quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Quelli - Quelli [1969]

 O ano é 1964. Na gelada Milão, ao norte da Itália, surge o Black Devils, banda embalada pela chegada ao país da bota da onda beat britânica. O então quarteto era formado por Franz Di Cioccio (bateria), Franco Mussida (guitarra), Pino Favaloro (guitarra, vocais) e Tony Gesualdi (baixo, vocais), e após uma série de apresentações, são descobertos pelo cantor e compositor Gian Pieretti, o qual os adotou como banda de apoio, transformando-os em I Grifoni. Pieretti apresenta a banda para a gravadora Dischi Ricordi, e de contrato assinado, e com um vocalista novo, Teo Teocoli, mudam novamente de nome. Batizados de Quelli (Aqueles), logo em 65 lançam seu primeiro compacto, "Via con Il Vento", canção de Mussida, mas que por não ser ainda um músico inscrito no sindicato dos músicos da Itália, acaba sendo assinado por Ricky Gianco e o amigo Pieretti. 

A bolachinha, trazendo "Ora Piangi" no lado B, não fez muito sucesso, mas não impediu o grupo de seguir adiante, e em 66 sai a bolachinha "Una Bambolina Che Fa No No No", versão em italiano para "La Poupée Qui Fait Non", do cantor e compositor francês Michel Polnareff , e que conta com" Non Ci Sarò", versão em italiano para "I Can't Let Go" dos Hollies. Esse 45 rpm faz bom sucesso, mas infelizmente, Mussida acaba indo cumprir o serviço militar na marinha, sendo então substituído por Alberto Radius por dois anos.

No início de 1967, a formação muda novamente, agora com a entrada de Flavio Premoli nos teclados, e então gravam "Per vive Insieme", versão de "Happy Together" dos Turtles, com "La Ragazza Ta Ta Ta", de Enrique Pagani no lado B. Este compacto também um bom sucesso, inclusive com um raro lançamento aqui no Brasil, animando os garotos, que já se destacam por suas qualidades técnicas muito acima da de outros músicos italianos da época, que os tornarão presenças constantes nas gravações de nomes como Mina, Lucio Battisti, Fabrizio De André, entre outros gigantes da música italiana. Porém, as próximas bolachinhas não seguem a mesma linha de sucesso. "Tornare Bambini", versão de "Hole in My Shoe" do Traffic, com "Questa Città Senza Te" (versão de "Even The Bad Times Are Good", dos Tremeloes, e "Mi Sentivo Strano" (versão de "I Felt Strange"), com "Dettato Al Capello" no lado B, canção de Gianni Sanjust, afundaram nas vendas, levando Teocoli a pedir demissão.

"Lacrime e Pio", cover de "Rain and Tears" do Aphrodite's Child é lançado em 1968, e logo na sequência, Mussida retorna após o período militar, com Radius se unindo a Gabriele Lorenzi para fundar o incrível Fórmula 3). Chega então o ano de 1969, e com isso, o primeiro Long Play. Quelli contém vários covers (como já era a carreira da banda), mas também apresenta composições próprias. 


Veio a bolachinha "Marilú" / "Dici", ainda em 69, e a saída de Pino Favaloro. O quarteto seguiu adiante, e em 1970 lança mais um compacto, "Dietro Al Sole" ("Back In The Sun", de Armand Canfora e Boris Bergman) com "Quattro Pazzi", e a saída de Di Cioccio para o Equipe 84 pelos próximos dois anos. O quarteto segue sob o nome de Krel, lançando a bolachinha "Fin Che Le Braccia Diventino Ali" / "E Il Mondo Cade Giù" em 1970. Em 1972, Di Cioccio volta a se aproximar dos ex-colegas, e agora com o violinista e flautista Mauro Pagani, são rebatizados como  Premiata Forneria Marconi, tornando-se um dos maiores nomes doa história do rock progressivo italiano. Mas isso é papo para outro texto.

Em 14 de novembro de 2007 em Milão , por ocasião do concerto do trigésimo quinto aniversário da Premiata Forneria Marconi , Franz Di Cioccio e Franco Mussida reuniram excepcionalmente no palco da Rolling Stone o baixista Giorgio Piazza , o guitarrista Pino Favaloro , Alberto Radius e Teo Teocoli , tudo novamente sob o nome histórico de "Quelli", recriando efetivamente a banda. As peças executadas, entremeadas de divertidas anedotas e citações, também graças ao talento cabaré de Teocoli, foram "Via con il vento", seus primeiros 45 rpm , Returning child (com Elena Di Cioccio , filha de Franz e famosa vee-jay, realizando o segmento do centro falado), The Live Together , Hush , The No-No-No Doll e o clássico de Wilson Pickett In The Midnight Hour . A noite continuou conforme planejado com a programação e repertório do PFM.


Bass Guitar – Angelo Traverso

Drums, Timpani, Percussion, Harmonica, Vocals [Voce] – Maurizio Cassinelli

Electric Guitar, Acoustic Guitar, Viola, Vocals [Voce] – "Bambi" P. N. Fossati*

Organ, Piano [Pianoforte], Mellotron, Electronics [Oscillatore] – Lio Marchi

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

45 Anos de A Peleja Do Diabo Com O Dono Do Céu




Quando conheci Zé Ramalho, lá nos idos de 1998, era por conta do extremo sucesso que o álbum Antologia Acústica estava fazendo. Lançado em 1997, o disco duplo colocava novamente o nome do bardo paraibando em voga no cenário nacional, após um longo período de ostracismo causado por uma acusação de plágio (ocorrida em 1982 por conta da faixa Força Verde, lançada no álbum homônimo).

Claro que já tinha ouvido faixas como "Mistérios da Meia-Noite", "Admirável Gado Novo" e "Entre a Serpente e a Estrela", já que as mesmas fizeram um estrondoso sucesso nas novelas globais Roque Santeiro, Rei do Gado e Pedra Sobre Pedra, respectivamente, mas nunca tinha parado para ouvir o cara. Foi por conta de um amigo meu que tinha uma pseudo-banda, que me apresentou o CD, que acabei conhecendo mais a obra do músico, e como consequência, inserindo em nosso repertório duas músicas do rapaz, "Kriptonia" e a versão para "Knockin' On Heaven's Door" (a tenebrosa "Batendo Na Porta Do Céu "), que estava no CD. Mas claro, admirei outras músicas do álbum, como "Frevo Mulher", "Garoto De Aluguel" e "Beira-Mar".

Eis que anos depois, já conhecedor (e admirador) de Paebirú, a fabulosa estreia de Zé ao lado de Lula Côrtes, encontrei em um sebo o álbum Zé Ramalho, de 1978, e acabei graças a internet, mergulhando na fase esóterica do músico, que compreende o período entre o citado Zé Ramalho, detentor de clássicos do porte de "Avôhai" e "Chão De Giz", até o magistral Orquídea Negra (1983), com as belíssimas "Taxi Lunar" e "Kriptônia",  e que para mim tem seu zênite exatamente no segundo dos cinco discos lançados nesse período, A Peleja Do Diabo Com O Dono Do Céu (a saber, os outros dois álbuns dessa fase são A Terceira Lâmina, de 1980, e o já citado Força Verde). Temos aqui um caldeirão em ebulição, onde os temperos nordestinos incrementam-se ao rock europeu, ao blues americano e até a música moura, com a psicodelia Paebirúana que Zé criou anos antes, em um disco único. Fora que os músicos acompanhantes do paraibano são de um calibre mais que raro. 

O album começa com o violão e as vocalizações da faixa-título, espancando o ouvinte com a frase "Ói, com tanto dinheiro girando no mundo quem tem pede muito, quem não tem pede mais". Um belo baião que traz fortes críticas políticas, e com destaque para a sanfona de Severo da Silva, e o bonito arranjo de metais, composto por Zé Bodega (saxofone), Edmundo Maciel (trombone), Evaldo e Márcio Montarroyos (trompete). Na sequência vem o clássico "Admirável Gado Novo", outra canção com forte teor político, com um lindíssimo arranjo de cordas a cargo de Paulo Machado, mas que destaco, além da canção que virou um símbolo para toda uma geração na década de 90, através da novela O Rei do Gado, a fantástica linha de baixo de Chico Julien. "E ô ô vida de gado, povo marcado, povo feliz", é uma das grandes frases de uma letra ainda muito atual. 

A terceira faixa é um tributo a Geraldo Vandré. "Falo da vida do povo, nada de velho ou de novo...” abre a letra de "Falas do Povo", uma linda balada que remete musicalmente a "Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores", com seus dois acordes de violões, e o violino de um endiabrado Jorge Mautner serpenteando uma canção lindíssima, com uma interpretação fabulosa de Zé Ramalho, ao nível da fabulosa letra, e com destaque também para o órgão hammond de Paulo Machado. O clássico "Beira-Mar" abre espaço para a tríade que segue com "Beira-Mar (Capítulo 2)" (de Força Verde) e "Beira-Mar (Capítulo Final)" (de Eu Sou Todos Nós, de 1998), com o seu violão-folk (a cargo de Geraldo Azevedo), mais uma letra emocionante assim como fantástico arranjo de cordas de Paulo Machado. 

O lado A encerra-se com a arrepiante "Garoto De Aluguel (Taxi Boy)". Para quem conhece apenas a versão de 20 Anos Acústico, isso é aqui é o suprassumo da qualidade musical de Zé Ramalho. Um arranjo orquestral fabuloso, comandado por Paulo Machado (que também está ao piano) trazendo a nata de alguns dos principais nomes das cordas no Brasil: Alceu De Almeida Reis, Iberê Gomes Grosso, Zamith, Márcio Eymard (violoncelo), Arlindo Penteado, Frederick Stephany, Nathercia, Macedo (violas); Alfredo Vidal, Alvaro Vetero, Guetta, Arthur Dove, Carlos Hack, Lana, Marcello Pompeu, Pissarenko, Virgílio Arraes Filho, Walter Hack (violinos). Quem nunca ouviu falar nesse time é por que ou nunca pegou um disco de músicos da MPB dos anos 70 e 80 para ler os créditos, ou reamente detesta música brasileira. Voltando para a canção em si, a combinação da tocante melodia dos violinos, junto das notas preciosas dos violoncelos, e de uma interpretação simplesmente desmoronate de Zé Ramalho, talvez a melhor de sua carreira, farão até seus vizinhos preconceituosos contra os nordestinos segurar as lágrimas, mas não conseguirem evitar a emoção que a dor desta faixa exala pelos sulcos do vinil em cada segundo. Que música! Que interpretação! Que lindeza!

Depois de secar os olhos, é a vez de virar o disco e mandar a agulha rolar no lado B, através de "Pelo Vinho E Pelo Pão", e daí você certamente irá soltar aquele "puta merda" que ficou engasgado durante "Garoto de Aluguel". Afinal, um lindo cavaquinho, a cargo simplesmente do mago Waldir Silva, um dos maiores nomes do instrumento no Brasil, traz esse choro-canção, no qual Zé divide a voz junto de sua amada esposa Amelinha. As cordas, aqui novamente arranjadas por Paulo Machado, e o violão de Dino 7 Cordas, outro fera no seu instrumento, dão mais dramaticidade para outra faixa apavorantemente linda. Voltamos ao baião com "Mote das Amplidões", onde os sintetizadores (Paulo Machado novamente) e a voz com efeitos de Zé Ramalho certamente nos colocam nas faixas de Paebirú. 

Uma homenagem à João Pessoa, capital da Paraíba, aparece na sensacional "Jardim das Acácias", começando com o ritmo do violão, trazendo o solo da guitarra e o magistral arranjo de cordas, para levar ao duelo vocal/guitarra e a ótima letra, cerceada pelos solos individuais da inconfundível guitarra de Pepeu Gomes. Zé então surge tocando todos os instrumentos da instrumental "Agônico", uma faixa com um complexo dedilhado de violões, lembrando um duelo nordestino, porém com um ritmo mais próximo ao chamamé missioneiro. Outra faixa muito surpreendente. 

A Peleja Do Diabo Com O Dono Do Céu encerra-se com "Frevo Mulher", a declaração de amor de Zé para Amelinha, composta por ele em 1979, no Hotel Plaza do Rio de Janeiro, enquanto observava a então revelação Amelinha ser cobiçada por inúmeros compositores que queriam a voz da jovem cantora em suas canções. Mas foi com essa faixa que Zé conquistou não apenas a voz, mas o coração de Amelinha, tanto que os dois se casaram e tiveram dois filhos. Sobre a canção em si, é outra que para quem só conhece a versão de 20 Anos Acústico irá se surpreender. Afinal, a faixa realmente é um frevo, simples assim, onde os metais fazem todo o cenário musical para Zé desfilar sua poesia-tributo à Amelinha. O ritmo avassalador da percussão, marcada pelos pratos de Jorge Batista e a tuba de Zênio de Alencar, além de um naipe de metais formado por Hélio Marinho e Zé Bodega (saxofones), Edmundo Maciel, Manoel Araújo e Sylvio Barbosa (trombones) e Evaldo, Formiga, Hamilton e Márcio Montarroyos (trompetes), faz você sair dançando pela casa, e soltando mais um "puta que pariu!" pela grandiosidade da obra que está encerrada. 

A capa do álbum traz Zé Ramalho empunhando um violão e interpretando o "dono do Céu", enquanto uma mulher vampiresca (Xuxa Lopes) o espreita e seu rival José Mojica Marins o ameaça. A fotografia foi tirada num casarão abandonado em Santa Teresa, no Rio de Janeiro e foi dirigida por Ivan Cardoso. No resto do encarte, aparecem também Satã (produtor e guarda-costas de José Mojica), Mônica Schmidt e Hélio Oiticica. Destaca-se também o encarte com belas ilustrações de Seth por Álvaro Marins e símbolos de Raul Córdula.

Zé Ramalho infelizmente abandonou o esoterismo, fazendo três álbuns no mínimo questionáveis na segunda metade dos anos 80, onde chegou inclusive a flertar com eletrônicos no tinhoso Décimas de Um Cantador, e só conseguiu se reerguer em 1996, por conta de Grande Encontro (ao lado de Elba Ramalho e Geraldo Azevedo), que apresentaram as canções do músico para toda uma nova geração de fãs, assim como 20 Anos Acústico. Porém, esse período de sua segunda fase musical está aí à disposição para ser (re)descoberto tanto por novos quanto por velhos fãs do paraibano, que completa hoje 75 anos. Certeza que, se A Peleja do Diabo Com O Dono Do Céu tivesse sido lançado por um músico britânico, estaria encabeçando as listas de Melhores discos de todos os tempos mundo a fora. Mas não foi, pois afinal, somente um grande nome brasileiro poderia fazer algo tão grandioso e poderoso como esse álbum. 

Track list

1. A Peleja Do Diabo Com O Dono Do Céu

2. Admirável Gado Novo

3. Falas Do Povo

4. Beira-Mar

5. Garoto De Aluguel (Taxi Boy)

6. Pelo Vinho E Pelo Pão

7. Mote Das Amplidões

8. Jardim Das Acácias

9.  Agônico

10. Frevo Mulher


segunda-feira, 30 de setembro de 2024

20 Anos de The Neon God - Part II: The Demise


* Fotos retiradas deste site 

Hoje encerro a saga de Jesse James através da segunda parte de The Neon God, álbum que ante-ontem, 28 de setembro, completou 20 anos de seu lançamento. Na primeira parte fomos apresentados a história do menino que perdeu o pai, sofria abusos psicológicos da mãe e acaba em um orfanato, onde lá passa a ser abusado por uma das irmãs. Em busca de escapar daquele sofrimento, ele pula em um poço, tentando suicídio. Porém, acaba sobrevivendo, e mandado para uma enfermaria, onde conhece o mundo das drogas e percebe que talvez tenha poder de persuasão sobre as demais pessoas. Com 14 anos, Jesse foge do orfanato e vai viver nas ruas, onde conhece Judah Magic, um mágico capaz de ler as mentes das pessoas. Ambos se tornam os melhores amigos, criam uma espécie de seita (ministério) na qual Jesse torna-se o novo messias, o Neon God, com seguidores por todo o mundo. A história da primeira parte encerra-se justamente quando Jesse começa a se confrontar se ele realmente deveria estar fazendo suas falsas messianidades, iludindo as pessoas, e continuando com aquilo, ou seja, por que ele estava no mundo.

W. A. S. P. na The Neon God Tour *

The Neon God: Part 2 - The Demise conclui a saga de Jesse em busca deste sentido da sua vida. Na formação, Blackie Lawlees (voz, guitarra, baixo, teclados e percussão), Darrell Roberts (guitarra, vocais, percussão), Mike Duda (baixo) e Stet Howland (bateria e percussão). Frankie Banali, que havia participado na primeira parte, acaba ficando de fora aqui. Diferentemente de The Rise, The Demise não tem músicas que se passam por vinhetas. São nove canções, sendo oito delas entre 3 e 4 minutos, e uma com mais de 13 minutos que faz todo o gran-finale da história. Antes de começarmos a destrinchar as canções, vamos novamente adentrar no encarte do CD.

Começamos com a fala do próprio Lawless, o idealizador de tudo aqui: "Em meu questionamento para fazer as duas partes de Neon God, tive muito da busca pela alma. Eu estava muito crítico nos últimos anos nas minhas visões de religiões 'organizadas'. Parecia que minha única (alma) proposta para gravar discos era fazer as pessoas a pensar por elas mesmas. Não é importante o que eu penso ou acredito, mas o que você pensa de você mesmo. As pessoas me perguntam 'por que você tem estado tão crítico sobre religião organizada, você não acredita em um ser supremo?'. Eu creio em Deus, mas o que eu creio não é o assunto aqui, porém eu seria hipócrita em expandir minhas crenças pessoais por que seria culpado de fazer as mesmas coisas que eu critíco nos outros.

Nessa história, Jesse, embora seja uma vítima, serve como um grande símbolo de humanidade na qual ELE É a humanidade, tentando achar sentido em sua vida e, em resumo, buscando por redenção. Jesse conta a seus seguidores que é 'perigoso pendurar sua face (imagem) nas paredes', o que significa que nenhum homem está acima de outro, e que nenhum homem é Deus, e que ninguém deve ser enganado como tal. Se você sentir que não tem nenhuma proposta real em sua vida, então sirva aos outros. Você irá encontrar sua verdadeira proposta nisto. Se você já sabe onde está indo, então mostre ao resto de nós o caminho! Isto é tudo o que estamos trilhando ... O destino só depende de você!!!"

Palavras de Lawless sobre Neon God, no encarte do mesmo

Tendo então a apresentação por Lawless, vamos à sequência da história via encarte. Desta feita, são apenas três páginas para nos dizer o que irá acontecer na próxima uma hora de audição. Novamente, a tradução é livre. Tudo começa com uma citação ao livro da revelação: "Da minha boca veio o poder de mudar - Nosso ministério do amor pagão era agora a idolatria de mim". Vamos ao texto:

"Estávamos no meio do nosso maior avivamento mundial. Na Time-Square, no meio de Nova Iorque. Eu olhei para cima e lá, em uma tela gigante, estava eu. Meu rosto milhares de vezes maior do que minha vida. Irradiando eletronicamente como um grande cometa atravessando o céu. Brilhando como um grande farol. Lá estava eu. Sem mais fenômenos de culto, o dia do reconhecimento havia chegado. Eu era o Neon God. Minha mensagem estava sendo transmitida para televisões ao redor do mundo. O poder da mídia eletrônica está além da compreensão, especialmente quando você pode vender às pessoas a ideia de amor e imortalidade. Isto tudo parece uma droga com poder monstruoso que dopa as massas, e uma vez que você os fisga, você os têm pelo resto da vida. É verdade que 'o poder absoluto corrompe absolutamente'. Então eu era o Rei de todas as coisas corruptas.

Não era tanto a mensagem como mensageiro. Tudo estava na entrega. Era uma ideia simples realmente. Dê às massas falsas esperanças e retorne às massas dando amor ... e poder. Basicamente viciados em drogas negociando drogas. Eu dava para todos os discípulos novos nomes, com uma proposta dual. Primeiro, levá-los a acreditar que eram mais importante do que realmente eram, mas também dar a eles um sentido de renascer por um novo pai ... eu!

Texto com a parte final da história no encarte do álbum (Página 1)

Foi o pico do meu ministério! Mas em uma de nossas celebrações noturnas, alguma coisa capturou meu olho. Com a luz do palco diretamente onde eu estava, algumas vezes era difícil de ver a congregação, mas existia uma imagem metade na luz, metade na esuridão, que eu não podia claramente reconhecer. A imagem manteve-se atraindo minha atenção em sua direção. Parei de falar e foquei na imagem. Perguntei se poderia vir à frente e se apresentar. Lentamente, três homens e uma mulher, nús, vieram para a luz. Tinhamos uma nova seguidora. Eu não tinha visto sua face a aproximadamente 28 anos, mas ainda a conhecia. A última vez que vi seu rosto eu estava histérico, com medo e quando vi ela, o mesmo sentimento brotou sobre mim novamente. O rosto era da minha mãe. Ela tinha me abandonado todos aqueles anos, e agora voltou para clamar por seu filho. Eu era o pedaço rompido de seu filho. Um pequeno coração inocente, quebrado em dois, e deixado para curar-se por si mesmo. Nunca pensei que poderia ter minhas terminações nervosas expostas novamente. Mas elas tornaram-se vivas com cada pulsação. Foi o sinal de ver ela naquele estado pagão, ou apenas ver ela, que me enfureceu.

Aquele estranho rio de emoções opostas, ódio e amor, repulsão e atração, queria tocar seu rosto, mas apagá-lo para sempre de minha mente. Eu estava em um lugar seguro por muito tempo, mas mais uma vez ela veio e destruiu completamente meu mundo. Ela tentou colocar seu caminho novamente na minha vida. Após o choque inicial de ver ela novamente, eu vi ela pelo que realmente ela era ... lixo sem esperança de redenção. Perdida numa auto-estrada imaginária. Era uma visão precária de qualquer maternidade. Ela estava morta para mim por muitos anos, mas não mais do que agora. Ela me adorava como seu Deus? Oh mamãe, por que você veio? Ela deu-me a vida ao mesmo tempo. As vezes eu fantasiava de como iria reagir ao vê-la novamente, mas nunca é como você pensa que irá acontecer. Existem poucas emoções puras na vida ... ódio!

Após ela ir embora, nada parecia mais importar para mim. Por muito tempo eu soube que não era filho de Deus. Não era um profeta. Eu era uma farsa, um vigarista, um mentiroso que tinha medo de cada coisa no mundo.

Texto com a parte final da história no encarte do álbum (Página 2)

Passei semanas tentando fazer algum tipo de sentido na minha vida. Chamei meu círculo interno, Judah e os discípulos juntos, para falar que eu estava deixando aquilo e não era o Messias que eles acreditavam ser. Podia ver o olhar de descrença em seus rostos. Todos, exceto Judah. Ele foi o único cara que me sustentou por anos pelo mundo. Mas agora existia um problema. Esta coisa de 'nós' havia se tornado um grande negócio, e uma vez que você está nisso, está pelo resto da vida. Sua raiva comigo era enorme, e eles me apelidaram Neon Dion para expressar seu desprezo por mim. Uma espécie de zombaria sarcástica para exaltar um líder que fora idolatrado. Existia um problema, e o problema era eu.

Como eu não estava mais disposto a ser seu fantoche, eu representava um grande risco para o culto. Expôr a mim mesmo de qualquer forma derrubaria nosso castelo de cartas. Mas eu deveria saber que Judah era esperto para me deixar seguir muito à frente dele. Muito inteligente para deixar este império Neon se ir. Sua inquietação era grande. Eles planejaram minha morte para o mundo inteiro ver, mas não acreditavam que eu tinha conhecimento disso. Não era apropriado que tudo termine assim!

Há muito tempo desci a montanha onde a tormenta violenta trovejou. Ao contrário do arbusto ardente de Abraão, eu não recebi nenhum sinal. Eu perguntei a Deus: 'O que você quer de mim?' O silêncio foi ensurdecedor. Então, meu caminho estva claro. O grande caminho da montanha para agora. Por que então este conlito eterno ainda enfurece minha alma? Começo minha descida ao poder embriagante ainda atormentado com a pergunta eterna, em busca da Trilha Sagrada. Existe algo lá fora maior do que nós? Existe um Deus? Eu espero que sim ... por que eu não sou ele ..."

Texto com a parte final da história no encarte do álbum (Página 3)

Este é o texto que abre o livreto de Neon God, e diretamente vamos para a voz de Blackie Lawless entoando o nome de "Never Say Die", apresentando a segunda parte da história, em uma música pesadíssima, e claro, com grande destaque para o refrão, nas quais os discípulos clamam por Jesse, assim como Judah pergunta para Jesse qual será o caminho a ser seguido em busca do Sol de Neon (Neon Sun), ao paraíso. É o auge do ministério e do endeusamento de Jesse.

"Ressurector" é uma faixa mais hardeira, na qual Jesse se comunica com o ministério, pedindo para seus discípulos mostrarem seu amor submisso, que pintem o nome dele em suas faces, e dizendo que ele é o Deus que eles precisam. "Fall before me and bring me love in here we are all pagan naked celebrations ... show me your blind submissive love, paint my name accross your face in everlasting blood" ("Caiam diante de mim e tragam-me amor aqui somos todos pagães em celebrações nuas ... mostreme seu amor submissivo, pinte meu nome em seus rostos em sangue perpétuo"). Chamo atenção para a melodia vocal desta parte, pois ela irá retornar mais adiante, mas com uma temática diferente, e que fará um sentido muito interessante. Outro destaque vai para o belo solo de Roberts, bastante "fritado", e o andar cavalgante na euforia final da congregação, implorando por mudança em suas vidas.

O ministério está consolidado, e então, com acordes que ouvimos na abertura de The Rise, "The Demise" é o apogeu de Jesse. Diante da congregação, ele abençoa seus discípulos, dizendo ser o novo Messias, e retomando às falas já exaltadas na primeira parte através de Judah, mas agora por toda a congregação "Dying for you ... Our God is you ... Falling for you ... Our God is you" ("Morremos por você ... Nosso Deus é você ... Caímos por você ... Nosso Deus é você"). Musicalmente, o instrumental tem na bateria e nos teclados o centro das atenções, mas claro, os vocais de Lawless aterrorizam no papel de Jesse, carregados de peso "Come to me and see me in you can you feel it, oh I'm running through you ... Your new God, I feel it, believe it ... ("Venham à mim e vejam-me, você pode sentir isso? Estou correndo através de você ... seu novo Deus, eu sinto isto, acredite nisto ...").

Blackie Lawless *

Chegamos então no momento de maior tensão da história, "Clockwork Mary". Durante sua fala para a congregação, eis que sua mãe aparece entre os discípulos, sendo reconhecida por Jesse. O dedilhado da guitarra é lindo, lembrando momentos de The Crimson Idol, enquanto Jesse fala para sua mãe "Oh mama where you gone ... claim me your son ... mama why'd you come ... you gave but taken my life" ("Ó mamãe onde você foi ... clame por mim, seu filho ... mamãe você veio ... você deu-me e tirou-me a vida"). Camadas de teclados entram, dando mais amargura para a voz de Lawless, e assim, Jesse desabafa "I born in your sin, Mary's lie cause I know all that you hide ... here in your naked grace" ("Nasci do seu pecado, mentirosa Maria, por que sei que tudo o que você esconde ... aqui em sua graça nua"), e então, repentinamente, guitarra, baixo e bateria estouram as caixas de som, para Jesse expurgar sua raiva contra a mãe "I'll kill the beast so to free my soul and smash the tears ... I curse the darkness impassioned plea ... to satisfy the vengeance in me" "Matei a besta e liberei minha alma, e esmaguei as lágrimas ... amaldiçoei a escuridão com um apelo apaixonado ... para satisfazer a vingança em mim"). Mais um belo solo de Roberts, e a faixa encerra-se com a dramática lembrança que Jesse queria apenas alguém para amá-lo "All I need was someone to love me" ("Tudo o que eu queria era alguém para me amar").

"Tear Down The Walls" é mais uma faixa veloz, muito boa, com a pancadaria comendo solta na bateria, e onde Jesse volta-se para a congregação, após o re-encontro com sua mãe, tentando convencê-los de que ele não é o Todo-poderoso. Percebendo o que estava acontecendo, Judah entra em ação durante "Come Back to Black", para manter Jesse como líder. Uma canção pesada, rocker, que chama a atenção novamente os vocais de Lawless mudando totalmente para interpretar o papel de Judah. Outro refrão poderoso aqui, relatando as falas dos discípulos e de Judah para Jesse, que se faz ausente de falas nessa bela faixa.

"All My Life" é uma espécie de confrontação de Jesse com ele mesmo. Ele percebe que perdeu toda a sua vida, vivendo num mundo de dor, sem ninguém para amá-lo ou ouvi-lo "all my life lost in a dream ... All my life no place for me ... I can't take it no more ... my pain is too much, no one hears me, there ain't no love" ("Toda a minha vida perdido em um sonho ... toda minha vida e nenhum lugar para mim ... Não posso seguir adiante ... minha dor é enorme, ninguém me ouve, não existe amor"), e volta ao passado, renegando aqueles que fizeram parte de sua vida dizendo para não tocá-lo (Sister Sadie, sua mãe, Judah e os discípulos), com a frase "please don't touch me" sendo balbuciada entre lágrimas. Novamente a guitarra surge limpa, apenas com efeitos de eco, e os vocais dramáticos de Lawless tomam conta, nessa que é certamente a faixa mais carregada de emoções de ambos os álbuns. O solo de teclado ao final é arrepiante (com uma sequência de notas que me lembra algo de The Crimson Idol), e "All My Life" funciona como "Hold on to My Heart" funciona para The Crimson Idol. Uma bela preparação para o grande finale que virá.

Darrell Roberts *

A pancadaria retorna em "Destinies To Come (Neon Dion)". Judah confronta Jesse, dizendo que há um novo mundo, mudanças, um novo tempo, e que Jesse não pode acabar com isso, chamando-o de cego, e que nada pode mudar os destinos das pessoas. Chegamos então aos 13 minutos de "The Last Redemption", a mais longa faixa da carreira do W. A. S. P. , e onde Jesse finalmente fala ao mundo. Tudo começa com exatamente os mesmos acordes que iniciaram "Overture" lá na parte I, e com Jesse gritando "Take me, shame me, I made you to lay my name on your tongues"  ("Tomem-me, envergonhem-me, eu fiz vocês colocarem meu nome em suas línguas") seguindo "Hate me, slay me, it's danger to hang my face on your walls" ("Odeiem-me, matem-me, é perigoso colocar meu rosto em suas paredes"). O desabafo é forte, e a canção vai ganhando força junto com os gritos de Lawless, até Jesse dizer "If I die for you will my life have counted, give me the truth, would it mean anything" ("Se eu morrer por vocês minha vida irá ter servido, dê-me a verdade, iria signigicar algo?").

Enquanto o ministério não acredita no que Jesse está dizendo, que quer morrer pelos discípulos, e ele segue, dizendo que mentiu para milhares, sendo um enganador, um Senhor para ninguém, um Messias de milhares mas com sangues aos pés, Messias de nada. A congregação grita incrédula "We're dying for you ... our god is you ... falling for you ... give us the truth" ("Estamos morrendo por você ... nosso Deus é você ... caímos por você ... dê-nos a verdade"), na melodia que citei anteriormente.


Um pouco mais de Blackie Lawless *

O desabafo de Jesse segue "I am no God of all your lost religions, prophet for love ... I was the chosen one" ("Eu não sou um Deus de todas as religiões, profeta do amor ... Eu era o escolhido"). É Jesse jogando na cara dos discípulos toda sua falsidade, sob um ritmo avassalador. "Take my name in vain ... I Messiah of nothing ... I wanna die" ("tome meu nome em vão ... eu sou um messias do nada ... quero morrer"), para então vir a emblemática estrofe "No don't came to me no don't believe in your God of love ... I can't deceive no more no don't believe ... Your God you see's all make believe Neon" ("Não venham a mim não acreditem no seu Deus do amor ... eu não posso enganá-los mais, não acreditem ... O deus que vocês veem é tudo um Neon de faz-de-contas").

Os discípulos se rebelam, e o clima fica tenso musicalmente, com acordes pesados. "You're fucked for life, die for us a Messiah please ... die so we'll all believe" ("Você fudeu pra vida, morra por nós um messias por favor ... morra e então acreditaremos"). O ritmo cavalgante retorna para a fala de Jesse "I Messiah nothing, why would you remember anymore if I die" ("Sou um messias do nada, por que vocês não irão lembrar de mim nunca mais se eu morrer"), e assim temos um curto trecho onde os teclados marcam presença, com um riff bem no estilo Iron Maiden feito pela guitarra. É um trecho épico, que leva para as falas finais de Jesse. Primeiro, sobre um dedilhado emocionante, ao mundo: "all I need was someone to love me ... there're no one who cares" ("Tudo o que eu necessitava era alguém para me amar ... aqui não tem ninguém que se importe"), repetindo vocalmente a melodia do dedilhado da guitarra, com uma voz chorosa. Depois, com a guitarra mandando ver em acordes abertos, grita para Deus: "tell me my Lord why am I here, surely not to live in pain and sorrow ... are we to hide inside and fear forever never ending road of tears" ("Diga-me meu Senhor por que estou aqui? Certamente não para viver em dor e desgraça ... escondendo-se com medo para sempre em uma estrada de lágrimas sem fim").

Mike Duda *

Retornando ao ritmo cavalgante, começa a discussão entre Judah e Jesse, num crescendo fantástico. O jogo de vozes aqui é arrepiante, com Lawless fazendo o papel de ambos os personagens, onde Judah tenta ainda persuadir Jesse, que fala agonizantemente. É um longo trecho, tenso, empolgante, épico, um dos melhores da carreira do W. A. S. P., que acontece aos 11 minutos da faixa (nem vimos que se passaram isso), para explodir na última fala de Jesse ao mundo, repetindo "no don't came to me no don't belive in your God of Love ... I can't deceive it no more ... no don't belive don't die for me, you're all deceived for love" ("Não venham à mim não acreditem em seu Deus do amor ... Eu nao posso enganar mais ... não acreditem não morram por mim, vocês todos foram enganados por amor"), fechando a história com uma belo solo de guitarra e longos acordes de teclados e guitarra, enquanto os pratos estouram as caixas de som. Fantástico!

Concluo estes dois textos com uma opinião pessoal. Ambos os álbuns não são meus favoritos do W. A. S. P., quiçá Top 5 (até me deu uma ideia para um Do Pior Ao Melhor da banda), mas é inegável que a criatividade de Blackie Lawless estava voando alto aqui. A história se desenrola muito bem entre as canções (com o auxílio do livreto), e musicalmente, há grandes momentos em ambos os álbuns. Depois de Neon God, o W. A. S. P. lançou bons discos, Dominator (2007), Babylon (2009) e o destaque para Golgotha (2015), além da recriação de The Crimson Idol no álbum Reidolized (The Soundtrack To The Crimson Idol) (2017). Nenhum dos três álbuns de inéditas consegue chegar ao nível musical e teatral realizado há 20 anos atrás. Os Neon God são discos para serem, ao menos, conhecidos por aqueles que apreciam Heavy Metal e álbuns conceituais!

Contra-capa do CD


Track list

1. Never Say Die

2. Resurrector

3. The Demise

4. Clockwork Mary

5. Tear Down The Walls

6. Come Back To Black

7. All My Life

8. Destinies To Come (Neon Dion)

9. The Last Redemption

sábado, 28 de setembro de 2024

20 Anos de The Neon God - Parte I: The Rise

No ano de 2004, o W.A.S.P., liderado pelo sempre genial (e genioso) Blackie Lawless, resolveu fazer seu projeto mais ambicioso: criar um álbum conceitual em duas partes, a serem lançadas ambas no mesmo ano. Essa é a origem do aniversariante que venho aqui apresentar hoje e depois de amanhã para vocês, os clássicos The Neon God Part I: The Rise e The Neon God Part II: The Demise.

Voltando no tempo, em 1992 Lawless já tinha criado uma obra-prima conceitual chamada The Crimson Idol, a qual relatei sua história aqui. A história de Jonathan Aaron Steele teve influências diversas, inclusive do The Who (homenageado por Lawless no encarte do vinil, à época), sendo que por diversas vezes temos algumas lembranças de Tommy ao ouvir esse fantástico disco. Pois se anos depois o Who ampliou as suas óperas-rocks através de Quadrophenia (1973), o W. A. S. P. fez algo similar com esses Neon God.

Genioso e genial: Blackie Lawless estampa suas paixões nos anos 2000


Contextualizando o período histórico da banda, pós-lançamento de The Crimson Idol, Lawless manteve o grupo como um trio, tendo Bob Kulick (guitarras) e Frank Banalli (bateria) no excelente Still Not Black Enough (1995), um álbum pesado, onde Lawless extravasa seus sentimentos soturnos e sombrios, que caracterizou o que alguns chamam de Gothic Metal, o que agradou muitos e desagradou outros tantos. Com isso, inesperadamente eis que Chris Holmes voltou para o grupo. O guitarrista loiro fôra um dos pilares do W.A.S.P. nos anos 80, gravando os primeiros e aclamados discos W. A. S. P. (1984), The Last Command (1985), Inside the Electric Circus (1986) e The Headless Children (1989), além do ao vivo Live ... in the Raw (1987), e acabou saindo do grupo por não concordar com a guinada "séria" que Lawless estava dando em suas composições.

Com o retorno de Holmes, houve uma reformulação no line-up do W. A. S. P., agora com Mike Duda (baixo, vocais) e Stet Howland (bateria, vocais). Nesse período, vieram o álbum de industrial metal Kill.Fuck.Die (1997), excelente por sinal, o festivo Helldorado (1990), e Unholy Terror (2001), além dos dois ao vivos Double Live Assassins (1998) e The Sting (2000), e então, Holmes pegou o boné (de novo!) para tocar blues (dizendo nunca ter tocado em Unholy Terror), e deixou Lawless novamente a ver navios.

Sem Holmes, e sob o drama dos eventos de 11 de setembro nos Estados Unidos, Lawless cria Dying for the World (2002), tendo na formação agora Darrell Roberts (guitarra e vocal), Mike Duda (baixo e vocal) e o retorno de Frankie Banali à bateria. Este mesmo time então vai para o estúdio registrar os dois Neon God (que ainda teve a participação de Stet Howland em uma única faixa, "Wishing Well"). Vamos então para o que a história de Neon God. Temos como personagem central Jesse Slane, um garoto órfão, abusado durante a infância pela mãe e em um orfanato, que descobre ter o poder de manipular pessoas, tornando-se assim um Messias para seus discípulos, os quais fazem parte do que Lawless chama de congregação.




Texto de apresentação feito por Blackie Lawless no livreto de Neon God


Vamos ao encarte de Neon God para, nas palavras do próprio Lawless, entender o que estará acontecendo nos dois discos (em tradução livre): "Oh tell me my Lord, why am I here? Esta foi a única questão que a história inteira de Neon God foi construída. Embora esta (parte I) narre a ascensão de um falso Messias, ele é quase majoritariamente baseado nesta ideia que está na maioria do pensamento de todos. Por que de nossa existência? O que ela significa? Existe uma razão real para cada um de nós aqui afinal? Existe alguma grande proposta em nossas vidas? Somos bons ou maus, ou apenas peões em um jogo sem nenhum significado? Quem eu sou, ou eu sou o todo?"

Seguimos nas palavras de Lawless: "Esta é a história de Jesse Slane, este é seu questionamento. Ele pergunta-se sobre sua vida. 'Irá minha vida significar algo quando eu morrer?' É uma pergunta que todos nós fazemos, maioria das vezes em silêncio, quando sozinhos. É a mais sombria das perguntas que raramente falamos sobre com alguém. Está sempre lá ... aquela vozinha em todos nós ... que nunca se vai". Encerrando a fala "Espero que aqueles que ouvirem esta gravação encontrem seu próprio significado na jornada que estão percorrendo. Certamente esta gravação não irá encontrar usto para você, mas talvez ajude a pensar sobre. Que O Senhor guie à nós todos".

Vale lembrar que Lawless ainda não havia se convertido ao cristianismo, mas estava estudando bastante sobre a Bíblia e temas religiosos no período de composição de Neon God (Lawless se converteu no final da década 00). No encarte de The Rise, nada mais nada menos que 10 páginas são dedicadas a relatar a vida de Jesse James. Ele conta sua história em primeira pessoa, e farei um resumo, em tradução livre (deixando em inglês pontos que são nomes de músicas), do que é contado ali. O texto, na íntegra, deixo nas imagens abaixo.

Páginas iniciais da história


Jesse se apresenta dizendo que veio de um lugar onde os sonhos da juventude são quebrados, o terreno baldio onde jovens corações são largados para morrer. Sigo nas palavras de Jesse (e fazendo um geral, pois o texto é realmente muito longo). "Meu pai era Robert. Não me lembro muito dele por que ele morreu quando eu tinha 6 anos. O que guardei dele é a Bíblia que ele me deu no meu aniversário de 6 anos ... Milhares de vezes imaginei como minha vida teria sido diferente se eu tivesse tido mais contato com ele. Minha mãe era Mary e eu sempre me senti muito distante dela. Ela me teve, mas eu não tive ela. Depois da morte do meu pai, ela se afundou em álcool, heroína e crack se tornando uma viciada. Por um ano e meio, ela teve um homem diferente a cada noite, e todo o dinheiro que sobrou do meu pai ela gastou em álcool e cigarros. Seu vício fez perder nossa casa e viver em abrigos. Passei a viver como um escravo, preso aos seus abusos, e gritos de 'você não é nada, você nunca será nada'.

Ela passou a acreditar que eu era o diabo, e com os dias contados, ela me abandonou no orfanato The Sisters of Mercy Boys Home, quando eu tinha 8 anos. Suas últimas palavras para mim foram 'Nunca discutirei com um diabo'. Fui oferecido ao sacrifício para os deuses pagães do vício. Saí das correntes de sua escravidão para um novo mundo de escravidão. Era um orfanato católico, e aquilo para mim era o inferno na Terra relatado na Bíblia. Era um complexo em parceria com o estado, com uma parte sendo o orfanato e outra sendo um hospital de doentes mentais. Não era permitido que as crianças fossem no hospital, mas existiam relatos de que algumas foram parar lá. Ninguém sabia se era verdade.

A vida lá era horrível, nunca vi nada igual. Frio, úmido, feito de tijolos velhos e sem cor, de um cinza escuro. Um prédio enorme, de seis andares e cerca de 100 metros de comprimento. Eu ouvia sons de choros vindos de lá. Lembro de entrar e ficar tremendo. Nunca tinha visto uma freira tão de perto, e elas pareciam o Drácula de Bram Stoker. Elas tinham uma presença militar, como se fossem o próprio Deus. Depois compreendi que isso era feito para intimar, e acabei usando disto mais tarde. Os primeiros meses foram de agonia. Cada coisa, cada pessoa, era tudo muito estranho. Todos pareciam me olhar perguntando: 'de onde você veio'. Eu não conhecia ninguém.

Da janela ao lado da minha cama eu olhava para o pátio e via um velho poço que era usado antes de a propriedade ter água corrente, conhecido como Poço dos Desejos (Wishing Well). Havia rumores de que mais de uma criança havia realizado 'seu desejo' se afogando ali, o que para alguns era a única saída. As crianças não gostavam de alguém novo, pois consideravam qualquer novato um concorrente para adoção. Morávamos juntos. Havia agressores, tratados de forma diferente, pois trabalhavam para as freiras. Se uma das crianças normais saísse da linha, as freiras usariam os valentões para aplicar a ação disciplinar, ou seja, eles iriam te dar uma surra. Era assim que a ordem era mantida por elas, menos uma: Sister Sadie!





Mais algumas páginas com a história


Ela era Deus, a Governante Suprema, também conhecida como Santa Cruella. A Puta responsável. Dirigia o lugar com mão de ferro e ninguém questionava sua autoridade. Enorme, com cerca de um metro e noventa, pesando uns 120 quilos, parecia mais um homem do que uma mulher, causando medo em qualquer criança que a olhasse. Ela andava com um uniforme preto, carregando uma porra de uma régua o tempo todo, parecendo um general nazista da SS, por ironia, Sister Sadie. Fiz o melhor possível para não ser notado por ela. Comia sozinho, nunca fiz parte de um grupo, aprendi a usar a imaginação e criatividade no meu próprio mundo de amigos imaginários, dos quais eu era o líder, o Invisible Circus.



Aos 11 eu comecei a ficar rebelde e sem respeito a qualquer autoritarismo. Eu tinha me tornado uma espécie de animal. Um dia fui pego roubando algo da cozinha por um dos guardas, que me levou para uma das irmãs, para eu pagar meus pecados. Quando resisti à penitência pelos meus pecados e recusei a confissão, dizendo que estava com muita fome, a irmã ficou horrorizada. Considerado insubordinado, tomaram medidas apropriadas me levando para Sister Sadie. Uma vez considerado insubordinado, apenas uma limpeza oficial iria colocar a criança novamente no caminho certo, e variava de criança para criança. Para mim, foi uma eternidade de um ano.


Sister Sadie me levou para um prédio separado, longe do prédio principal, onde minha limpeza seria administrada três vezes por semana, sempre de noite. Ela me segurou com força pela nuca e me conduziu pela única porta daquele lugar esquecido por Deus, para uma sala escura e pequena. Eu senti um cheiro familiar em seu hálito que eu não sentia desde a última vez que estive com minha mãe: álcool. Ela bateu a porta e acendeu uma pequena luz vermelha, que iluminava muito pouco. A sala havia sido uma instalação de detenção (ou prisão) para o hospital manter e transferir pacientes com doenças mentais. Tinha enormes vigas no teto, e na viga central havia um antigo sistema de polias ... Era feito com uma corrente de aço e um grande gancho na ponta para içamento. Ela amarrou minhas mãos atrás das costas, e amarrou meus pés com velhos fios elétricos, me fez deitar no chão e pegou o gancho, prendendo-o na corda que segurava meus pés.


Isso aconteceu em quase todas as noites, mas algumas noites eram diferentes. Às vezes, enquanto eu estava pendurado, ela simplesmente me batia. A bengala dela tinha uma longa haste de metal que era usada de várias maneiras. A favorita dela era aquecer em uma vela e depois bater em mim. Outras noites ela me abusava sexualmente de formas que nem consigo falar. O tormento continuou com ameaças de que que se eu contasse a alguém, ninguém acreditaria em mim. Um dia eu não suportei mais, e procurei Sister Ann Marie, responsável pelo centro médico. Contei todo o horror que eu estava suportando. Sister Sadie foi confrontada por ela, que determinou que eu deveria ir para o sanatório, já que estava perturbado mentalmente, e nenhuma criança racional faria tais alegações. Como ninguém ousava questionar sua autoridade, antes que pudesse ser levado, corri para o pátio e num salto desesperado, pulei no Poço dos Desejos. Meu desejo era deixar aquele lugar para sempre. Nunca mais vi a irmã Sadie em carne e osso. Mas ela estaria para sempre em meus pensamentos e sonhos.


Fiquei três dias em coma por conta do impacto com a queda. Durante dias, ao acordar, comecei a ter visões de quem eu realmente era. Revelações do meu verdadeiro destino e vislumbres de quem e o que eu acabaria por me tornar. Enquanto era vigiado 24 horas por dia, já que Sadie havia dito que eu era 'potencialmente perigoso, delirante e possivelmente suicida', fiquei em uma sala para novos pacientes por cerca de dois meses, até que determinaram que eu não representava mais perigo para mim mesmo. Assim, parei na enfermaria de adolescentes pelos próximos dois anos, chamada Asylum #9. Era um quarto retangular com 22 camas e grades nas janelas. Lá conheci 'Spazmo', cujo nome verdadeiro era Teddy, e com 13 anos, foi preso por estrangular a avó. Com o cérebro deteriorado pelas drogas que havia tomado antes e depois de chegar ali, ganhou o apelido de 'Spazmo'. Este cara trabalhava para outro cara, chamado Billy. William Samuel Sims, também conhecido como 'Serial Sam'. Mais um negligenciado pelos pais. Um cara tranquilo, inofensivo e muito bem educado.

Páginas finais


Os pais de Billy eram ricos, e mandavam muito dinheiro, o qual Billy convertia em qualquer coisa que quisesse, inclusive drogas, e 'Spazmo' era seu 'serviçal', recebendo valium, percodina, codeína e ecstasy, especialmente 'X'. O lugar era um inferno, e a única maneira de sobreviver lá era ficar fodido todo o tempo. Contei minha história para eles, que me contaram que haviam outras duas crianças que contaram a mesma história que eu. Uma morreu misteriosamente e a outra cometeu suicídio por overdose. Passei dois anos lá em coma de ectasy auto-induzido, e ao menos não sentia dor. Foi então que soubemos que Sadie havia sido encontrada morta, e com isso, Ann Marie me mandou de volta para o orfanato. Agora ela estava no comando. Para comemorar, decidimos fazer uma festa.


Havia um quarto separado, onde costumávamos ficar chapados, que chamávamos "Red Room of the Rising Sun". Era o lugar mais legal que já vi, passávamos a maior parte do tempo lá, e acabei me tornando muito próximo de Billy. Porém, naquela noite, na festa de despedida, nós três ficamos muito chapados. Spazmo já havia desmaiado no chão. Billy me entregou um bilhete e disse que queria que eu lesse, porque ele iria dormir. Quando comecei a ler, Billy agarrou minha mão e ficou claro por que ele queria que eu lesse o bilhete. O bilhete dizia: 'Estou feliz por você finalmente estar saindo deste inferno e ter a chance de ter uma vida real. Mas para mim só há uma maneira de sair daqui. Você foi o único amigo verdadeiro que já tive e nunca terei outro. Não ficarei mais aqui. Assinado: 'Seu amigo para sempre, Billy'. Quando olhei, seus olhos estavam fechados e senti suas mãos escaparem das minhas. Encontrei ao lado de Billy um frasco vazio de pílulas para dormir. Ele havia tomado todas. Nunca mais tive outro amigo como ele.


Voltei ao orfanato no dia seguinte, e fugi menos de uma semana depois. Tinha 14 anos. Durante dois anos dormi em prédios antigos abandonados, em qualquer lugar que me desse abrigo. Lá conheci os indesejáveis, os descartáveis ​​da sociedade, todos viciados de algum tipo, procurando escapar da dor. Era um tipo diferente de inferno e muitas noites eu dormia pensando que tudo que precisava era alguém que me amasse. Conheci muitas crianças que foram abusadas sexualmente, e se prostituíram para alimentar seus hábitos de consumo de drogas. Fui para cidades diferentes, mas era tudo praticamente igual, até que um dia conheci alguém que mudaria minha vida em todos os sentidos.

W.A.S.P. ao vivo em Milão em 2004


No centro de uma cidade, vi um grupo de umas cem pessoas vendo a mágica de um artista de rua, que parecia hipnotizar as pessoas. Ele era bom, muito bom. Foi então que ele, no meio da multidão, me chamou para auxiliar em uma próxima tarefa. Ele me entregou um envelope lacrado e perguntou se nos conhecíamos, o que afirmei não ser verdade. A tarefa foi pedir o número para três pessoas diferentes, e então, ao final, o valor somado deu exatamente o que estava no papel dentro do envelope lacrado (14026). Todos ficaram chocados. Depois de mais alguns truques, e o encerramento da apresentação, enquanto guardava suas coisas, me aproximei e perguntei: 'como você fez isso?'. Ele sorriu, falou que procurava alguém que não iria o confrontar e se apresentou: 'Meu nome é Judah Magic'. Conversamos muito.


Ele havia estudado e também sabia que tinha um dom desde a infância, que era o de sentir as energias das pessoas, e me perguntou se eu queria continuar com ele. Como estava interessado nessas coisas há muito tempo, Judah se tornou meu mentor. Ele era um cara intenso, não muito grande, mas agressivo mentalmente. Tinha uma energia que você podia sentir, uma daquelas pessoas com uma presença incrível, e as pessoas tinham medo dele por causa disso. Ele também não tinha onde morar e ficou órfão muito jovem, então criamos um vínculo instantâneo. Houve uma atração magnética entre nós e nos tornamos amigos inseparáveis.


Ficamos muitas vezes chapados juntos, e conversávamos sobre a vida, religião e pessoas. Sob efeito do ácido, tinhamos conversas profundas sobre o conceito de Céu e Inferno e do Bem e do Mal em todas as pessoas. Ambos sabíamos que a maioria das pessoas poderia ser manipulada de alguma forma. Alguns mais do que outros. Nós dois sabíamos que o mundo iria te matar se você deixasse. Decidimos que mataríamos o mundo... juntos! Passamos a viajar de cidade em cidade durante o ano seguinte, e comecei a ler sobre metafísica e ocultismo. Sempre soube que tinha fortes habilidades de percepção incomuns e estava trabalhando duro para desenvolver minhas habilidades físicas, desde que cai no Poço dos Desejos.


Minha personalidade e presença tornaram-se mais fortes que as de Judah e, onde quer que íamos, as pessoas eram atraídas por mim. O aluno se tornou o Mestre. Passamos a 'recrutar' indivíduos para fazer parte do nosso grupo, pessoas fortes mas sem rumo, raivosas mas frágeis, bem como crianças que nunca conheceram o amor, mas procuravam uma 'razão para existir', que era eu. Eu queria que o mundo soubesse meu nome. Tudo começou basicamente como uma gangue. Vieram Robbie Taylor, JoJo Stone e Mad Max Morrison, todos eram ladrões, traficantes de algum tipo e com talento para alcançar a grandeza, mas não acreditavam em si mesmos. Eu era o líder deles, lhes dei novos nomes e me referia a eles como meus 'discípulos', para reforçar a crença deles em mim. Com um título como esse e com controle mental e drogas; eles fariam qualquer coisa que eu mandasse. Eles acreditavam que eu tinha o poder de curar e que podia ler seus pensamentos.


Haviam duas meninas, Lucy e Mary, também fugitivas de infância, prostitutas adolescentes, e mais ladrões e mendigos... todos implorando por amor e um lugar ao qual pertencer. Eles faziam qualquer coisa para agradar, roubavam comida e cozinhavam, limpavam nossas roupas e traziam outras meninas de vez em quando para nossas celebrações pagãs. Essas aconteciam aos sábados. Eu falava sobre amor e liberdade de espírito. Os alucinógenos (LSD e Ecstasy) eram uma parte importante dessas celebrações, e durante elas aconteciam orgias ritualísticas. Nessas orgias, uma garota era escolhida como sacrifício. Não ser sacrificada mortalmente, mas sexualmente e por vontade própria."


Durante uma dessas celebrações, fiquei visivelmente ausente. Quando apareci havia uma pequena pomba morta. Tudo parou quando soprei nas narinas da pomba e ela levantou e voou para longe. Os discípulos se sentaram, eu peguei uma faca e gravei a palavra deus na minha testa. Lucy e Mary lamberam o sangue do meu rosto enquanto eu transava com elas. Os demais caíram de joelhos e começaram a me adorar como o novo Messias. O último rosto que vi naquela noite foi o de Judah ... sorrindo para mim.

Palhetas da turnê de Neon God


Passamos a viajar de um lado para outro, como ciganos, e em todos os lugares haviam pessoas para me ouvir falar e realizar milagres, além de novos convertidos. Montamos nossa própria tenda coberta que acomodava mil pessoas, e eu pregava sobre amor, celebração e liberdade da mente. Curava pessoas de doenças e enfermidades pela cura pela fé. Com o passar do tempo, a tenda coberta foi substituída por arenas, e filmes meus foram vendidos em vídeos e DVDs, com Judah sendo meu braço direito. O mundo me amava... mas agora éramos um grande negócio.


A magnitude do nosso ministério tornou-se verdadeiramente assustadora, e passei a ter pequenos vislumbres de mim mesmo, e do que estava fazendo aos que me rodeavam, especialmente Judah. Surgiu um círculo vicioso de perguntas (Teria eu sido colocado na Terra para fazer o que estava fazendo? Eu era Deus? Um profeta? Ou apenas um homem com minha própria mensagem nascida sem amor? Eu sou mau? Eu sou o grande enganador? Deus sabe que eu existo?) se tornou uma tortura viva. Eu estava no Jardim do Éden? Se eu fosse, qual era eu?"


Encerro aqui a "tradução" da longa história desenvolvida nas páginas iniciais do encarte de Neon God Part I, e de antemão, peço desculpas ao leitor. Mas é crucial termos a noção de quem é Jesse, pois somente com a leitura do texto, as canções que virão passam a fazer sentido dentro da história. Tendo então este resumo em mente (lembrando que o texto vai bem mais que isso), podemos agora passar para as músicas de Neon God, desenvolvendo a história, a qual apresento com algumas traduções livres e interpretações que, caso você discorde das mesmas, é só usar os comentários com respeito, sempre.


Lançado em 6 de abril de 2004, The Neon God Part I: The Rise é um disco que, para o fã do W. A. S. P., vai rapidamente trazer similaridades à The Crimson Idol. Seja pela excelente qualidade musical, seja pelas faixas curtas que lembram vinhetas, seja pela bateria endiabrada de Banalli. O todo da obra acaba sendo diferente do álbum de 92 devido principalmente as performances de Lawless, que estava cantando como nunca, e de Roberts, que por mais que seja um grande guitarrista, fica um pouco aquém da de Kulick.

Setlist e pass All Access da Neon God Tour


A primeira faixa do álbum, “Overture” se inicia por uma entrada épica, com teclados e metais, trazendo guitarra, baixo e bateria para apresentarem alguns dos principais riffs que irão surgir ao longo dos dois álbuns. A presença dos metais já me remete diretamente a Quadrophenia, mas os mesmos não surgem por muito tempo, e o que predomina é um amplo resumo de Neon God. Violões trazem a voz rasgada de Blackie Lawless no papel de Jesse, perguntando a Deus por que veio ao mundo ("Oh Lord, why I am here? Lost in all our pain and sorrow. Are we to live in pain and fear? Oh Lord, why I am here” - "Oh Senhor, por que estou aqui? Perdido em toda a nossa dor e tristeza. Devemos viver com dor e medo? Oh Senhor, por que estou aqui"), na breve "Why Am I Here", e então começa a pauleira de "Wishing Well".


A letra retrata um Jesse revoltado com os abusos e sua vida infeliz no orfanato, implorando a Deus para acabar com seu sofrimento, que o leve de uma vez. O instrumental é uma pancada que facilmente remete a The Crimson Idol, com grande destaque para a bateria, violentíssima, e os gritos eufóricos de Lawless. A faixa passa rápida, levando ao riff pegado de “Sister Sadie (And the Black Habits)” (que já havia sido apresentado em "Overture") na primeira das faixas mais tensas do álbum. Aqui é o início dos relatos de abuso que Jesse sofre no orfanato. Enquanto Jesse desabafa que "I don't believe, I don't deceive, I don't conceive at all" ("Eu não acredito, não me engano, não concebo nada"), Sister Sadie adota uma postura autoritária e agressiva.


A virada que a canção dá a partir dos 4 minutos é surpreendente, com a guitarra tornando-se pesada, e os vocais rasgados e longos de Lawless interpretando o papel de Sister Sadie são arrepiantes. Nesse trecho, a irmã fala: "What I do to thee is what was done to me ... And do you feel there's a God for real. Your only God is me" ("O que eu faço com você é o que foi feito comigo... E você sente que existe um Deus de verdade. Seu único Deus sou eu"). Grande destaque para o solo de Roberts, e novamente a canção muda. Riffs tensos trazem os gritos de Jesse, e sua raiva é extrapolada em altos e rancorosos vocais diante da irmã Ann-Marie "Are you mad, I'm going fast, habits in black no coming back. No Mercy me the hell is real. Why me ya seee she's here killing me" ("Você está louca, estou indo rápido, hábitos de preto não tem volta. Sem misericórdia, o inferno é real. Por que a mim, você vê, ela está me matando"), para encerrar com a repetição do refrão. Claramente, a freira sádica e pedófila tem em seu título uma referência ao Marquês de Sade, cujo nome originou a palavra sadismo. Após os quase 8 minutos dessa incrível e polêmica (pela letra) faixa, estamos imersos na história.


Voltamos então ao riff inicial de "Overture", inclusive com os metais, e o início da viagem religiosa de Jesse, diante do Circo Invisível (Invisible Circus), Jesse fala "Welcome to my world to my kingdom of make believe, I'm your new Messiah you'll worship at my feet" ("Bem-vindo ao meu mundo, ao meu reino de faz de conta, sou seu novo Messias, você me adorará aos meus pés"), seguindo para sua conclamação diante do Circo Invisível, onde eles clamam por Jesse. Aqui é Jesse vislumbrando o seu futuro status como Messias, e começando a pensar sobre usar este poder sobre as pessoas.


Violões e teclados resgatam o Jesse em discussões com Deus na segunda vinheta do álbum, "Why Am I Nothing", perguntando porque nunca foi nada, objeto do amor de ninguém, para então, uma guitarra com efeitos de eco trazer o dedilhado de "Asylum #9". Jesse é levado para a enfermaria, e eis que surge um novo personagem, Doctor D, retratado com voz rouca por Lawless. Ele e as enfermeiras auxiliam Jesse a se curar pós-tentativa de suicídio. As enfermeiras entoam o nome da canção em alto e bom som. Uma música veloz, frenética, com frases grudentas tanto das enfermeiras ("You're here for life ... gimme your life ... I'll give you life ..." - "Você está aqui por sua vida... me dê sua vida ... eu te darei a vida") quanto do doutor ("I'll fix ya right ... It's all you gonna do, I'll Make it right ... I wanna welcome you. Are you in pain or just merely misguided?" - "Eu vou te ajudar... É tudo que você vai fazer, eu vou ajudar... Quero te receber. Você está com dor ou apenas equivocado?") Jesse surge ao final da canção, choroso, lembrando do pai ("I saw my father and me no pain in the Well of Sights .. I wanna die ... my well where wishing dies" - "Eu vi meu pai e eu, sem dor no Poço das Vistas .. Eu quero morrer ... meu poço é onde o desejo morre"). Como a voz de Lawless muda tão drasticamente na forma de cantar é algo incrível, e que ele aprimorou ainda mais em relação a The Crimson Idol. Dois belos solos de encerram a faixa, e vamos para "The Red Room of the Rising Sun", trazendo mais um novo personagem, Billy.


Os riffs espaciais da guitarra soam bem diferentes de tudo o que ouvimos até então na obra do W. A. S. P., para representar o clima viajandão de Billy, o colega de Jesse que o faz viajar pelas "maravilhas" que ele enxerga no mundo vermelho (não à toa, a capa deste volume 1 é vermelha). "Trails of rainbows round, lost asylums of forgotten sons, will you rise up will you touch your God, the sky's slip into the rising seas and drown your Neon One" ("Trilhas de arco-íris redondas, asilos perdidos de filhos esquecidos, você se levantará, você tocará em seu Deus, o deslizamento do céu para os mares crescentes, e afogue seu Neon One").


Esta sala vermelha, na cultura norte-americana, significa uma sala onde ocorrem crimes como assassinatos, torturas e estupros. É Billy quem incentiva Jesse a seguir com sua ideia de se tornar um Messias "Open the doors to your mind and hide in your dreams. The Red Room is laughing, the Red Sun is happy. ... The Red Room is crying ... Touch the faces of God and roll on into the Red Room and free your Neon One" ("Abra as portas da sua mente e esconda-se nos seus sonhos. A Sala Vermelha está rindo, o Sol Vermelho está feliz. ... A Sala Vermelha está chorando ... Toque os rostos de Deus, entre na Sala Vermelha e liberte seu Neon One"). Surge então o Deus Neon, com o clima todo da canção muito psicodélico, e repito, diferente de qualquer coisa que você já ouviu antes no grupo.


Uma bela faixa, que leva aos teclados e a voz chorosa de Billy em seus últimos momentos de "vida", durante "What I'll Never Find", linda faixa, com outro excelente solo de Roberts. Na letra, Billy pede para Jesse segurar sua mão enquanto ele vai para "o outro lado", pós-festta alucinógena de Jesse, Billy e Spazmo. As palavras finais de Billy são emocionantes: "Can you feel the pain slowly leaving me, will you hold my hand and ease me to the other side ... Can you hear me in the night? ... Can you feel me say goodbye?" ("Você pode sentir a dor me deixando lentamente, você pode segurar minha mão e me levar para o outro lado ... Você pode me ouvir durante a noite? ... Você pode me sentir dizendo adeus?). Tocante!

Pôster da turnê americana da Neon God Tour


Após o ato dramático da morte de Billy, a vinheta “Someone to Love Me” retorna ao Jesse depressivo, que lamenta sua solidão "All I need was someone to love me ..." ("Tudo o que eu precisava era alguém para me amar"), com a voz de Lawless chorosa sobre camadas de teclados e um singelo riff de guitarra, e rapidamente vamos para “X.T.C. Riders”, hardzão clássico dos primeiros tempos de W. A. S. P., com muita velocidade e claro, XTC sendo também uma sigla para ecstasy. O personagem se afunda no ecstasy, em um caminho sem volta, ao mesmo tempo que encontra Judah, o qual é representado pela voz carregada de eco. "You'll be so far out of control, you'll be out of your mind. you'll feel nothing, it's taking a hold of you, won't ya leave all your pain behind ... You'll feel my X is taking control" - "Você estará tão fora de controle, você estará fora de si. Você não sentirá nada, isso está tomando conta de você, você não vai deixar toda a sua dor para trás ... você irá sentir meu X tomando o controle"). O papel de Judah na vida de Jesse vai muito mais do que ser responsável pela introdução ao mundo das drogas, já que ele é o incentivador de Jesse a se tornar um Messias, e aqui é importante novamente citar que as informações centrais não estão somente nas letras, mas principalmente no encarte apresentado acima. 


A acústica “Me & the Devil" é a última vinheta, e apenas repete o nome da faixa por alguns segundos, para então chegarmos a "The Running Man”, no qual Jesse depois de se auto-conclamar o novo Messias para seus discípulos, percebe que não é nada daquilo, enquanto Judah não o deixa fazer isso. A faixa é veloz e agressiva, e destaco frases como "take your love away from me” ("tire seu amor de mim"), que me remete muito a "Love reign o'er me", do Quadrophenia, na forma como Lawless canta), e principalmente, "you're the only God they know" ("você é o único Deus que eles conhecem")


A primeira parte de The Neon God encerra-se com “Raging Storm“, faixa em que Jesse pede, novamente, amor, dizendo "Give me love to rage in me, can you see, only love is saving me" ("Dê-me amor para me enfurecer, você pode ver, só o amor está me salvando"). Arrastada no seu início, onde Jesse clama por este amor perdido para Deus, a canção vai ganhando força, para explodir na imploração pelo amor "Give me love to rage in me can you see? Only love is savin me, give me love, oh love that rage in me" ("Dê-me amor para me enfurecer, você pode ver? Só o amor está me salvando, dê me amor, oh o amor que me enfurece"). Jesse encerra este pedaço de sua história da mesma forma que começou: triste e carente, porém implorando por redenção "Holy war for my soul, scars of memories remains ... tel me why am I here, storms of crossroads and rage" ("Guerra santa pela minha alma, cicatrizes de memórias permanecem... diga-me por que estou aqui, tempestades de encruzilhadas e raiva").


Neon God Part I atingiu a 26 posição na Finlândia e 14 nos charts britânicos de Rock & Metal, além da 87 posição na parada alemã. Depois de amanhã, trago o encerramento de Neon God, com o aniversariante do dia de hoje, 28 de setembro: The Neon God Part II - The Demise.

Contra-capa do CD


Tracklist


1. Overture


2. Why Am I Here


3. Wishing Well


4. Sister Sadie (And The Black Habits)


5. The Rise


6. Why Am I Nothing


7. Asylum #9


8. The Red Room Of The Rising Sun


9. What I’ll Never Find


10. Someone To Love Me


11. X.T.C. Riders


12. Me & The Devil


13. The Running Man


14. Raging Storm

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Erasure - ABBA-esque [1992]


Os britânicos Andy Bell (vocais) e Vince Clarke (sintetizadores) são conhecidos pelo seu enorme sucesso através do Erasure, banda que no final dos anos 80, início dos anos 90, tornaram-se gigantes do Synthpop através de mega-sucessos como "A Little Respect", "Star", "Blue Savannah", "Oh L'Amour", "Stop!", "Victim of Love", entre outros. Uma das grandes inspirações para o duo foi o grupo sueco ABBA (Agnetha Faltskog, Björn Ulvaeus, Benny Anderson e Anni-Frid Lyngstad), os quais constantemente apareciam em versões covers nas apresentações da banda, sendo que logo no primeiro single do grupo, "Oh L'Amour" (1986), o Erasure já traz uma versão para "Gimme! Gimme! Gimme! (A Man After Midnight)" no lado B da bolacha de 12" (e em edições posteriores em CD). O sucesso e retorno que os fãs davam a esses covers levaram Andy e Vince a pensar em algo maior, e assim nasce o álbum aqui resenhado hoje. 

Inicialmente planejado para ser lançado como um disco completo de tributo ao ABBA, ABBA-esque acabou saindo como EP em primeiro de junho de 1992, e logo o disquinho acabou se tornando o primeiro e único EP do duo a ser número 1 na terra Natal dos rapazes, onde permaneceu por cinco semanas consecutivas, assim como também foi o mais vendido na Áustria, Dinamarca, Finlândia, Grécia, Irlanda e Suécia.

Andy Bell e Vince Clarke. Erasure em 1992

As vocalizações de Andy apresentam "Lay All Your Love On Me", faixa que foi regravada até pelo Helloween (!), e que aqui, ganha toda uma camada de sintetizadores tipicamente Erasure. O cidadão que desconhece ABBA certamente irá pensar que é uma canção original do duo. Vince puxa o riffzão de "S. O. S.", com uma interpretação fiel de Andy para as doloridas falas de Agnetha na versão original. Toda a linha vocal é mantida, assim como as notas centrais deste clássico também se fazem presentes, porém através dos sintetizadores. 

Chegamos então em "Take a Chance On Me", faixa para cima, alegre, clássico absoluto, e que ganhou um hilário video-clipe promocional no qual Andy e Vince estão travestidos de Frida e Agnetha respectivamente (falarei mais adiante sobre os vídeos que saíram daqui). A faixa por si só contém ainda a participação de MC Kinky fazendo um rap em sua parte central, é uma das melhores do EP,  junto da seguinte, a inesperada "Voulez Vous". Os sintetizadores trazendo a fabulosa introdução desta pérola já são um grande atrativo. A partir do momento que Andy começa a entoar uma das letras mais audaciosas de Björn Ulvaes, a casa vem abaixo. Como o ABBA sabia compor faixas absolutamente fantásticas, e que felicidade de ver o Erasure adaptar algo tão grandioso para o seu estilo, sem perder a grandiosidade.

Vince "Faltskog" Clarke e "Andy-Frid Lyngstad" Bell.
Erasure travestidos de ABBA no clipe de "Take a Chance on Me"

As quatro faixas ganharam clipes promocionais, lançados no VHS ABBA-esque. "Lay All Your Love On Me" faz uma mistura de Bela Adormecida e Chapeuzinho Vermelho na qual a primeira é socorrida graças a uma ligação da segunda para Andy e Vince, que com motos voadoras (isso funcionava nos anos 90 como legal?), chegam até a floresta e, com um beijo de amor, Andy acorda e salva a Bela Adormecida. Em "S. O. S.", Andy surge executando tarefas diárias de um dono-de-casa (cozinhar, limpar, passar roupa, ir ao mercado, etc), enquanto lamenta a ausência da pessoa amada. O clipe de "Voulez Vous" tem Andy com uma roupa comum a Benny, e Vince com o famoso terno vermelho de Björn, fazendo a apresentação em um palco giratório. Simples demais para uma faixa tão boa. Por outro lado, a citada "Take a Chance On Me" é um dos melhores videos da carreira da dupla. Ver o sempre sério Vince Clarke fazendo as caras e bocas sensuais de Agnetha é de rolar de rir, e o clipe por si só resgata muito bem momentos do vídeo original dos suecos, inclusive o mural de quatro faces. Parabéns ao diretor Philippe Gautier (os demais vídeos ficaram a cargo de Jan Kounen). 

                                   


Uma das várias versões de Erasure-ish,
aqui emulando a capa de Arrival

Vale a pena citar que ainda em 1992, como uma espécie de "resposta" a ABBA-esque, o quarteto australiano Björn Again lançou Erasure-ish, EP que traz versões de dois sucessos do Erasure ("A Little Respect" e "Stop!") interpretados no estilo ABBA. No mínimo curioso, e com vídeos muito interessantes. 

ABBA-esque não contém nenhuma versão melhor ou igual a original, isso é fato. Posteriormente, saiu uma edição com versões Remix para as quatro faixas, obviamente chamada ABBA-esque  The Remixes, e com o Erasure tendo o pseudônimo "Club" inserido ao seu nome, mas essa é somente para os fanáticos desejosos de ter tudo de seu ídolo. Caso apenas queira curtir uma honesta homenagem à uma das maiores bandas Pop da história, e feita dignamente por um dos maiores nomes do Synthpop da história, vá de cabeça nesse EP que não terá erro!

Contra-capa do EP

Track List

1. Lay All Your Love On Me

2. S. O. S.

3. Take A Chance On Me

4. Voulez-Vous

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...