quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Maravilhas do Mundo Prog: Quaterna Réquiem - Madrugada [1990]




No final da década de 80, um fênomeno muito estranho atacou o Brasil. De alguma forma, larvas do rock progressivo ficaram presas, em estado de incubação, dentro de mosquitos no meio da mata atlântica, e os primeiros sinais de vida dinossáurica que este mosquito que havia picado os grandes dinossauros do progressivo na década de 70, e que veio para o Brasil influenciando diversas bandas (como vimos nas duas edições anteriores), estava carregando em seu sangue, apareciam em bandas e garotos(as) que não conseguiam se adaptar à nova sonoridade dominada por Legião Urbana, A-ha, Pet Shop Boys, além de outras mesclas pop ou então dos vários sub-gêneros do heavy metal (death, thrash, doom, white, black, serginho-malandro metal, metal-do-gugu e por aí vai).

Uma das bandas que mais fez sucesso (se é que podemos dizer que fez sucesso), e que deixou seu nome para o legado do rock progressivo brazuca durante os anos 80 foi sem dúvida a grandiosa Sagrado Coração da Terra. Capitaneada pelo violino de Marcus Vianna, o grupo mineiro apresentava uma sonoridade totalmente diferente para a época, empregando composições longas recheadas de sintetizadores, escalas complicadas, letras sobre natureza e humanidade e muito do violino elétrico de Marcus, lançando bons discos na década de 80, como Sagrado Coração da Terra (1984) e Flecha (1987), que com certeza possui algumas "maravilhas" perdidas, mas não para a data de hoje.

Assim como a Sagrado, outras bandas surgiram fazendo uma sonoridade nos mesmos moldes. Apocalypse (Rio Grande do Sul), Quintal de Clorofila (Rio Grande do Sul), Violeta de Outono (São Paulo), Bacamarte (Rio de Janeiro) e o mineiro Marco Antônio Araújo, entre outros, lançaram álbuns de pura psicodelia progressiva, fugindo totalmente da Geração Coca-Cola pregada pela Legião Urbana ou mais ainda, do rock brasileiro feito pelas tradicionais Barão Vermelho, Titãs, Paralamas do Sucesso, Nenhum de Nós... mostrando todas as técnicas dos gigantes da década de 70, mas com uma sonoridade mais moderna e contemplativa com os anos 80. 

Primeira Foto do Quaterna Réquiem (1989)
E foi no Rio de Janeiro que saiu a banda que fez a nossa "maravilha" dessa semana. Em 1986, os irmãos Elisa Wiermann (teclados, piano) e Claudio Dantas (bateria, percussão) eram fortemente influenciados pela música de câmara e pelo rock progressivo que invadiam a casa da família através da coleção de discos dos pais. Com a forte ligação dos irmãos, a ideia de formar um grupo disposto a reunir pessoas com uma determinada disciplina que permitisse levar adiante um trabalho sério, elaborado e sem abrir mão de horas de ensaio em busca da perfeição para um produto final, surgia através do grupo Vitral, e então, depois de diversas formações, inclusive com a saída de Elisa, que era música profissional da Orquestra de Câmara do Rio de Janeiro, em 1989 nascia a Quaterna Réquiem.

Além de Elisa e Dantas, faziam parte da Quaterna Kleber Vogel (violino, que pertencia à Orquestra Sinfônica Brasileira), Jones Junior (guitarra e violão) e Marco Lauria (baixo). Bastaram alguns ensaios e logo registram seu primeiro LP, Velha Gravura, que foi lançado somente na versão vinílica no ano de 1990, cuja versão hoje em dia é uma raridade.

Quaterna Réquiem em 2004
Um contrato com a gravadora Sympho Prog fez com que Velha Gravura saísse  em CD no ano de 1992 com duas faixas extras; e assim, mais gente pôde conhecer essa beleza de estreia, que traz na segunda faixa do lado B (faixa 5 do cd) a nossa "maravilha" dessa semana.

"Madrugada" é daquelas canções que facilmente levam o ouvinte às lágrimas, causando emoções para quem ouve, variando desde a mais profunda tristeza até a sensação de solidão, passando principalmente por aquela agonia de uma trilha sonora sombria e ao mesmo tempo encantadora. Escrita por Elisa, retrata com perfeição uma madrugada onde praticamente nada acontece, somente o tempo passa enquanto os seres dormem. Porém, é o arranjo dessa canção, junto com a melodia do violino, que tornam a canção uma maravilhosa e emocionante faixa. 

Elisa Wiermann
Tudo começa somente ao piano de Elisa, que entoa os acordes do tema principal, seguido pela marcação  do baixo, enquanto Kleber começa a solar, lentamente, com notas longas e tristes. Esse arranjo inicial já emociona logo nos primeiros acordes. Os pratos surgem, trazendo os sintetizadores, e agora Elisa executa seu solo no piano, com um dedilhado muito bonito e emocionante, que vai lento como o andar da madrugada.

Os acordes dedilhados de um segundo tema surgem junto com a marcação do baixo, e agora, acompanhado por acordes de sintetizadores, temos um novo arranjo para Kléber continuar seu solo, com uma melodia mais rápida que cresce junto com a marcação do baixo, voltando então para os acordes da introdução, com o violino solando lentamente, repetindo as tristes e lindas notas do início da canção, agora com as camadas de sintetizadores acompanhando o tema do piano.

Piano e baixo reproduzem o tema inicial, e acordes de sintetizadores são jogados aleatoriamente para o ouvinte, para então Elisa solar sozinha ao piano, com acordes mais alegres, que já nos mostram o amanhecer suave de um dia magnífico, que teve uma madrugada suave, triste, que passou despercebida por todos aqueles que dormiam, mas para aqueles que a presenciaram, bateu forte como um trem em um fusca.

Kléber Vogel
Kléber faz seu último solo, encerrando a faixa que, por incrível que pareça, possui mais de 10 minutos de duração, mas parece que ao ouvirmos, são apenas alguns leves e emocionantes segundos. De forma linda e soberba, os acordes de sintetizadores, tão imponentes quanto o nascer do sol, surgem nas caixas de som, deixando apenas o badalar de um sino indicar o horário para nos levantarmos e começarmos um novo dia (no caso, 6 horas).

Para variar, o Quaterna Réquiem é mais admirado fora do Brasil do que aqui dentro. Diversos sites internacionais qualificam Velha Gravura como um dos melhores álbuns do rock  progressivo dos anos 90 e um álbum brilhante. Infelizmente, aqui no Brasil, pouca gente tem o prazer de conhecer essa banda, mas aqueles que a conhecem sabem o valor que está registrado nos sulcos do LP ou nas ranhuras do CD.

Muitos classificam o Quaterna Réquiem como uma mescla de Camel com Emerson Lake & Palmer e Curved Air, e dentro do álbum Velha Gravura elegem as faixas "Ramoniana", "Toccata" e "Velha Gravura" como as melhores, mas particularmente, ao meu ver, em toda a carreira do Quaterna, que lançaria em 1994 o ótimo Quasimodo, com uma formação diferente, e também o ao vivo Livre (1999), nenhuma canção é tão tocante e bela quanto "Madrugada", uma "maravilha" para ser  ouvida qualquer dia, e apreciada principalmente em um dia onde nada deu certo, mas você não consegue exprimir toda a sua raiva e tristeza por isso.

Depois de Velha Gravura, o rock progressivo brasileiro se renovou, com artistas e grupos surgindo pelos quatro cantos do país. Trem do Futuro (Ceará), Octophera (Rio de Janeiro), Tempus Fugit (Rio de Janeiro), Poços & Nuvens (Rio Grande do Sul), Van Züllatt (Rio Grande do Sul) entre outros, resgataram o prazer de se ouvir o rock progressivo com tempero brasileiro, e é dessa linhagem que saíra nossa próxima "maravilha do mundo prog".

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