quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O Supertramp que poucos conhecem


Tudo bem, você não aguenta um minuto de "The Logical Song", acha o sax de John Helliwell um Kenny G. melhorado, sai correndo ao ouvir a voz aguda de Roger Hodgson e pensa que "School" é mais uma música bonitinha de história de amor, mas o Supertramp um dia foi uma banda de primeira qualidade, diferente do que veio a fazer depois do lançamento do álbum "Crime of the Century", de 1974.

O grupo foi formado no ano de 1969 através de um anúncio do pianista e vocalista Rick Davies no famoso semanário inglês Melody Maker. Responderam ao anúncio diversos músicos, mas os escolhidos foram Roger Hodgson (baixo - sim, ele entrou como baixista - e vocais), Richard Palmer (guitarras - que faria sucesso como letrista do King Crimson) e Robert Millar (bateria).
 
Naquela época, a A&M Records era uma pequena gravadora londrina, e o grupo foi um dos primeiros a assinar com a mesma, lançando o fabuloso álbum Supertramp no início de 1970. O disco traz ótimas canções, mostrando a banda no estilo flower power do fim dos anos 60, mas também com uma certa tendência progressiva. 

O álbum começa com uma pequena vinheta chamada "Surely", e em seguida apresenta "It's a Long Road". Com uma levada bem rock and roll, tendo o órgão e a guitarra como destaques, a música vai apresentando a banda devagar para o ouvinte, contando com um solo de órgão de primeira qualidade e levando à bela balada "Aubade / And I Am Not Like Other Birds of Prey", com uma fabulosa introdução de Rick no órgão. É interessante notar que estas três canções são com Roger nos vocais. Depois de "Crime of the Century" o grupo sempre lançou discos com as faixas alternando os vocais entre Rick e Roger, até a saída do último em 1983. 

Mas, voltando ao disco, após "Aubade ... " seguem "Words Unspoken", onde temos um bom dueto de guitarra e voz, mostrando que o Supertramp sabia fazer, e bem, a parte instrumental, e "Maybe I'm a Beggar", um lamento cantado por Palmer e Hodgson com uma letra irônica. O órgão de Davies está cristalino na faixa, e é interessante ver como a banda tinha potencial suficiente para se encaixar entre os grandes nomes dos anos 70. O lado A encerra com a curta vinheta "Home Again".

A coisa esquenta no lado B, que começa com a rápida "Nothing to Show", onde os vocais são divididos entre Hodgson e Davies. O trabalho de órgão aqui é muito bom, bem como a pegada precisa da bateria de Millar e os acompanhamentos de Palmer. Uma boa faixa que poderia servir de primeira do Lado A. "Shadow Song" acalma a pauleira, dando um clima bem anos 60. 

Em seguida vem a melhor canção do trabalho, "Try Again". O início à la "It's a Beautiful Day", com uma flauta doce sendo envolvida por camadas e camadas de órgão, é acompanhado por uma sequência de versos de Hodgson que, quando você menos percebe, muda para o refrão direto. Após o estribilho a música volta ao seu início, suave e devagar, sendo que novamente o refrão intercala de forma inesperada. A partir de então temos uma longa seção instrumental, com órgão e guitarra fazendo um duelo empolgante, onde Palmer se inspira bastante nos guitarristas de jazz. A música vai aumentando o ritmo até virar um rockão com solos de guitarra bem rasgados e com a banda acompanhando em primeira linha. 

Com certeza você não encontrará nada igual nos demais discos do Supertramp. Por um instante a faixa parece que não vai acabar, só que, de forma inesperada, o som pára. Passos e barulhos são ouvidos por alguns segundos, criando o clima de tensão que a música sugere, afinal ela conta a história de alguém que comete um erro e se arrepende do que faz. Com o passar da canção temos novamente o refrão, tocado de forma bem forte e diferente da maneira que era executado antes do solo, encerrando a faixa com uma dinâmica e com a bateria estraçalhando tudo o que vem pela frente. O Supertramp só viria a fazer algo parecido com isso bem depois, em 1985, quando David Gilmour assumiu as guitarras em "Brother Were You Bound", uma pérola de 16 minutos perdida no fraco álbum de mesmo nome. 

O disco encerra com "Surely (Reprise)", onde a mesma vinheta inicial agora é executada com um belo solo de órgão que lembra muito os bons tempos de Rick Wright. Um detalhe interessante é que esse primeiro álbum foi lançado somente na Inglaterra em 1970. O resto do mundo veio a conhecer o que o Supertramp fez de bom somente em 1977.

Como a banda não fez sucesso, houve uma reformulação dos músicos, com a formação ficando com Davies, Hodgson assumindo as guitarras, Kevin Currie (bateria), Frank Farrell (baixo) e Dave Winthrop (flauta e saxofone). Com essa formação lançam Indelibly Stamped (1971). A capa da mulher nua tatuada causou uma certa polêmica, o que fez com que o nome Supertramp ficasse mais conhecido na Europa. 

O disco mantém a linha do álbum de estréia, abrindo com "Your Poppa Don't Mind", já com Davies mostrando o que podia fazer nos vocais. Essa faixa segue uma linha bem Allman Brothers, o que mostrava que o Supertramp já começava a ficar indeciso sobre qual rumo seguir. 

"Travelled"  começa com uma bela introdução de flauta e violão, em uma levada lenta, que lembra um pouco o que o grupo viria a fazer anos depois, como, por exemplo, em "The Meaning". As vocalizações à la Mamas & The Papas mostra que a banda evoluía também na parte vocal. "Rosie Had Everything Planned" é mais uma faixa bem elaborada, com um ótimo clima de violão e voz. Esse era o essencial da banda, a categoria de Hodgson em prender o ouvinte, e os trabalhos harmônicos de cada integrante eram de primeira qualidade. O baixo e o piano preparam a base para um belo solo de acordeão feito por Farrell. 

A seguir temos "Remember", onde o destaque agora fica por conta de uma das primeiras aparições do saxofone no som do Supertramp, sendo que depois este instrumento viria a ganhar um destaque maior na banda. A faixa tem uma ótima levada, com todos os instrumentos gravados no volume máximo, fazendo com que a audição soe meio distorcida no início. Mesmo assim a música é muito boa e vale a pena ser ouvida. "Forever" retorna ao clima das baladas, fechando o lado A em alto nível.


O lado B abre com a rápida "Potter", onde Withrop mostra seus dotes de vocalista de rock. Essa é outra faixa bem ao estilo sulista americano, e com certeza é uma das melhores do disco. Em seguida temos uma sequência de faixas cantadas por Davies: "Coming Home to See You", cuja introdução praticamente foi copiada na da canção "Crime of the Century", porém virando depois um country rock onde temos uma longo duelo de órgão e harmônica; a balada "Times Have Changed"; e "Friend in Need", que serve de introdução para a última faixa, "Aries", essa sim o de maior destaque entre todas.

A sonoridade e levada do violão de Hodgson, junto com intervenções de flauta e uma leve percussão, levam à uma sequência de improvisos de quase seis minutos, após algumas frases cantadas por Hodgson. Segundo Davies, esta canção entrou no álbum por que a banda estava com dificuldades criativas de elaborar algo, sendo que a mesma havia sido gravada um ano antes em um único take, ao vivo no estúdio, ficando da forma que ficou no vinil.


Um detalhe a ser mencionado é que a capa interna do LP trazia comentários de Davies para cada uma das faixas, tornando a música mais interessante (ou não), dependendo do comentário.

"Aries" foi o último suspiro de "o que vamos fazer daqui pra frente com o Supertramp", pois após isso, mesmo "Indelibly Stamped" sendo um ótimo disco, a banda novamente mudou de formação, agora com a dupla Davies-Hodgson sendo assistidos por Bob Benberg (bateria), John Helliwell (saxofones) e Dougie Thomson (baixo), seguindo uma linha mais comercial e que tornaria o grupo mundialmente conhecido com músicas como "Dreamer", "School", "Babaji" e "Breakfast in America".
Essa é a formação clássica da banda, que gravou álbuns como Crime of the Century (1974), Even in the Quietest Moments ...  (1977) e  ... Famous Last Words ... (1982), e que registrou obras do quilate de "Fool's Overture", "Rudy", "Two of Us" e "Don't Leave Me Now". O material subsequente desta fase merece respeito, mas ficou a sensação de que o Supertramp  poderia ter seguido outros rumos como os de "Try Again", "Nothing to Show", "Potter" e "Aries".

2 comentários:

  1. Tive o vinil original, que trazia o tronco da'dama'com a tatuagem ainda colorida (logo depois saiu a preto e branco), e na parte posterior, as costas dela com um imenso tigre q tomava conta de todo o tronco.
    Raridade !

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  2. Puxa, não sabia dessa versão com a tatuagem colorida. O tigre é sensacional mesmo. Obrigado Jesse. Abraço

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