sábado, 20 de dezembro de 2025

Zappa In New York - 40th Anniversary Deluxe Edition [2018]









Um dos grandes discos ao vivo da carreira de Frank Zappa (e são vários) recebeu uma edição especial em comemoração aos 40 anos de seu lançamento, no ano de 2018. Trata-se de Zappa In New York. Originalmente programado para ser lançado em 1977, Zappa In New York demorou um ano para ver a luz do dia, muito por conta dos problemas pessoais e contratuais de Zappa com a gravadora Warner Brothers, à época empresa que cuidava dos lançamentos do bigodudo.

Depois de muita discussão e brigas, e de um lançamento que causou ainda mais confusão em meados de 77, quando os discos tiveram que ser recolhidos das lojas por uma determinação judicial (em tiragens hoje tão raras quanto um elefante cor de rosa e com bolinhas roxas, capaz de fazer o L com uma das patas e arminhas com a outra), a versão final (e editada, sem "Punky's Whips", que acabou sendo censurada) de Zappa In New York foi lançada em março de 1978, trazendo um compilado de quatro apresentações feita por Zappa e seu grupo no Palladium, em Nova Iorque, nas datas de 26, 27, 28 e 29 de dezembro de 1976. O disco é um dos mais bem sucedidos da carreira de Zappa, chegando a posição 57 na Billboard.

A banda de Zappa na época era composta pelo próprio (guitarra, vocais, condução), Terry Bozzio (bateria, vocais), Ruth Underwood (marimba, xilofone, percussão), Patrick O'Hearn (baixo, vocais), Ray White (guitarra, vocais), Eddie Jobson (teclados, sintetizadores, violino), um fantástico naipe de metais constituído por Lou Marini (saxofone alto, flauta), Mike Brecker (saxofone tenor, flauta), Ronnie Cuber (saxofone barítono, clarinete), Randy Brecker (trompete), Tom Malone (trombone, trompete, piccolo), e ainda David Samuels (tímpano, vibrafone) e a participação de Don Pardo (narração).

O disco é uma pequena amostra do poder de fogo da trupe zappiana, e na versão original, os grandes momentos vão para as fabulosas duas partes da complicadíssima "The Black Page", a extensa versão de "The Purple Lagoon" e a interpretação magistral de Ray White nos vocais de "The Illinois Enema Bandit". Se o álbum possui um defeito, é que sua duração é de apenas uma hora, o que para um álbum duplo, e sendo ainda um álbum de Frank Zappa, é muito pouco. Mas, a versão DELUXE de 2018 sana esse problema com sobras, em uma caprichada caixa que alegra qualquer fã de música e arte em geral.

A caixa (literalmente uma caixa de papelão) apresenta em seu interior uma lata que reproduz a tampa de um bueiro nova iorquino, e dentro desta lata, ao abrir a "tampa do bueiro", encontramos 5 CDs, um livreto com 60 páginas e mais uma cópia do ingresso de uma das apresentações do grupo nas datas citadas, mais especificamente o show de 27 de dezembro. Tratando primeiramente das mídias, o CD 1, apesar de ser considerado como a versão original de 1977, é uma versão editada de 10 canções, sem "Punky's Whips", ou seja, é a edição de 1978 sem tirar nem pôr. Um ótimo disco, que só aquece as mais de 4 horas de audição que o fã irá ter.

As mídias 2, 3 e 4, chamadas Bonus Concert Performances, trazem um apanhado de sobras que ampliam o set list dos shows, e que acabaram ficando de fora da versão original. No CD 2, destaque para a ótima "The Torture Never Stops", o resgate de "Punky’s Whips", com a devida introdução de Don Pardon, a extensa versão de "The Illinois Enema Bandit", com mais de 15 minutos, e a ótima "Montana", sendo que o tempo total da midiazinha é de mais de 70 minutos. O mesmo ocorre com o CD 3, que em mais de uma hora de muita música, destaca as raras apresentações de "I'm the Slime", "Pound for a Brown" e "Find Her Finer", além das longas "The Purple Lagoon" e "Cruisin' For Burguers". Discaços!! 

O CD 4 é tomado pela maravilhosa versão de mais de 28 minutos de "Black Napkins", que entre os diversos solos ao longo da canção, tem destaque especial para Eddie Jobson no moog e violino, em um solo espetacular, e que mostra quão genial era Frank Zappa. Afinal, criar uma peça com apenas dois acordes que permitam improvisos e fazer tantas estripulias embasbacantes em mais de 28 minutos é para poucos. Zappa também faz um solo fenomenal, mais um gigante solo para a vasta prateleira de solos gigantes do bigodudo. A mídia peca por ter apenas 50 minutos, o que também é o tempo da quinta e última mídia, chamada Bonus Vault Content. Esse quinto CD traz versões diferentes para canções que estão nas mídias anteriores, com novas mixagens, e também duas versões somente ao piano para "The Black Page", uma delas interpretada por Ruth Underwood, especialmente para o box, e a outra por Tommy Mars.

Ou seja, um belo apanhado das apresentações de 1976, e que satisfaz completamente ao fã mais xiita e ávido por ouvir os improvisos e as histórias de Zappa e seu grupo. Falando em histórias, o livreto apresenta toda a história que envolve o lançamento de Zappa In New York, desde a montagem da banda com os novatos Terry, Eddie e Patrick, o retorno de Ruth e a adição do naipe de metais após Zappa participar de um programa do Saturday Night Live em 11 de dezembro de 76, e ficar encantado com os rapazes (e vice-versa). Além disso, um longo relato de Ruth Underwood sobre o processo de criação de "The Black Page", uma das canções mais desafiadoras para qualquer baterista, e que recebeu esse nome por conta de uma brincadeira de Zappa, que criou uma peça na qual a partitura continha tantas notas e acordes que a página ficou preta, e também um depoimento de Ray White sobre sua entrada na banda, e como ele conseguiu se adaptar ao desafio de tocar com um gênio tão desafiador e perfeccionista como Zappa. 

Ainda no livreto, diversas imagens inéditas, registradas pela esposa de Zappa, Gail Zappa, as letras das canções do CD 1, a origem das canções "The Illinois Enema Bandit" e "Punky's Whips" (sendo a última no mínimo hilária), a descrição da participação de Terry como o diabo em "Titties & Beer", faixa que aparece nas mídias 3 e 5 como "Chrissy Puked Twice", e as descrições das demais canções do CD 1. Um grande box, uma grande obra, uma grande compra para sua coleção, e que vale cada centavo investido no mesmo.


Track list


CD 1 (apesar de ser considerada a versão original de 1977, é uma versão editada de 10 canções)

1. Titties & Beer

2. I Promise Not to Come in Your Mouth

3. Big Leg Emma

4. Sofa

5. Manx Needs Women

6. The Black Page Drum Solo/Black Page #1

7. Black Page #2

8. Honey, Don't You Want a Man Like Me?

9. The Illinois Enema Bandit

10. The Purple Lagoon


CD 2 - Bonus Concert Performances

1. "The Most Important Musical Event of 1976"

2. Peaches en Regalia

3. The Torture Never Stops

4. The Black Page #2

5. Punky’s Whips Intro

6. Punky’s Whips

7. I Promise Not to Come in Your Mouth

8. Honey, Don't You Want a Man Like Me?

9. The Illinois Enema Bandit

10. "Two for the Price of One"

11. Penis Dimension

12. Montana


CD 3 - Bonus Concert Performances

1. America Drinks

2. "Irate Phone Calls"

3. Sofa #2

4. "The Moment You’ve All Been Waiting For"

5. I'm the Slime

6. Pound for a Brown

7. Terry's Solo

8. The Black Page Drum Solo/Black Page #1

9. Big Leg Emma

10. "Jazz Buffs and Buff-etts"

11. The Purple Lagoon

12. Find Her Finer

13. The Origin of Manx

14. Manx Needs Women

15. Chrissy Puked Twice

16. Cruisin’ For Burgers


CD 4 - Bonus Concert Performances

1. The Purple Lagoon/Any Kind of Pain

2. "The Greatest New Undiscovered Group in America"

3. Black Napkins

4. Dinah-Moe Humm

5. Finale


CD 5 - Bonus Vault Content

1. The Black Page #2 (Piano Version)

2. I Promise Not to Come in Your Mouth (Alternate Version)

3. Chrissy Puked Twice

4. Cruisin’ for Burgers (1977 Mix)

5. Black Napkins

6. Punky’s Whips (Unused Version)

7. The Black Page #1 (Piano Version)

domingo, 14 de dezembro de 2025

Livro: A Música do Diabo

A Música do Diabo: A Verdadeira História da Lenda do Blues Robert Johnson, por Bruce Conforth e Gayle Dean Wardlow, foi lançado em 2022 aqui no Brasil (em 2019 nos Estados Unidos) pela editora Belas Letras. O livro surge como uma fonte nova e bastante interessante sobre a vida daquele que talvez seja o primeiro grande nome do blues, Robert Johnson. O violonista negro ganhou fama não só por suas canções emblemáticas, como "Travelling Riverside Blues", "Terraplane Blues", "Cross Road Blues", Rambin' On My Mind", entre outras que ficaram eternizadas por versões de gigantes como Eric Clapton, Led Zeppelin, entre outros tantos que gravaram Robert Johnson, mas também por sua história repleta de obscuridades, romantismo, invenções e muitas lendas, principalmente por conta de uma suposta venda da alma de Johnson em uma encruzilhada, em busca da fama, que acaba levando à sua morte prematura, aos 27 anos, em 16 de agosto de 1938. 

Porém, A Música Do Diabo é o resultado de mais de 50 anos de trabalho, interesse, pesquisa, entrevistas, discussões, escuta, viagens e todos os demais tipos de empreitadas humanas. Gayle começou a pesquisa a vida de Robert Johnson em 1962, e Bruce em 1968, logo após Gayle encontrar a certidão de óbito de Johnson, abrindo caminho para a busca pelas origens da verdadeira história de Johnson. 

O livro começa do básico, ou seja, de como os pais de Robert se conhecem, geram o bebê e acabam se divorciando, com a mãe passando a viver com um novo companheiro. A partir de então, o menino Johnson passa a viver nas plantations (método agrícola que usava o trabalho manual em grande escala) onde sua mãe passa a trabalhar, apanhando por não querer trabalhar e auxiliar o padrasto, e começando a desenvolver seu gosto por música, até que se torna um jovem talentoso, atraente e capaz de encantar aos que ouvem sua voz e seu estilo inédito de tocar. 

O mais interessante ao longo das páginas iniciais, e ao longo de todo o livro, é que a dupla vai apresentando documentos que corroboram a ideia central deles, que é desmistificar o Robert Johnson ícone e torná-lo um homem real. Já jovem, Johnson conhece Virginia Travis. Porém, os pais não deixam os dois viverem juntos, e a menina acaba falecendo, junto com o bebê, durante o parto. Anos depois, ele tem um relacionamento com Vergie Mae Smith, com a qual também tem um filho, e novamente, os pais não deixam Johnson, por ser músico, conviver com a menina e o bebê.

É mais um trauma na vida de Robert, que vai acumulando e deixando-o introvertido, com dificuldades de se relacionar com as pessoas, mas com uma capacidade enorme de colocar suas emoções através da música. O livro traz relatos de pessoas que choravam ao assistir as apresentações de Johnson, que começa a viajar pelos Estados Unidos, tocando nas jukes (locais de encontros de pessoas para beber e se divertir) e nas ruas, até que é descoberto por Ernie Oertle, o qual o apresenta a Don Law e então, faz seus dois históricos registros musicais (em San Antonio e em Dallas, no Texas), para então, se tornar um dos mais vendidos do blues em sua geração, através da bolacha de "Terraplane Blues".

Do sucesso repentino, à um quase ostracismo, isso em poucas semanas, Johnson acaba falecendo por conta de um uísque envenenado por conta do marido de uma mulher que teve um relacionamento com o músico, que é onde o livro encerra-se. Porém, até chegar na morte de Robert, os autores vão realmente desconstruindo a imagem do ícone mitológico que teria vendido a alma para o diabo em uma encruzilhada, em busca do sucesso. Com muitas fontes e entrevistas, uma ampla consulta em documentos do censo em Alabama, Arkansas, Mississippi e Tennessee, assim como certidões de óbito, imagens diversas, Conforth e Wardlow trazem uma nova visão para quem foi Robert Johnson. 

São das entrevistas que a dupla conclui que Johnson desenvolveu seu estilo "inédito" após ter contato com Ike Zimmerman, um famoso violonista da região do Mississippi, principalmente pela filha de Zimmerman, Loretha Zimmerman, que apresenta muitas histórias sobre como o pai gostava de ir ao cemitério na meia-noite para tocar, por ser um local silencioso, e aproveitava para levar o jovem Johnson para tocar junto, assim como informações dadas pela entrevista com Eula Mae Williams, vizinha dos Zimmerman, e que também conheceu Johnson, confirmando que Ike foi "quem ensinou muito de música a ele". 

Os detalhes das gravações de cada canção de Robert em San Antonio e em Dallas, assim como uma boa análise musical destas faixas, são mais um grande ponto para o livro, e claro, as explicações para a morte de Johnson, baseadas novamente nos relatos de pessoas que estiveram in loco no fatal dia em que ele bebe o uísque envenenado, acabam por vez da suposta ligação com o demônio. Segundo os autores,  Johnson uísque envenenado com uma espécie de naftalina, que não era capaz de matar uma pessoa. Porém, Robert já estava sofrendo de úlcera, a qual teria sido diagnosticada um mês antes de sua morte por um médico que o alertou para que era necessária que Robert parasse de beber, o que o músico não fez. A bebida envenenada, junto com a úlcera em estado avançado, causou sangramento no estômago e esôfago do músico, que morreu dois dias depois, sem assistência médica, na plantation de Luther Wade, qe acaba enterrando Johnson em uma vala comum, "com pouca cerimônia e breves formalidades". Os autores buscam várias fontes, mas apresentam o relato de Honeyboy Edwards, corroborado por Rosie Eskridge, de que ele estava tocando para várias pessoas, que o incentivavam a tocar mais, e acabou pegando a bebida envenenada e bebendo normalmente, sem saber que estava ali encaminhando sua morte. 

Um livro muito interessante para quem gosta de história, e principalmente, detesta narrativas (palavra da moda) ou teorias da conspiração. Gayle e Conforth vão direto ao ponto, mostrando por A mais B que Robert Johnson foi um homem extremamente talentoso não só para a música, mas para atrair mulheres, e que foi este talento extremo que acabou levando-o ao sucesso e a morte. Não à toa, recebeu diversas premiações, como prêmio Penderyn de livro musical 2020 (Inglaterra), melhor livro de blues escolhido pelos críticos e leitores da revista Living Blues, e certificado de mérito como melhor pesquisa histórica sobre gravações de Blues, Soul, Gospel e Rhythm 'n' Blues na categoria ARSC (Association for Recorded Sound Collections, ou seja, Associação para Coleções de Gravações Sonoras).

Johnson deixou um legado gigantesco para a música mundial, e está aí agora para ser descoberto não somente por conta de sua música, mas também por conta da sua agora, finalmente, verdadeira história. História esta essencial para o folclore do blues, da cultura negra e da história da música nos Estados Unidos.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Eu Desprezo O Meu Passado - Parte II



Dois dias atrás, trouxe uma lista de seis artistas que desprezaram totalmente seus discos iniciais, sendo eles três nomes nacionais (Roberto Carlos, Elis Regina e Rita Lee) e três gigantes do progressivo britânico (Genesis, The Moody Blues e Renaissance). 

Hoje, apresento mais seis, sendo eles cinco monstros sagrados dos anos 70, e mais uma das maiores bandas nos anos 90, mas que tem seus primeiros discos lançados na década de 80. Vamos à eles.

 Supertramp 

Álbuns desprezados: Supertramp [1970] e Indelibly Stamped [1971]

O Supertramp mundialmente conhecido foi calcado na divisão de vozes entre Roger Hodgson e Rick Davies, que também conduziam com maestria os teclados e piano, além da cozinha soberana de Dougie Thomson e Bob Siebenberg, e os instrumentos de sopro brilhantes de John Helliwell. Porém, antes da fama, a banda passou por diversas formações, tendo apenas Roger e Rick como remanescentes integrais nos anos 70. Em seu primeiro disco, o grupo era um quarteto, e tinha como um dos líderes o guitarrista Richard Palmer-James. Roger era o baixista, e o som era uma espécie de jazz prog muito interessante, com destaque para a viajante "Try Again", além da sensacional "Nothing to Show" e de "Maybe I'm A Beggar", em um álbum realmente muito bom. Já o segundo disco, agora como um quinteto e com Roger nas guitarras, o som é mais folk e apresenta pitadas iniciais do que veio a ser o Supertramp a partir de 1974, em faixas como "Forever" e "Times Have Changed",  mas com total destaque para o clima de luau dos violões e flauta de "Aries", sensacional faixa gravada totalmente em improviso. Ambos os álbuns foram relançados inúmeras vezes, mas após a entrada de Helliwell, nenhuma canção destes discos foram interpretadas ao vivo. Ao mesmo tempo, nas inúmeras coletâneas lançadas sob o nome Supertramp, apenas Retrospectacle (The Supertramp Anthology) (de 2005) traz uma canção de cada disco ("Surely" e "Your Poppa Don't Mind" respectivamente). Por fim, a trilha sonora do filme Extremes (1972), de Tony Klinger e Michael Lytton, possui três faixas de Supertramp: "Words Unspoken", "Surely" e "Am I Not Like Other Birds Of Prey". Por quê? Não tenho nem ideia ...

Styx 

Álbuns desprezados: Styx [1972], Styx II (1973), Serpent is Rising (1973) e Man of Miracles (1974)

Os cinco primeiro discos do Styx contavam com a guitarra de John Curulewski, hoje praticamente um desconhecido dos fãs da banda que apreciam a era do baixinho Tommy Shaw empunhando sua Les Paul e criando clássicos como "Blue Collar Man", "Come Sail Away", "Fooling Yourself ", "Too Much Time On My Hands", entre outros. Era um Styx mais pesado, e com boas pitadas de progressivo e jazz, que ousava experimentar musicalmente, e com excelentes canções. Os quatro primeiro álbuns foram lançados originalmente pelo pequeno selo estadunidense Wooden Nickel, o que resultou até no apelido para a banda, no caso o do próprio nome do selo. Após a entrada de Shaw, em 1976, as coisas mudaram. O Styx passou a ser mais hard e menos prog, o grupo foi para a A&M Records e o mundo foi o limite para a nova fase, com sucessos atrás de sucessos, e os quatro discos acima sendo relegados à obscuridade. Eles tiveram poucas reedições ao longo dos anos, e deles, apenas "Lady" (de Styx II) acabou aparecendo no repertório do Styx pós-Shaw vez que outra. A coletânea Best Of Styx (1977) faz um bom apanhado de canções deste período, mas foi lançada sem autorização da banda pelo Wooden Nickel (o Styx aqui já estava ligado com a A&M Records) e no Japão, a BMG lançou em 1999 a coletânea The Best Of Styx (1973-1974), que como o nome diz, traz canções lançadas entre 1973 e 1974. Nas demais obras da banda que conheço, pouco ou nada destes quatro discos foram incluídas seja nas coletâneas ou nos set lists (encontrei apenas citações para "Rock & Roll Feeling", de Man of Miracles, e "I'm Gonna Make You Feel It", de Styx II, na turnê de 1976). Mas se você é fã da banda e nunca ouviu estes álbuns, corra atrás por que vale MUITO a pena.

Trapeze 

Álbum desprezado: Trapeze [1970]

Quando ouvi esse álbum pela primeira vez, acho que foi o que mais me surpreendeu dentre os que aqui apresento. Conheci o Trapeze justamente por ele, e sempre tendo ouvir falar que a Mark IV do Deep Purple era uma continuação do que Glenn Hughes havia feito junto ao Trapeze, nunca imaginaria encontrar algo tão complexo e distinto. O primeiro disco do grupo é como quinteto (e não como o power trio que revela Hughes, Mel Galley e Dave Holland), tendo esses três nomes e mais John Jones (voz, instrumentos de sopro) e o líder da banda até então, Terry Rowley (guitarras, teclados, flauta, voz). Trapeze é um baita disco de rock, com pitadas progressivas ("Am I" e a espetacular "Suicide"), sons mais hardeiros ("The Giant's Dead Hoorah!), jazz ("Fairytale; Verily Verily; Fairytale"), e exímios arranjos vocais inspirados nitidamente em Beatles ("Another Day", "It's My Life" e "Over") em praticamente todo o álbum. Aos que querem ver se Hughes sempre teve seu vozeirão, deleite-se com "Nancy Gray" e "Wings". Se não há aqui exibicionismo instrumental, os arranjos musicais/vocais e as harmonias são excelentes. Porém, Rowley e Jones abandonaram o Trapeze por problemas internos com a London Records (gravadora detentora dos direitos sobre o grupo à época), e assim, nascia o power-trio que é falado até hoje, com um som mais swingado e que cria os clássicos Medusa (1972) e You're The Music, We're Just the Band (1973), sem nunca mais tocar uma cançãozinha desse excelente disco. O álbum emplacou o hit "Send Me No More Letters", que é a única faixa a aparecer nas coletâneas The Final Swing (1974) e High Flyers: The Best of Trapeze (1995). Em 2019, a Purple Records lançou a coletânea The Best Of Trapeze (Leavin' The Hard Times Behind), trazendo quatro faixas de Trapeze. Mas é muito pouco para um álbum tão incrível e gostoso de ouvir, apesar de diferentaço!

UFO 

Álbuns desprezados: UFO I [1970], UFO II : Flying - Space Rock [1971]

O UFO surgiu na Inglaterra como um quarteto liderado pela guitarra de Mick Bolton. Seus solos ácidos e delírios com longos improvisos caracterizam o que convencionou-se chamar de Space Rock, registrado nos (exímios) UFO I (não tão Space, mas muito mais um boogie alucinógeno) e UFO II: Flying - Space Rock, esse sim, acaba batizando um novo estilo musical. Mas Bolton durou esses dois discos de estúdio e o ao vivo Live (1972), e foi substituído por Bernie Marsden (que lançou apenas um único compacto com o grupo), e depois, pelo alemão Michael Schenker, com apenas 18 anos. Quando Schenker entrou, em 1974, há registros dele tocando "C'mon Everybody" e "Prince Kajuku", mas com o passar dos anos, e o crescendo do nome UFO através de álbuns incríveis como Phenomenon, Force it, Lights Out, e o aclamadíssimo Strangers in the Night, pronto, nunca mais o Space Rock foi visto e ouvido nos palcos do UFO. O Japão e a Alemanha adoram esta fase inicial, tanto que na terra do chucrute, no mínimo três coletâneas não-autorizadas surgiram por lá. Em 1976, a Nova lançou Space Metal, que resgata canções dos dois álbuns, assim como outra Profile, lançada pela Teldec em 1979, e C'Mon Everybody, lançada pela Telefunken em 1981. Porém, coletâneas oficiais da época, como Headstone: The Best Of UFO (1983), Anthology (1987) e The Best Of UFO (1996) não trazem nada desta fase. Em 2004, a Castle acabou lançando o CD duplo Flying - The Early Years 1970 - 1973, com os discos acima citados e o compacto "Galactic Love" / "Lovin' Cup", lançado somente na Alemanha em 1972. Os três LPs desta fase inicial da banda acabaram recebendo diversos relançamentos não-oficiais ao longo dos anos, inclusive tendo nomes trocados  para as canções (“Boogie For George” virou “Boogie”) e alternância na ordem das faixas (“The Coming Of Prince Kajuku” acabou tornando-se a primeira do lado B em muitos desses re-lançamentos). Porém, os diversos relançamentos do grupo focam-se somente na fase pós-Schenker, também conhecida como Chrysalis Years. Uma lástima, pois para mim, a fase Space Rock é uma das melhores fases de uma banda em sua história.

Scorpions

Álbum desprezado: Lonesome Crow [1972]

Os alemães do Scorpions tiveram diversas formações durante sua vasta carreira de mais de 50 anos, sendo duas bem distintas e famosas, chamadas era-Uli (comandada pelo guitarrista Uli Jon Roth) e era-Jabs (comandada pelo guitarrista Mathias Jabs, que substituiu Uli). Porém, o início do grupo é bem desconhecido de muitos fãs e admiradores dos caras, durou em torno de quatro anos, e teve como "líder" o menino Michael Schenker (que sai do Scorpions justamente para ser a alma do UFO, como citado acima). O som era bastante psicodélico, com muitas guitarras à la Hendrix e até um certo clima de progressivo. Inacreditável que um guri de apenas 16 anos tocasse tanto! Os destaques na minha opinião ficam para "I'm Going Mad", com uma longa introdução, ácidos solos de Schenker e bons arranjos vocais, assim como os bons solos de "Inheritance", onde temos um pequeno espetáculo de wah-wah, e a belíssima "Lonesome Crow", onde Michael, ainda garoto, mostra porque viria a ser considerado o mestre da Flying V nos anos seguintes, com um magnífico e longo solo combinando escalas jazzísticas, virtuose e muita distorção. Lonesome Crow teve diversos relançamentos com o passar dos anos, muito mais para matar a curiosidade dos fãs do que por vontade da banda. No Japão, país onde o Scorpions é amado, saiu a coletânea Early Hits (1982), que abrange, vejam só, apenas os discos da era Uli (nada de Schenker aqui). Vasculhei as quase 100 coletâneas cadastradas sob o nome do grupo no Discogs e a única a trazer uma canção ("I'm Going Mad") de Lonesome Crow é a caixinha com três CDs Box Of Scorpions, lançada nos Estados Unidos em 2004, pelo selo Hip-O Records, ligado à Mercury. Pós-entrada de Uli, "In Search of the Peace of Mind" esteve em algumas apresentações nas turnês de 1976, 1977 e 1978 (mas somente uma parte dela, como está registrada em Tokyo Tapes, nunca em sua totalidade). Depois, nem ela e nenhuma das outras canções do disco foram apresentadas nos palcos. Ou seja, um disco que acabou totalmente desprezado e esquecido, mas que é espetacular.

Pantera 

Álbuns desprezados: Metal Magic (1983), Projects in the Jungle (1984) e I Am The Night (1985)

Os que ouvem o Pantera de Cowboys From Hell (1990) e Vulgar Display of Power (1992), álbuns pesados e símbolos do chamado Groove Metal, liderados pelos vocais de Phil Anselmo, praticamente não acreditam quando ouvem os três primeiros discos da banda, lançados durante a primeira metade dos anos 80. O que o quarteto formado por Terry Glaze (vocais, guitarras), Darrell Abbott (guitarras), Rex Rocker (baixo) e Vince Abbott (bateria), produzidos pelo papai Abbott (Jerry Abbott), faz aqui é um som entre o hard e o glam metal de nomes como Van Halen, Kiss e Mötley Crüe, além de usar roupas e cabelos bem espalhafatosos, como manda o melhor figurino do glam metal, e capas no mínimo hilárias. E olha, é um período bem interessante musicalmente. Os três discos foram lançados pelo selo Metal Magic Records, o qual foi um selo particular  do grupo, responsável também por lançar o quarto disco, Power Metal (que citarei adiante), e contém faixas muito boas como "Metal Magic", "I'll Be Alright", e a baladaça "Biggest Part of Me", recheada de teclados (de Metal Magic), "In Over My Head" (adoro os tecladinhos dessa), "Killers" e "Out for Blood" (de Projects in the Jungle), "Down Below", "Onward We Rock!" e a excepcional "I Am The Night" (de I Am The Night), com uma introdução matadora de Darrell, e forte candidata a melhor canção deste período, para pinçar três canções de cada disco. Mas há bem mais canções boas nesse período. Detalhe importante são os ótimos solos de Darrell em quase todas as faixas - ouça "Blue Light Turnin' Red" ou "D*G*T*T*M (Darrell Goes to the Movies)" e tente não achar que é Eddie Van Halen quem está destruindo nas caixas de som. Voltando à história, em Projects in the Jungle, Terry muda de nome, passando a se chamar Terrence Lee, assim como Darrell agora tira o Abbott, assumindo então o pseudônimo Diamond, e o irmão Vicent Abbott se transforma em Vinnie Paul (Rex Rocker continua sendo Rex Rocker). Seguem com a mesma formação (e nomes) no álbum seguinte, que já traz uma sonoridade bem mais pesada, lembrando bastante Judas Priest, até que Anselmo entra para o grupo em 1986, Diamond agora vira Dimebag Darrell, e lançam Power Metal (1988), que também é um álbum desprezado, já que o Pantera em si considera somente o quinto disco, Cowboys From Hell, como o primeiro deles. Só que como já é a formação clássica, agora com Rex passando a se chamar Rex Brown, e canções de Power Metal estiveram nos set lists da turnê de Cowboys From Hell (no caso "Death Trapt", "Over And Out", "P*S*T* 88"), preferi considerar só os três primeiros. Metal Magic e Projects in the Jungle tiveram poucas edições, lançadas somente nos Estados Unidos, e I Am The Night nem isso (apenas uma edição em LP saiu também só nos EUA). Há inúmeras edições não oficiais tanto em CD quanto em LP, e em termos de coletâneas, nada daqui foi lançado oficialmente pela banda até hoje. Mesmo boxes que trazem os CDs completos e remasterizados só pegam os discos pós-Cowboys From Hell. Portanto, para o Pantera, a partir de 1990 é que realmente começa tudo, e é daqui em diante que eles conquistam mercados e fãs por todo o mundo, sem nunca mais se quer citou a existência da sua - ótima - fase glam. 

domingo, 30 de novembro de 2025

Eu Desprezo O Meu Passado - Parte I

N. R. Este texto é também uma breve homenagem ao nosso leitor Igor Maxwell, fã de Roberto Carlos

Ah, os álbuns de estreia. Quantas bandas e artistas orgulham-se de terem em seus primeiros discos verdadeiras escolas da arte, essenciais em qualquer prateleira dedicada à música. Led Zeppelin, Black Sabbath, Kiss, The Doors, Jimi Hendrix, Cream, King Crimson, The Stooges, Ramones, Van Halen, Dire Straits, Posssessed, Slayer, Metallica, Mötley Crüe, Guns N' Roses,  Pearl Jam, Rage Against the Machine, Os Mutantes, Secos & Molhados, Legião Urbana ... a lista é enorme de nomes que eternizaram seus primeiros álbuns, e passaram o resto da carreira tendo que tocar no mínimo uma canção destes discos nas suas apresentações. 

Porém, muitos artistas surgiram em sua carreira cantando não exatamente aquilo que gostariam, mas sim fazendo algo que o empresário, ou os pais, ou até mesmo a gravadora obrigou/sugeriu. Fora aqueles que, com o passar dos anos, acabam modificando formações, e abandonaram os estilos que construíram inicialmente, tomando novos rumos inimagináveis quando de seus primeiros discos.

Dentre esses dois mundos, há com certeza uma boa gama de artistas que simplesmente, ao se tornarem gigantes, desprezaram totalmente seus lançamentos iniciais. Quando eu digo desprezar totalmente, quero dizer que nunca mais apresentaram canções de seus primeiros discos, ou se quer as colocaram em alguma coletânea. Trago aqui alguns nomes conhecidos nacional e mundialmente, com a certeza de que deixei outros de fora, mas que o nobre leitor terá o espaço dos comentários para relembrar aquele artista que desprezou totalmente seu passado. Começo com três gigantes nacionais e três nomes do progressivo britânico, e em dois dias, apresento mais seis nomes consagrados mundialmente. 

Roberto Carlos 

Álbum desprezado: Louco Por Você [1961]

Este talvez é o caso mais emblemático de todos os discos que irão aparecer por aqui. Lançado dois anos depois da estreia em compacto do jovem Roberto (com apenas 20 anos), Louco Por Você é uma mistura de estilos musicais que variam de boleros e roquinhos (com destaque para "Só Você"), até MPB (aqui destaca-se "Ser Bem") e música romântica (com uma constrangedora versão para "Cry Me A River", batizada "Chore Por Mim"). A maioria das composições é de Carlos Imperial (responsável por lançar Roberto nas rádios no fim dos anos 50, início dos 60), com arranjos orquestrais feitos por Astor Silva para agradar os "jovens" daquela época. O disco foi um fracasso de vendas (estimativas dizem que vendeu no máximo 500 cópias), e o Rei Roberto, após adquirir esse status monárquico, nunca quis relançar o álbum em formato algum, inclusive quando foram resgatados todos os seus discos da década de 60 no formato de CD. Além disso, solicitou (ordenou?) a retirada do disco na edição digital do iTunes, no ano de 2012, ficando apenas versões piratas e as raras edições comercializadas nos anos 60. Há boatos que ele teria comprado as cópias restantes do disco e mandado destruí-las, o que é uma lenda tão grande quanto a referente ao seu maior rival em termos de raridade nacional, a cópia original de Paebirú. De qualquer forma, apesar de chatinho, a voz marcante de Roberto está lá para todos conferirem. 

Elis Regina 

Álbuns desprezados: Viva a Brotolândia (1961), Poema de Amor (1962), Ellis Regina (1963) e O Bem Do Amor (1963)

A linha musical destes discos da Pimentinha vai na mesma da de Louco Por Você. A diferença central aqui é a idade de Elis. Se Roberto tinha apenas 20 anos em seu disco de estreia, Elis tinha apenas 15 em Viva a Brotolândia, e continuou uma adolescente de 17 e 18 anos nos demais discos, nos quais ela foi rebatizada como Ellis Regina (com dois L's), em uma tentativa indecorosa de conquistar um mercado internacional. Totalmente incapaz de controlar sua carreira, Elis submeteu-se a gravar de tudo um pouco nesse período. Sambinhas, roquinhos, boleros, jazz, tcha-tcha-tcha, e outros estilos da moda, em discos praticamente tão confusos quanto as lembranças de Elis para estes álbuns. Mas, apesar de mesmo muito jovem, e cantando "canções de amor" que pouco correspondiam para uma adolescente, a menina Elis já mostra o vozeirão que a consagraria anos depois em faixas como "À Noite", "Dá Me Um Beijo", "Há Uma História Triste", "Mesmo de Mentira", "Murmúrio", "Outra Vez", "Podes Voltar" e "Retorno" (para pescar duas canções de cada álbum). Estas 4 raridades nunca tiveram relançamentos oficiais enquanto Elis estava viva. Há uma coletânea não oficial, lançada pela Disco Lar em 1969, que apresenta canções dos dois primeiros álbuns, e com a capa idêntica a de Poema de Amor. Em 1982, com o falecimento de Elis, a Som Livre lançou um compacto com "Baby Face" e "Me Deixas Louca", no que seria a primeira e a última gravação de Elis unidas em um único disquinho, bem como a Continental lançou Nasce Uma Estrela..., álbum duplo com Viva a Brotolândia no vinil 1 e Poema de Amor no vinil 2, e em 1989, a Phonodisc relançou Nasce Uma Estrela em versões individuais, batizadas respectivamente 1961 Nasce Uma Estrela - 1º LP De Elis Regina e 1962: A Estrela Brilha - Segundo LP De Elis Regina, totalmente caça-níqueis. Ellis Regina e O Bem Do Amor saíram em raras edições em CD no final dos anos 90 e em meados dos anos 2000, mas honestamente, os quatro são discos apenas para completistas.

Rita Lee 

Álbuns desprezados: Build Up [1970] e Hoje É O primeiro Dia Do Resto da Sua Vida [1972]

Diferente de Elis e Roberto Carlos, aqui o caso de desprezo não é pela qualidade, mas talvez por quem acompanha a artista principal na produção: Arnaldo Baptista. Nos seus dois discos de estreia, Rita Lee estava ainda nos Mutantes, e é na companhia do então marido Arnaldo, Sergio Dias, Liminha e Dinho Leme (os então colega de Mutantes) que ela grava álbuns muito bons, que facilmente estão entre os melhores que ela já lançou. Build Up fez um pequeno sucesso quando de seu lançamento, tendo sido responsável, segundo as más línguas, pelo início do fim de Rita com os Mutantes - o álbum havia vendido mais sozinho do que os 4 discos lançados pela banda até então, e a fama teria subido à cabeça de Rita. Faixas como "Sucesso Aqui Vou Eu" e "José" viraram preferidas dos fãs logo de cara, mas há bem mais neste bom disco. Já o segundo álbum tem a forte presença dos músicos do Mutantes, e é uma sensacional experiência sonora para quem admira o som do então quinteto, com destaque para faixas como "Superfície do Planeta", que já revela os caminhos progressivos que eles iriam assumir logo em seguida, "Tapupukitipa", outra faixa com grandes temperos progressivos, e a própria faixa-título. Coloco facilmente este num Top 5 da ruiva (se bobear, Top 3). Porém, após sair dos Mutantes, criar a Tutti-Frutti logo em seguida, e passar o resto de sua vida ao lado do marido Roberto de Carvalho, Rita nunca se deu ao trabalho de tocar uma única canção destes discos. Ambos foram relançados em vinil em 1986, e em CD em 1992, e canções de ambos os discos saíram por coletâneas não-autorizadas da Fontana (selo ligado à Philips), no caso O Melhor De Rita Lee (1976), e da Polyfar (selo ligado à Polygram), no caso Os Grandes Sucessos De Ritta Lee (1981), e estão presentes no Box Discografia (de 2015), que abrange toda a carreira solo de Rita, mas mesmo assim, a ruiva nunca mais deu atenção para essas joias musicais. 

Genesis 

Álbum desprezado: From Genesis to Revelation [1969]

O Genesis começou mudando de baterista como quem muda de roupa. Em menos de um ano passaram 3 nomes pelas baquetas da banda, sendo os principais John Silver e Chris Stewart. From Genesis to Revelation é a estreia do grupo, e surgiu através do produtor, escritor e empresário Jonathan King, que foi o responsável por batizar o nome da banda, sugerir arranjos (a cargo de Arthur Greenslade), ajudar nas composições, e que com tudo isso, ficou detentor dos direitos sobre o disco. Até hoje, ele é o nome para o qual From Genesis To Revelation pertence, mesmo com a insistência de Tony Banks (tecladista do Genesis) em comprá-lo. É um Genesis muito diferente daquele que se torna um gigante prog no ano seguinte, com letras místicas/religiosas, e que junto com a capa preta somente com o título do álbum, foi catalogado em lojas de música nas seções religiosas, sendo impossível de ser encontrado por alguém que quisesse ouvir o som leve da banda. Dentre as 13 faixas há várias músicas de bom nível, e destaco "In the Beginning", "In Limbo", "The Conqueror" e principalmente "The Serpent". O álbum foi relançado inúmeras vezes pelas mãos de King, mas o Genesis que se forma com Banks, Peter Gabriel, Mike Rutherford, Steve Hackett e Phil Collins a partir da década de 70, jamais tocou uma única canção deste bom disco  (apesar de reaproveitar alguns trechos instrumentais de uma que outra canção). E mesmo coletâneas oficiais como os boxes Genesis (1982),  Genesis - The Best Of! - Special Club Edition - 10 records (1985) e  Archive 1967-75 (1998) não trazem nada do álbum, no máximo algumas mixagens diferentes no caso de Archive ..., e só.

The Moody Blues 

Álbum desprezado: The Magnificent Moodies [1965]

Para quem conhece o Moody Blues como um dos pais do rock progressivo, com letras densas, álbuns conceituais, camadas de mellotron, a flauta brilhante de Ray Thomas e os vozeirões de John Lodge e Justin Hayward retumbando nas caixas de som, não consegue entender como essa banda transformou-se tanto em pouco tempo. A estreia dos Blues é um bom disco de British Blues, onde quem comanda a trupe é o vocal e a guitarra de um certo Danny Laine (futuro Wings), o qual destaca-se junto de ótimas vocalizações e o piano agitado em rocks/blues típicos do período, como mostram "Bye Bye Bird" (de Sonny Boy Williamson, com Danny comandando a harmônica), "I'll Go Crazy" e "I've got a Dream". Há baladinhas sessentistas para o piano de Mike Pinder brilhar, principalmente na faixa mais conhecida do álbum, "Go Now!", que inclusive batizou relançamentos do disco ao longo dos anos nos Estados Unidos e Canadá, ou nas lindinhas "I Don't Mind" e "Let Me Go". Ray surge com sua flauta aqui acolá, sendo mais atração por seu vozeirão na ótima interpretação vocal para "It Ain't Necessary", de Ira e George Gershwin. O Moody Blues era mais uma boa banda britânica lutando por seu espaço, na linha de Animals, Stones, Beatles, Yardbirds, entre outras, e é inacreditável que apenas a saída de Laine, e a entrada de Lodge e Hayward, levou o grupo a criar algo tão inédito quanto Days of Future Passed dois anos depois, seguindo na mesma linha e conquistando o mundo a partir de então. Nada do que foi gravado aqui foi apresentado ao vivo pós-entrada da dupla Hayward/Lodge. A Decca (detentora dos direitos do álbum) lançou uma coletânea batizada The Beginning Vol. 1, em 1973, pouco depois do primeiro término da banda, que resgata algumas faixas deste período, mas as principais coletâneas da banda, This Is The Moody Blues (1974) e 20 Super Hits By The Moody Blues (1980) não trazem uma única musiquinha de The Magnificent Moodies

Renaissance 

Álbuns desprezados: Renaissance [1969], Illusion [1970]

Quando os Yardbirds acabam em 1968, o vocalista e gaitista Keith Relf já estava pensando em outros caminhos musicais. Sua ideia era focar-se na música renascentista, fugindo do blues e do british rock que o haviam consagrado anos antes. Assim, com a irmã Jane Relf, o parceiro de Birds Jim McCarty e mais baixista Louis Cennamo (baixo) e John Hawken (piano, teclados), forma a Renaissance em 1969. De cara lançam um álbum excelente, um dos pilares do que podemos chamar de prog sinfônico, com lindas faixas comandadas pela voz suave de Jane, o complexo piano de Hawken e melodias/harmonias muito bonitas, vide "Kings & Queens", "Islands" e "Bullet". Divergências musicais e brigas internas levaram à mudanças na formação para o segundo álbum, Illusion - o qual é lançado originalmente só na Holanda e França - , o qual também é uma obra sensacional, mas foi gravado durante mais problemas, já que Keith no meio das gravações, decide pular da barca, deixando o nome Renaissance nas mãos de Hawken e Jane. O álbum acaba sendo uma miscelânea de canções gravadas com Relf e após sua saída, mas com lindas faixas como "Face of Yesterday" e "Golden Thread", estas ainda com Relf. Para terminar o disco, Hawken chamou amigos de uma ex-banda com quem tinha tocando pré-Renaissance (o The Nashville Teens), e dentre eles, Michael Dunford, além da escritora Betty Thatcher. Dentre os registros da nova formação, destaque para "Mr. Pine", primeira composição de Dunford para o grupo, e que teve seu trecho instrumental central reaproveitado anos depois em "Running Hard", um dos mega-sucessos do grupo. Illusion teve uma parca turnê de divulgação, Hawken e Jane desistem do projeto, e Dunford fica a ver navios. Com a parceria de Thatcher, eis então que reformam a Renaissance, agora com Annie Haslam  (vocais), John Tout (piano) e Jon Camp (baixo), mais Terence Sullivan (bateria) e Mick Parsons (guitarra), e o resto é história. Veio Prologue (1972) e a Renaissance de Haslam lançando discos de sucesso atrás de sucesso ao longo dos anos 70, desprezando totalmente o período dos Relf (tanto que após a morte de Keith, os demais ex-Renaissance criam a Illusion, justamente para resgatar canções da primeira geração do Renaissance em homenagem ao loiro). Levou anos para que Annie desse o ar da graça e inserisse a faixa "Island" no repertório do Renaissance, e nas diversas coletâneas da banda, são pegas somente canções a partir de Prologue, sem fazer uma citaçãozinha para estes dois lindos e fundamentais álbuns.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Glenn Hughes (Bar Opinião, Porto Alegre, 11 de Novembro de 2025)

"The Chosen Years, A Turnê De Despedida", assim foi anunciada a mais recente tour de The Voice of Rock Glenn Hughes por nosso país, a qual começou ontem com uma excelente apresentação em Porto Alegre, e segue para mais quatro datas no Brasil (Belo Horizonte amanhã, dia 13, Rio, dia 14, Sampa, dia 16 e Curitiba, dia 18).

O exorbitante valor do Meet & Greet (169 dólares) me impediu o acesso a mais umas conversas com Hughes, as quais já tive em 2015 e 2018, mas graças a excelente organização da Abstratti, consegui presenciar esse momento que marca - quem sabe - a última vinda de Hughes ao Brasil. Na - até então - última passagem do britânico em terras brasilis, há dois anos, Glenn estava com problemas de saúde, sendo que o show de Porto Alegre foi considerado bem abaixo em termos de performance, e logo na sequência, o show de Curitiba teve que ser cancelado, por conta de uma gripe. Mas desta vez, a coisa foi diferente.

Glenn e eu, again

Cheguei ao tradicional Bar Opinião por volta das 15:30, e logo em seguida, tive a honra de recepcionar Glenn, que chegava para passar o som. Sempre um lorde, Glenn me atendeu com muito carinho e atenção (assim como fôra nas outras vezes em que pude conversar com ele), assinou meus discos, tirou fotos, e falou a frase que sempre diz aos fãs: "I love you guy, thank you". Uma humildade impressionante, mas me chamou bastante atenção a fragilidade de Hughes. Ele desceu mancando da van, e estava perceptível que havia um desconforto na perna, ao mesmo tempo seus braços finos e o tamanho diminuto, longe do Glenn que vi há 7 anos pela última vez, e muito distante daquele ser encantador de mulheres e homens, com sua vasta cabeleira e peito aberto, dos anos 70. Sete anos depois de ter visto Hughes pela última vez, a idade bateu no velhinho. Mas, logo em seguida, deu para acompanhar a passagem de som, e perceber que a voz ainda está intacta, e que o show ia ser arrebatador.

Com Rodrigo Marenna

Ainda deu tempo de trocar uma ideia com Rod Marenna, que também foi super atencioso e conversou comigo um bom tempo. Ele foi o responsável pela abertura da noite junto de sua banda Marenna, e não escondia a alegria de estar ali, fazendo o papel de mestre de cerimônias para um dos maiores nomes da história da música. Recentemente o grupo lançou o álbum ao vivo Ten Years After, comemorando os 10 anos da banda.

Em quase uma hora de uma excelente apresentação, o grupo formado por Rodrigo Marenna (voz), Edu Lersch (guitarra), Bife (baixo), Arthur Schavinski (bateria) e Luks Diesel (teclados) mandou ver em 8 canções, destacando as já clássicas "Never Surrender" (de No Regrets - 2016), "You Need To Believe" (de My Unconditional Faith - 2016) e "Had Enough" (do EP Pieces Of Tomorrow, de 2021), mostrando que não é a toa que o rapaz vem sendo elogiado no Brasil inteiro, sendo com certeza um dos principais nomes brasileiros do cenário hard/heavy metal nacional.


O palco do Opinião esperando Hughes

Um rápido detalhe adicional, muito importante para este que vos fala, é que passado um tempo pós-encontro com Hughes, encontrei meu amigo William Faria em um bar logo em frente ao local do show, e eis que quem estava lá curtindo umas Heineken? Nada mais nada menos que a banda de apoio de Hughes, Soren Andersen (guitarras) e Ash Sheehan (bateria). Os dois ali, de boas, curtindo uma ceva, e foram super atenciosos comigo, tirando foto, trocando uma ideia, e com Ash me prometendo a baqueta ao final do show - que ele realmente cumpriu. Valeu camaradas!

Ash Sheehan (acima) e Soren Andersen (abaixo)


Voltando então ao show, uma rápida pausa para arrumar o palco e então, quando Hughes subiu ao palco, a sensação de nostalgia tomou conta. Mesmo sabendo que ele lançou Chosen, primeiro disco solo em 9 anos, agora em 2025, não há como negar que o cara fez sua fama nos anos 70, junto de Trapeze, Deep Purple e carreira solo.

Glenn e o sorriso estampado na cara

Ao mesmo tempo, a turnê trouxe novidades não só dos gigantes citados e da carreira solo, mas também do projeto ao lado de Pat Thrall (Hughes/Thrall), da Black Country Communion e também do projeto Iommi/Hughes (ao lado de Tony Iommi). E sendo um show no formato trio que consagrou o Trapeze, certamente, me fez ainda mais faceiro por ver algo como as origens de Glenn para o sucesso.

O show começou com Hughes revisitando sua carreira solo, mandando ver com "Soul Mover" (do álbum de mesmo título, lançado em 2004), uma das melhores canções de sua carreira, e que já mostrava que a plateia que ocupava uma boa parte do Opinião estava ali realmente para curtir tudo o que viesse, cantando junto o refrão, seguida de "Muscle And Blood", do trabalho com Pat Thrall, de 1982, e a ótima "Voice in My Head", do recém lançado Chosen. Uma boa entrada, para realmente aquecer os fãs, na qual Hughes mostrava que mesmo mancando, está com a voz afiadíssima, mandando ver nos falsetes e vocalizes, bem como tocando baixo como se fosse um menino. O sorriso na face era algo notável, e tanto Soren como Ash simplesmente estavam em excelente noite.

Um pouco mais de Glenn no
palco do Opinião

Com o público aquecido, surge a primeira surpresa para mim, "One Last Soul", registrada no álbum de estreia da Black Country Communion (de 2010). Juro que nunca esperei ouvir essa faixa ao vivo, e foi muito legal ver a plateia cantando junto. Veio "Can't Stop the Flood" (Building the Machine - 2001) e "First Step of Love", que me remeteram direto ao excelente ao vivo Soulfully: Live in the City of Angels (2002), um dos melhores ao vivo de todos os tempos, e que "First Step of Love" foi registrada primorosamente. Ver e ouvir ao vivaço uma das minhas músicas favoritas da carreira solo de Glenn, diante dos meus olhos, foi o primeiro momento de arrepio da noite. Mas ainda veio mais.

Hughes contou de como três garotos do norte da Inglaterra, adolescentes (ele, Mel Galley e Dave Holland), trabalharam duro para manter o Trapeze na ativa, sem dinheiro algum, e então, quando estavam tocando em Los Angeles, ele viu uma linda garota, a mais linda garota que ele já tinha visto na vida, dançando sensualmente ao som da Trapeze. Ao chegar de volta em casa, contou sobre a garota para a avó, que apenas lhe disse: "por que você não compõe uma música para ela?", mandando ver em uma versão de quase dez minutos de "Way Back to the Bone", do Trapeze (You Are The Music ...We're Just The Band - 1973), recheada de improvisos vocais. Sensacional! Mantendo a sequência Trapeze, o "primeiro amor de Glenn", o músico contou que Mel ingressou no Whitesnake, e Dave entrou no Judas, ou seja, os caras que trabalharam duro, viviam nas casas de seus pais, ganharam na vida, e então veio "Medusa" (do álbum homônimo de 1972), também com quase 10 minutos. Linda faixa, linda apresentação, emocionante audição! O que Glenn fez com os vocais foi digno de aplausos até por seus colegas de banda. Aqui eu já estava arrebatado totalmente.

Para fechar as surpresas, veio a música "composta com meu irmão, o cara que como pode ser tão calmo e ser o mais fodido criador de riffs de todos os tempos no metal? Tony Iommi", e assim mandar ver nas fantásticas e pesadíssimas "Grace/Dopamine" (de Fused, 2005), outras que nunca imaginei ouvir ao vivo, e que me fez ficar viajando de como seria bom ver uma turnê de despedida do Iommi com Glenn e Tony Martin dividindo o palco. Foi o momento para ver também que Hughes está tocando baixo muito, mas muito bem, ensinando muito guri por aí que acha que faz música.

Glenn no palco do Opinião

Veio a faixa-título do mais recente álbum e, para surpresa de todos (já que não estava no set list espalhado pela internet até então), Hughes disse que "a próxima música nós não estávamos tocando, mas eu não posso não tocar ela para vocês", e assim detonar com 15 minutos de "Mistreated". Simplesmente de chorar, e não preciso dizer mais nada! A apresentação encerra-se com "Stay Free" (de V, lançado pela Black Country Communion em 2024), outra baita surpresa, e que desta feita me fez viajar em "por que não ver a BCC aqui no Brasil ano que vem?", e sobre muitos aplausous, Hughes volta para Bis.

Aqui, sozinho ao violão, ele faz uma emocionante interpretação de "Coast to Coast" (registrada pelo Trapeze no You Are The Music ...We're Just The Band), fantástica, para então Ash e Soren voltar ao palco e trazerem mais uma surpresa, "Black Country", outra do álbum de estreia da BCC, e que aí sim, me fez querer mesmo ver os caras ao vivo. Para fechar a noite, "Burn" foi entoada a plenos pulmões por todos os presentes no local, e assim, chegarmos ao momento mais tocante do show, quando Hughes anunciou seus colegas de banda, e então, visivelmente emocionado, falou que "nunca esquecerei vocês, carregarei isso em meu corpo até os últimos dias de minha vida", com a voz totalmente cheia de emoção, segurando para não chorar, despedindo-se assim de seus fãs claramente prestes a cair em lágrimas.

Vinis autografados

Tomara que Glenn continue ao menos lançando discos regulares. Pelo que se viu no palco do Opinião, voz ele tem para manter sua carreira, e, caso tenha forças, que volte novamente para Porto Alegre o mais breve possível. Sua ausência com certeza será muito sentida nos palcos não só da capital gaúcha, mas do mundo inteiro, e que honra para mim poder, mais uma vez, ter visto, ouvido, e ainda receber das mãos de Hughes sua palheta (e sim, Ash me deu a baqueta ao final do show).

Galera da Marenna no Speed

PS 1: Quero aqui agradecer imensamente ao Homero e a produtora Abstratti por ter me colocado no show! Não à toa vocês são a melhor agência de shows do Rio Grande do Sul, e com certeza, uma das melhores do país.

PS 2: E não é que no pós-show, eu e meu irmão Micael vamos comer um Xis no tradicional Speed e quem aparece por lá? A banda Marenna, justamente para matar a saudade do melhor lanche de Porto Alegre. Os caras foram super simpáticos, deram muitas risadas no pouco tempo que conversamos e, para variar, mais uma (s) foto (s) garantida (s)! Valeu Marenna, sucesso para vocês!

Set list do show
Baqueta e palheta do show

Set list

1. Soul Mover

2. Muscle and Blood

3. Voice in My Head

4. One Last Soul

5. Can't Stop the Flood

6. First Step of Love

7. Way Back to the Bone

8. Medusa

9. Grace / Dopamine

10. Chosen

11. You Are the Music

12. Mistreated

13. Stay Free

Encore:

14. Coast to Coast

15. Black Country

16. Burn

sábado, 25 de outubro de 2025

Minhas 10 Favoritas do Rush



O recente anúncio do retorno do Rush, trazendo a baterista Anika Nilles no lugar de Neil Peart, abalou as estruturas do mundo da música. Ok que muita gente cogitou esse retorno, e até fez apostas do nível "quem matou Odete Roitman" de quem seria o baterista em um suposto retorno - com ampla predileção pela maioria dos fãs por Mike Portnoy - e, muita gente torceu o nariz pela escolha da garota. Particularmente, eu me considero um fã de carteirinha do Rush, tive a oportunidade de ver o grupo duas vezes, em 2002 e 2010, e na turnê de 2010, já via uma fraqueza tanto na performance de Neil Peart (falecido em 7 de janeiro de 2020), e principalmente, nos vocais de Geddy Lee, o que a turnê R40 (e o DVD/CD da mesma) atestaram que, para mim, era o fim do Rush. 

Esse retorno não me empolgou em nada, mas, me inspirou a fazer minha listinha das 10 favoritas dos caras. Sendo assim, vamos a ela começando do décimo colocado, e acreditando que muita gente aqui vai me jogar pedras por não ver clássicos consagrados do trio canadense. Mas não fiquem tristes, eu deixei no mínimo mais 10 de fora, e nenhuma delas é um clássico.

Alex Lifeson, Neil Peart e Geddy Lee. Rush ao vivo em 1976

 10. "Countdown" - Signals (1982)

Essa faixa que homenageia o primeiro lançamento do ônibus espacial Columbia (ocorrido em 12 de abril de 1981) é um choque de audição para quem está ouvindo Signals e chega no encerramento justo com ela. Ao longo de um disco onde o progressivo parece ter sumido, e contando até com a presença de violino elétrico em "Losing It" (nunca antes na história do Rush algo parecido tinha acontecido), o trio canadense apresenta uma canção tensa, com um ritmo pesado carregado pelos sintetizadores e o baixão de Geddy Lee, além das marcações precisas de Peart e a guitarra de Lifeson fazendo apenas acordes pesados. As inserções das vozes dos astronautas  John Young e Robert Crippen dão mais tensão para a viagem que está prestes à começar, e quando a contagem começa, e a nave abre sua ignição, subindo em direção ao espaço, tudo explode pela casa, com aquela sensação que deve ser ao se ver um foguete subindo. As intervenções dos teclados são tímidas, mas brilhantes, e o Rush cria (mais uma vez) uma obra representativa e fiel do que está sendo contado na letra de Peart. Baita música!

9. "Here Again" - Rush (1974)

Ah o Rush do início de carreira, tão ingênuo, mas tão bom. Era um hard inspirado nos anos hippie, em Led, Purple, a geração flower-power, e essa bela balada bluesy é uma das melhores canções da era pré-Peart, arrastada, sofrida, com Lee emulando Janis Joplin em seus melhores dias. O solo de Lifeson nessa faixa é de chorar, mostrando que sim, o Canadá é capaz de parir algo com alma de negro, e também que o alemãozinho era capaz de tocar qualquer estilo musical com perfeição. A interpretação vocal dolorida de Lee é de fazer arrancar o coração sem anestesia, tamanha dramaticidade, ou então colocar o cabeludo debaixo dos braços como um bom amigo deve fazer nesses momentos de dor. Somente baixo, guitarra e bateria, crueza pura para um blues demolidor. Que faixa sensacional, de arrepiar em cada audição, e que pena nunca ter ganho - oficialmente - uma versão ao viva definitiva.

8. "The Necromancer" - Caress of Steel (1975)

Inspirada no personagem Sauron (do Senhor dos Anéis, e que originalmente, vejam só, se chama Mairon :) ), "The Necromancer" encerra o lado A do contestado Caress of Steel. É o Rush corajoso, desafiando a gravadora para ser uma das maiores bandas progressivas de todos os tempos, e tudo começou aqui. A faixa é uma espécie de seguimento à "By-Tor & The Snow Dog" (outra que poderia estar nesta lista), já que é By-Tor o responsável por derrotar o Necromante, libertando os três viajantes  de Willow Dale que atravessam o Rio Dawn em busca de desafios e conhecimentos, e encontram esse poderoso e maléfico ser, trazendo esperanças para a humanidade. Repleta de metáforas para as lutas diárias do ser humano, e de como lidar com os medos e opressões (sociais, pessoais ou existenciais, cada uma, um viajante), musicalmente ela começa com a narração que nos introduz à história, com a guitarra ao fundo. Impossível não viajar junto com os viajantes sob a escuridão (ouça essa faixa sem nenhuma luz e arrepie-se), com um crescendo onde a guitarra de Lifeson é o principal instrumento na primeira parte da canção, com belos solos e efeitos. A voz aguda de Lee dá mais dramaticidade para a faixa, que arrasta-se pelas caixas de som junto com o andar dos viajantes. Na segunda parte, há o peso descomunal da força do Necromante sobre os viajantes, com mais um espetáculo de solo por Lifeson. E por fim, a batalha entre By-tor e o Necromancer na terceira parte é um orgasmo sonoro, onde Lifeson está endiabrado, e a cozinha Lee/Peart animalesca. Que puta solo, que performance sensacional de Peart, que espetáculo sonoro, fechando a paz trazida pela vitória de By-Tor com o violão e o andamento suave de um solo mais melodioso por Lifeson. Genial! Adoro o Caress of Steel, e poderia também ter inserido aqui "The Fountain of Lamneth", mas é que "The Necromancer", para mim, tem todo o charme de ser a primeira música realmente prog do Rush, levando o ouvinte a mergulhar no que está sendo contado. Gostaria de ouvir ela ao vivo em uma edição decente (quem sabe Lee e Lifeson encontrem algo em seus porões da época deste disco e presenteie os fãs em breve?)

7. "Natural Science" - Permanent Waves (1980)

Quando ouvi o Permanent Waves pela primeira vez, era fácil para mim identificar "Spirit of Radio", faixa que abria o jornal local aqui no Rio Grande do Sul (o famoso Jornal do Almoço). Ao longo do disco porém, um dos primeiros do Rush que ouvi na íntegra, conheci duas faixas primorosas: "Jacob's Ladder" e "Natural Science", e entre as duas, é muito complexo dizer qual a que gosto mais. "Natural Science" me pega por diversas coisas que há nela. O barulho da água no início, a levada gostosa do violão em acordes com nona, o trecho intrincado, mas extremamente simples, entre baixo, guitarra e bateria, a passagem alegre do solo de Lifeson, a agressividade que Peart espanca seu kit, a melodia vocal, uma letra complexa e fantástica, explorando as interações entre natureza e ciência, porra, a faixa é perfeita. Sétimo lugar talvez não seja a posição apropriada, mas sério, até 1980, quase tudo o que o Rush criou foi nota 10.

6. "Jacob's Ladder" - Exit ... Stage Left (1980)

Faixa que me tira do prumo é esta aqui. Cara, eu e meu irmão Micael Machado adorávamos "viajar" que entrava um robozinho no palco cantando o trecho "All at once the clouds are parted / Light streams down in bright unbroken beams", ou brincar de Geddy Lee tocando teclados com os pés como se o teclado estivesse sobre a escrivaninha do escritório do nosso pai (jamais imaginaríamos que o teclado de pé na verdade era um Moog Bass Pedal, só Humberto Gessinger que veio nos ensinar isso anos depois). "Jacob's Ladder" é a síntese perfeita do que o Rush consegue fazer ao transformar em música uma história como afirmei em "The Necromancer", e que me faz (ainda mais) fã da banda. Inspirada no fenômeno meteorológico onde a luz do sol passa através das nuvens, e que virou a passagem bíblica que dá nome a canção, na qual a escada surge do céu para trazer a palavra de Deus à Jacó, prometendo-lhe terra e bênçãos, a canção surge como um quadro em branco para o Rush criar sua própria pintura interpretativa do fenômeno. O clima tenso do início da canção, com seu ritmo marcial, é mantido durante um dos melhores solos de Lifeson, onde ele emprega notas rápidas e muitos bends, sobre camadas de teclados. As marcações que levam para a "abertura do céu" são chocantes e arrepiantes, assim como o trecho da frase citada acima. Mas é a formação da escada, musicalmente falando, que me arrepia até quando escrevo. Cada nota da guitarra, cada batida da bateria, cada passagem dos sintetizadores, vão servindo como uma pintura sonora dos degraus que constituem a escada, até que ela chega ao chão em uma explosão literalmente divina. Que fantástico, que emocionante, que incrível. Puro suco da beleza de se ouvir Rush e entender o que a música é capaz de fazer, e que coloco a versão de Exit ... Stage Left aqui primeiro, por ser muito fiel à versão de estúdio, com Lee abusando do uso do Moog Bass Pedal, devendo ser complicadíssimo fazer a marcação do baixo e o moog ao mesmo tempo ao vivo, mas também por trazer aquela introdução engraçadinha com "Ebb Tide".

5. "The Camera Eye" - Moving Pictures (1981)

A faixa que narra as lembranças de Peart por Nova Iorque e Londres é a última faixa longa da história do Rush. Com mais de dez minutos, "The Camera Eye" entra no Top 5 por conta da sua simplicidade gigantesca. A canção é extremamente simples, não há acordes difíceis ou peças intrincadas, nem uma invencionice que só Peart conseguiria tocar, ou mesmo alguma voz aguda de Lee impossível de ser reproduzida. O Rush foi "franciscano" em termos de técnica, mas entrega uma canção linda, que passeia por ambas as cidades mostrando as similaridades de duas gigantes mundiais. O solo de Lifeson é tímido, sem nenhum exagero, mas contagiante. E cara, como não se empolgar com os caras parecendo brincar no estúdio, mas saindo com uma energia fulminante através das caixas de som. Quinto lugar para ela.

4. "2112" - 2112 (1976)

O Rush é perito, ao longo de sua trajetória, em criar faixas que dariam bons filmes, e talvez o melhor deles seria um baseado em "2112". O que muitos interpretam como uma faixa em alusão ao comunismo, na qual o personagem central se revolta pelo controle das pessoas do Templo de Syrinx, também pode ser interpretado como uma questão de crítica ao comunismo, no qual não se deve ter uma relação de igualdade entre as pessoas. Independente da interpretação a ser dada (Peart nunca confirmou nenhuma das versões), musicalmente a faixa-título do álbum de 1976 é impecável. A abertura, com seu pulsante e longo instrumental, por si só já é uma canção primorosa, junto da feroz "Temple of Syrinx". Mas todo o trabalho vocal de Lee fazendo as partes ora do personagem central, ora dos senhores do templo, os trechos no qual Lifeson descobre a guitarra escondido na caverna e começa a aprender a tocar, com barulhos d'água ao fundo, ou mesmo seus solos repletos de velocidade, com ótimo controle do wah-wah, e Peart demolindo no trecho final, além de ser uma música que vai acompanhando/criando a história, tornando-a de fácil compreensão, bah, é de arrepiar. Quarto lugar talvez seja pouco, mas é que o pódio será ocupado por duas faixas incríveis (que talvez sejam uma só?). 

3. "La Villa Strangiato" - Hemispheres (1978)

Alguém pode dizer que "YYZ" deveria estar aqui, mas para mim, a melhor instrumental do Rush é "La Villa Strangiato". Se não vejamos. Quem é o principal músico desta canção? Sim, é Alex Lifeson. Ele começa com um arpejo flamenco incrível, demole notas velozes e arranca uivos de sua guitarra durante seus solos, além de fazer maravilhas com o botão de volume. Mas, e sempre há um mas, tente entender (reproduzir é impossível) o que Lee faz no baixo durante a sessão jazzy desta canção (“The Ghost of the Aragon”). Ou ainda, tente tocar um air drum sem errar uma batida inventada por Peart ao longo de toda a faixa, principalmente no trecho central (batizado “A Lerxst in Wonderland”), nesta que talvez seja sua melhor performance. São doze partes em 9 minutos e 37 segundos, ou seja, muitas variações em pouco tempo, e é incrível que esses três conseguiam reproduzir fielmente essa faixa complicadíssima ao vivo. Terceiro lugar fácil, e comentei mais sobre ela aqui.

2. "Cygnus X-1 Book One: The Voyage" - A Farewell To Kings (1977)

É até injusto separar as duas partes de "Cygnus X-1", mas, já que cada uma está em um disco, então, aqui estão elas (pronto, antecipei o primeiro lugar). Como professor de Física, Mestre em Física de Partículas e Doutor em Ciências na área de Física Teórica, é impossível eu não adorar essa música. A história da viagem no espaço de um astronauta que é capturado por um buraco negro (a primeira parte) é uma das grandes dúvidas da Relatividade Geral (o que há dentro de um buraco negro?), e o Rush cria musicalmente uma obra sensacional, que entrega desde o contato da nave com a torre de controle, a alegria de quem está viajando tranquilo pelo espaço e de repente, vê sua nave entrar em colapso sem saber o que está acontecendo. Uma canção sensacional, com todo o crescendo contando a história, efeitos musicais diversos, uma guitarra pesada, Lee rasgando a voz (atingindo um dos maiores agudos da história da música) e Peart simplesmente sendo Peart. É o aperfeiçoamento do que fôra criado em "The Necromancer". Fora as "pistas musicais" deixadas para a parte II, que eu adoro demais. Para colocar na agulha e viajar pelo espaço!

1. "Cygnus X-1 Book Two: Hemispheres" - Hemispheres (1978)

O encerramento da história de Book One, na qual o nosso protagonista acaba viajando no tempo, ao entrar no buraco negro, e volta nos dias remotos onde os deuses gregos construíam a Terra, com a razão (Apolo) e o amor (Dionísio) brigando entre si para controlar os humanos, até que chega o nosso herói e é batizado com o nome do Deus do Equilíbrio, Cygnus. Novamente, agora como um admirador da cultura grega, porra, como não amar essa música? Cara, que história fantástica, e como que o Rush conseguiu encaixar tudo perfeitamente. Musicalmente, acho que Lifeson novamente é o cara, com solos fantásticos, importantes acordes para construir cada trecho da história, mas claro, Lee e Peart dão seus espetáculos particulares. Como disse acima, adoro quando as "pistas musicais" se revelam aqui, ou seja, trechos da Book One que retornam na Book Two para configurar a conjunção temporal das duas canções (ou épocas distintas). Difícil para mim dizer qual das seis partes deste book two gosto mais, pois cada trecho musical é um reflexo fiel ao que está sendo narrado, mas afirmo que a mensagem final, na curta "The Sphere", deveria ser levada para todos os líderes mundiais. Que faixa!

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