sábado, 18 de janeiro de 2014

Sly & The Family Stone - Parte I

Larry Graham, Jerry Martini, Freddie Stone, Cynthia Robinson, 
Sly Stone, Rose Stone e Greg Errico 


Um guitarrista negro, extremamente talentoso, que ajudou a revolucionar seu instrumento e ainda consagrou-se durante o verão do amor de 1967, na Califórnia, fez misérias em Woodstock e deixou um legado de álbuns que influenciaram muita gente posteriormente. Estou falando de Sylvester Stewart, mais conhecido como Sly Stone.


Entre 1967 e 1976, Sly comandou sua "família" no Sly & The Family Stone, um dos principais grupos de funk-rock e soul que o mundo pode ouvir. Ao lado da banda de James Brown (os J. B.'s), Ike & Tina Turner e do projeto Parliament-Funkadelic, a Sly & The Family Stone marcou época com muito swing, canções clássicas e a guitarra embalada de Sly Stone.


No final da década de 70, o grupo deixou de existir, e mesmo a tentativa de retomar o nome Sly & The Family Stone na virada dos anos 70 para os 80, acabou perdendo espaço para a onda da eletrônica.

Rara foto da família Stewart, destacando os pequenos
The Stewart Four
Nascico Sylvester Stewart, em 15 de março de 1943, o segundo filho de K. C. e Alhpa Stewart tem sua história musical ainda na infância, em Dallas, Texas, quando era um membro de uma família de classe média altamente religiosa, ligada a Igreja de Deus em Cristo, aonde começou a aprender sobre música. Esse foi o primeiro contato com instrumentos como guitarra e piano.

Quando Sly atingiu a adolescência, os Stewart mudam-se para Vallejo, na Califórnia, e lá, K. C. criou o grupo The Stewart Four, composto pelos quatro dos cinco filhos do casal: Sylvester, Freddie, Rose e Vaetta. O quarteto fez diversas apresentações, com a conotação totalmente gospel, lançando um raríssimo compacto em 78 rotações, com as canções "On the Battlefield of the Lord" e "Walking in Jesus' Name", no ano de 1952.


The Viscaynes, com Sly ao centro

Ao mesmo tempo, o jovem Sylvester flertava estilos com outros colegas do Ensino Médio que também tocavam, criando grupos como o The Viscounts, The Webs e The Viscaynes, que lançou diversos compactos na década de 50, com uma formação tendo Frank Arellano, Charlene Imhoff, Sylvester Stewart, Maria "Ria" Boldway e a dupla Charles e Vern Gebhardt. Esse foi um dos primeiros grupos interraciais de rock que se tem história, já que era composto por quatro brancos, um negro (Sylvester) e um filipino (Frank Arellano). 

Raríssimo compacto dos Viscaynes, com a grafia errada ("B" no lugar de "V")
O grupo fez relativo sucesso na Califórnia, apresentando-se em escolas e igrejas, além de pequenos bares, e em 1961, participam do programa de TV Dick Stewart Dance Party TV Show, quando lançaram seu primeiro compacto, pelo selo VPM Records, com as canções "Yellow Moon" / "Heavenly Angel". O grupo migrou para Los Angeles, aonde registrou diversas canções, lançando ainda mais um compactos pelo selo VPM, tendo uma revisão de "Yellow Moon" no lado A, com "Uncle Sam Need You (My Friend)" no lado B, e sob o nome de The Biscaynes (um erro de digitação na prensagem).

Seguiram-se os compactos "Stop What You Are Doing" / "I Guess I'll Be", pelo selo Trop Records, e sob o nome The Viscaynes & The Ramblers (Sly Stewart & The Viscaynes na segunda prensagem), e como grupo de apoio para Jasper Woods no compacto "I'm Comming Home" / "Hully Gully Papa". 


Compactos de Danny Stewart (acima) e Sly Stone (abaixo)

No início da década de 60, Sylvester começou a gravar seus primeiros compactos solo, adotando o nome de Danny Stewart. Entre 1961 e 1965, foram cinco compactos ao total: "A Long Time Alone"/ "I'm Just A Fool" (1961), "Help Me With My Broken Heart" / "Long Time Alone" (1962), "I Just Learned How To Swin" / "Scat Swim" (1964), "Buttermilk, Part 1" / "Buttermilk Part 2" (1965) e "Temptation Walk, Part 1"  / "Temptation Walk, Part 2" (1965),  os dois últimos já como Sly Stone, e todos lançados por selos distintos. 

Em 1964, Sly tornou um DJ na rádio KSOL, de San Francisco, aonde audaciosamente passou a reproduzir sons de bandas brancas como Beatles e Stones entre os clássicos do rhythm 'n' blues americano. Foi nesse ano que ele aprendeu o trabalho da produção, participando de lançamentos de nomes como The Beau Brummels, Bobby Freeman e The Mojo Men. 

Sly Stone, em 1967
Porém, Sly não era um homem de andar sozinho, e em 1966, formou o grupo Sly & The Stoners, trazendo como novidade a trompetista Cynthia Robinson, ao mesmo tempo que seu irmão Freddie funda o Freddie & The Stone Souls, trazendo Ronnie Crawford no saxofone e Gregg Errico na bateria. 

Não demorou para que as duas bandas fundissem em uma só, e assim, surge o Sly & The Family Stone, em março de 1967, com Sly e Freddie nas guitarras, Larry Graham no baixo e vocais, Errico na bateria, Cynthia no trompete e vocais, e Crawford no saxofone. O time foi completado por um trio vocal Little Sistes, composto pela irmã de Sly e Freddie, Vaetta "Vet" Stone, e suas amigas colegiais, Mary McCreary e Elva Mouton. Vale lembrar que Sly também tocava, órgão, piano e diversos outros instrumentos, e era o vocalista principal.
A regular estreia da Family Stone
Alguns shows e não demorou para a CBS Records interessar-se pelo som do grupo, principalmente após um show na Winchester Cathedral, uma boate de Redwood City, Califórnia. Em outubro de 1967, lança seu primeiro disco, A Whole New Thing

A estreia da Família de Pedra é um apetitoso aperitivo para o groove e dançante ritmo que fez de Sly Stone um ídolo anos depois. Aqui estão os pequenos elementos que acimentaram o funk do grupo, para depois construir o alicerce que sustentaria toda a dinâmica efervescente e contagiante desse trem em evolução. 

O álbum possui de tudo um pouco: Motown puro e simples ("I Cannot Make It"), rock californiano a la Beach Boys ("Run, Run, Run"); e baladas doloridas ("That Kind of Person", cantada por Freedie, e "Let Me Hear It From You", nas quais Sly demonstra todo seu talento no órgão). As linhas vocais de "I Hate to Love Her", "Advice" e "Trip to Your Heart" (essa beirando a psicodelia) ou o ritmo alucinante de "Turn Me Loose" (encerrando com Sly fazendo um suspiro cansado) e "Underdog" são totalmente inovadores para a época. O grande destaque é o arranjo dos metais nas pérolas "Dog", "If This Room Could Talk" e "Bad Risk". 

Capa do relançamento de A Whole New Thing, em 1970
Detalhe importante é que A Whole New Thing foi gravado ao vivo no estúdio, para diminuir custos. Em 1970, ele foi relançado com nova capa. Outros dois relançamentos ocorreram: 1995, trazendo a bônus "What Would I Do"; 2007, com cinco bônus, as quais são "Underdog" (mono B-side version), "Let Me Hear It From You" (mono B-Side version), "Only One Way Out of This Mess", "What Would I Do" e "You Better Help Yourself".

Apesar de receber elogios de nomes como Tony Bennett e Mose Allison, o álbum não vendeu o esperado, mas mesmo assim foi um bom começo para o grupo. O produtor Clive Davis acabou interferindo, já que o grupo tinha tudo para deslanchar, mas estava restrito a tocar em pequenos bares e clubes da Califórnia. 

Davis sugeriu a Sly que tentasse gravar algo mais direto e popular, capaz de tornar-se um hit, e assim, o guitarrista compôs seu primeiro grande clássico, "Dance to the Music". Apesar do estilo pop não ter agradado nenhum dos integrantes da Family Stone, a canção acabou fazendo toda a diferença na carreira do grupo. Foi através dela que os americanos tiveram conhecimento de um grupo sem segregação racial, já que brancos e negros dividiam o mesmo espaço, e também de sons totalmente inovadores para sua época, misturando rock, psicodelia, as tradicionais linhas de baixo do funk e um maravilhoso conjunto de metais, além do órgão gospel de Sly perambular pela canção como um anjo salvador.



Uma guinada diferenciada na carreira de Sly e sua família

O compacto foi lançado em janeiro de 1968, e em 27 de abril do mesmo ano, o álbum de mesmo nome chegou às lojas. Parece mentira que em tão pouco tempo um grupo possa ter evoluído tanto. Gravado dois meses após A Whole New Thing, e com a adição da tecladista Rose Stone, Sly pode soltar-se mais na guitarra, como ouvimos em "Don't Burn Baby" e "I'll Never Fall in Love Again". 

A faixa-título, que abre o LP, se tornou TOP 10 nos Estados Unidos, e é uma aula de swing, com cada instrumento fazendo sua participação solo de forma empolgante, além de criar o que ficou batizado de Psichedelic Soul. Rose comanda o piano de "I Ain't Got Nobody (For Real)", e eu gosto muito do ritmo intrincado criado por Errico em "Are You Ready?", que assim como "Ride thr Rhythm", deu as bases para o que o Jackson 5 iria fazer no início dos anos 70 utilizando muitas vocalizações. 


Famiía de Pedra em 1968:
Freddie Stone, Sly Stone, Rose Stone, Larry Graham, Cynthia Robinson, Greg Errico e Jerry Martini



"Higher" destaca Sly na harmônica, e "Color Me True" é uma maravilhosa mistura de vozes, aglomeradas pelo ritmo da guitarra e dos metais. O principal ponto a se destacar é que quase todas as canções são cantadas pelo quarteto Graham, Sly, Rose e Freddie, tornando a harmonia vocal muito interessante de se ouvir. E claro, a psicodelia e o agito dos mais de doze minutos de "Dance to the Medley" são uma aula de transpiração, inspiração e ritmo, em uma das melhores canções da carreira do grupo, com vocalizações, baixo carregado de distorção e a guitarra lisérgica de Sly pegando fogo.

Assim como A Whole New Thing, Dance to the Music recebeu dois relançamentos em 1995 e em 2007, com o relançamento de 1995 trazendo como bônus a faixa "Soul Clappin", e o de 2007 seis bônus: "Dance to the Music" (mono single version), "Higher" (mono single version), "Soul Clappin'", "We Love All" (previously unreleased), "I Can't Turn You Loose" (previously unreleased) e "Never Do Your Woman Wrong" (previously unreleased instrumental). O disco vendeu bem, sendo o essencial para que a EMI investisse no terceiro disco do grupo.

A avalanche sonora de Life

A receita de Dance to the Music foi aperfeiçoada nesse terceiro álbum, lançado oito meses após o citado LP, e que foi gravado durante o verão de 1968.

Mantendo a mesma formação, os vocais agora ficam concentrados em Freddy, Graham e Rosie, e as harmonias entre baixo, órgão e metais é envolvente demais para ficar parado. O álbum é uma avalanche sonora do início ao fim, e em termos de letras, foi o que apresentou as canções de protesto e a harmonia musical, marcas registradas de Sly Stone. 

De início, temos a guitarra rasgada de "Dynamite!", a hilária "Chiken" (com vocais imitando sons de cacarejos) e a linda "Plastic Jim", uma swingadissíma canção com uma das harmonias mais belas da história do funk. A partir de então, Life cresce de forma incrível, tornando-se a avalanche que destrói casas até hoje. 

"Fun", "Into My Own Thing" e "Harmony" são brilhantes harmonias de metais, piano, órgão e vocalizações, enquanto a faixa-título tem um riff entusiasmante que faz até defunto levantar os braços. As vocalizações de "M' Lady" mostram como o grupo evolui nesse disco, e o baixão distorcido de Graham é a sensação em "Jane is a Groupie" e "Love City", essa, com uma democrática divisão de vozes. A única queda do LP vai para "I'm an Animal", que realmente não diz para que veio, principalmente por sua simplicidade. 

O começo da transição visual e musical da Família de Pedra, em 1968:
Rose Stone, Larry Graham, Sly Stone, Freddie Stone, Greg Errico, Jerry Martini e Cynthia Robinson
A reedição de 1995 conta com o bônus "Only One Way Out of This Mess", e o relançamento de 2007 traz quatro bônus: "Dynamite" (mono single version), "Seven More Days" (previously unreleased), "Pressure" (previously unreleased) e "Sorrow" (previously unreleased).

Life não vendeu muito, apesar de ter recebido boas críticas da imprensa. Não importava, os alicerces já estavam construídos para a maior empreitada do grupo, que começou depois da primeira excursão europeia, ocorrida em setembro de 1968 na Inglaterra. O problema é que a turnê não pôde ser feita na íntegra, já que Graham acabou preso por porte de maconha, o que desagradou bastante os promotores do grupo.

O retorno do Sly and the Family Stone aos Estados Unidos foi um novo caminho, como veremos em breve aqui no Baú do Mairon, aonde abordaremos o período áureo do grupo, indo de 1969 até a separação da primeira geração da Família, em 1973. 

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