quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Cinco Músicas Para Conhecer: Homenagens À Rita Lee



No dia 31 de dezembro de 1947, nascia Rita Lee. A Rainha do Rock nacional, falecida em 8 de maio de 2023, vítima de câncer, teve uma carreira espetacular, que conquistou fãs não somente anônimos como este que vos escreve, mas também nomes importantes da cena musical nacional. Vários foram os artistas que prestaram sua homenagem à Tia Rita, a "mais bela tradução de São Paulo" na visão de Caetano Veloso, e desta forma, recolho aqui cinco destas homenagens.

"Rita Lee" - Mutantes [1969] (Mutantes)

A primeira banda que homenageou Rita foi o seu próprio grupo, logo no segundo álbum da banda. A faixa, intitulada simplesmente "Rita Lee", é mais uma das grandes amostras do deboche escrachado que o trio Rita, Sergio Dias e Arnaldo Baptista fazia no início de sua carreira. Rita surge como uma menina inocente de 20 anos, infeliz, que sonha em ser feliz e encontrar seu amor, uma letra infantil para uma música infantil, um rock comandado pelo piano de Arnaldo e os vocais de Serginho, mas engraçada e que faz (fez) toda a aura mutante ser enaltecida através dos anos. O deboche vocal e musical vai crescendo junto com a história "comovente" de Rita, que ao final, acaba encontrando o seu par, entre muitos beijos, risadas de felicidade e chamegos, onde outro destaque é o solo de Arnaldo no órgão. Grande faixa dessa fase inicial do trio, que também saiu como lado B num raro compacto promocional da Polydor, tendo "Banho de Lua" no lado A. 

"Rita Jeep" - Negro É Lindo  [1971] (Jorge Ben)

Esta homenagem de Jorge Ben (que havia sido revisitado pelos Mutantes com "A Minha Menina", no primeiro álbum da banda) trata Rita como uma mulher forte, terrivelmente feminina, a qual faz Jorge sentir-se fraco e pedir-lhe para fazer um trato de comunhão de bens. Aprofundando-se mais na letra simples de Jorge (como a maioria de suas músicas), é um atestado de defesa da força da mulher, em plenos anos 70, e que tem no nome de Rita a personagem principal, com ela representando todas as mulheres fortes de nosso país, e a referência do Jeep é uma homenagem a Charles, o Jeep Willys que era de Rita Lee, a qual se definia como uma jeepeira. Em suas próprias palavras para um podcast da Rádio 89 FM, em 2021, "Eu tinha uma afinidade tão grande com o Jeep, que eu via os outros carros eu achava os outros carros horríveis, sem estilo". Musicalmente, é mais um samba-rock de Jorge, com apenas duas mudanças de acordes (C e F na primeira parte, A e D na segunda), destacando uma gatinha manhosa que acompanha o embalo do violão e a voz manhosa de Jorge, mas que embala a casa facilmente, como toda boa faixa do carioca. Saiu como lado A de um compacto (com "Negro É Lindo" no lado B) e abre o álbum Negro É Lindo de 1971. 

"Quando" - Doces Bárbaros [1976] (Doces Bárbaros)

Um dos maiores projetos da música popular brasileira, os Doces Bárbaros uniu nada mais nada menos que Gilberto Gil, Gal Costa, Caetano Veloso e Maria Bethânia, em uma turnê repleta de complicações, mas que acabou resultando em um álbum duplo ao vivo sensacional, assim como um compacto de quatro canções. No show, uma das faixas traz seu apoio para Rita, "Quando", interpretada por Gil e os backing vocals de Gal. Explicitamente, a música começa citando o nome da artista, seguido pelos "tiu, tiu, ru, ru, ru" e riffs que Rita apresentou diversas vezes em sua carreira, passando por apenas mais uma breve frase, citando que "quando a governanta der o bode pode quer que eu quero estar com você, super estar com você", em alusões para as canções "Superstafa" e "Sucesso Aqui Vou Eu", da própria Rita, e a citação para Mônica Lisboa, a empresária que acabou, supostamente, sendo a responsável pelo fim da Tutti Frutti. A segunda parte da canção  exalta uma profecia onde uma mulher lê, na bola de cristal, "uma menina loira que virá de uma cidade industrial, de bicicleta, de bermuda, mutante, bonita, solta, decidida, cheia de vida etc e tal, cantando o yê, yê, yê", ou seja, a própria Rita cuspida e escarrada. Uma faixa rock 'n' roll direta, na linha Tutti Frutti, e que segundo Gil, "Rita era a nossa musa do desvio, do transvio". No ano seguinte, Gil e Rita saíram na turnê Refestança, e "Quando" acabou nunca mais sendo interpretada.

"Rita Lee" - Ponto & Vírgula  [1980] (Ponto & Vírgula)

Este grupo conheci por aqueles acasos da vida. Vasculhando um acervo de uma rádio, na qual fui levado justamente para pegar os discos que quisesse, encontrei este compacto e achei curioso que nunca tinha ouvido falar no tal grupo. Ao ler as informações na contra-capa, me deparo com um certo T. Maia na percussão, e uma faixa intitulada "Rita Lee". Peguei a bolachinha e para minha surpresa, é justamente Tim Maia quem está na percussão do mesmo, o qual tem justamente em "Rita Lee" sua melhor faixa. A faixa é um belo rock no estilo da Tutti Frutti, trazendo várias referências inclusive as canções de Rita ("A Minha Menina", "Arrombou A Festa", "Ovelha Negra" entre outros), e citando como o cantor ficou influenciado pelas performances de Rita, destacando os bons solos de guitarra de Riba. A dupla Ponto E Vírgula (Tukley e Marcelo Fasolo) lançou alguns compactos nos anos 70, tendo sido os responsáveis por criarem a frase "money que é good nóis não have", na faixa "Laika nóis Laika", frase que ficou eternizada posteriormente pelos Mamonas Assassinas, e deixou também eternizada esta justa homenagem para a Rainha do Rock.

"A Tal" - Ivan Lins [1986] (Ivan Lins)

Esta faixa, escrita por Ivan em parceria com Vitor Martins, está no álbum de 1986 do cantor, e tem em seus versos a declaração de amor dos artistas por sua musa, em frases como “Sempre provocante / quente, picante, tem sal / Sempre irreverente, sim / descaradamente sensual”. Um rock pesado, com a quadrada bateria dos anos 80, e o comando da guitarra de Heitor T. P. e importante participação dos instrumentos de sopro de Guilherme Dias Gomes. Apesar de não ser citada diretamente, a descrição acaba que é de Rita que Ivan fala na terceira estrofe, "Negra, sempre uma ovelha negra como desejara que ia ser ...". O próprio Ivan, quando soube do falecimento de Rita, prestou homenagem à Rita em seu Facebook/Twitter, dizendo que "Esse roquezinho foi feito em homenagem a ela em 1986, por mim e pelo Vitor. Sempre tivemos forte admiração por ela, grande mulher. Polêmica, inteligente e libertária, sempre foi uma voz essencial na defesa das mulheres". 


segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Tom Jobim - The Man From Ipanema [1995]


Há 30 anos, o mundo perdia um de seus maiores compositores, Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, ou simplesmente Tom Jobim. O carioca e multi-instrumentista (exibiu domínio amplo no violão, piano e flauta) se consagrou mundialmente como arranjador, compositor e intérprete, e faleceu por conta de duas paradas cardíacas, causadas por uma embolia pulmoar, após uma operação de emergência, por conta de problemas urinários, aos 67 anos. Mesmo que em um período de vida relativamente curto, comparado com outros artistas, Tom deixou um legado gigante para a música brasileira, e por que não, mundial. Lembro de assistir Tom tocando na Globo, quando pequeno, por diversas vezes, e toda a comoção que sua morte gerou na empresa de televisão, mas confesso que nunca fui um apreciador da música dele, principalmente por sua forma arrastada de cantar. 

Porém, com o passar dos anos, e influenciado por obras de (principalmente) Elis Regina e Gal Costa, bem como Tim Maia e Caetano Veloso (em proporção menor), acabei conhecendo as músicas de Tom com um outro ouvido, assim como ir atrás da vasta obra do carioca me abriu os horizontes para entender por que do enaltecimento do cara pelo mundo, e todo o sucesso que ele fez nos Estados Unidos.

Parte do livreto que acompanha o álbum aqui resenhado,
apresentando Tom ao lado de Baden Powell, Lucia Proença e Vinicius de Moraes

Tom é um dos pais da bossa nova, adaptando a música francesa e o jazz americano junto ao samba carioca, criando um estilo único, complexo, e que só foi sendo aprimorado com o passar dos anos. Com letras que flertam com amor e relacionamentos, indo para tons políticos, principalmente sobre o meio-ambiente, apreciar a obra de Tom na sua totalidade exige uma audição dedicada, mas, para quem quer se iniciar e não tem ideia de onde ir, vá atrás de The Man From Ipanema, coletânea lançada (somente lá fora) em 1995, e que resgata muitos dos pontos altos de artistas e do próprio Tom interpretando suas canções.

São 3 CDs, dividos em Vocals, Instrumentals e Side By Side, e que apresentam Tom para aqueles que desconhecem seus discos, ou até mesmo para os já iniciados em sua obra, de uma forma bastante plural. No total, canções de 10 discos aparecem nas três mídias, sendo eles quatro de Tom (Antonio Carlos Jobim - The Composer Of Desafinado, Plays - 1964; Wave - 1967; Tide - 1970; e Passarim - 1987), a famosa parceria com Elis Regina, Elis & Tom (1974), mais os álbuns Jazz Samba Encore!, parceria do saxofonista Stan Getz com o violonista e compositor brasileiro Luiz Bonfá (1963),  Getz/Gilberto, projeto fantástico que uniu Getz ao violão de João Gilberto, em 1964, e do qual Tom contribui com o piano e/ou violão, The Astrud Gilberto Album (1965), da esposa de João Gilberto, Astrud Gilberto, Elis Especial (1979), coletânea não autoriza de Elis Regina, e o espetacular The Carnegie Hall Salutes The Jazz Masters (1994), trazendo Tom Jobim e outros convidados na apresentação realizada em 6 de abril de 1994 em homenagem aos 50 anos da gravadora Verve.

CD 1, acondicionado em um envelope no formato de peixes

Começando pelo CD 1, com quase 80 minutos de música,  passeamos pela nata da obra de Tom em nada mais nada menos que 23 canções. Pegando aquelas gravadas pelo próprio Tom, temos a bela "Lamento" (de Wave) e nada mais nada menos que sete faixas de Elis & Tom (sendo que o álbum original possui 14 canções), a saber a mega-clássica "Águas De Março", "Chovendo Na Roseira", "Modinha", "Soneto Da Separação", "Retrato Em Branco E Preto", "Inútil Paisagem" e "O Que Tinha De Ser". O timaço que acompanha a dupla aqui é César Camargo Mariano (piano), Luizão Maia (baixo), , Paulinho Braga (bateria), Chico Batera (percussão), Oscar Castro Neves (violão) e Helio Delmiro (violão, guitarras). Quem assistiu o documentário Elis & Tom, Só Tinha De Ser Com Você (2022) percebe o clima de tensão que acompanha a gravação deste que é sem sombra de dúvidas um dos álbuns fundamentais da MPB, e ao ouvir as faixas aqui escolhidas para representar este grande encontro, o quão grande era o talento de Elis Regina para interpretar, como só ela sabia fazer, letras tão belas e pessoais de outros compositores, principalmente nas doloridas “Modinha”, somente Elis e cordas (arrepiante e assustador), “Retrato Em Branco E Preto” e “O Que Tinha de Ser”, essa para cortar os pulsos! Elis também contribui com "Bonita", do álbum Elis Especial, que é apenas ais um pequeno grande acréscimo do talento da gauchinha de voz mais espetacular que o Brasil já teve. 

Por fim, de Passarim saem "Borzeguim", "Passarim", "Luiza", "Anos Dourados (Looks Like December)", "Gabriela" e "Chansong". A line-up aqui conta com um timaço de vozes (Ana Lontra Jobim, Danilo Caymmi, Elizabeth Jobim, Maucha Adnet, Paula Morelenbaum, Paulo Jobim e Simone Caymmi) que enaltecem a inquestionável qualidade de criação e composição de Tom, pois os arranjos e harmonias vocais, mesclados com instrumental aguçadíssimo e uma orquestra em perfeita combinação com os demais músicos, fazem deste não à toa um dos meus álbuns preferidos de Tom. Poderia ter entrado a excelente "Borzeguim", uma letra forte e atemporal (não parece que faz mais de 40 anos que Tom escreveu algo tão poderoso) na versão que Gal Costa lançou em Minha Voz (1982), e também a épica “Matita Perê”, uma de suas obras mais belas e complexas. Mas ok, para quem está conhecendo Tom, foram ótimas escolhas.

Mas não acabou o CD 1, já que ainda temos, de Getz/Gilberto, as excepcionais e exclusivas versões para "Só Danço Samba" e "O Grande Amor", com o destacado Getz no saxofone, além de uma bandaça formada por Tommy Williams (baixo), Milton Banana (percussão) e Tom ao piano, e a delicadíssima voz de Astrud Gilberto com 6 das 11 faixas de The Astrud Gilberto Album em "Amor Em Paz", "Água De Beber", "Dindi", "Photograph", "Meditation" e "O Morro Não Tem Vez". Vale ressaltar o trabalho de tradução das letras de Tom para o inglês, feitas por Ray Gilbert, e a bela banda que acompanha Astrud em seu álbum, a saber Joe Mondragon (baixo), Bud Shank (flauta), João Donato (piano), Milt Bernhart (trombone) e Tom no violão/piano. Difícil saber qual a melhor faixa dessas citadas, mas o fato é que toda a audição do CD 1 é uma experiência fantástica.

O CD 2, acondicionado em um envelope no formato de flor

Passamos para o CD 2, com as faixas instrumentais, onde destacam-se os álbuns Wave e Tide, que juntos entregam 7 das 15 canções do CD. Do primeiro saem "Wave", "Mojave", "Triste" e "Captain Bacardi". Aos perdidos, são faixas nas quais Tom une o jazz americano ao samba brasileiro, essencialmente por conta dos músicos estadunidenses que o acompanham aqui (Ron Carter no baixo, Claudio Slon na bateria, Jimmy Cleveland e Urbie Green no trombone, mais um naipe de metais e cordas, bem como a percussão de Dom Um Romão). Músicas de arranjos complexos, belos, e que facilmente se apresentam como o ápice da criatividade de Tom, assim como as três faixas de Tide, a saber a faixa-título, "Sue Ann" e "Tema Jazz". Se Wave é um grande álbum de jazz/samba, Tide já é um álbum mais conservador, com Tom acompanhado por uma orquestra, Ron Carter ao baixo e Hermeto Paschoal na flauta, sendo este o principal nome nos improvisos de "Tema Jazz", fácil candidata a melhor deste álbum em especial. Mas se você quer realmente saber de onde vem as origens de Tom, concentre-se nas 7 faixas de Antonio Carlos Jobim, The Composer of Desafinado, Plays. Este é o primeiro álbum solo de Tom, gravado em Nova Iorque no ano de 1963, e nas faixas escolhidas para esta coletânea, estão "Amor Em Paz", "Chega De Saudade", "Samba De Uma Nota Só", "O Morro Não Tem Vez", "Meditation", "Água De Beber" e "Só Danço Samba". Fica claro aqui que Tom era um músico exímio, e que suas canções, mesmo tendo belas letras, funcionam melhor com ele somente no piano, acompanhado pelos exímios arranjos orquestrais, e deixando então as interpretações vocais para outros artistas. Fecha o CD dois a versão de "O Morro Não Tem Vez (Favela)" retirada do álbum Jazz Samba Encore!, e que por si só já vale toda a audição do CD, afinal, Getz e Bonfá simplesmente estraçalham aqui.

O CD 3, acondicionado em um envelope no formato de folha

O CD 3 ataca com diferentes versões para as mesmas canções, destacando as faixas de Antonio Carlos Jobim - The Composer of Desafinado, Plays, as quais, instrumentais, são "Desafinado", "The Girl From Ipanema", "Corcovado", "Insensatez" e "Vivo Sonhando", fechando portanto as 12 canções originais deste disco todas na coletânea aqui representada. Porém, estas cinco faixas em especial surgem com outras versões. "Desafinado", que com Jobim é privilegia o piano do músico, aparece também na interpretação de Getz/Gilberto, já com a voz manhosa de Gilberto, e com a exímia versão registrada no citado show do Carnegie Hall, tendo Tom ao lado de Joe Henderson (saxofone), Charlie Haden (baixo) e Al Foster (bateria), na qual Henderson dá um espetáculo a parte. A dupla Getz/Gilberto também manda ver na versão definitiva de "The Girl from Ipanema", com João dividindo os vocais com a esposa Astrud (ele em português, ela em inglês), que na versão de The Composer of Desafinado ... possui um grandioso arranjo orquestral, "Corcovado" (outra com os vocais de João e Astrud, e um banho de Getz) e "Vivo Sonhando (Dreamer)", esta com os vocais de João e tipicamente bossa-novista, totalizando 6 das 8 faixas originais deste discaço. Complementam o CD a versão de Tide para "The Girl From Ipanema", totalmente instrumental, que lembra bastante a versão de The Composer of Desafinado ... a espetacular interpretação de Elis para "Corcovado", e as inebriantes interpretações de Astrud Gilberto para "Insensatez" e "Vivo Sonhando", fechando 8 das 11 faixas originais daquele disco, assim como o Getz e Bonfá acompanhando os vocais de Maria Toledo em "Insensatez", e as performances no Carnegie Hall para  "Insensatez", com Tom ao piano e vocais e Pat Metheny arransando no violão, e "The Girl From Ipanema", esta última retirada do raro VHS lançado no mesmo nome, e que até então nunca havia sido lançada em CD ou LP somente com Tom no vocal e piano. 

Um pouco mais do livreto, agora destacando Elis Regina e Tom

A grande surpresa deste CD 3 é que ao acabar a décima sétima faixa, no caso a versão de "Vivo Sonhando" feita por Astrud Gilberto, temos alguns segundos de puro silêncio, para então, em uma faixa escondida, comerçamos a ouvir as vozes de Elis e Tom em estúdio, criando "Águas De Março" entre muitas risadas e conversas. A discussão de quem canta "é o pé, e o chão" é hilária, com Elis falando "nossa senhora, please ..." e Tom dizendo "não, eu tô errado, que sacanagem hein", seguindo por mais erros, risadas e Tom brincando com Elis dizendo "vamos prestar atenção nesta bosta!". São pouco mais de 4 minutos de uma audição até então inédita, demonstrando a parceria que surgiu entre estes dois gigantes, e que depois acabou sendo uma das grandes atrações do lançamento No Céu Da Vibração - Parte 2 (1974-1980) da Folha de São Paulo (2014).

No recheado livreto de 60 (!) páginas, fotos diversas e entrevistas com o próprio Antonio Carlos Jobim, Oscar Castro-Neves, Gene Lees e Creed Taylor, assim como a biografia de Tom por Sergio Cabral, track list comentado por Oscar Castro-Neves e Liner Notes por Gene Lees, relatando como conheceu Tom e foi o responsável por traduzir e adaptar diversas de suas canções para o inglês.  A entrevista de Oscar Castro-Neves, conduzida por Richard Seidel, foi feita em agosto de 1995, pouco antes do lançamento do álbum, assim como a de Creed Taylor, essa conduzida por Gene Lees. A primeira concentra no fato de como Oscar e Tom se conheceram, e como surgiu a amizade entre eles, realizando diversos projetos (Elis & Tom, o filme Gabriela, entre outros), com destaque para a criação da palavra bossa-nova por outro grande nome da música nacional, Newton Mendonça, na canção "Desafinado".  arte de The Man From Ipanema também é muito bela. Já na segunda, temos Creed trazendo o processo de gravação do ábum Getz/Gilberto e de sua vinda ao Brasil para gravar outros álbuns de Tom. Na parte dos textos, com certeza a atração maior vai para a entrevista de Tom conduzida por Gene Lees, feita em 1974, na qual o carioca faz uma ampla retrospectiva de sua vida e carreira. 

Outra imagem do livreto, destacando a super
Banda Nova que acompanhou Tom nos anos 80

A arte de The Man From Ipanema também é muito bela. Os 3 CDs vêm em um livreto encadernado, cada um em um "envelope" especial que remetem a natureza, sendo o CD 1 no envelope em formato de peixe, o CD 2 no formato de flor e o terceiro CD em formato de folha, bastante caprichado. Um álbum mais que especial, que celebra a grande obra de um grande artista, e que se você tiver a sorte de encontrar em algum Mercado Livre ou Shopee da vida, e esteja afim de conhecer quem foi Tom Jobim, pegue sem medo!

Contra-capa do CD

Track list

Vocals

1-01 Antonio Carlos Jobim– Passarim

1-02 Stan Getz / João Gilberto Featuring Antonio Carlos Jobim– Só Danço Samba (Jazz Samba)

1-03 Elis  & Tom – Águas De Março (Waters Of March)

1-04 Astrud Gilberto – Amor Em Paz (Once I Loved)

1-05 Antonio Carlos Jobim – Lamento

1-06 Antonio Carlos Jobim – Luiza

1-07 Elis & Tom – Chovendo Na Roseira ("Double Rainbow" And "Children's Games")

1-08 Antonio Carlos Jobim – Anos Dourados (Looks Like December)

1-09 Stan Getz / João Gilberto Featuring Antonio Carlos Jobim – O Grande Amor

1-10 Astrud Gilberto – Água De Beber

1-11 Elis & Tom – Modinha

1-12 Antonio Carlos Jobim – Borzeguim

1-13 Elis & Tom – Soneto Da Separação

1-14 Antonio Carlos Jobim – Gabriela (From The Film Gabriela)

1-15 Elis & Tom - Retrato Em Branco E Preto (Portrait In Black And White) ("Zingaro")

1-16 Astrud Gilberto – Dindi

1-17 Elis & Tom - Inútil Paisagem (Useless Landscape)

1-18 Astrud Gilberto – Photograph

1-19 Antonio Carlos Jobim – Chansong

1-20 Astrud Gilberto – Meditation

1-21 Elis & Tom - O Que Tinha De Ser

1-22 Astrud Gilberto – O Morro Não Tem Vez (Aka "Favela")

1-23 Elis Regina – Bonita


Instrumentals

2-01 Antonio Carlos Jobim – Wave

2-02 Antonio Carlos Jobim – Tide

2-03 Antonio Carlos Jobim – Amor Em Paz (Once I Loved)

2-04 Antonio Carlos Jobim – Chega De Saudade (No More Blues)

2-05 Antonio Carlos Jobim – Sue Ann

2-06 Antonio Carlos Jobim – Samba De Uma Nota Só (One Note Samba)

2-07 Antonio Carlos Jobim – Mojave

2-08 Antonio Carlos Jobim – O Morro Não Tem Vez (aka "Favela")

2-09 Antonio Carlos Jobim – Tema Jazz

2-10 Antonio Carlos Jobim – Meditation

2-11 Antonio Carlos Jobim – Triste

2-12 Antonio Carlos Jobim – Água De Beber

2-13 Antonio Carlos Jobim – Só Danço Samba (Jazz Samba)

2-14 Antonio Carlos Jobim – Captain Bacardi

2-15 Stan Getz / Luiz Bonfá – O Morro Não Tem Vez (aka "Favela")


Side By Side

3-01 Antonio Carlos Jobim – Desafinado (Off Key)

3-02 Stan Getz / João Gilberto Featuring Antonio Carlos Jobim – Desafinado

3-03 The Carnegie Hall Jazz Band – Desafinado

3-04 Antonio Carlos Jobim – The Girl From Ipanema

3-05 Stan Getz / João Gilberto Featuring Antonio Carlos Jobim – The Girl From Ipanema

3-06 Antonio Carlos Jobim – The Girl From Ipanema

3-07 The Carnegie Hall Jazz Band – The Girl From Ipanema

3-08 Antonio Carlos Jobim – Corcovado (Quiet Nights Of Quiet Stars)

3-09 Stan Getz / João Gilberto Featuring Antonio Carlos Jobim – Corcovado

3-10 Elis & Tom – Corcovado

3-11 Antonio Carlos Jobim – Insensatez (How Insensitive)

3-12 Astrud Gilberto – Insensatez

3-13 Stan Getz / Luiz Bonfá – Insensatez (Instrumental, 1963)

3-14 The Carnegie Hall Jazz Band – Insensatez

3-15 Antonio Carlos Jobim – Vivo Sonhando (Dreamer)

3-16 Stan Getz / João Gilberto Featuring Antonio Carlos Jobim – Vivo Sonhando

3-17Astrud Gilberto – Vivo Sonhando

Hidden Track

3-18 Elis & Tom – Águas De Março (Studio Outakes)

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

UFO - At The BBC "ON AIR" 1974 - 1985 [2013]

Há alguns anos, trouxe aqui resenhas sobre os boxes que a Chrysalis lançou no início da década passada, chamados The Chrysalis Years, cobrindo o período que o grupo britânico UFO esteve sob as alças da gravadora. A série de três caixinhas trouxe uma série de canções inéditas e/ou raras, como relato estes textos (box 1, box 2, box 3).

Estes boxes saíram entre 2011 e 2013, e ainda em 2013, a Chrysalis colocou mais uma caixinha no mercado. Batizada AT The BBC "ON AIR" 1974 - 1985, trata-se de um compilado de cinco CDs mais um DVD retomando o que algumas das principais participações do UFO em transmissões da famosa e tradicional rádio inglesa, entre os anos de 1974 e 1985, exatamente o período que a banda esteve na gravadora. Mas será que vale apena investir os seus suados tostões em mais uma caixa do UFO? É o que tento responder aqui. 

Começando pelo CD 1, o mesmo resgata duas apresentações da banda para a BBC, começando com o show no BBC In Concert at the Hippodrome, Golders Green, em Londres, no dia 8 de junho de 1974,  que foi ao ar no dia 15 de junho do mesmo ano. A formação aqui é Phil Mogg (vocais), Pete Way (baixo), Andy Parker (bateria) e o novato Michael Schenker (guitarras), sendo esta uma das primeiras apresentações do alemão junto a banda. O show ocorreu pouco depois do lançamento de Phenomenon, terceiro disco de estúdio do grupo, e que é responsável por ceder cinco de suas oito canções para o show (a saber "Oh My", "Built For Comfort", "Space Child", "Rock Bottom" e "Doctor Doctor"). São versões fieis as gravações de estúdio, mas com destaque para uma "Rock Bottom" ainda sem tantos improvisos, onde é perceptível que Schenker ainda estava totalmente tímido no palco. Ao mesmo tempo, "Built For Comfot", "Rock Bottom" e "Doctor Doctor" já são velhas conhecidas dos fãs do UFO, pois foram lançadas no álbum BBC Radio 1 Live In Concert (1992), e "Built For Comfort" e "Doctor Doctor" reapareceram, junto de "Oh My" e "Space Child", no álbum  BBC The Archive Series - In Session And Live In Concert (1999). Portanto, nada de novo aqui.

O segundo show é a participação no BBC Radio Bob Harris Session at BBC Maida Vale Studio 4 em 2 de outubro de 1974, transmitido no dia 18 do mesmo mês, e com a mesma formação do show anterior. São apenas três canções dessa feita, "Rock Bottom", "Time On My Hands" e a rara "Give Her The Gun", faixa que saiu apenas como compacto (tendo "Sweet Little Thing" no lado B), e que por si só é um pequeno achado ouvir ela ao vivo. Destaco novamente a ótima versão de "Rock Bottom", já com mais improvisos, e com um final meio abrupto. Mas, as três faixas já estão presentes no já citado  BBC The Archive Series - In Session And Live In Concert e também no box The Chrysalis Years (1973-1979) (2011). Outro ponto negativo é que o CD possui apenas 40 minutos. Dava para a Chrysalis ter caprichado e lançado mais algumas canções aqui.

O segundo CD leva para mais duas apresentações do UFO, começando pelo show no BBC In Concert at Paris Theatre, Londres, no dia 11 de dezembro de 1975, e transmitido no dia 24 de jneiro de 1976. A novidade na formação está na presença de Danny Peyronel aos teclados e vocais, e é inegável que o argentino dá uma nova cara ao grupo, principalmente pela marcante presença do piano elétrico. São seis faixas, "Let It Roll", "Doctor Doctor", "Mother Mary", "Out in the Street", "Shoot Shoot" e "Rock Bottom", todas elas revitalizadas pela presença de Peyronel, e com quatro delas já apresentadas em  BBC The Archive Series - In Session And Live In Concert ("Let It Roll", "Mother Mary" "Out in the Street" e "Shoot Shoot")

O segundo show  é a participação no BBC John Peel Session at BBC Maida Vale Studio 4, registrado em 1 de junho de 1977 e transmitido no dia 17 do mesmo mês. As três canções também estão presentes no CD  BBC The Archive Series - In Session And Live In Concert e no box The Chrysalis Years (1973-1979), ou seja, mais nenhuma novidade para os fãs. E, assim como o CD 1, o CD 2 peca por ter somente pouco mais de 40 minutos, e é a conclusão da fase Schenker nesta compilação, já que a partir de então, teremos a fase Paul Chapman em destaque. 

O guitarrista que teve a (difícil) missão de substituir o alemão está presente nos CDs 3, 4 e 5. O CD 3 resgata o show completo do grupo na BBC In Concert at Hammersmith Odeon, em 4 de fevereiro de 1980, tendo além de Mogg, Way, Parker e Chapamn, a presença de Paul Raymond (teclados, guitarras, vocais). São 70 minutos de apresentação, destacando as canções do então recente disco do grupo, No Place To Run, as quais são uma rara oportunidade de serem conferidas ao vivo (a saber "Lettin' Go", "Young Blood", "No Place To Run" e "Mystery Train"). Porém, oito das doze canções do CD já haviam aparecido anteriormente no acima citado BBC Radio 1 Live In Concert, e todas elas estão nos CDs 1 e 2 do box The Chrysalis Years (1980-1986). Portanto, até aqui, são três CDs com canções que já apareceram em outros lançamentos do grupo. 

O disco 4 leva o grupo para a turnê de Mechanix, com o show no BBC In Concert at Hammersmith Odeon em 28 de janeiro de 1982, tendo uma hora de apresentação, e trazendo na formação Mogg, Way, Parker, Chapman e a novidade Neil Carter (teclados, guitarras, saxofone). O repertório traz como novidades faixas como "Doing It All For You", "Long Gone", "The Wild, The Willing And The Innocent", "We Belong To The Night Tonight" e o mega-sucesso "Let It Rain", todas representando o UFO pós-Schenker (dos lançamentos The Wild, The Willing and The Innocent e Mechanix), mas para um conhecedor dos lançamentos dos caras, este é o mesmo show lançado em Regenerator  - Live 1982 (2001), fechando portanto quatro CDs sem nada inédito, apesar de que os CDs citados não são tão fáceis de se encontrarem.

Encerra o box em termos de CDs o show até então inédito da banda no Knebworth Fayre, no dia 22, de junho de 1985, e que é o diferencial em At the BBC "On AIR" 1974-1985. A banda havia se reformulado totalmente, tendo agora Mogg, Raymond, Paul Gray (baixo), Jim Simpson (bateria) e Atomik Tommy 'M' nas guitarras. As faixas são "Blinded By A Lie" (do contestado Making Contact), "Heavens Gate", "Wreckless" (ambas de Misdemeanor), "Love To Love", "Night Run", "Only You Can Rock Me", "Lights Out" e "Doctor Doctor". A qualidade de gravação é ótima, e chamo a atenção para a excelente performance de Tommy 'M'. Conhecido como um dos grandes "fritadores" de guitarra nos anos 80, o que é bem representado nos solos de "Blinded By A Lie" e "Heaven's Gate" - essa com uma pequena citação a "Shoot Shoot" -, onde ele abusa de notas velozes e muita alavancada, por outro lado ele respeita e muito os solos e riffs originais, seja em "Only You Can Rock Me", "Lights Out" e em especial na espetacular versão de "Love To Love", que apesar de Tommy dar sua cara ao solo, mantém aquele feeling que o fã do UFO tanto curte. Em tempo, a introdução da linda "Wreckless" feita por ele é digna de nota! Outro destaque positivo vai para o solo de sintetizadores que Raymond apresenta no início de "Doctor Doctor", encerrando este belo show, que tem total de pouco mais de 50 minutos, com um longo improviso e interação com a plateia apresentando os membros da banda que leva a faixa beirar os 9 minutos.

Fecha o box um DVD com três apresentações do grupo na BBC. A primeira tem o UFO no programa Old Grey Whistle Test, transmitida em 16 de janeiro de 1972. Na segunda parte, a banda aparece três vezes no Top of the Pops, com "Doctor Doctor" (1 de fevereiro de 1979); "Young Blood" (10 de janeiro de 1980), e já com Carter, "Lonely Heart" (15 de janeiro de 1980), sendo esta um playback na cara dura. Por fim, é a vez do grupo se apresentar no Oxford Road Show de 29 de janeiro de1982, com mais três faixas: "We Belong to the Night", "Let It Rain" e "Too Hot To Handle". Das 8 canções, apenas "Doctor Doctor" já havia sido lançada anteriormente, no DVD The Broadcast Archives (2005).

Cada mídia vem em um envelope especial, e ambas estão armazenadas em um Cardboard box comum a outros lançamentos da Chrysalis. Acompanha ainda um encarte de 16 páginas, tendo uma entrevista com Mogg e Raymond comentando sobre cada uma das apresentações do box e informações gerais do mesmo. Se você não é um colecionador do UFO, a caixa é totalmente desnecessária, até por que dificilmente um fã da banda aprecia a fase Tommy M. Por outro lado, se você é daqueles que deseja ter toda a obra do grupo, e tem curiosidade de conhecer como o UFO se apresentava ao vivo com o guitarrista, invista então seus trocados para garantir 50 minutos de novidades em sua prateleira. 

Disc One: In Concert 1974

CD1-1 Oh My 3:45

CD1-2 Built For Comfort 3:53

CD1-3 Space Child 4:04

CD1-4 Rock Bottom 8:52

CD1-5 Doctor Doctor 4:25

Bob Harris Session 1974

CD1-6 Rock Bottom 7:09

CD1-7 Time On My Hands 3:14

CD1-8 Give Her The Gun 4:11


Disc Two: In Concert 1975

CD2-1 Let It Roll 4:58

CD2-2 Doctor Doctor 4:42

CD2-3 Mother Mary 4:04

CD2-4 Out In The Street 5:12

CD2-5 Shoot Shoot 3:48

CD2-6 Rock Bottom 7:07

John Peel Session 1977

CD2-7 Too Hot To Handle 3:51

CD2-8 Lights Out 4:57

CD2-9 Try Me 4:47


Disc Three: In Concert 1980

CD3-1 Lettin' Go 3:46

CD3-2 Young Blood 4:43

CD3-3 No Place To Run 4:45

CD3-4 Out In The Street 4:58

CD3-5 Cherry 4:10

CD3-6 Only You Can Rock Me 4:19

CD3-7 Love To Love 8:19

CD3-8 Mystery Train 5:44

CD3-9 Doctor Doctor 5:47

CD3-10 Too Hot To Handle 4:59

CD3-11 Lights Out 6:20

CD3-12 Rock Bottom 12:43


Disc Four: In Concert 1982

CD4-1 We Belong To The Night 4:20

CD4-2 Let It Rain 3:00

CD4-3 Long Gone 4:53

CD4-4 The Wild, The Willing And The Innocent 4:55

CD4-5 Only You Can Rock Me 4:21

CD4-6 No Place To Run 5:15

CD4-7 Love To Love 8:18

CD4-8 Doing It All For You 3:58

CD4-9 Makin' Moves 4:48

CD4-10 Too Hot To Handle 6:17

CD4-11 Mystery Train 8:38


Disc Five: Live At Knebworth 22nd June 1985 (Previously Unreleased On CD, First Broadcast On The Friday Rock Show)

CD5-1 Blinded By A Lie 4:33

CD5-2 Heavens Gate 5:11

CD5-3 Wreckless 6:27

CD5-4 Love To Love 7:39

CD5-5 Night Run 5:41

CD5-6 Only You Can Rock Me 6:48

CD5-7 Lights Out 6:05

CD5-8 Doctor Doctor 8:42


Disc Six: BBC TV DVD

Old Grey Whistle Test 1979

DVD-1 Doctor Doctor

DVD-2 Cherry (Previously Unreleased)

Top Of The Pops 1979 - 1981

DVD-3 Doctor Doctor (Previously Unreleased)

DVD-4 Young Blood (Previously Unreleased)

DVD-5 Lonely Heart (Previously Unreleased)

Oxford Road Show 1982

DVD-6 We Belong To The Night (Previously Unreleased)

DVD-7 Let It Rain (Previously Unreleased)

DVD-8 Too Hot To Handle (Previously Unreleased)



quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Quelli - Quelli [1969]

 O ano é 1964. Na gelada Milão, ao norte da Itália, surge o Black Devils, banda embalada pela chegada ao país da bota da onda beat britânica. O então quarteto era formado por Franz Di Cioccio (bateria), Franco Mussida (guitarra), Pino Favaloro (guitarra, vocais) e Tony Gesualdi (baixo, vocais), e após uma série de apresentações, são descobertos pelo cantor e compositor Gian Pieretti, o qual os adotou como banda de apoio, transformando-os em I Grifoni. Pieretti apresenta a banda para a gravadora Dischi Ricordi, e de contrato assinado, e com um vocalista novo, Teo Teocoli, mudam novamente de nome. Batizados de Quelli (Aqueles), logo em 65 lançam seu primeiro compacto, "Via con Il Vento", canção de Mussida, mas que por não ser ainda um músico inscrito no sindicato dos músicos da Itália, acaba sendo assinado por Ricky Gianco e o amigo Pieretti. 

A bolachinha, trazendo "Ora Piangi" no lado B, não fez muito sucesso, mas não impediu o grupo de seguir adiante, e em 66 sai a bolachinha "Una Bambolina Che Fa No No No", versão em italiano para "La Poupée Qui Fait Non", do cantor e compositor francês Michel Polnareff , e que conta com" Non Ci Sarò", versão em italiano para "I Can't Let Go" dos Hollies. Esse 45 rpm faz bom sucesso, mas infelizmente, Mussida acaba indo cumprir o serviço militar na marinha, sendo então substituído por Alberto Radius por dois anos.

No início de 1967, a formação muda novamente, agora com a entrada de Flavio Premoli nos teclados, e então gravam "Per vive Insieme", versão de "Happy Together" dos Turtles, com "La Ragazza Ta Ta Ta", de Enrique Pagani no lado B. Este compacto também um bom sucesso, inclusive com um raro lançamento aqui no Brasil, animando os garotos, que já se destacam por suas qualidades técnicas muito acima da de outros músicos italianos da época, que os tornarão presenças constantes nas gravações de nomes como Mina, Lucio Battisti, Fabrizio De André, entre outros gigantes da música italiana. Porém, as próximas bolachinhas não seguem a mesma linha de sucesso. "Tornare Bambini", versão de "Hole in My Shoe" do Traffic, com "Questa Città Senza Te" (versão de "Even The Bad Times Are Good", dos Tremeloes, e "Mi Sentivo Strano" (versão de "I Felt Strange"), com "Dettato Al Capello" no lado B, canção de Gianni Sanjust, afundaram nas vendas, levando Teocoli a pedir demissão.

"Lacrime e Pio", cover de "Rain and Tears" do Aphrodite's Child é lançado em 1968, e logo na sequência, Mussida retorna após o período militar, com Radius se unindo a Gabriele Lorenzi para fundar o incrível Fórmula 3). Chega então o ano de 1969, e com isso, o primeiro Long Play. Quelli contém vários covers (como já era a carreira da banda), mas também apresenta composições próprias. 


Veio a bolachinha "Marilú" / "Dici", ainda em 69, e a saída de Pino Favaloro. O quarteto seguiu adiante, e em 1970 lança mais um compacto, "Dietro Al Sole" ("Back In The Sun", de Armand Canfora e Boris Bergman) com "Quattro Pazzi", e a saída de Di Cioccio para o Equipe 84 pelos próximos dois anos. O quarteto segue sob o nome de Krel, lançando a bolachinha "Fin Che Le Braccia Diventino Ali" / "E Il Mondo Cade Giù" em 1970. Em 1972, Di Cioccio volta a se aproximar dos ex-colegas, e agora com o violinista e flautista Mauro Pagani, são rebatizados como  Premiata Forneria Marconi, tornando-se um dos maiores nomes doa história do rock progressivo italiano. Mas isso é papo para outro texto.

Em 14 de novembro de 2007 em Milão , por ocasião do concerto do trigésimo quinto aniversário da Premiata Forneria Marconi , Franz Di Cioccio e Franco Mussida reuniram excepcionalmente no palco da Rolling Stone o baixista Giorgio Piazza , o guitarrista Pino Favaloro , Alberto Radius e Teo Teocoli , tudo novamente sob o nome histórico de "Quelli", recriando efetivamente a banda. As peças executadas, entremeadas de divertidas anedotas e citações, também graças ao talento cabaré de Teocoli, foram "Via con il vento", seus primeiros 45 rpm , Returning child (com Elena Di Cioccio , filha de Franz e famosa vee-jay, realizando o segmento do centro falado), The Live Together , Hush , The No-No-No Doll e o clássico de Wilson Pickett In The Midnight Hour . A noite continuou conforme planejado com a programação e repertório do PFM.


Bass Guitar – Angelo Traverso

Drums, Timpani, Percussion, Harmonica, Vocals [Voce] – Maurizio Cassinelli

Electric Guitar, Acoustic Guitar, Viola, Vocals [Voce] – "Bambi" P. N. Fossati*

Organ, Piano [Pianoforte], Mellotron, Electronics [Oscillatore] – Lio Marchi

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

45 Anos de A Peleja Do Diabo Com O Dono Do Céu




Quando conheci Zé Ramalho, lá nos idos de 1998, era por conta do extremo sucesso que o álbum Antologia Acústica estava fazendo. Lançado em 1997, o disco duplo colocava novamente o nome do bardo paraibando em voga no cenário nacional, após um longo período de ostracismo causado por uma acusação de plágio (ocorrida em 1982 por conta da faixa Força Verde, lançada no álbum homônimo).

Claro que já tinha ouvido faixas como "Mistérios da Meia-Noite", "Admirável Gado Novo" e "Entre a Serpente e a Estrela", já que as mesmas fizeram um estrondoso sucesso nas novelas globais Roque Santeiro, Rei do Gado e Pedra Sobre Pedra, respectivamente, mas nunca tinha parado para ouvir o cara. Foi por conta de um amigo meu que tinha uma pseudo-banda, que me apresentou o CD, que acabei conhecendo mais a obra do músico, e como consequência, inserindo em nosso repertório duas músicas do rapaz, "Kriptonia" e a versão para "Knockin' On Heaven's Door" (a tenebrosa "Batendo Na Porta Do Céu "), que estava no CD. Mas claro, admirei outras músicas do álbum, como "Frevo Mulher", "Garoto De Aluguel" e "Beira-Mar".

Eis que anos depois, já conhecedor (e admirador) de Paebirú, a fabulosa estreia de Zé ao lado de Lula Côrtes, encontrei em um sebo o álbum Zé Ramalho, de 1978, e acabei graças a internet, mergulhando na fase esóterica do músico, que compreende o período entre o citado Zé Ramalho, detentor de clássicos do porte de "Avôhai" e "Chão De Giz", até o magistral Orquídea Negra (1983), com as belíssimas "Taxi Lunar" e "Kriptônia",  e que para mim tem seu zênite exatamente no segundo dos cinco discos lançados nesse período, A Peleja Do Diabo Com O Dono Do Céu (a saber, os outros dois álbuns dessa fase são A Terceira Lâmina, de 1980, e o já citado Força Verde). Temos aqui um caldeirão em ebulição, onde os temperos nordestinos incrementam-se ao rock europeu, ao blues americano e até a música moura, com a psicodelia Paebirúana que Zé criou anos antes, em um disco único. Fora que os músicos acompanhantes do paraibano são de um calibre mais que raro. 

O album começa com o violão e as vocalizações da faixa-título, espancando o ouvinte com a frase "Ói, com tanto dinheiro girando no mundo quem tem pede muito, quem não tem pede mais". Um belo baião que traz fortes críticas políticas, e com destaque para a sanfona de Severo da Silva, e o bonito arranjo de metais, composto por Zé Bodega (saxofone), Edmundo Maciel (trombone), Evaldo e Márcio Montarroyos (trompete). Na sequência vem o clássico "Admirável Gado Novo", outra canção com forte teor político, com um lindíssimo arranjo de cordas a cargo de Paulo Machado, mas que destaco, além da canção que virou um símbolo para toda uma geração na década de 90, através da novela O Rei do Gado, a fantástica linha de baixo de Chico Julien. "E ô ô vida de gado, povo marcado, povo feliz", é uma das grandes frases de uma letra ainda muito atual. 

A terceira faixa é um tributo a Geraldo Vandré. "Falo da vida do povo, nada de velho ou de novo...” abre a letra de "Falas do Povo", uma linda balada que remete musicalmente a "Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores", com seus dois acordes de violões, e o violino de um endiabrado Jorge Mautner serpenteando uma canção lindíssima, com uma interpretação fabulosa de Zé Ramalho, ao nível da fabulosa letra, e com destaque também para o órgão hammond de Paulo Machado. O clássico "Beira-Mar" abre espaço para a tríade que segue com "Beira-Mar (Capítulo 2)" (de Força Verde) e "Beira-Mar (Capítulo Final)" (de Eu Sou Todos Nós, de 1998), com o seu violão-folk (a cargo de Geraldo Azevedo), mais uma letra emocionante assim como fantástico arranjo de cordas de Paulo Machado. 

O lado A encerra-se com a arrepiante "Garoto De Aluguel (Taxi Boy)". Para quem conhece apenas a versão de 20 Anos Acústico, isso é aqui é o suprassumo da qualidade musical de Zé Ramalho. Um arranjo orquestral fabuloso, comandado por Paulo Machado (que também está ao piano) trazendo a nata de alguns dos principais nomes das cordas no Brasil: Alceu De Almeida Reis, Iberê Gomes Grosso, Zamith, Márcio Eymard (violoncelo), Arlindo Penteado, Frederick Stephany, Nathercia, Macedo (violas); Alfredo Vidal, Alvaro Vetero, Guetta, Arthur Dove, Carlos Hack, Lana, Marcello Pompeu, Pissarenko, Virgílio Arraes Filho, Walter Hack (violinos). Quem nunca ouviu falar nesse time é por que ou nunca pegou um disco de músicos da MPB dos anos 70 e 80 para ler os créditos, ou reamente detesta música brasileira. Voltando para a canção em si, a combinação da tocante melodia dos violinos, junto das notas preciosas dos violoncelos, e de uma interpretação simplesmente desmoronate de Zé Ramalho, talvez a melhor de sua carreira, farão até seus vizinhos preconceituosos contra os nordestinos segurar as lágrimas, mas não conseguirem evitar a emoção que a dor desta faixa exala pelos sulcos do vinil em cada segundo. Que música! Que interpretação! Que lindeza!

Depois de secar os olhos, é a vez de virar o disco e mandar a agulha rolar no lado B, através de "Pelo Vinho E Pelo Pão", e daí você certamente irá soltar aquele "puta merda" que ficou engasgado durante "Garoto de Aluguel". Afinal, um lindo cavaquinho, a cargo simplesmente do mago Waldir Silva, um dos maiores nomes do instrumento no Brasil, traz esse choro-canção, no qual Zé divide a voz junto de sua amada esposa Amelinha. As cordas, aqui novamente arranjadas por Paulo Machado, e o violão de Dino 7 Cordas, outro fera no seu instrumento, dão mais dramaticidade para outra faixa apavorantemente linda. Voltamos ao baião com "Mote das Amplidões", onde os sintetizadores (Paulo Machado novamente) e a voz com efeitos de Zé Ramalho certamente nos colocam nas faixas de Paebirú. 

Uma homenagem à João Pessoa, capital da Paraíba, aparece na sensacional "Jardim das Acácias", começando com o ritmo do violão, trazendo o solo da guitarra e o magistral arranjo de cordas, para levar ao duelo vocal/guitarra e a ótima letra, cerceada pelos solos individuais da inconfundível guitarra de Pepeu Gomes. Zé então surge tocando todos os instrumentos da instrumental "Agônico", uma faixa com um complexo dedilhado de violões, lembrando um duelo nordestino, porém com um ritmo mais próximo ao chamamé missioneiro. Outra faixa muito surpreendente. 

A Peleja Do Diabo Com O Dono Do Céu encerra-se com "Frevo Mulher", a declaração de amor de Zé para Amelinha, composta por ele em 1979, no Hotel Plaza do Rio de Janeiro, enquanto observava a então revelação Amelinha ser cobiçada por inúmeros compositores que queriam a voz da jovem cantora em suas canções. Mas foi com essa faixa que Zé conquistou não apenas a voz, mas o coração de Amelinha, tanto que os dois se casaram e tiveram dois filhos. Sobre a canção em si, é outra que para quem só conhece a versão de 20 Anos Acústico irá se surpreender. Afinal, a faixa realmente é um frevo, simples assim, onde os metais fazem todo o cenário musical para Zé desfilar sua poesia-tributo à Amelinha. O ritmo avassalador da percussão, marcada pelos pratos de Jorge Batista e a tuba de Zênio de Alencar, além de um naipe de metais formado por Hélio Marinho e Zé Bodega (saxofones), Edmundo Maciel, Manoel Araújo e Sylvio Barbosa (trombones) e Evaldo, Formiga, Hamilton e Márcio Montarroyos (trompetes), faz você sair dançando pela casa, e soltando mais um "puta que pariu!" pela grandiosidade da obra que está encerrada. 

A capa do álbum traz Zé Ramalho empunhando um violão e interpretando o "dono do Céu", enquanto uma mulher vampiresca (Xuxa Lopes) o espreita e seu rival José Mojica Marins o ameaça. A fotografia foi tirada num casarão abandonado em Santa Teresa, no Rio de Janeiro e foi dirigida por Ivan Cardoso. No resto do encarte, aparecem também Satã (produtor e guarda-costas de José Mojica), Mônica Schmidt e Hélio Oiticica. Destaca-se também o encarte com belas ilustrações de Seth por Álvaro Marins e símbolos de Raul Córdula.

Zé Ramalho infelizmente abandonou o esoterismo, fazendo três álbuns no mínimo questionáveis na segunda metade dos anos 80, onde chegou inclusive a flertar com eletrônicos no tinhoso Décimas de Um Cantador, e só conseguiu se reerguer em 1996, por conta de Grande Encontro (ao lado de Elba Ramalho e Geraldo Azevedo), que apresentaram as canções do músico para toda uma nova geração de fãs, assim como 20 Anos Acústico. Porém, esse período de sua segunda fase musical está aí à disposição para ser (re)descoberto tanto por novos quanto por velhos fãs do paraibano, que completa hoje 75 anos. Certeza que, se A Peleja do Diabo Com O Dono Do Céu tivesse sido lançado por um músico britânico, estaria encabeçando as listas de Melhores discos de todos os tempos mundo a fora. Mas não foi, pois afinal, somente um grande nome brasileiro poderia fazer algo tão grandioso e poderoso como esse álbum. 

Track list

1. A Peleja Do Diabo Com O Dono Do Céu

2. Admirável Gado Novo

3. Falas Do Povo

4. Beira-Mar

5. Garoto De Aluguel (Taxi Boy)

6. Pelo Vinho E Pelo Pão

7. Mote Das Amplidões

8. Jardim Das Acácias

9.  Agônico

10. Frevo Mulher


segunda-feira, 30 de setembro de 2024

20 Anos de The Neon God - Part II: The Demise


* Fotos retiradas deste site 

Hoje encerro a saga de Jesse James através da segunda parte de The Neon God, álbum que ante-ontem, 28 de setembro, completou 20 anos de seu lançamento. Na primeira parte fomos apresentados a história do menino que perdeu o pai, sofria abusos psicológicos da mãe e acaba em um orfanato, onde lá passa a ser abusado por uma das irmãs. Em busca de escapar daquele sofrimento, ele pula em um poço, tentando suicídio. Porém, acaba sobrevivendo, e mandado para uma enfermaria, onde conhece o mundo das drogas e percebe que talvez tenha poder de persuasão sobre as demais pessoas. Com 14 anos, Jesse foge do orfanato e vai viver nas ruas, onde conhece Judah Magic, um mágico capaz de ler as mentes das pessoas. Ambos se tornam os melhores amigos, criam uma espécie de seita (ministério) na qual Jesse torna-se o novo messias, o Neon God, com seguidores por todo o mundo. A história da primeira parte encerra-se justamente quando Jesse começa a se confrontar se ele realmente deveria estar fazendo suas falsas messianidades, iludindo as pessoas, e continuando com aquilo, ou seja, por que ele estava no mundo.

W. A. S. P. na The Neon God Tour *

The Neon God: Part 2 - The Demise conclui a saga de Jesse em busca deste sentido da sua vida. Na formação, Blackie Lawlees (voz, guitarra, baixo, teclados e percussão), Darrell Roberts (guitarra, vocais, percussão), Mike Duda (baixo) e Stet Howland (bateria e percussão). Frankie Banali, que havia participado na primeira parte, acaba ficando de fora aqui. Diferentemente de The Rise, The Demise não tem músicas que se passam por vinhetas. São nove canções, sendo oito delas entre 3 e 4 minutos, e uma com mais de 13 minutos que faz todo o gran-finale da história. Antes de começarmos a destrinchar as canções, vamos novamente adentrar no encarte do CD.

Começamos com a fala do próprio Lawless, o idealizador de tudo aqui: "Em meu questionamento para fazer as duas partes de Neon God, tive muito da busca pela alma. Eu estava muito crítico nos últimos anos nas minhas visões de religiões 'organizadas'. Parecia que minha única (alma) proposta para gravar discos era fazer as pessoas a pensar por elas mesmas. Não é importante o que eu penso ou acredito, mas o que você pensa de você mesmo. As pessoas me perguntam 'por que você tem estado tão crítico sobre religião organizada, você não acredita em um ser supremo?'. Eu creio em Deus, mas o que eu creio não é o assunto aqui, porém eu seria hipócrita em expandir minhas crenças pessoais por que seria culpado de fazer as mesmas coisas que eu critíco nos outros.

Nessa história, Jesse, embora seja uma vítima, serve como um grande símbolo de humanidade na qual ELE É a humanidade, tentando achar sentido em sua vida e, em resumo, buscando por redenção. Jesse conta a seus seguidores que é 'perigoso pendurar sua face (imagem) nas paredes', o que significa que nenhum homem está acima de outro, e que nenhum homem é Deus, e que ninguém deve ser enganado como tal. Se você sentir que não tem nenhuma proposta real em sua vida, então sirva aos outros. Você irá encontrar sua verdadeira proposta nisto. Se você já sabe onde está indo, então mostre ao resto de nós o caminho! Isto é tudo o que estamos trilhando ... O destino só depende de você!!!"

Palavras de Lawless sobre Neon God, no encarte do mesmo

Tendo então a apresentação por Lawless, vamos à sequência da história via encarte. Desta feita, são apenas três páginas para nos dizer o que irá acontecer na próxima uma hora de audição. Novamente, a tradução é livre. Tudo começa com uma citação ao livro da revelação: "Da minha boca veio o poder de mudar - Nosso ministério do amor pagão era agora a idolatria de mim". Vamos ao texto:

"Estávamos no meio do nosso maior avivamento mundial. Na Time-Square, no meio de Nova Iorque. Eu olhei para cima e lá, em uma tela gigante, estava eu. Meu rosto milhares de vezes maior do que minha vida. Irradiando eletronicamente como um grande cometa atravessando o céu. Brilhando como um grande farol. Lá estava eu. Sem mais fenômenos de culto, o dia do reconhecimento havia chegado. Eu era o Neon God. Minha mensagem estava sendo transmitida para televisões ao redor do mundo. O poder da mídia eletrônica está além da compreensão, especialmente quando você pode vender às pessoas a ideia de amor e imortalidade. Isto tudo parece uma droga com poder monstruoso que dopa as massas, e uma vez que você os fisga, você os têm pelo resto da vida. É verdade que 'o poder absoluto corrompe absolutamente'. Então eu era o Rei de todas as coisas corruptas.

Não era tanto a mensagem como mensageiro. Tudo estava na entrega. Era uma ideia simples realmente. Dê às massas falsas esperanças e retorne às massas dando amor ... e poder. Basicamente viciados em drogas negociando drogas. Eu dava para todos os discípulos novos nomes, com uma proposta dual. Primeiro, levá-los a acreditar que eram mais importante do que realmente eram, mas também dar a eles um sentido de renascer por um novo pai ... eu!

Texto com a parte final da história no encarte do álbum (Página 1)

Foi o pico do meu ministério! Mas em uma de nossas celebrações noturnas, alguma coisa capturou meu olho. Com a luz do palco diretamente onde eu estava, algumas vezes era difícil de ver a congregação, mas existia uma imagem metade na luz, metade na esuridão, que eu não podia claramente reconhecer. A imagem manteve-se atraindo minha atenção em sua direção. Parei de falar e foquei na imagem. Perguntei se poderia vir à frente e se apresentar. Lentamente, três homens e uma mulher, nús, vieram para a luz. Tinhamos uma nova seguidora. Eu não tinha visto sua face a aproximadamente 28 anos, mas ainda a conhecia. A última vez que vi seu rosto eu estava histérico, com medo e quando vi ela, o mesmo sentimento brotou sobre mim novamente. O rosto era da minha mãe. Ela tinha me abandonado todos aqueles anos, e agora voltou para clamar por seu filho. Eu era o pedaço rompido de seu filho. Um pequeno coração inocente, quebrado em dois, e deixado para curar-se por si mesmo. Nunca pensei que poderia ter minhas terminações nervosas expostas novamente. Mas elas tornaram-se vivas com cada pulsação. Foi o sinal de ver ela naquele estado pagão, ou apenas ver ela, que me enfureceu.

Aquele estranho rio de emoções opostas, ódio e amor, repulsão e atração, queria tocar seu rosto, mas apagá-lo para sempre de minha mente. Eu estava em um lugar seguro por muito tempo, mas mais uma vez ela veio e destruiu completamente meu mundo. Ela tentou colocar seu caminho novamente na minha vida. Após o choque inicial de ver ela novamente, eu vi ela pelo que realmente ela era ... lixo sem esperança de redenção. Perdida numa auto-estrada imaginária. Era uma visão precária de qualquer maternidade. Ela estava morta para mim por muitos anos, mas não mais do que agora. Ela me adorava como seu Deus? Oh mamãe, por que você veio? Ela deu-me a vida ao mesmo tempo. As vezes eu fantasiava de como iria reagir ao vê-la novamente, mas nunca é como você pensa que irá acontecer. Existem poucas emoções puras na vida ... ódio!

Após ela ir embora, nada parecia mais importar para mim. Por muito tempo eu soube que não era filho de Deus. Não era um profeta. Eu era uma farsa, um vigarista, um mentiroso que tinha medo de cada coisa no mundo.

Texto com a parte final da história no encarte do álbum (Página 2)

Passei semanas tentando fazer algum tipo de sentido na minha vida. Chamei meu círculo interno, Judah e os discípulos juntos, para falar que eu estava deixando aquilo e não era o Messias que eles acreditavam ser. Podia ver o olhar de descrença em seus rostos. Todos, exceto Judah. Ele foi o único cara que me sustentou por anos pelo mundo. Mas agora existia um problema. Esta coisa de 'nós' havia se tornado um grande negócio, e uma vez que você está nisso, está pelo resto da vida. Sua raiva comigo era enorme, e eles me apelidaram Neon Dion para expressar seu desprezo por mim. Uma espécie de zombaria sarcástica para exaltar um líder que fora idolatrado. Existia um problema, e o problema era eu.

Como eu não estava mais disposto a ser seu fantoche, eu representava um grande risco para o culto. Expôr a mim mesmo de qualquer forma derrubaria nosso castelo de cartas. Mas eu deveria saber que Judah era esperto para me deixar seguir muito à frente dele. Muito inteligente para deixar este império Neon se ir. Sua inquietação era grande. Eles planejaram minha morte para o mundo inteiro ver, mas não acreditavam que eu tinha conhecimento disso. Não era apropriado que tudo termine assim!

Há muito tempo desci a montanha onde a tormenta violenta trovejou. Ao contrário do arbusto ardente de Abraão, eu não recebi nenhum sinal. Eu perguntei a Deus: 'O que você quer de mim?' O silêncio foi ensurdecedor. Então, meu caminho estva claro. O grande caminho da montanha para agora. Por que então este conlito eterno ainda enfurece minha alma? Começo minha descida ao poder embriagante ainda atormentado com a pergunta eterna, em busca da Trilha Sagrada. Existe algo lá fora maior do que nós? Existe um Deus? Eu espero que sim ... por que eu não sou ele ..."

Texto com a parte final da história no encarte do álbum (Página 3)

Este é o texto que abre o livreto de Neon God, e diretamente vamos para a voz de Blackie Lawless entoando o nome de "Never Say Die", apresentando a segunda parte da história, em uma música pesadíssima, e claro, com grande destaque para o refrão, nas quais os discípulos clamam por Jesse, assim como Judah pergunta para Jesse qual será o caminho a ser seguido em busca do Sol de Neon (Neon Sun), ao paraíso. É o auge do ministério e do endeusamento de Jesse.

"Ressurector" é uma faixa mais hardeira, na qual Jesse se comunica com o ministério, pedindo para seus discípulos mostrarem seu amor submisso, que pintem o nome dele em suas faces, e dizendo que ele é o Deus que eles precisam. "Fall before me and bring me love in here we are all pagan naked celebrations ... show me your blind submissive love, paint my name accross your face in everlasting blood" ("Caiam diante de mim e tragam-me amor aqui somos todos pagães em celebrações nuas ... mostreme seu amor submissivo, pinte meu nome em seus rostos em sangue perpétuo"). Chamo atenção para a melodia vocal desta parte, pois ela irá retornar mais adiante, mas com uma temática diferente, e que fará um sentido muito interessante. Outro destaque vai para o belo solo de Roberts, bastante "fritado", e o andar cavalgante na euforia final da congregação, implorando por mudança em suas vidas.

O ministério está consolidado, e então, com acordes que ouvimos na abertura de The Rise, "The Demise" é o apogeu de Jesse. Diante da congregação, ele abençoa seus discípulos, dizendo ser o novo Messias, e retomando às falas já exaltadas na primeira parte através de Judah, mas agora por toda a congregação "Dying for you ... Our God is you ... Falling for you ... Our God is you" ("Morremos por você ... Nosso Deus é você ... Caímos por você ... Nosso Deus é você"). Musicalmente, o instrumental tem na bateria e nos teclados o centro das atenções, mas claro, os vocais de Lawless aterrorizam no papel de Jesse, carregados de peso "Come to me and see me in you can you feel it, oh I'm running through you ... Your new God, I feel it, believe it ... ("Venham à mim e vejam-me, você pode sentir isso? Estou correndo através de você ... seu novo Deus, eu sinto isto, acredite nisto ...").

Blackie Lawless *

Chegamos então no momento de maior tensão da história, "Clockwork Mary". Durante sua fala para a congregação, eis que sua mãe aparece entre os discípulos, sendo reconhecida por Jesse. O dedilhado da guitarra é lindo, lembrando momentos de The Crimson Idol, enquanto Jesse fala para sua mãe "Oh mama where you gone ... claim me your son ... mama why'd you come ... you gave but taken my life" ("Ó mamãe onde você foi ... clame por mim, seu filho ... mamãe você veio ... você deu-me e tirou-me a vida"). Camadas de teclados entram, dando mais amargura para a voz de Lawless, e assim, Jesse desabafa "I born in your sin, Mary's lie cause I know all that you hide ... here in your naked grace" ("Nasci do seu pecado, mentirosa Maria, por que sei que tudo o que você esconde ... aqui em sua graça nua"), e então, repentinamente, guitarra, baixo e bateria estouram as caixas de som, para Jesse expurgar sua raiva contra a mãe "I'll kill the beast so to free my soul and smash the tears ... I curse the darkness impassioned plea ... to satisfy the vengeance in me" "Matei a besta e liberei minha alma, e esmaguei as lágrimas ... amaldiçoei a escuridão com um apelo apaixonado ... para satisfazer a vingança em mim"). Mais um belo solo de Roberts, e a faixa encerra-se com a dramática lembrança que Jesse queria apenas alguém para amá-lo "All I need was someone to love me" ("Tudo o que eu queria era alguém para me amar").

"Tear Down The Walls" é mais uma faixa veloz, muito boa, com a pancadaria comendo solta na bateria, e onde Jesse volta-se para a congregação, após o re-encontro com sua mãe, tentando convencê-los de que ele não é o Todo-poderoso. Percebendo o que estava acontecendo, Judah entra em ação durante "Come Back to Black", para manter Jesse como líder. Uma canção pesada, rocker, que chama a atenção novamente os vocais de Lawless mudando totalmente para interpretar o papel de Judah. Outro refrão poderoso aqui, relatando as falas dos discípulos e de Judah para Jesse, que se faz ausente de falas nessa bela faixa.

"All My Life" é uma espécie de confrontação de Jesse com ele mesmo. Ele percebe que perdeu toda a sua vida, vivendo num mundo de dor, sem ninguém para amá-lo ou ouvi-lo "all my life lost in a dream ... All my life no place for me ... I can't take it no more ... my pain is too much, no one hears me, there ain't no love" ("Toda a minha vida perdido em um sonho ... toda minha vida e nenhum lugar para mim ... Não posso seguir adiante ... minha dor é enorme, ninguém me ouve, não existe amor"), e volta ao passado, renegando aqueles que fizeram parte de sua vida dizendo para não tocá-lo (Sister Sadie, sua mãe, Judah e os discípulos), com a frase "please don't touch me" sendo balbuciada entre lágrimas. Novamente a guitarra surge limpa, apenas com efeitos de eco, e os vocais dramáticos de Lawless tomam conta, nessa que é certamente a faixa mais carregada de emoções de ambos os álbuns. O solo de teclado ao final é arrepiante (com uma sequência de notas que me lembra algo de The Crimson Idol), e "All My Life" funciona como "Hold on to My Heart" funciona para The Crimson Idol. Uma bela preparação para o grande finale que virá.

Darrell Roberts *

A pancadaria retorna em "Destinies To Come (Neon Dion)". Judah confronta Jesse, dizendo que há um novo mundo, mudanças, um novo tempo, e que Jesse não pode acabar com isso, chamando-o de cego, e que nada pode mudar os destinos das pessoas. Chegamos então aos 13 minutos de "The Last Redemption", a mais longa faixa da carreira do W. A. S. P. , e onde Jesse finalmente fala ao mundo. Tudo começa com exatamente os mesmos acordes que iniciaram "Overture" lá na parte I, e com Jesse gritando "Take me, shame me, I made you to lay my name on your tongues"  ("Tomem-me, envergonhem-me, eu fiz vocês colocarem meu nome em suas línguas") seguindo "Hate me, slay me, it's danger to hang my face on your walls" ("Odeiem-me, matem-me, é perigoso colocar meu rosto em suas paredes"). O desabafo é forte, e a canção vai ganhando força junto com os gritos de Lawless, até Jesse dizer "If I die for you will my life have counted, give me the truth, would it mean anything" ("Se eu morrer por vocês minha vida irá ter servido, dê-me a verdade, iria signigicar algo?").

Enquanto o ministério não acredita no que Jesse está dizendo, que quer morrer pelos discípulos, e ele segue, dizendo que mentiu para milhares, sendo um enganador, um Senhor para ninguém, um Messias de milhares mas com sangues aos pés, Messias de nada. A congregação grita incrédula "We're dying for you ... our god is you ... falling for you ... give us the truth" ("Estamos morrendo por você ... nosso Deus é você ... caímos por você ... dê-nos a verdade"), na melodia que citei anteriormente.


Um pouco mais de Blackie Lawless *

O desabafo de Jesse segue "I am no God of all your lost religions, prophet for love ... I was the chosen one" ("Eu não sou um Deus de todas as religiões, profeta do amor ... Eu era o escolhido"). É Jesse jogando na cara dos discípulos toda sua falsidade, sob um ritmo avassalador. "Take my name in vain ... I Messiah of nothing ... I wanna die" ("tome meu nome em vão ... eu sou um messias do nada ... quero morrer"), para então vir a emblemática estrofe "No don't came to me no don't believe in your God of love ... I can't deceive no more no don't believe ... Your God you see's all make believe Neon" ("Não venham a mim não acreditem no seu Deus do amor ... eu não posso enganá-los mais, não acreditem ... O deus que vocês veem é tudo um Neon de faz-de-contas").

Os discípulos se rebelam, e o clima fica tenso musicalmente, com acordes pesados. "You're fucked for life, die for us a Messiah please ... die so we'll all believe" ("Você fudeu pra vida, morra por nós um messias por favor ... morra e então acreditaremos"). O ritmo cavalgante retorna para a fala de Jesse "I Messiah nothing, why would you remember anymore if I die" ("Sou um messias do nada, por que vocês não irão lembrar de mim nunca mais se eu morrer"), e assim temos um curto trecho onde os teclados marcam presença, com um riff bem no estilo Iron Maiden feito pela guitarra. É um trecho épico, que leva para as falas finais de Jesse. Primeiro, sobre um dedilhado emocionante, ao mundo: "all I need was someone to love me ... there're no one who cares" ("Tudo o que eu necessitava era alguém para me amar ... aqui não tem ninguém que se importe"), repetindo vocalmente a melodia do dedilhado da guitarra, com uma voz chorosa. Depois, com a guitarra mandando ver em acordes abertos, grita para Deus: "tell me my Lord why am I here, surely not to live in pain and sorrow ... are we to hide inside and fear forever never ending road of tears" ("Diga-me meu Senhor por que estou aqui? Certamente não para viver em dor e desgraça ... escondendo-se com medo para sempre em uma estrada de lágrimas sem fim").

Mike Duda *

Retornando ao ritmo cavalgante, começa a discussão entre Judah e Jesse, num crescendo fantástico. O jogo de vozes aqui é arrepiante, com Lawless fazendo o papel de ambos os personagens, onde Judah tenta ainda persuadir Jesse, que fala agonizantemente. É um longo trecho, tenso, empolgante, épico, um dos melhores da carreira do W. A. S. P., que acontece aos 11 minutos da faixa (nem vimos que se passaram isso), para explodir na última fala de Jesse ao mundo, repetindo "no don't came to me no don't belive in your God of Love ... I can't deceive it no more ... no don't belive don't die for me, you're all deceived for love" ("Não venham à mim não acreditem em seu Deus do amor ... Eu nao posso enganar mais ... não acreditem não morram por mim, vocês todos foram enganados por amor"), fechando a história com uma belo solo de guitarra e longos acordes de teclados e guitarra, enquanto os pratos estouram as caixas de som. Fantástico!

Concluo estes dois textos com uma opinião pessoal. Ambos os álbuns não são meus favoritos do W. A. S. P., quiçá Top 5 (até me deu uma ideia para um Do Pior Ao Melhor da banda), mas é inegável que a criatividade de Blackie Lawless estava voando alto aqui. A história se desenrola muito bem entre as canções (com o auxílio do livreto), e musicalmente, há grandes momentos em ambos os álbuns. Depois de Neon God, o W. A. S. P. lançou bons discos, Dominator (2007), Babylon (2009) e o destaque para Golgotha (2015), além da recriação de The Crimson Idol no álbum Reidolized (The Soundtrack To The Crimson Idol) (2017). Nenhum dos três álbuns de inéditas consegue chegar ao nível musical e teatral realizado há 20 anos atrás. Os Neon God são discos para serem, ao menos, conhecidos por aqueles que apreciam Heavy Metal e álbuns conceituais!

Contra-capa do CD


Track list

1. Never Say Die

2. Resurrector

3. The Demise

4. Clockwork Mary

5. Tear Down The Walls

6. Come Back To Black

7. All My Life

8. Destinies To Come (Neon Dion)

9. The Last Redemption

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