu é que enquanto estava preparando o Maravilhas do Mundo Prog de hoje, a matéria sobre o Pesniary foi ao ar. Não que o Orgia Pravednikov seja uma banda formada por ex-membros do Pesniary, mas a origem do grupo (a Rússia pós-comunismo) é a mesma. As influências que o Orgia Pravedkinov empregam em seu som são únicas.

Mas seriam esses russos capazes de criar uma Maravilha do Mundo Prog? Para responder essa questão voltamos um pouco no tempo, na fundação do Orgia Pravednikov.

O grupo nasceu em 1999, na capital Moscou, a partir da união dos músicos da banda Artel com o guitarrista Sergey Kalugin. O Artel era um grupo de folk rock russo formado por Yuri Ruslanov (flauta, vocais), Andrew Novgorodov (bateria, percussão) e Artemiy Bondarenko (baixo, violões). O projeto folk ganhou espaço com a entrada de Alex Orochko (violões), um ás no violão clássico, e Alex Burkov, outro genial instrumentista, porém na guitarra.


Alex Burkov


Artel passou a participar de festivais chamando a atenção pela mistura de sons e pela potencialidade das canções. Nesses festivais, começaram a surgir comparações com os britânicos do Jethro Tull que se em parte agradavam por ser um dos grandes nomes do rock mundial, por outro desagradava, já que a ideia era realmente criar algo novo. Algo novo tinha que acontecer.

A primeira mudança foi a saída de Novgorodov. O Artel seguiu sem percussão, apenas com instrumentos de corda, flauta e vocais, criando o que chamaram de Vogais Átonas. O projeto deu certo, mas a ausência da percussão era sentida nas canções e Alexander Vethkov acabou sendo contratado para a bateria.


Alexander Vethkov

A entrada de Vethkov muda o som do Artel, tornando-o pesado em um som próximo ao Prog Metal. Desgostoso com o novo caminho iniciado pelo Artel, Orochko abandona o grupo, que permanece como um quarteto. 

O Artel continua sua saga envolvendo música pesada e folk rock até que, em 1999, o guitarrista Sergey Kalugin resolve mostrar um projeto que unia as habilidades musicais do Artel com suas habilidades na guitarra. Sergey vinha de uma excelente formação musical tendo estudado no Music College de Moscou. Desde a década de 80 destacava-se pelo suas composições intimistas.

Na década de 90, Sergey montou o grupo de heavy metal Wild Hunt. Durou três anos, até que ele encontrou o pessoal do Artel. Da proposta, firma-se um novo projeto batizado de Orgia Pravednikov (Оргия Праведников; em tradução livre, Orgia dos Justos), um dos principais expoentes da cena progressiva na Rússia atual e um dos melhores grupos a nascer ao mundo nesse novo século XXI.

A ideia era fazer um som próximo ao renascentista, mas trazendo elementos modernos como teclados, sintetizadores e guitarras. Essa mistura gerou um grupo extremamente diferente preservando com glórias o lado renascentista, através das flautas e das melodias do violão, mas acrescentando o lado moderno das guitarras distorcidas e efeitos de sintetizadores de igual para igual.

Artemiy Bondarenko
Logo na estreia do quinteto, o Orgia Pravednikov surpreendeu o lado leste da Europa e conquistou uma geração de fãs que se espalhou pela Europa Ocidental, pelo Japão e pelo mundo, graças à internet e a divulgação boca-a-boca de diversos seguidores do Orgia. Batizado de Oglashennye Izydite (Оглашенные, изыдите!; em tradução livre, Catecúmenos, Sai!), o álbum foi lançado em 2001 e abre com a beleza dos violões da faixa-título uma curta peça de pouco menos de um minuto que nos leva para nossa Maravilha Prog da semana.

"Начало века" ("Nachvalo Veka", ou "O Começo do Século") é uma canção simples e muito complicada ao mesmo tempo. Construída em cima de apenas um único tema feito pela flauta, repete-se por quatro vezes. Ela surge nas caixas de som com o peso da guitarra e do baixo fazendo o riff inicial, enquanto violão e bateria fazem a quebradeira ao fundo. Um longo acorde de guitarra traz um belo dedilhado de violão e guitarra, acompanhados por um leve andamento da bateria enquanto Ruslanov executa pela vez primeira o tema da flauta em um estilo bem clássico. 

A melodia é repetida e Kalugin executa um complicadíssimo trêmolo enquanto a flauta sola o mesmo tema clássico, deixando apenas baixo, bateria e flauta, que entoa uma longa nota. A flauta sola aleatoriamente com Vethkov quebrando tudo. Voltamos para o tema clássico, novamente entoado pela flauta, repetindo o trêmolo e tendo Kethkov como comandante das viradas e quebradas dessa parte da canção.

O peso retorna para mais um solo aleatório da flauta e chegamos no momento tenso de "Nachvalo Veka". O riff da guitarra torna-se ainda mais pesado, repetido pelo baixo - que irá agradar aos headbangers mais fanáticos - com a flauta executando um novo e breve tema em cima da melodia do tema clássico. A melodia clássica surge após uma sequencia impressionante de viradas de Vethkov. A guitarra adiciona mais distorção ao acompanhamento, trazendo novamente o trêmolo. A forma como a canção entra na mente do ouvinte nesse momento é algo absurdamente hipnotizante tamanho o peso das guitarras, aglomerado com a suavidade do violão e da flauta durante seu terceiro solo aleatório. Na verdade, nada mais é do que uma repetição das mesmas notas executadas nos solos anteriores.

O violão fica sozinho, reproduzindo o tema clássico da flauta. No fundo; guitarra, baixo e bateria surgem com um peso absurdo, para colocar os headbangers de joelhos aprovando essa maravilhosa mistura de heavy metal, música clássica e progressivo. O violão segue solando enquanto a sujeira das distorções e as pancadas da bateria comem soltas ao fundo englobando as melodiosas linhas do violão. Segurar a cabeça para não bater na parede com a confusão sonora que o Orgia Pravednikov está criando é muito difícil, mas antes que isso aconteça, a guitarra passa a soltar gritos agonizantes. Com um rápido solo de flauta e guitarra temos o encerramento dessa maravilhosa peça musical!

Yuri Ruslanov e Sergey Kalugin


Oglashennye Izydite contém outras belíssimas faixas, seguindo pelo clima oriental da introdução de "Ночь защиты" ("Noite da Proteção") transformando-se em uma bonita balada, apesar da estranheza dos vocais cantados em russo; o peso acústico/elétrico de "Восхождение чёрной луны" ("Nascimento da Lua Negra"),  sendo essa mistura de violões e guitarras pesadas também apresentada na modernidade de "Убить свою мать" ("Mate Sua Mãe") que, por vezes, nos remete a passagens de "Echoes" (Pink Floyd).

A beleza instrumental de "Покой и свобода" ("Paz e Liberdade") com seu lindo arranjo de violões e a ótima divisão entre guitarras distorcidas e flautas. Bem como a emocionante "Ступени" ("Passos"), outra na qual o arranjo de violões chega a nos levar as lágrimas, contrastando com as cordas abafadas da guitarra e os harmônicos suaves do baixo fretless enquanto Kalugin declama um emotivo poema mantém Oglashennye Izydite totalmente satisfatório de se ouvir.

A inteligente "Весна" ("Primavera") encerra o álbum, cujo único deslize é o funk pesado e repleto de slaps de "Туркестанский экспресс" (Expresso do Turquistão), assim como a vinheta "Вариации на тему военного марша Г.Свиридова" ("Variações em uma Marcha Militar por G. Sviridov), que como o nome já diz, são variações em uma marcha militar feitas apenas pela bateria.

Orgia Pravednikov nos dias de hoje: Alexander Vethkov, Alexei Burkov e Sergei Kalugin (acima),
Artemiy Bondarenko e Yuri Ruslanov (abaixo)

O grupo permanece na ativa contabilizando mais quatro álbuns de estúdio (o mais recente, Шитрок, ou "Rock de Merda", lançado esse ano) e quatro álbuns ao vivo. É um dos grupos que mais vende em seu país e vem conquistando espaço ano após ano sempre compondo canções excelentes, harmoniosas e ricas em melodias como a maravilhosa " Начало века".

Quero agradecer ao site Progshine que me apresentou a banda e cedeu algumas das fotos aqui presentes. Você pode acompanhar  um pouco mais da história do grupo nessa bela entrevista feita pelo colega Diego Camargo.

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