quinta-feira, 30 de junho de 2011

Maravilhas do Mundo Prog: King Crimson - Islands [1971]




Em 1971, o King Crimson, o quarto gigante do rock progressivo britânico (a saber, os três primeiros são Pink Floyd, Yes e Genesis, e ainda tem o quinto, Emerson Lake & Palmer), estava ainda se reerguendo de uma queda descomunal. A saída de Greg Lake (baixo, vocais) no início de 1970 para ir integrar o Emerson Lake and Palmer, e também da dupla Michael (bateria) e Peter Giles (baixo), fiéis escudeiros do mentor do King Crimson, Robert Fripp (guitarra, mellotron, pedal peter, harmonia e sundry implements) desde os tempos de Giles, Giles & Fripp, quase fizeram com que o guitarrista fosse parar no Yes, que estava a procura de um substituto para Peter Banks. Depois de dois álbuns lançados (In the Court of the Crimson King, de 1969; In the Wake of Poseidon, de 1970), Fripp se via a beira do limite.

Graças aos deuses dinossáuricos, o guitarrista manteve-se na luta, e reformulou o seu grupo no espetacular Lizard, um dos melhores e mais injustiçados discos do King Crimson. Chamando o vocalista do Yes, Jon Anderson, para colaborar no álbum, Fripp estabeleceu a nova formação do King Crimson com Gordon Haskell (baixo, voz), Mel Collins (ex-Cirkus no saxofone e flautas), Andy McCulloch (bateria) e a essencial colaboração de Peter Sinfield escrevendo letras, e como depois seria designado, sons, danças e visões (uma forma engraçada de homenagear o comportamento de Sinfield nos estúdios). Contando com a colaboração dos músicos convidados Keith Tippett (piano), Robin Miller (oboé), Mark Charig (trompete) e Nick Evans (trombone), a nova formação do King Crimson voltava-se para o jazz, aprofundando as experimentações que já ocorriam nos dois primeiros álbuns em canções como "Indoor Games" e "Cirkus".

A chamada "segunda encarnação" do King Crimson: Collins, Wallace, Burrell e Fripp
Mas Lizard também apontava uma direção nova na musicalidade do King Crimson. As belas "Lady of the Dancing Water", e a longa faixa-título, são composições leves e muito absorvedoras do que podemos dizer "amenidade Frippiana", com andamentos simples, sem exageros, prevalecendo melodias ricas e extremamente emocionantes, sendo que é na primeira parte da suíte "Lizard", "Prince Rupert Awakes", que Jon Anderson dá o ar da graça.

Só que depois do lançamento de Lizard, uma nova reformulação ocorreu. Gordon e McCulloch saíram do grupo, e para os seus lugares, entram o jovem Boz Burrell (baixo, voz) e Ian Wallace (bateria). Ao lado de Mel Collins (o único remanescente) e tendo ainda a colaboração de Sinfield, bem como dos músicos que haviam participado de Lizard Keith Tippett (piano), Robin Miller (oboé), Mark Charig (trompete), acrescentando Paulina Lucas (voz soprano) e Harry Miller (viola), Fripp explorou ainda mais o lado orquestral e melódico de seus novos músicos, lançando um dos álbuns mais bonitos da história.

Robert Fripp
Islands chegou as lojas no início de dezembro de 1971. Para muitos, uma grande decepção. Para outros (eu incluso), o mais belo disco da carreira do grupo. Sem contar com as intrincadas escalas frippianas, ou tampouco com sessões pesadas entre guitarra e saxofone, Islands passa como um rio sereno pelo seu quarto, deixando apenas o leve barulho de canções ricamente harmoniosas e belas, levando ao extremo o que havia sido trabalhado na suíte "Lizard" e também em "Lady of the Dancing Water". 

Canções como "Formentera Lady" (com um show a parte da viola e da flauta, e  as ensandecidas linhas vocais de Paulina), "The Letters" e a viajante "Sailor's Tale" (essa mostrando um ótimo trabalho de guitarra, baixo, bateria e claro, os metais de Collins), são amostras perfeitas da simplicidade jazzística dessa nova encarnação do King Crimson, com o piano de Tippett beirando o free jazz, em frenêsis criativos que, ao lado da viola, da flauta e principalmente, da doce voz de Burrell, açucararam as viagens progressivas de Fripp.

Boz Burrell, Ian Wallace e Mel Collins
Mas é na faixa-título que o grupo se supera. Estrategicamente posicionada na última faixa do lado B, concluindo o LP após o espetáculo de "Prelude: Song of the Gulls", "Islands" é daquelas maravilhas para serem admiradas até os últimos instantes de vida.

A canção começa com acordes de piano trazendo a voz de Burrell, acompanhada pelo saxofone. Boz canta lentamente a bonita letra da canção, que narra sobre como as ilhas são formadas, fazendo uma alusão de como o ser humano cria suas próprias ilhas que o isolam das demais pessoas. O piano dedilha encantadoramente durante o refrão da letra, com a voz de Boz sendo ouvida ao fundo, e então, fica apenas o piano, sozinho, solando muito suave e acompanhando o solo de trompete.

Esse solo repete a melodia vocal do refrão, trazendo o baixo de Boz fazendo leves marcações acompanhando o tema do trompete. Boz retorna ao refrão, sobreposto pelo baixo e pelo piano. Tippett dedilha o piano mais rapidamente, trazendo o oboé, o qual repete a melodia vocal do refrão, para Boz encerrar a letra, com o oboé sempre acompanhando a melodia vocal e tendo o piano como o guia das notas cegas do saxofone de Collins, o qual faz um tema diferente do que está sendo executado no centro da canção.

O oboé então reaparece, fazendo novamente o tema do refrão, e muito devagar, a bateria aparece, bem como a guitarra, para ao mesmo tempo que Boz repete o refrão, o trompete solar preguiçoso e muito belo, deixando as notas da guitarra de Fripp soarem como um saboroso tempero, complementado pelo acréscimo do mellotron e levando ao lindo final da canção, com piano e trompete dividindo as atenções sobre o suave andamento de baixo, mellotron e bateria, o qual cresce tão suave quanto se possa imaginar, encerrando essa maravilha com uma tímida lágrima insistindo em brotar de seus olhos, tamanha beleza e emoção transmitida pelo King Crimson, deixando apenas um longo acorde de piano soar no seu quarto nos segundos finais.

Capa interna de Islands

Depois de Islands, essa mesma formação gravou o estrondoso ao vivo Earthbound (1972), e uma nova reformulação ocorreu no King Crimson, com a entrada de John Wetton (baixo, voz), Bill Bruford (bateria), Jamie Muir (percussão) e David Cross (violino). Com ela, o King Crimson conquistou seu posto entre os cinco principais nomes do rock progressivo britânico (ao lado de Yes, Emerson lake & Palmer, Pink Floyd e Genesis) através da trilogia Lark's Tongues in Aspic (1973), Starless and Bible Black (1974) e Red (1974). 

Esses três discos são essenciais na coleção de qualquer apreciador de rock progressivo, e bem diferentes do que a chamada "segunda encarnação" do King Crimson havia feito na sua fase jazzística. O grupo deixou de existir depois de 1975, voltando nos anos 80 (e posteriormente nos anos 90) tendo como principal atração as peripécias instrumentais de Adrian Belew (guitarras) e sessões de improviso quase que intermináveis, mas sem jamais conseguir alcançar os vôos que havia feito nos anos 70.

Capa do relançamento de Islands
Sei que vou sofrer ataques, mas me perdoem os conservadores e xiitas fãs da fase com Bill Bruford na bateria. Obviamente, esse período é possuidor de muitas maravilhas, mas o primeiro nome que me vem a cabeça quando me perguntam "qual é a melhor obra do King Crimson" é justamente o nome de Islands, um dos discos mais bonitos da história do rock progressivo, que no dia do meu enterro eu gostaria que fosse tocado todo seu lado B (ao lado de "Woudn't it be Nice", do Beach Boys), e cuja maravilhosa faixa-título é o sinônimo para o nome dessa seção. Ou seja, poderíamos mudar esse título para Islands do Mundo Prog que estaríamos com uma excelente referência do que é uma verdadeira MARAVILHA.

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