segunda-feira, 24 de julho de 2023

A Breve e Importante História da James Gang [Parte 1]

Joe Walsh, Jim Fox, Dale Peters e Joe Walsh


Uma das grandes e injustiçadas bandas do hard rock setentista, assim podemos definir o James Gang. Afinal, além, de ter revelado ao mundo nomes como Tommy Bolin, Joe Walsh e Jim Fox, o grupo lançou no mínimo cinco obras-primas em sua curta temporada em ativa (pouco mais de sete anos). Em duas partes, vamos passear pelos nove álbuns de estúdio da banda, lançados entre 1969 e 1976, um período mágico, onde quase tudo que nascia na música era regado a altíssimas doses de criatividade, inspiração, técnicas arrojadas e belíssimas canções.

A ótima estreia do trio

Yer' Album, lançado em 1969, é a estreia do power trio Joe Walsh (guitarras, teclados, vocais, piano), Tom Kriss (baixo, flauta, vocais, vibrafone) e Jim Fox (bateria, vocais, teclados), e uma pequena amostra do que o grupo iria fazer nos anos seguintes. Descarte "Introduction" e as viagens de "Stone Rap", as duas vinhetas que abrem cada um dos lados do LP, e prendam-se no que Yer' Album oferece, canções que dividem-se em pauladas hard do mais alto calibre, faixas mais acessíveis e três fantásticos covers, das quais a esplêndida versão de nove minutos para "Lost Woman" é tão empolgante que até mesmo o pessoal dos Yardbirds (que gravou essa joinha em Roger the Engineer, de 1966) deve ter rendido-se aos solos de Walsh e cia, já que cada um ganhou seus minutos de fama para fazer o que bem entendesse, com Kriss despejando distorção no seu baixo. Aliás, é impressionante o que os garotos fazem em 1969, que além de gravar um álbum de cinquenta minutos, algo incomum para o final da década de 60, ainda mais para um grupo novo, faz o emprego certeiro do órgão hammond em "Fred" e "Take A Look Around", ambas com lindos solo de Walsh, ou na acústica e emotiva "Collage", a qual possui um lindo arranjo de cordas, presentes também na curta instrumental "Wrapcity in English". 

A clássica imagem do trio com as Harleys na neve: Jim Fox, Dale Peters e Joe Walsh

Os outros dois covers do álbum também merecem destaque, no caso a pesada versão de "Bluebird", originalmente gravada pelo Buffalo Springfield em Again (1967), e que foi totalmente transformada pela guitarra endiabrada de Walsh, e a mais que detonante "Stop!", para mim uma das melhores canções da banda, que foi originalmente gravada no fundamental álbum de Al Kooper e Mike Bloomfield, Super Session (1968), e que aqui recebeu uma adaptação de doze minutos com muitos improvisos, os quais caracterizam o James Gang que conquistou milhares de seguidores, com suingue e peso em doses certas, e que também brota no embalo a la "Sly Stone" de "Funk #48", e na vulgarmente Cream "I Don't Have the Time", bela parceria de Fox e Walsh. 

Os dois singles extraídos de Yer Album


Daqui saiu o single "I Don't Have The Time" / "Fred" que não fez sucesso nos países onde foi lançado (Alemanha, Holanda e Estados Unidos) e também "Funk No. 48" / "Collage", com cópias lançadas nos Estados Unidos, Itália e Reino Unido, e de relativas vendas. Há também um raro compacto francês, com "Take A Look Around" / "I Don't Have The Time". Este foi o primeiro e único álbum a contar com Tom Kriss, que deu lugar para Dale Peters, criando assim a formação mais clássica do trio.

O mega clássico Rides Again, já com Dale Peters

O segundo disco trio, Rides Again, chega às lojas em 1970, agora com Dale "Bugsley" Peters no baixo, é uma continuação dos trabalhos iniciados em Yer' Album, com uma variedade de estilos onde predomina embalo e inspiração. Começando pela sequência de "Funk #48", obviamente intitulada #Funk #49", com o mesmo embalo da faixa do disco anterior, mas com uma percussão muito mais envolvente, Rides Again é um show de musicalidade para agitar as noitadas com mulheres e farras, rivalizando com o que o Grand Funk Railroad fazia na mesma época. Temos influências country em "There I Go Again", com a participação do Pedal Steel Guitar de Rusty Young, na instrumental "Asshtonpark" e nas belíssimas "Thanks" e "Garden Gate", esta apenas com voz e violão, peso embaladíssimo em "Woman" e predomínio do piano e do Hammond de Walsh na trabalhada "Tend My Garden", trazendo um arranjo vocal digno dos grandes nomes da soul music. O grupo deixou o melhor para o encerramento de cada lado. No lado B, a introdução de "Ashes the Rain and I" nos prepara para uma canção que irá te deixar de queixo caído, seja pela interpretação de Walsh ou pelo emocionante arranjo de cordas de Jack Nitzsche, contrastando com os belíssimos dedilhados dos violões de Walsh e Peters. "Thanks" é uma linda faixa levada pelo violão.

Contra-capa do single italiano "Funk 49" / "Thanks"


Ao mesmo tempo, uma das melhores canções do grupo, "The Bomber", encerra o Lado A sendo dividida em duas partes, a pesadíssima "Closet Queen", com uma performance toda especial de Fox, e "Cast Your Fate To The Wind", onde Walsh brilha no slide guitar, fazendo uma viagem sonora que deve ter deixado Jimmy Page com um sorriso estampado na face, tamanha a semelhança do timbre da guitarra do loiro com a do guitarrista do Led Zeppelin. Um destaque adicional vai para a contra-capa do álbum, a qual mostra uma das mais famosas imagens do trio, andando de moto pela neve americana. Vale ressaltar que a versão original de "The Bomber" ainda conta com um trecho de "Bolero" de Ravel, a qual foi limada nas edições posteriores por que foi utilizada sem a autorização dos herdeiros do músico francês, tornando as edições iniciais bastante cobiçadas pelos colecionadores. O melhor dos três álbuns de estúdio que Joe Walsh gravou com a banda, e o disco que indico para quem quer conhecer os americanos.

Singles promocionais:"Stop" americano (esquerda) e o com o Humble Pie no lado B (direita)


Os singles extraídos do segundo disco foram "Stop" / "Take A Look Around" (apenas EUA) e "Funk #49" / "Thanks" (Canadá, Estados Unidos, Espanha, Holanda, Reino Unido e Itália). Também é desta época um raro compacto para jukebox com a James Gang no lado A, interpretando"Funk N. 48" e o Humble Pie no lado B, com "The Sad Bag Of Shaky Jake".

O último álbum de estúdio com Joe Walsh

Com uma formação consolidada, nasce o terceiro álbum da banda, Thirds. Lançado em 1971, ele não apresenta tanto peso como seus antecessores, concentrando-se em canções com um trabalho mais importante nos vocais e no instrumental, donde "Things I Could Be", cantada por Fox, ou a lindíssima balada "It's All the Same" são bons exemplo da evolução musical que o trio obteve mantendo a formação, com a primeira destacando-se pelos arranjos vocais e a segunda enaltecendo os dotes de Walsh ao piano, além de um envolvente arranjo de metais. Outra faixa que mostra grandiosidade nos arranjos vocais é "White Man/Black Man", divino blues concebido por Peters, com a participação vocal do grupo The Sweet Inspirations, quarteto vocal feminino que também mostrou do que é capaz em álbuns como Blowin' Your Mind (Van Morrison, 1967) e Electric Ladyland (Jimi Hendrix, 1968), tornando essa facilmente a melhor faixa do disco, o qual, em comparação aos seus antecessores, é bem mais acessível, e por incrível que pareça, ainda mais diversificado. 

Single japonês de "Walk Away" (esquerda); Single alemão de "Midnight Man" (direita)



Temos country em "Dreamin' in the Country", com os vocais de Peters, jazz na instrumental "Yadig?", outro grande momento do LP, com o vibrafone de Peters sendo o centro das atenções, e a leve "Live My Life Again", canção para acender os isqueiros em arenas lotadas. Completa Thirds a melosa "Again", tendo arranjo de cordas por Walsh, e as pops "Walk Away" e "Midnight Man", essa última com as vocalizações de Bob Webb e com o vocal principal de Mary Sterpka ao lado de Walsh. No geral, são canções que não condizem com o que o grupo tinha de melhor, que era o peso e o suingue destacando um instrumental forte e com improvisos, e por esses motivos, posso dizer que esse é o mais fraco dos discos da fase Walsh, mesmo tendo sido o primeiro disco do trio a conquistar ouro nos Estados Unidos, levado pelo single de "Walk Away" / "Yadig?", que entrou nas cinquenta mais das paradas americanas, e que foi lançado também no Reino Unido, Alemanha, Itália, Dinamarca, Grécia, Canadá, Holanda, México, Noruega, Austrália, Nova Zelândia e Japão. No Japão, este single também saiu com uma versão tendo "Midnight Man" no Lado B. "Midnight Man" que teve seu single individual (com "White Man / Black Man" no lado B) lançado nos Estados Unidos, Alemanha, Itália, Holanda, Austrália, Nova Zelândia e Canadá).

O único álbum ao vido da James Gang

Nesse mesmo ano saiu o excelente James Gang Live in Concert, um dos grandes discos ao vivo da década de 70, registrando a passagem do grupo no célebre Carneggie Hall de Nova I0rque, onde o grupo detona uma poderosíssima versão de "Stop" - que baixão Peters estoura nas caixas de som -, arrepiam com a linda "Ashes, Tha Rain & I", ovacionada pelos presentes, mergulha nas profundezas de um bar sujo no interior dos EUA com o blues embriagante de "You're Gonna Need Me", a qual em um dia que você pegue despercebido, certamente irá achar que é o Cream quem está rolando na vitrola (o que Walsh toca aqui, pqp), e faz viajarmos em toneladas de LSD nos viajantes 19 minutos de "Lost Woman", estendida em dobro para deleite dos fãs de Yardbirds. 

O álbum, cujo CD completo traz mais dez canções, foi o que me apresentou a banda, e marcou a despedida de Joe Walsh, indo formar o Barnstorm ao lado de Joe Vitale (bateria) e Kenny Passarelli (baixo). Para seu lugar, Domenic Troiano é o contratado, e mais uma mudança surge na formação, agora não mais como um trio, mas como um quarteto, tendo como vocalista principal Roy Kenner.


A estreia da chamada Segunda Geração da James Gang

Os dois ex-membros do grupo canadense Bush fazem sua estreia no quarto disco dos americanos, Straigh Shooter, lançado em 1972 e marcando também o que os fãs chamam de segunda geração do James Gang. Apesar de uma nova formação, o som da banda não muda muito, continuando uma mescla de gêneros e tendo como principais diferenças a diminuição no peso e o aumento no swing. Para tal, Troiano mostra ser uma bela escolha para substituir Walsh, já que sua mão direita tem ainda mais malemolência do que o guitarrista loiro, e a voz de Kener parece ter saída de algum grande vocalista da Motown, tendo "I'll Tell You Why", "My Door Is Open" e "Kick Back Man" como atestados de que esse quarteto era afiadíssimo para o funk, mas por outro lado, também imponente para despejar toneladas de peso em distorções, com "Looking For My Lady" sendo o maior exemplo. 

Jim Fox, Dale Peters, Domenic Troiano e Roy Kenner


Troiano também mostra seus dotes vocais na romântica "Getting Old", levada pelo seu violão, pelo violino de Sheldon Kurland e pelo arranjo de cordas de Glen Spreen, e que tem uma irmã tão bela quanto, só que com os vocais de Kenner, batizada "Let Me Come Home". Outra balada, "Get Her Back Again", tem uma pontuação menor no compto geral do LP, que é fechado pelas influências southern na linha Lynyrd Skynyrd que abrilhantam "Hairy Hypochondriac" e as loucuras dançantes de "Madness". Alguns torcem o nariz, mas acho Straight Shooter uma ótima virada de página na carreira do James Gang, e coloco-o em um Top 5 dos melhores discos de estúdio que a banda lançou.

Singles japoneses extraídos de Straight Shooter


Dois singles saíram deste disco: "Madness" / "I'll Tell You Why", lançado apenas no Japão, e "Looking For My Lady" / "Hairy Hypochondriac", que saiu nos Estados Unidos, Japão e Canadá. Algumas cópias americanas saíram no formato promocional, com "Looking For My Lady" em ambos os lados.

O último disco antes da entrada de Tommy Bolin

Passin' Thru é lançado em 1972, e é o último disco da segunda fase do James Gang, que também foi o último com a gravadora ABC Records, sendo mais um álbum versátil. O lado A é o mais sacolejante, com canções tendo muito embalo, onde a mistura da mão sacolejante de Troiano com belos arranjos vocais e muito groove no baixo e na bateria de Peters e Fox se sobressaem na ótima "Up to Yourself", na qual você terá um panorama interessante do álbum, ou então o funk swingado da delirante "One Way Street" e de "Had Enough". O lado B já é mais calmo, tendo canções amenas como "Out of Control", o harpsichord de "William D. Smitty" Smith na baladaça "Things I Want to Say to You", a qual conta com um bonito arranjo de cordas por Craig Sapphin, que também estão presentes na acústica balada "Drifting Girl", com a participação de David Briggs ao piano. 

No mais, a mistura de estilos continua, com o ritmo southern de "Ain't Seen Nothing Yet", a leveza country de "Run Run Run", com a participação de Charlie McCoy na harmônica e Weldon Myrick  no pedal steel guitar, e o grande funk pop de "Everybody Needs a Hero", destacando o órgão de "Smitty" e um longo trecho instrumental onde o harpsichord duela com a guitarra, nessa que é a melhor canção do disco. 

O single francês de "Had Enough"


O único single foi "Had Enough" / "Kick Back Man", lançado nos Estados Unidos, Japão e França, Não é um dos melhores álbuns da banda, e dessa primeira fase, passa despercebido entre as grandiosidades que o cercam, no caso Straight Shooter e os dois próximos álbuns, que veremos daqui uns dias, quando um novo James Gang irá surgir, já que Troiano voltou para o Canadá, tornando-se membro do The Guess Who, sendo substituído por um jovem e talentoso guitarrista loiro, Tommy Bolin, como veremos numa futura parte 2.


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