quinta-feira, 4 de julho de 2013

Maravilhas do Mundo Prog: King Crimson - Epitaph [1969]




O Maravilhas do Mundo Prog segue a série apresentando as Maravilhas dos grandes grupos de rock progressivo do Reino Unido. Depois de Pink Floyd e Emerson Lake & Palmer, agora é a vez de peregrinarmos pelos três grupos com maior quantidade de Maravilhas por álbum, no caso King Crimson, Genesis e Yes.

E o primeiro deles é o famoso Rei Escarlate. Liderados pelo guitarrista Robert Fripp, o grupo já teve uma Maravilha Prog apresentada aqui ("Islands", do álbum de mesmo nome, lançado em 1971), só que esta é apenas a ponta do iceberg gigantesco que tomou conta dos oceanos musicais entre o final da década de 60 e metade dos anos 70.

Apesar de não ter vendido muito, e ter sofrido com a constante mudança na formação, o King Crimson é um pilar mestre do que convencionou-se a chamar de rock progressivo. Sua fundação ocorre em 1968, como consequência do final do grupo Giles, Giles and Fripp, formado pelo irmãos Michael Giles (bateria), Peter Giles (baixo) e o já citado Robert Fripp.


Peter Giles, Michael Giles e Robert Fripp

Esse trio começou a tocar juntos em agosto de 1967, com uma música excêntrica, misturando altas doses de instrumental complexo com melodias tipicamente do pop sessentista pós-geração Beat, representando a cena psicodélica da Londres do final dos anos 60, e que foram apresentadas no raríssimo álbum The Cheerful Insanity of Giles, Giles and Fripp, lançado pelo selo Deram em 1968. O álbum (e os singles do mesmo) foram de extremo fracasso comercial, e hoje são relíquias cobiçadas pelos colecionadores e fãs de King Crimson.

Como nada deu certo, o trio resolveu modificar sua forma de criar músicas, e assim, convidou o multi-instrumentista Ian McDonald para fazer parte de uma nova banda. McDonald trouxe o piano e instrumentos de sopro, além da sua namorada, a vocalista Judy Dyble (futura membro do grupo Fairport Convenvion) e o letrista Peter Sinfield.

A dupla Sinfield/McDonald acabaria por ser a principal responsável pela mudança nos rumos do novo grupo, batizado agora de King Crimson, construindo letras mirabolantes e pessoais. 


Ian McDonald e Greg Lake (acima);
Robert Fripp e Michael Giles (abaixo)

Ao mesmo tempo, Fripp havia assistido ao grupo 1-2-3 (também conhecidos como Clouds), e ficou impressionado com a mistura de música clássica e jazz que o foi apresentado. Aquilo era o caminho a ser seguido, mas para isso, mais uma mudança tornaria-se necessária: a saída de Peter Giles.

A forte inclinação pop do baixista demonstrava suas limitações como instrumentista, o que dificultaria nas passagens jazzísticas que começavam a brotar na mente de Fripp. Para ajudar, McDonald e Dyble terminaram a relação, e Fripp prontamente tratou de matar dois coelhos em uma cajadada, retirando Giles e recrutando Greg Lake para baixo e vocais. Surge assim a primeira encarnação do King Crimson, em 30 de novembro de 1968.

Sinfield, guiando o timão do King Crimson

Sinfield, além de guiar o timão do grupo para novos mares, foi o responsável por sugerir a mudança no nome, cujo significado era algo como um homem em busca de um objetivo. Fripp complementa, afirmando que Crimson King é um anglicismo (introdução da língua inglesa em em outra língua) para o árabe de B'il Sabab, sendo um sinônimo para Belzebu. Existe uma teoria de que o Rei Escarlate seria o sol, mas isso nunca foi confirmado por nenhum membro do grupo. 

Os ensaios começaram em 13 de janeiro de 1969, e três meses depois, no dia 09 de abril, fazem sua estreia nos palcos, apresentando-se no Speakeasy. O som (uma mistura de jazz com psicodelia), chamou a atenção de grandes nomes da música da época, e também de alguns ramos da mídia, levando-os a tocarem no famoso Maida Vale Studios para uma apresentação no tradicional programa de John Peel (John Peel Sessions).

Logo após aparecerem na BBC, o quarteto apresentou-se no clube Revolution, aonde foram vistos por Jimi Hendrix, que ao final do show, todo vestido de branco, fez questão de ir cumprimentar a banda, dizendo à Fripp: "Aperte minha mão esquerda, meu amigo, pois ela está mais próxima do meu coração",e  para um amigo declarou: "Esse é o melhor grupo do mundo". Essa história você pode conferir contada pelo próprio Fripp aqui.

Outros que curvaram-se para o som do King Crimson foram The Who e, principalmente, os Rolling Stones, que convidaram o grupo para abrir o famoso show em homenagem ao guitarrista Brian Jones, realizado no Hyde Park em 05 de julho daquele ano. 

King Crimson abrindo para os Stones no Hyde Park


Na manhã daquele dia, perante 600 mil pessoas, Fripp e cia. mostraram suas canções, e ainda, confrontaram suas ideias musicas, misturando John Coltrane com Moody Blues (duas das maiores inspirações do quarteto), e dividiram o palco com Family, Battered Ornaments, Roy Harper, Third Ear Band, Alexis Korner's New Church e Screw. Foram apenas duas canções ("The Court of Crimson King" e "21st Century Schizoid Man") suficientes para a EG Records assinar um contrato de gravação.

Assim, em outubro de 1969, chegou às lojas In the Court of the Crimson King. Para muitos, o melhor álbum de estreia de uma banda do rock progressivo, o que de fato, não é mero acaso nem exagero. Pode ser dito que este álbum rompeu com o elo que ligava rock ao blues, já que não há solos longos sob três acordes, e sim um trabalho coletivo, com arranjos detalhados e explorados exaustivamente, além de diversas alusões sinfônicas.

Através de suas cinco mini-suítes (todas com mais de seis minutos de duração), temos uma amostra do poder de composição da dupla Sinfield/McDonald, e também das habilidades instrumentais de Fripp, além da voz aveludada de Greg Lake soar como um bálsamo para os ouvidos.

Logo na abertura, a pesadíssima "21st Century Schizoid Man" já tenta garantir seu posto de Maravilha Prog, com um riff precursor do heavy metal e os vocais carregados de efeitos, além de uma cozinha maravilhosa. O trecho instrumental descamba para um fantástico momento jazzístico, com a guitarra de Fripp sendo apresentada ao ouvinte. O timbre característico de seu instrumento ficou marcado na história da música (assim são o de Tony Iommi e o de Jimmy Page), e claro, os duelos com o saxofone fazem dessa parte da canção um dos principais momentos do álbum, que curiosamente, teve seu instrumental gravado ao vivo em estúdio.

Capa dupla externa (acima) e interna (abaixo) de
In The Court of Crimson King
Mas ainda há mais por vir. As experimentações jazzísticas/heavy acabam aqui, e depois da pancada inicial, as flautas de McDonald são introduzidas na linda "I Talk to the Wind", com um dos mais belos arranjos musicais do rock progressivo, totalmente acústico e com a linda voz de Lake, e então, chegamos naquela que é a mais Maravilhosa das Maravilhas progs que In the Court of the Crimson King possui.

"Epitaph" conclui o lado A com encantadores oito minutos e quarenta e sete segundos, os quais demoraram dez horas para ser registrados, e possuem trechos que o grupo chamou de "March for No reason" e "Tomorrow and Tomorrow". O mais curioso é que ela é construída totalmente na mudança de apenas quatro simples acordes, mas causam um efeito mágico nas mentes de quem os ouve. A letra narra a dramática história de um ser humano que prevê o mundo sendo destruido por pessoas incapazes e idiotas, as quais não possuem o conhecimento necessário para viver harmoniosamente. Desta forma, o ser em questão não consegue imaginar qual será o seu epitáfio, pois ele não sabe como será o futuro.

Tudo começa com o tímpano rufando, trazendo longos acordes de mellotron (primeira canção do grupo a apresentar o instrumento) e o dedilhado do violão, com o baixo fazendo a marcação junto com os pratos e um leve tema na guitarra de Fripp.

Lake canta sutilmete, sob o leve andamento de baixo e bateria, e aos poucos, mellotron e violão surgem, fazendo a canção ganhar corpo, até chegar no seu maravilhoso refrão, o qual encerra-se com a célebre frase: "But I'll fear tomorrow I'll be crying".

Robert Fripp, pilotando o mellotron

A segunda parte da letra já apresenta Lake soltando a voz, sempre com o mesmo andamento de baixo, violão e bateria. O mellotron estica seus acordes, e um lindo dedilhado de violão aparece entremeando os mesmos, levando-nos para o magnífico trecho instrumental após o mellotron quase derrubar as paredes do seu quarto.

O violão dedilha os acordes principais da canção, e McDonald surge fazendo acordes com o saxofone e o oboé, além de reproduzir a melodia vocal na flauta. Giles marca o tempo na caixa, junto com um breve acorde de violão, e Lake retorna, gastando a voz como pode, acompanhado pelo andamento com mellotron, baixo, bateria e o violão, retornando então para o refrão e concluindo essa Maravilha com o saxofone fazendo notas graves e agudas entre os acordes de mellotron, batidas no tímpano, viradas na bateria e Lake gritando insanamente "But I fear tomorrow I'll be crying", e certamente, derrubando lágrimas por onde é escutado.

Em sentido horário: Greg Lake, Ian McDonald e o Crimson ao vivo

O lado B possui mais duas Maravilhosas peças musicais, a quase esquecida "Moonchild", dividida na balada "The Dream", cantada por Lake com um leve acompanhamento do mellotron, e na viajante sessão instrumental "The Illusion", a qual inicia apenas com Fripp solando sua guitarra e depois mergulha na escuridão de barulhos diversos, e encerra-se com outra Maravilhosa canção, "The Court of the Crimson King", cuja gravação tomou três dias, com o mellotron sendo o centro das atenções, acompanhado por passagens soberbas de violão e flauta. 

In the Court of Crimson King fez relativo sucesso em vendas para um grupo iniciante, ficando em terceiro no Reino Unido. Do álbum foi lançado o single de "The Court of Crimson King", e em seguida, partem para uma bem sucedida turnê pelos Estados Unidos, com elogios diversos de fãs e imprensa, que colocaram o LP em vigésimo oitavo nos Estados Unidos, graças a uma ampla divulgação da Atlantic Records, que a partir de então, passou a comandar as ações do grupo.


Michael Giles, Ian McDonald, Peter Sinfield, Robert Fripp e Greg Lake
Porém, o choque de egos atinge seu ápice durante a apresentação de 16 de dezembro de 1969, no Fillmore West, a qual se torna a última com a formação original, depois de mais de setenta apresentações em menos de um ano (335 dias, mais precisamente). Fripp levava as canções por solos sombrios e longos, como o de "Moonchild", e isso incomodava McDonald e Giles, favoráveis para um som mais leve e sem virtuoses. O resultado, Fripp acabou pedindo demissão de sua própria banda.

McDonald e Giles concordaram que a banda era muito mais de Fripp do que deles, e assim, eles afastaram-se do grupo, montando uma dupla e lançando, em 1970, o álbum McDonald and Giles (tendo a participação de Steve Winwood e Peter Giles), contendo a fenomenal suíte "Birdman". Depois, McDonald formou o grupo Foreigner, enquanto Giles tornou-se baterista de estúdio.


Essencial box ao vivo com a primeira geração do King Crimson

Desse período do King Crimson, aos fãs é essencial a aquisição do box Epitaph (1997), o qual apresenta o quarteto no palco em shows ocorridos em 1969.

Fripp, Sinfield e Lake ficam a ver navios, e em janeiro de 1970, Lake, vendo a barca afundar, aceitou o convite de Keith Emerson e foi integrar o trio Emerson, Lake & Palmer. O King Crimson poderia seguir adiante? Fripp, com a ajuda inseparável de Sinfield, venceram essa dúvida, respondendo com mais uma Maravilhosa canção lançada no excelente segundo disco da banda, In the Wake of Poseidon, como veremos daqui há quinze dias, ao apresentarmos as melodias insanas de "Pictures of a City".

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