Por Mairon Machado
Esse
ano, o Maravilhas do Mundo Prog irá homenagear os considerados cinco
grandes grupos do rock progressivo britânico: Pink Floyd; Genesis; Yes;
King Crimson e Emerson Lake & Palmer. Apesar de tantos outros grupos
britânicos do gênero terem se destacado com relevância no cenário
progressivo mundial, esses cinco foram os que conquistaram mais
seguidores, e até hoje, são os que mais venderam LPs dentro do estilo.
Sendo
assim, entre os meses de março e novembro, dedicaremos quinzenalmente
este espaço para esses que foram verdadeiros geradores de Maravilhas
Prog durante suas carreiras.
Começamos
então com aquele que seja o mais reconhecido dentre eles. Afinal,
qualquer ser humano que tenha um pequeno contato com a música já ouviu
falar de Pink Floyd.
Roger Waters, Nick Mason, Rick Wright (acima); David Gilmour (abaixo) |
O grupo já teve uma Maravilha Prog apresentada aqui há algum tempo,
mas ela com certeza não é a única. Desde o início do grupo, em 1967,
aonde a psicodelia lisérgica dos pubs londrinos incendiava as
composições do quarteto formado por Syd Barrett (guitarra, vocais),
Roger Waters (baixo, vocais), Rick Wright (órgão, piano, vocais) e Nick
Mason (bateria), canções como "Interstellar Overdrive" e "Astronomy
Domine" (lançadas no essencial The Piper at the Gates of Dawn) já mostravam pinceladas do caminho prog que os ingleses percorreriam anos depois.
Com A Saucerful of Secrets
(1968), veio David Gilmour para o lugar de Barrett, e o Pink Floyd
fincava de vez um dos pés no progressivo, com a espetacular
suíte-título. A trilha para o filme More (1969), de
Barbet Schroeder, bem como a pequena participação na trilha do filme
Zabriskie Point (1970, de Michelangelo Antonioni), foram uma fuga
eficiente para o novo quarteto passar a experimentar com novos
instrumentos, como o moog, mellotron e gravações. Essa mudança pôde ser
ouvida no álbum duplo Ummagumma (1969), no qual cada um
dos músicos teve seu espaço para fazer o que bem entender, ocupando um
disco inteiro de Ummagumma (deixando o outro para gravações ao vivo,
repletas de experimentação).
Contra-capa de Atom Heart Mother |
Mas
foi com o quinto álbum oficial que o Pink Floyd finalmente lançava sua
primeira e verdadeira Maravilha Prog, e para construir a mesma, a tarefa
foi árdua. "Atom Heart Mother" é uma incrível suíte de pouco mais de
vinte e três minutos, dividida em seis partes, e que causa um espanto
inicial ao fã do Pink Floyd, seja ele aquele que apenas conhece "Another
Brick in the Wall Part 2", seja aquele que já tenha um contato maior
com álbuns clássicos, como Dark Side of the Moon (1973) e Wish You Were Here (1975), ou até mesmo o mais cavernoso dos fãs, que vive na sua louvação para Barrett.
Com
a colaboração de Alan Parsons como engenheiro de som, Ron Geesin como
compositor auxiliar, o Coral John Aldiss e a Abbey Road Session Pops
Orchestra, o quinteto trancou-se nos estúdios da Abbey Road entre
fevereiro e agosto de 1970, para sair de lá com um dos grandes álbuns do
rock progressivo, que acabou levando o nome de nossa Maravilha Prog.
A
ideia inicial foi tentar aproveitar o material que o grupo havia
composto para Ummagumma e Zabriskie Point, e principalmente, inserir
cordas ao som do Pink Floyd, o que era algo atraente para os ouvidos
principalmente de Waters, Wright e Gilmour. O guitarrista, por exemplo,
criou a sessão inicial da canção, originalmente chamada "Theme from an
Imaginary Western", e que posteriormente virou "Father's Shout".
Ron Geesin |
Mas,
por incrível que pareça, "Atom Heart Mother" ganhou forma em cima do
palco. O grupo começou a apresentar versões iniciais da suíte em 17 de
janeiro de 1970, no Hull University, de Kingston (Inglaterra), e desde
ali, manusearam as diferentes partes apresentadas, até chegarem em uma
versão final dois meses depois. Tendo as melodias concluídas, foi a vez
da participação de Geesin, responsável por inserir as cordas dentro das
linhas musicas do quarteto. O trabalho de Geesin foi estafante, até por
que nenhum dos músicos do Pink Floyd sabia ler música. Por outro lado, a
gravadora EMI cedeu sua Orquestra para acompanhar as gravações, o que
facilitou na questão de preparação para a gravação. por fim, o coral de
John Alldis, contando com dezesseis membros, foi chamado para fazer as
partes vocais, com o regente sendo o próprio Alldis.
Durante
o festival de Bath (27 de junho de 1970), uma versão quase completa de
"Atom Heart Mother" foi apresentada ao grande público, com o nome de
"Epic", sendo que originalmente, ela era para ser chamada "The Amazing
Pudding". Somente em 16 de julho de 1970, durante uma apresentação no
BBC Radio 1, Geesin sugeriu o título "Atom Heart Mother", inspirado em
uma manchete do jornal Evening Standard, a qual narrava a história de
uma mulher possuindo um marca-passo controlado por energia nuclear.
Nick Mason |
Nossa Maravilha surge nos sulcos do vinil através de "Father's Shout",
com os metais fazendo uma espécie de apresentação dos principais temas
da suíte, destacando as trompas e a sobreposição dos instrumentos. Um
tema marcado e somos apresentados ao tema central da canção, feito pelas
trompas e com o acompanhamento de guitarra, baixo, órgão e bateria. O
tal "Theme from an Imaginary Western" aparece, com relinchos de cavalos e
galopes, entre as marcações das trompas, e após uma moto cruzar diante
dos instrumentos, o tema central é repetido.
Entramos
na linda "Breast Milky", na qual um violoncelo faz o belíssimo solo da
canção, enquanto Wright dedilha o órgão, acompanhado pela marcação do
baixo. Mason surge fazendo intervenções que acompanham o ritmo das notas
do baixo, e o violoncelo dá espaço para Gilmour solar com a slide
guitar, acompanhado pelo leve andamento dos demais integrantes do Floyd.
"Breast Milky" então ganha um lindo crescendo com a entrada dos metais e
do piano, que fazem a base para o solo rasgado e emocionante da
guitarra, um dos melhores da carreira de Gilmour. No final dessa sessão,
o coral surge fazendo pequenas intervenções, que levam para "Mother
Fore".
David Gilmour |
Nela,
o coral predomina. Acompanhado apenas pelo órgão de Wright, o coral
surge primeiro com vozes feminininas fazendo um duelo em particular,o
qual vai crescendo, trazendo as demais vozes do coral que entoam mais um
tema emocionante. A explosão ocorre com a entrada da percussão, com o
coral repetindo o tema principal dessa terceira parte em uníssono,
destacando a marcação dos barítonos, além de Wright ser um atraente a
mais com o seu órgão.
Rick Wright |
É
o órgão que nos leva para "Funky Dung" aonde ouvimos apenas uma
bluesística jam session, com Gilmour solando sem parar, melódicamente,
acompanhado pelo leve andamento do órgão, baixo e bateria. O coral
surge, fazendo diversas vocalizações, enquanto Wright delira no piano,
levando-nos então ao tema central de "Father's Shout", agora com mais
pegada pela parte da orquestra.
A
repetição deste tema abre "Mind Your Throats, Please", a mais viajante
das partes de "Atom Heart Mother", abrindo primeiro com os
sintetizadores fazendo sons muito estranhos, enquanto ouvimos colagens
instrumentais e vocais, além de efeitos diversos. Essa parte era a única
que não era apresentada ao vivo, justamente pela alta quantidade de
efeitos de estúdio. Os barulhos aumentam o volume, variando entre
sirenes, gotas de água e outros efeitos do sintetizador, encerrando a
sequência com uma grande explosão.
Roger Waters |
Por
fim, "Remergence" abre a parte final da suíte, resgatando diversos
trechos da canção, como partes do solo melódico de Gilmour em "Breast
Milky", a sessão inicial de "Father's Shout" e trechos de "Mind Your
Throats, Please", todos sobrepostos. Os metais ganham força, e assim, a
melodia de "Father's Shout" aparece, após ouvirmos um "Silent in the
Studio", mas de forma um pouco diferente. O violoncelo de "Breast Milky"
também retorna, trazendo o derradeiro solo de guitarra, encerrando a
suíte magnificamente, com o coral fazendo as vozes finais imitando o
tema central de "Father's Shout", em um incrível e único arranjo, tanto
vocal como instrumental, acabando simplesmente com um longo trecho vocal
e os metais sendo soberanos. De arrepiar!
Alguns
fatos curiosos envolvendo a gravação de nossa Maravilha Prog são também
importantes para entendermos o acabamento final dessa obra. Pela
primeira vez, a EMI utilizou o sistema de oito-faixas para registrar um
álbum, além de uma mesa de mixagem TG12345, capaz de mixar ao mesmo
tempo as oito faixas e vinte microfones. Por conta disso, a EMI exigiu
que não ocorresse nenhuma edição na gravação, já que os custos poderiam
ser altos, além de poucos saberem manusear o equipamento muito bem na
época. Consequentemente, Waters e Mason tocaram as partes de baixo e
bateria ao vivo, sendo essa a primeira gravação, que foi mixada
posteriormente com os demais instrumentos, que também foram gravados ao
vivo.
"Atom Heart Mother", apresentada ao vivo na Alemanha |
"Atom
Heart Mother" foi o encerramento de uma sequência de canções
instrumentais que o Floyd fazia no final da década de sessenta,
começando com "Interstellar Overdrive" e passando por "A Saucerful of
Secrets". Além do fato de trazer a primeira Maravilha Prog feita pelo
Pink Floyd, Atom Heart Mother também foi o primeiro
álbum do grupo a conquistar a primeira posição em vendas nas paradas
britânicas, sendo fundamental para a consolidação do rock progressivo
como estilo favorito dos roqueiros durante o início da década de 70.
Daqui há quinze dias, apresentaremos a segunda Maravilha Prog feita pelo Pink Floyd, a qual é uma das mais belas suítes que o progressivo pariu, e que encerrava os shows do grupo no início da década de 70: "Echoes".
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