segunda-feira, 9 de setembro de 2013

War Room: Van Züllat - O Casulo [2008]



Por Mairon Machado

Convidados: Marco Gaspari e Ronaldo Rodrigues

O War Room desse mês é dedicado para o rock nacional, e nossos colaboradores irão viajar ao som dos gaúchos da Van Züllat, através do primeiro álbum do grupo, O Casulo, de 2008. Infelizmente, o quarteto pelotense encerrou suas atividades ano passado, mas deixou um legado de dois álbuns, dos quais conferimos as impressões de nossos colegas agora

1. Produto Misto

Ronaldo: Começo frenético. Boa impressão.

Mairon: Barulhos e conversas trazem o moog e então surge um dos sons mais poderosos que a música brasileira ouviu na década passada. Baixo e bateria executam uma performance endiabrada, em uma espécie de samba-prog-fusion de difícil caracterização, mas muito, muito bom.

Marco: Uma pergunta: é pra gostar? (pergunto porque são gaúchos e não quero ofender o Mairon).

Mairon: É para ser sincero, Marco.

Ronaldo: Teclados e bateria nervosos, mas o lance brasileiro não deu exatamente liga com o restante, pareceu uma coisa bem distinta - parte A e parte B.

Mairon: Essa virada com a entrada da guitarra é a coisa mais Santana que o Santana nunca gravou.

Ronaldo: Ainda sim, bom!

Marco: Ainda não ouvi nada demais. E o Santana não mora em Alegrete.

Ronaldo: A guitarra tem um sonoridade bem próxima do Sérgio Hinds no segundo disco do Terço, de 1973. Um fuzz bem rasgado.

Mairon: Reta final, com a bateria comendo o pau e o órgão delirando em um grandioso solo, misturado com o moog, para um encerramento cortado após o breve solo de guitarra, levando-nos para a segunda faixa. Bom começo!

2. Sertão Digital

Mairon: Construída sobre as bases nordestinas, essa canção é regada de experimentalismo, e mantém o ritmo frenético da faixa de abertura, porém com muitas viagens na guitarra (carregada de efeitos) e nos sintetizadores.

Ronaldo: Os teclados preenchem cada espaço do som, a sonoridade dos sintetizadores é fantástica! Bastante ousado e com algo bem musical a dizer.

Mairon: E esse solo de flauta? Surpreendente.

Ronaldo: A influência da música regional é nítida, mas em uma autêntica fusão com a sonoridade universal do rock progressivo. A levada de bateria é fantástica também.

Mairon: O tecladista chama-se Cleber Vaz, que também toca guitarra e flauta. Na bateria está Marcelo Silva, Gabriel Mattos no contrabaixo e Jonatão Muller na guitarra. Esse encerramento é muito soturno!

Ronaldo: Encerramento surpreendente, de uma música surpreendente.

3. Cores

Mairon: O clima muda, ficando bem abrasileirado e caindo um pouco na qualidade inicial, mas mesmo assim, muito bom. Marco, cadê você?

Marco: Estou aqui só ouvindo e lendo.

Mairon: A sequência de solos de flauta e violão é bem encaixada, e curto as mudanças. Essa flauta me lembra muito Recordando o Vale das Maçãs. Marco, você está curtindo?

Marco: Acho bacaninha. Não sei o que dizer, lamento.

Ronaldo: Dentro do panorama até então apresentado, difícil construir uma opinião mais concreta. O som é agradável, mas pode passar despercebido também, mesmo sem saber exatamente o que vem pela frente.

Marco: Esse tipo de som tem muita informação. Eu pelo menos fico confuso numa primeira audição.

Ronaldo: De fato - muitas variações, frenesi total, e isso tudo em faixas curtas. But I like it!

Mairon: Eu quando ouvi a primeira vez fiquei chocado, por isso comprei o CD para ouvir com calma. São ótimos músicos, com ótimas ideias, e a coisa funfa.

4. De Sol a Sol

Mairon: Jazz americano para neguinho não botar defeito, repleto de tempero brazuca na cozinha e pelo solo de flauta.

Ronaldo: Estou sentindo falta de um pouco mais de acento melódico. Até então, o disco foi praticamente quebradeira do início ao fim. É o tipo de fórmula que para assistir no palco, gera uma catarse. Para ouvir em casa, é preciso um apetite especial.

Marco: Ia dizer coisa parecida: bom de tocar, mas chato de ouvir, hehe...

Ronaldo: A música vai direto ao ponto, sem preliminares...

5. Utacarani

Ronaldo: Não tem nem pausa entre as músicas!

Mairon: Segue a linha da faixa anterior, e quase não percebemos a mudança de uma para a outra. Ritmo alucinante. E o moog comendo solto, além da bateria estar demais.

Ronaldo: Realmente, esse trabalho de moog é embasbacante e nenhum dos outros músicos fica atrás.

Marco: Desculpem, isso é disco para músicos. O moog é bacana mesmo.

Mairon: Esses duelos e virações são fantásticos. Olha a sequência de solos de baixo e bateria, que coisa FODÁSTICA.

Ronaldo: Um tipo de progressão bem ELP essa parte agora.

Mairon: O cleber é altamente influenciado pelo Wakeman e pelo Thijs Van Leer

6. Tarantula

Mairon: Agora é a vez da guitarra brilhar, e essa cozinha é muito, mas muito perfeita. Moog comendo solto!

Ronaldo: O som da bateria poderia ser melhor tratado, a gravação parece ser meio amadora.

Mairon: Foi gravado em 2 canais apenas Ronaldo, intelizmente. Um trabalho bem amador.

Ronaldo: Uma pena! Uma boa qualidade e um pouco mais de paciência na construção das músicas faria esse trabalho atingir uma amplitude muito maior.

Mairon: Acredito que houveram dois problemas aí: Cidade pequena e falta de interesse em produzir o trabalho (falta de apoio mesmo, os caras correram atrás, mas ninguém se interessou)

Marco: Cadê aquela coisa regional das primeiras músicas?

Mairon: Está na flauta e E na percussãozinha que rola no fundo.

Marco: Ah!

Ronaldo: O grupo tem identidade, talento e boas composições. Faltou equilibrio, contudo.

7. A Montanha 

Marco: Definitivamente, não gostei.

Mairon: Violões dão uma nova sonoridade, junto com sons de pássaros, na canção mais maluca do álbum.

Ronaldo: Uma abertura menos veloz, já é um refresco para os ouvidos.

Mairon: Enquanto a bateria faz uma coisa, a guitarra faz outra, parece cada um viajando no seu instrumento. Uma canção atípica, tranquila, para respirarmos. Show da guitarra, que até então estava um pouco escondida

Ronaldo: Linda passagem com os violões e a flauta.

Mairon: Mais lembranças de Recordando o Vale das Maçãs.

Ronaldo: Apesar de gostar de uma quebradeira boa, essa mais melódica é a faixa que mais apreciei.

Mairon: Esse crescendo é muito legal, e olha o violino aparecendo do nada.

8. Do Pé da Seringueira

Mairon: Um jazz simples, que definitivamente, acalma os ânimos depois da frenética abertura do álbum, com um maravilhoso trabalho ao piano do Cleber.

Ronaldo: Realmente o piano dá show, mas essa faixa parece um tampão no álbum, um tanto estéril, do tipo "já vi esse filme".

Mairon: As inspirações clássicas surgem do nada, é é muito bonito esse trecho. Um crescendo emocionante.

Ronaldo: A progressão é muito boa, bem colocada, gostei!

9. Jazzpion

Marco: Gostei do nome

Mairon: Cleber continua exibindo-se ao piano, com propriedade e talento. Trecho central esquisito e muito progressivo!

Ronaldo: Um tema cômico, mas leva um tempo até entender o que realmente está acontecendo.

Mairon: Doideira!

Ronaldo: E as vezes esse tempo é maior do que a duração da própria faixa! O tecladista, vez por outra, toca mais rápido do que eu sou capaz de ouvir!

Mairon: Hauehauehauehua!

10. Tropicando

Ronaldo: Uau...que introdução!

Mairon: Quebradeira de baixo, bateria e guitarra. Ronaldo, no segundo CD eles gravaram uma música de 20 minutos, daí da para absorver melhor o som, mas essa primeira audição te deixa meio tonto (eu pelo menos fiquei).

Ronaldo: Seria interessante ver como se desenvolvem em uma faixa longa.

Mairon: Se sairam bem Ronaldo, mas é muita doideira. Até uma parte somente com berimbau tem.

Marco: Sai música, entra música e é quebradeira ou pianinho maluco. Enjoou já. Mas gosto de baixo no fundo.

Ronaldo: Marco, não é você que gosta do Henry Cow? (pergunta do tipo daquelas que não é pra provocar não, ok?).

Mairon: Essas virações da guitarra são estupendas!

Marco: Não vejo nada aí parecido com o Henry Cow. Talvez as viradas de bateria de vez em quando ...

Ronaldo: Inspiradas nos melhores momentos da guitarra jazz-rock.

11. Samba Jacaré!

Mairon: Essa é para colocar a casa para dançar. Um sambão de raiz, levado pelo violão e pelo baixo, com a bateria comendo solto para a guitarra ser estribuchada em pelo estúdio. Um encerramento perfeito para um grande álbum!

Ronaldo: Realmente não se parece em nada com o som deles, mas a proposta de frenesi sonoro, sons inusitados, informação múltipla, eu tentaria fazer alguma associação. No caso, o som deles é mais direto e menos soturno. Uma pegada meio "novos baianos".

Mairon: Ahã, bem por aí, só que mais "Hard"! Essa misturança é um deleite! Assim como as mudanças inesperadas.

Marco: Essa música eu gosto. Não tem aquele fuzuê, aquele comichão. Gostoso isso.

Mairon: Tem alguns segundos de silêncio, e depois volta

Ronaldo: Essa faixa já não me fez a cabeça.

Mairon: A minha também não, Ronaldo.

Marco: Pô, eu gostei. Vou sair do grupo.

Mairon: Esse Marco.

Ronaldo: Ele que sempre foi um louco, um romântico, um anarquista...

Mairon: Agora virou leitor de Paulo Coelho

Marco: Acabou? Viva!!!

Mairon: Não, ainda tem mais, aguarde. Bem sinceramente, esse final é desnecessário, mas enfim, não entendi qual a ideia com o mesmo.

Marco: Gostaria de dizer algo em minha defesa: vão tomar no cú!!

Ronaldo: Um abraço de urso pra você, Marco. Idem, Mairon...

Mairon: Um selinho do Sheiki para você, Marco. Quanto ao som, é legal, curti o saxofone, mas foge do contexto do álbum.

Ronaldo: Nada a ver esse final, mesmo...

Marco: Isso que tá tocando é a banda ainda. Esse caras não largam o osso.

Considerações Finais

Mairon: Um álbum de difícil assimilação na primeira audição, mas que deixa aquela sensação de "Puta que pariu, preciso ouvir isso de novo" e não "Nunca mais vou ouvir isso". Um talento que infelizmente foi desperdiçado, assim como tantas outras boas bandas reveladas nos últimos anos e que não conseguiram seu lugar ao sol, por questões de patrocínio entre outros.

Marco: Achei tudo maluquinho, espertinho, inho e inho... A banda da guarda civil bêbada não faria melhor.

Mairon: Marco detonando, aheuaheuahea! O próximo disco que eu convidar o Marco, só ele vai gostar. Já está na minha agenda, só tenho que achar o link e me preparar espiritualmente para ouvir a bomba.

Marco: Não gostei de detonar, inclusive. Não acho justo com os músicos. Mas achei over pra caramba. estou ficando velho. Vou ouvir Roberto.

Mairon: AOHEHAOIEIOHAEIHAOHI. Roberto Carlos está te dando mais emoção? Isso é influência do Sheiki!?

Marco: Quem é esse Sheik, o pianista dessa banda?

Mairon: O centroavante dos selinhos

Marco: Ah, sim, joga no meu time, né? Bando de viados.

Ronaldo: Saldo positivo. O trabalho é ousado. O problema que as vezes é tão ousado que beira a desintegração. Músicos de talento inquestionável, mas que pisaram demais no acelerador. Tem momentos fantásticos, soberbos até, mas pra captá-los de verdade, somente com várias audições. Reafirmo que faltou equilíbrio e qualidade de gravação para o trabalho conseguir ser mais apreciável; talvez um sinal de imaturidade ou uma visão equivocada do gosto médio dos fãs de rock progressivo, que seriam o mais próximo de um potencial público alvo para a banda. Se o importante era apenas se expressar, o objetivo foi atingido com sobras. Agora, em termos de comunicação com o ouvinte, foi somente a banda que falou e não deu tempo de ninguém sequer abrir a boca.

Marco: Ronaldo é o meu herói.

Mairon: Bela definição Ronaldo. Com essa encerramos os trabalhos. Até a próxima gurizada!

Ronaldo: Abraços.

Marco: Outro. Selinhos mil.

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