Talento e genialidade foram misturados e condensados em um dos mais belos álbuns dos anos oitenta. Trata-se de Himalaia.  Esse diamante começou a ser lapidado no final dos anos setenta. Ali, o  compositor e músico Fernando Pacheco, junto com os demais seis  integrantes do grupo Recordando o Vale da Maçãs, lançava o magnífico As Crianças da Nova Floresta, onde o progressivo tradicional ganhava espaço entre a disco music e o punk.
Fernando  sempre se caracterizou por ser um talentoso músico. Tendo diversos  professores em sua vida, multi-instrumentista, acompanhou bandas de  baile, sendo líder da conhecida banda santista Tropical Jungle,  e  também contou com a ajuda de diferentes pessoas para consolidar sua  marca entre os grandes no cenário brasileiro. Foi na RVM que começou a  ganhar destaque, ao mesmo tempo em que se tornou professor no Grupo AMA e  no Conservatório Musical Heitor Villa-Lobos, ambos em Sampa. 
Porém,  mesmo com o fim precoce da banda em 1982, ele não parou no tempo (como  por exemplo, nosso querido guitarrista Mario Neto). Antes, a RVM havia  lançado o compacto Sorriso de Verão / Flores na Estrada,  queficou no primeiro lugar das paradas brasileiras durante seis meses.  Fernando ainda apresentou-se com o projeto Pacheco e Carioca, ao lado de  Carioca Freitas, antes de mudar-se para o sul de Minas Gerais, onde  assumiu a função de professor titular do Conservatório Estadual de  Música J.K.O., na cidade de Pouso Alegre. Em 1985 lançou o magnífico  álbum Instrumental junto com Fernando Pereira e com o nome de Duo Fernando's. Os dois já vinham ensaiando e fazendo shows desde 1983.  
No ano seguinte, Fernando lançava o seu primeiro e melhor trabalho. O  disco é dividido em duas partes: "The Past", gravado ainda com a RVM na  cidade de Curitiba durante o ano de 1982, e "The Present", onde Pacheco  toca todos os instrumentos. O álbum é uma aula de sentimentalismo e  técnica, com o músico viajando por onde mais gostava, os temas  instrumentais. Apesar de composto por apenas cinco faixas, as mesmas são  certeiras e grudam no cérebro de qualquer apreciador de boa música.
O disco abre com o violão de "Sonho", acompanhado pelos teclados e flautas do RVM que relembram o álbum As Crianças da Nova Floresta.  Cada instrumento do RVM vai sendo adicionado aos poucos, com a música  aumentando sua cadência enquanto temos diversos solos de flauta,  guitarra. O embalo lento e cadenciado vai trazendo um clima de  expectativa, que só é compensado pela emotiva introdução de "Himalaia",  com violão, flautas e pássaros, no melhor estilo RVM. 
Essa  longa suíte também trás a marcação lenta de "Sonho", porém contando com  um belo solo de guitarra e de teclados. A canção, após começar lenta e  suave, vai aumentando a cadência, atingindo seu pique no rápido e  complicado solo de violino. O clima muda, com flauta e teclados duelando  sobre dedilhados de violões e baixo, parecendo uma guerra de cantos  entre pássaros na floresta, que apenas introduzem uma sessão mais  viajante, com solos de flauta, violino e guitarra, sempre acompanhados  pela cadência RVMiana. Por fim, a bela introdução é retomada, com o  violão solando mais agressivo enquantos teclados e violinos deliram. A  canção termina em um climão de floresta, com a levada principal  executada anteriormente sendo acompanhada pelos viajantes solos de  teclado, flauta, guitarra e, principalmente, pelo violão dedilhado que  acompanha toda essa faixa, encerrando o lado "The Past" com um tema de  flauta daqueles tão grudentos como a introdução.
O lado "The  Present" abre com a complícadissima "Progressivo L-2 Sul", onde Fernando  mostra todo o seu trabalho e aprendizado no violão clássico. A  introdução é feita pelo violão e também por alguns outros instrumentos,  mas é o violão que se destaca com um rápido dedilhado. O trabalho da  canção nos dá direito de ouvir trêmolos, arpejos e muitas outra técnicas  que fazem parte dos estudos de violão clássico. Escrita em 1982 na  Escola de Música de Brasília, localizada no endereço L-2 Sul, essa  canção trás uma das mais belas melodias do cenário nacional, sendo que o  trabalho de composição de Fernando é da altura de Sor, Segóvia, Julian  Bream ente outros. 
"Ciclo  da Vida" dá sequência ao lado onde Fernando é o único músico, com mais  uma suíte. A guitarra de Fernando, cercada de sintetizadores e violões,  sola lentamente. A velha cadência RVMiana é mantida, e é incrível saber  que somente Fernando está tocando todos os instrumentos. Essa canção  difere principalmente pelo fato de Pacheco mostrar toda sua técnica  também na guitarra. Ou seja, temos um lado que podemos vivenciar o  talento ao extremo de um exímio músico, tanto na guitarra quanto no  violão, algo que poucos conseguem. Após o solo de guitarra, os violões  dedilhados voltam a marcar presença, com destaque para um solo de  flauta, que, a medida que avança na canção, dá espaço para a guitarra  servir de um "abre-alas" para a sessão mais agitada da faixa, a qual  lembra, e muito, as boas canções do Rush dos anos setenta, cheia de  viradas de bateria e guitarras pesadas. 
Sintetizadores,  flautas e violões preenchem um vazio que não existe, atingindo um clima  pesado, tal qual uma catástrofe, onde cada instrumento varia suas  escalas com a guitarra delirando, até a bateria encerrar todas as  pretensões de delírio que possam existir. A flauta nos trás novamente à  realidade, com um ritmo mais simples do que as intrincadas partes  anteriores, tal qual o ciclo sugerido na canção, já que todos passamos  por momentos mais leves, mais difíceis, mas temos principalmente uma  vida rotineira, e é exatamente isso o que o ouvinte sente ao ouvir a  canção, terminando de forma mais alegre e tranquila, apesar de algumas  outras complicadas partes surgirem com um final apoteótico, onde trovões  nos levam à canção final,  "Civilização", contendo um pequeno dedilhado  de violão e um belíssimo solo de flauta.
Himalaia  não fez muito sucesso no Brasil, mas acabou estourando no exterior  (como já havia acontecido com a RVM). Fernando ainda gravaria o CD As Crianças da Nova Floresta II (1993) e o trabalho 1977-82, ambos ao lado do RVM.  Em termos de carreira solo, lançou em 1998 Himalaia II, realizando com concertos e trabalhos de divulgação na Espanha e Portugal, e em 2005, com o Duo Fernando's, lançou um CD Homenagem a Johnny Alf. Já em 2006 lançou o belo trabalho Spirals of Time ao  lado de Giuliano Tiburzio (baixo), Antonio Bortoloto (bateria),  Leonardo Zambianco (voz), Nélio Porto (teclados) e Eduardo Floriano  (vocais).
Em termos docentes, Pacheco assumiu o cargo de  professor de violão e guitarra no curso de música da Universidade Vale  do Rio Verde (UninCor) em Três Corações (MG) no ano de 2002 e também,  nessa mesma universidade, assumiu o cargo de coordenador e professor do  curso de Pós-Graduação em Música em 2007, onde leciona até os dias  atuais, ao mesmo tempo em que apresenta-se em concertos com o RVM e em  trabalhos de jazz instrumental brasileiro com o Duo Fernando's e  Fernando Pacheco Trio, mostrando todo o seu talento e inteligência para o  público que sabe valorizar um trabalho de primeira qualidade.
 



 
 
Nenhum comentário:
Postar um comentário