quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Recordando O Vale das Maçãs

                                  


Há muito tempo atrás, li uma matéria na revista Bizz (antes dessa se chamar Showbizz, ou seja, foi lá nos anos 80) que contava um pouco da história do rock progressivo pelo mundo. Em uma das seções do texto, o autor (que infelizmente não lembro o nome) citava os nomes mais incomuns para uma banda, e o de maior destaque ficou para a banda Recordando O Vale das Maçãs.

Esse nome ficou na minha cabeça por algum tempo, até que, graças a internet, consegui baixar o álbum "1978-1992", o qual trás algumas regravações do grupo para as músicas do Recordando O Vale das Maçãs (que a partir de agora identifico como RVM) feitas nos anos 70, porém sem vocais, somente instrumental. Me impressionei com a qualidade e o talento dos músicos da banda e decidi correr atrás do material original, aquele que havia sido lançado nos anos 70.

Com muita sorte (e graças a internet também), encontrei o vinil que queria em uma loja virtual, e adquiri o mesmo por um singelo preço que não vem ao caso, mas que no fim das contas saiu barato demais.

O RVM foi formado na década de 70 em Santos (SP) através dos amigos Fernando Pacheco (violões e voz), Fernando Motta (violões e percussão) e Domingos Mariotti (flauta, voz), com a idéia de tentar mostrar o som da natureza através da música. Com o passar dos anos novos músicos uniram-se ao grupo, sendo que Pacheco, Motta, Luis Aranha (violino), Moacir Amaral (flautas), Eliseu de Oliveira (teclados), Ronaldo Mesquita (baixo) e Milton Bernardes (bateria) gravaram o álbum "As Crianças da Nova Floresta", lançado em 1977, e que é disparado o melhor disco de rock progressivo brasileiro já lançado (na frente de qualquer um de O Terço, Mutantes, O Som Nosso de Cada Dia e Módulo 1000). De uma forma geral, o disco trás letras similares às do Yes, contando histórias de alegria, superação, força de vontade e também alguns momentos de misticismo, sempre passando um lado "natureza" em todas as faixas.
O disco abre com a bela "Rancho, Filhos e Mulher", uma linda canção onde as flautas de Moacir predominam sobre uma letra de esperança, de viver em um mundo de campo, paz, natureza, onde "vou encontrar a paz perfeita", mostrando que o RVM estava afim de viver o clima de paz e amor dos anos 60. A próxima, "Besteira", é um pouco mais "mitológica", e lembra muito a fase Rita Lee dos Mutantes, com muitas flautas e violões durante toda a canção. Um ritmo rápido da um tom de "festa na floresta", onde certametne, com alguns vinhos na cabeça, você irá enxergar muitos duendes pulando no seu quarto. "Olhar de Um Louco" é uma bela balada, com belas harmonizações de violão, teclados e também do violino. "Raio de Sol" (não confundir com a canção de mesmo nome do Arnaldo Baptista) fecha o lado A em grande estilo, mostrando que o RVM estava apenas mostrando as suas garras ao público, passando muito rápido, sendo que todas as suas forças ficaram guardadas para o lado B.

E é justamente quando você coloca a agulha no lado 2 que você sente o diferencial do RVM para as demais bandas. Tudo bem, "1974" é um clássico do Terço, "O A E O Z" é uma canção que caberia muito bem em qualquer disco do Yes, mas "As Crianças da Nova Floresta" está muito acima de todas as citadas. O começo suave, com a flauta e os violinos sendo introduzidos ao mesmo tempo do violão e do baixo (que merece destaque em todo o álbum), dão sequência ao estribilho de teclados que leva ao início a letra ("
quando eu penso nas voltas, que a vida, nos leva a dar ..."). O ritmo lento, com a flauta fazendo intervenções junto com a voz, é simplesmente encantador. A bateria segura de Milton marca a canção quase com uma precisão cirúrgica, enquanto a letra vai descorrendo sobre como se livrar dos problemas, vendo que outras pessoas tem problemas piores que você, que você precisa mudar algumas situações/opiniões para ser mais feliz, enfim, um quase "Close to the Edge" brasileiro. 


As harmonias vocais e dos tecados vão aumentando o ritmo da canção, até chegarmos no momento onde você "encara os problemas de frente", com um belo solo de baixo seguido por uma sequência de solos de teclado e baixo. A flauta de Domingos soa mais forte acompanhado pelo violão de 12 cordas de Pacheco, onde as verdades que precisam ser vistas são mostradas. "Olhe tudo do jeito que você quiser ver, mas antes olhe pra dentro de você, o caminho começa por aí" é o ponto mais forte da canção, que segue no mesmo ritmo, com o baixo tomando conta da canção juntamente com a letra e os acompanhamentos dos violões. Por fim, "unam-se as mãos e venham conhecer essas crianças, por que essas crianças são vocês" encerra a letra, mostrando que todos somos crianças, que temos que evoluir e não criar problemas, mas sim aprender a solucioná-los. Uma bela letra para uma bela canção, que termina com uma voz feminina angelical, que não dá pra saber se é de uma mulher ou de uma menina, mas que fecha com chave de ouro essa canção.


Como o álbum foi lançado no auge da disco music aqui no Brasil, acabou não fazendo sucesso, sendo relegado a item de colecionador. Por outro lado, mesmo na época do lançamento muitos lojistas não sabiam que a banda se tratava de uma banda de rock, colocando o LP na seção de histórias infantis (!) devido à capa do disco, com uma maçã no meio de um vale à la "Alice no País das Maravilhas".
Nos anos 80 a RVM lançou o compacto "Sorriso de Verão/Flores na Estrada", que segue a mesma linha do LP lançado quatro anos antes, agora com o baterista Lourenço Gotti, mas infelizmente a banda não atingiu o sucesso que merecia.

Ainda na década de oitenta Fernando Pacheco lançou o excelente "Himalaia", que contava com a participação de alguns músicos do RVM no lado A. Com certeza eu irei falar desse disco aqui em breve.




Nos 90 a banda voltou a fazer shows pelo Brasil e lançou "As Crianças da Nova Floresta II" (que é o álbum que citei no início dessa matéria). Foram descobertos na Europa e em 1994 os leitores da revista francesa Big Bang elegeram o álbum "As Crianças da Nova Floresta II" como o melhor álbum de progressivo daquele ano, recebendo então o convite, através da embaixada francesa, de participar do Fête de la Musique em Paris, em 1997.

Atualmente a banda faz shows em Minas Gerais, e existe a possibilidade de lançar um CD com material ao vivo em breve.

 

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