quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Maravilhas do Mundo Prog: Mutantes - Mande Um Abraço Pra velha - 1972




Homenageando o sete de setembro, que comemora a Independência do Brasil, o Maravilhas do Mundo Prog desse mês irá apresentar apenas grupos nacionais, começando por aquele que talvez seja o mais expressivo nome do rock nacional em termos mundiais, o Mutantes.

Mutantes, com Caetano e Gil (à direita). Auge do Tropicalismo
A história do grupo já foi contada no Podcast #17 do Consultoria do Rock,  mas alguns pontos precisam ser relembrados aqui. Fundado em 1966,  o Mutantes teve suas origens concentradas no trio Rita Lee (vocais, flauta, percussão), Arnaldo Bptista (baixo, voz) e Sergio "Serginho" Dias (guitarras, voz), sendo os dois últimos irmãos, além de Rita e Arnaldo sendo um casal. Uma das primeiras participações em disco do grupo foi no álbum Tropicália ou Panis et Circensis, onde, ao lado de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, Nara Leão, Torquato Neto, Gal Costa e o maestro Rogério Duprat, estabeleceram a psicodelia brasileira, que ficou eternamente batizada como Tropicália. Apresentando-se nos famosos festivais da década de 60, o Mutantes virou sinônimo de sucesso, e claro, polêmicas diversas, causadas principalmente pelo comportamento do trio.

Sergio, Rita e Arnaldo
Em 1968, o grupo lançou seu primeiro LP, Os Mutantes, contando com a forte presença dos arranjos de Duprat e com uma forte influência das bandas britânicas como Beatles, Rolling Stones e Cream, o que pode ser conferido em verdadeiros clássicos da Música Nacional, como "Panis et Circensis", "Senhor F", "Trem Fantasma" e "Baby", isso só para citar alguns. No segundo LP, Mutantes (1969), o baterista Dinho Leme entrou como músico convidado, e o Mutantes mantinha a parceria com Duprat, porém desenvolvendo a técnica de Arnaldo e Serginho Dias, em canções mais elaboradas como "Caminhante Noturno", "2001", "Fuga No 2 dos Mutantes" e a épica "Dom Quixote".

Ainda em 1969, Dinho foi efetivado como quarto membro do Mutantes. Com Arnaldo flertando cada vez mais com drogas e também desenvolvendo uma técnica aprimorada nos teclados, contratam o baixista Arnolpho Lima Filho (Liminha), e com ele, gravam A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado, lançado no mesmo ano, e que foi um divisor de águs na carreira do grupo. O cordão umbilical que os ligava à Duprat estava sendo rompido. Canções como "Chão de Estrelas" e "Hey Boy" ainda apresentam a mão do maestro, mas o Mutantes adquiria a independência de composições através de mais clássicos, como "Ando Meio Desligado", "Haleluia", "Oh! Mulher Infiel", "Ave Lúcifer" e a sensacional "Meu Refrigerador Não Funciona", uma obra de arte composta após Sergio e Arnaldo ouvirem o álbum Cheap Thrills, do grupo Big Brother & The Holding Company, cujos vocais eram de Janis Joplin.

Contra-capa de Jardim Elétrico: O Mutantes como quinteto

Liminha tornou-se o quinto membro, enquanto Arnaldo assumiu de vez a condição apenas de tecladista e vocalista. Como quinteto, vão para a europa ainda em 1970, onde começam a gravação do novo álbum, que acaba não sendo lançado. Algumas composições são incluídas no lançamento de 1971, Jardim Elétrico. Quarto álbum do grupo, Nele o Mutantes mostrava-se totalmente independente. As apuradas técnicas de Serginho, Liminha e Arnaldo, mescladas com a sensualidade vocal de Rita e a potência sonora de Dinho, foram registradas em um álbum impecável, que gerou de tudo: soul music ("Benvinda"), heavy metal ("Jardim Elétrico" e "Saravá"), jazz ("Portugal de Navio" e "Lady Lady"), bolero ("El Justiciero"), psicodelia ("Tecnicolor"), balada "(It's Very Nice pra Xuxu" e "Virginia"), bossa nova ("Baby") e claro, rock and roll ("Top Top").

Porém, o grupo começou a sofrer com uma séria crise interna. A mídia observava Rita como sendo o principal membro do grupo. Por outro lado, os demais integrantes do Mutantes consolidavam seus estudos nos instrumentos, e agora, sofriam severamente a influência de um novo gênero vindo da Inglaterra: o rock progressivo. Serpenteando essas duas situações, Arnaldo e Rita começaram a ter discussões amorosas cada vez mais complicadas, carregadas principalmente pelas traições de Arnaldo.

Versão original do último LP de Rita no Mutantes
Musicalmente, o quinteto estava com tudo, em ótima performance, e traduziram isso naquele que eu considero o melhor álbum da carreira do grupo. Lançado em 1972, Mutantes e Seus Cometas no País dos Bauretz foi um marco na história do rock nacional, já que foi o último LP do Mutantes a contar com Rita nos vocais. Nele, o grupo ampliou ainda mais as fusões de estilos que foram apresentadas em Jardim Elétrico, levando a técnica individual de cada um ao extremo na maravilhosa faixa-título, um épico de 10 minutos que exalava progressivo por cada milésimo de segundo da canção.

A guinada para o progressivo, bem como as puladas de cerca de Arnaldo e o forte assédio da mídia dizendo que Rita era a única componente do grupo a ter talento (!), fizeram com que Rita saísse do grupo. A questão de que ela não estava se adaptando a nova sonoridade, ou que não estava interessada em aprender um instrumento, ficando apenas com a participação vocal ou percussiva, pode ser discutida, mas o fato é que ela não aguentou o momento de transição do Mutantes e pediu as contas, indo viver ao lado da Tutti Frutti (e depois do marido Roberto de Carvalho) em uma carreira repletas de altos e baixos.

Antes de sair, Rita deixou com o Mutantes um último registro, que foi exatamente feito durante um festival. No Sétimo Festival Internacional da Canção, o Mutantes inscreveu e participou com uma das melhores canções de sua carreira, e que nunca foi lançada oficialmente em um vinil do grupo, apenas em um compacto de setembro de 1972. O nome dessa maravilha é uma singela e irônica declaração de amor: "Mande Um Abraço Pra Velha".

Baseada no fato de que os críticos diziam que o Mutantes havia perdido o lado polêmico e divertido do início da carreira, e que estavam mais concentrados em tocar do que privilegiar os fãs com o deboche tradicional. Assim, o grupo decidiu mostrar ao Brasil que sim, eles haviam evoluído musicalmente, mas não haviam perdido em hipótese alguma o lado infantil do início da carreira.

Tudo começa com os teclados de Arnaldo fazendo o tema inicial, de uma forma muito suave, trazendo o baixo extremamente distorcido de Liminha, executando uma pequena escala. Serginho surge fazendo acordes na guitarra que mais lembram uma viola seresteira, enquanto os teclados imitam sons de flautas e violinos, acompanhados pela marcação distorcida do baixo.

Um pigarro surge, e então Serginho começa a cantar a letra, narrando que "Já faz tempo pacas que eu não vinha aqui cantar num festival". Afinal, o Mutantes havia ficado afastado um bom tempo da cena dos festivais nacionais,  voltando a ativa justamente com "Mande Um Abraço Pra Velha". O ritmo é feito apenas por uma leve marcação do bumbo, com os teclados e o baixo sendo mais relevantes.

Serginho segue a letra, e então, os vocais de Arnaldo e Rita surgem, em um ritmo estranho e marcado, mostrando o lado irônico do grupo, dizendo que "Nós não estamos nem aí, nós queremos é piar, nós não estamos nem aí, e sua mãe onde é que está?".

Então, um samba psicodélico surge, levado pelo hammond de Arnaldo e a marcação de baixo e bateria, enquanto Arnaldo e Rita cantam: "Mande um abraço pra velha, diga pra ela se catar". Aqui, a velha pode até ser interpretada como a ditadura da época, traçando uma analogia ao período ditatorial que governava o Brasil no início da década de 70, e que por pura inocência, acabou deixando que uma forte crítica ao regime militar fosse lançada em forma de música.

Para cada repetição da frase acima, Liminha surge interferindo com uma linha de baixo recheada de virtuosismo, e então, o hammond leva a canção para um novo andamento, onde Rita e Arnaldo mostram ainda mais ironia, cantando a letra da marchinha "Cachaça não é água" de forma lenta e manhosa, entoando as frases "Você pensa que cachaça é agua, mas cachaça é agua não", complementadas, em um ritmo mais marcado, pelas frases: "Você pensa que eu estou brincando, mas brincando eu não estou não".

A guitarra então faz acordes sinistros, trazendo a flauta que repete a melodia dos acordes da guitarra. Baixo e bateria passam a fazer uma complexa marcação, enquanto Rita sola na flauta, para então vocalizações, feitas por Rita e Arnaldo, tomarem conta do recinto.

Sergio Dias, Arnaldo Baptista, Rita Lee, Liminha e Dinho

Esse é o êxtase da canção. As vocalizações são feitas pela marcação a la Bill Bruford feita por Dinho, e Arnaldo passa a adicionar acordes de mellotron a emotiva melodia vocal, deixando a guitarra de Serginho comandar os acordes seguintes. Após esses acordes, baixo e bateria fazem marcações ainda mais complicadas, levando ao belo tema do moog.

Rita e Arnaldo voltam a cantar, ferozmente, com palavras cuspidas ao ouvinte com raiva, enquanto hammond, moog e sintetizadores fazem a barulheira infernal ao fundo. Dinho então nos leva novamente ao samba que entoa o nome da canção. A partir de então, uma longa sessão leva ao final da maravilha dessa semana, com Arnaldo e Rita cantando "Mande um abraço pra velha, diga pra ela se catar" enquanto ao fundo, moog, mellotron, guitarra, baixo e bateria, formam a densa e complexa pista instrumental por onde os vocais passeiam

Por fim, o moog repete seu tema, e as vocalizações levam para o tema inicial do moog, onde bateria, baixo e guitarra são os responsáveis por completar essa épica e belíssima faixa com muito barulho.

O único LP a conter "Mande Um Abraço Pra Velha"


Como dito, "Mande Um Abraço Pra Velha" jamais foi lançada oficialmente em um álbum do Mutantes, saindo apenas em compacto e também no LP do festival. Porém, com o passar dos anos, através da internet, a canção tornou-se conhecida entre os fãs mais jovens, e virou hino dos admiradores da fase progressiva do Mutantes, que após essa maravilha, ainda iria conceber outras maravilhosas peças nos álbuns O A E O Z (gravado em 1973, mas lançado apenas em 1992), Tudo Foi Feito Pelo Sol (1974) e Ao Vivo (1976), esses dois últimos contando apenas com Sergio Dias da formação original.

Mutantes sem Rita: Liminha, Arnaldo, Serginho e Dinho
O grupo encerrou as atividades em 1978, voltando à ativa em 2006, tendo Zélia Duncan nos vocais e resgatando apenas o período da fase onde Rita Lee ainda capitaneava o quinteto, permanecendo até hoje na ativa com o respeito e o orgulho de nossa nação, mas com um pequeno porém: até hoje, nada próximo a era progressiva foi feita, e tão pouco similar a maravilha que é "Mande Um Abraço Pra Velha".

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