São Borja é uma cidade localizada na fronteira entre o Rio Grande do Sul e a Argentina, com pouco mais de 60 mil habitantes e de fundamental importância histórica para o Brasil. Afinal, em sua "terra vermelha" foram dados os primeiros passos de dois importantes presidentes brasileiros: Getúlio Vargas e João Goulart. Ainda na política, nomes ilustres como o atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro e o ex-senador Ibsen Pinheiro também são são-borjenses, e o ex-governador do Rio de Janeiro Leonel Brizola está enterrado na cidade. São Borja também foi a primeira cidade do Rio Grande do Sul, fundada em 1682 pelos padres jesuítas, caracterizando o primeiro dos Sete Povos das Missões, período de grande efervescência cultural, na qual índios, espanhóis e portugueses viviam em harmonia, empregando a inteligência e o saber para o bem do coletivo.
Um cidade com uma rica história cultural, quase desconhecida no resto do país, colocou seu primeiro pé na história do rock no último domingo de Páscoa, através da realização do festival Coca-Cola Vibesound. O mesmo já ocorre há algum tempo em várias cidades do país, levando sempre bandas que fizeram sucesso em um passado recente, e chegou pela primeira vez a Capital do Linho (forma como São Borja também foi conhecida).
Como eventos de tal porte na cidade são raros, não pude deixar de conferir, apesar do cast ser pouco atrativo. Porém, dentro desse cast tinha um nome de peso, e ele foi o responsável por investir os quarenta mangos e me prestar a aguentar os demais artistas programados para um espetáculo que prometia dez horas de muito som e divertimento. Esse nome era Raimundos.
O grupo brasiliense está promovendo seu último álbum, Cantiga de Roda, e certamente, foi o responsável por levar mais de quatro mil jovens (uns nem tanto assim) para lotar o Parque de Exposições da cidade.
Antes da apresentação dos Raimundos, rolou quatro shows: Abriram Maskavo (que eu não assisti) e o "cantor" Rodrigo Ferrari, que tocava exatamente na hora que cheguei ao local, e que fez eu descobrir que era possível sair e voltar a vontade, e prontamente, sai para comprar umas cervejas, as quais fiquei saboreando no estacionamento do parque de exposições enquanto ouvia a terrível apresentação desse artista.
Rodrigo Ferrari |
Depois veio a ex-cantora Luka, afastada dos holofotes há anos, e que tentou animar a gurizada com covers para Cindy Lauper, Shakira e Adele, que soaram intragáveis. Desafinada, Luka me fez pensar que da sua época, ninguém daqueles grupos de "Um Sucesso Só" conseguiram se firmar, com exceção do Los Hermanos, que mudou sua sonoridade apelativa em "Anna Julia" para se tornar a maior banda brasileira da década passada. Quando a cantora cantou seu único sucesso, "Tô Nem Aí", foi a primeira vez que o Parque levantou, mas não o suficiente para agradar. Ouvi Luka enquanto derrubava algumas Polares (cerveja tradicional no Rio Grande do Sul), e então veio a quarta apresentação.
O movimento foi intenso para ver os gaúchos do Reação em Cadeia. Meninas entre 16 e 18 anos juntaram-se a moças de quase 30 para melarem calcinhas e derreterem-se em lágrimas com sucessos radiofônicos que marcaram a minha adolescência, dentre elas "Me Odeie", "Letargia", "Minha Vida" entre outros. O Reação em Cadeia sempre rolava nas festas que eu ia em Pedro Osório, e nunca me agradou. Na quarta canção, sai novamente do local e fui comprar mais cerveja para beber no estacionamento, mas não posso evitar de dizer que apesar de não gostar da música, o quarteto toca muito bem seus instrumentos, e ainda carrega uma fama que parece não ter morrido no passado, como foi com Luka.
Reação em Cadeia |
A segunda saída foi mais demorada, já que o trânsito aumentou assim como a expectativa para o show dos Raimundos, a próxima atração. Cheguei ao Parque e nem consegui beber a cerveja que havia comprado, já que os alto-falantes já anunciavam a principal banda da noite.
O quarteto Digão (guitarra, vocais), Canisso (baixo, vocais), Caio Cunha (bateria, vocais) e Marquinhos (guitarra, vocais) entrou detonando duas canções do novo álbum, "Cachorrinha" e "BOP", e a partir de então, começou a desfilar seus grandes clássicos, começando com "Mulher de Fases" (levantando a poeira do local), "Pitando no Kombão", "Me Lambe", "A Mais Pedida", "I Saw You Saying (That You Say That You Saw)", "O Pão da Minha Prima", "Palhas do Coqueiro", "Eu Quero É Ver o Oco", "Esporrei Na Manivela", "Deixa Eu Falar", junto de canções do Cantiga de Roda. Ainda teve a cover de "Será" (Legião Urbana") e muitas risadas de um grupo animado e parecendo realmente estar feliz pelo que estavam fazendo, ao invés de outros que fazem uma interpretação burocrática, recebem seu dinheiro e vão embora sem nem dar importância aos fãs.
Raimundos em São Borja |
O som pesado e altíssimo das caixas de som fez o chão tremer, e pouco a pouco, os jovens começaram a se soltar, formando rodas punk que pareciam liberar anos de trancamento de uma geração acostumada a ouvir seus ídolos apenas nos computadores, através dos MP3 e youtubes da vida, mas que agora tinham a oportunidade única de ver um show de tamanho porte diante de seus olhos. Eu mesmo, que não sou grande fã dos brasilienses, dei minhas quebradas de pescoço e agitei bastante, principalmente naquelas canções mais consagradas.
Vale ressaltar a profissionalidade do grupo. Depois de tocaram para milhares de pessoas Brasil a fora, o grupo fez um show impecável. Digão não deixa em nada sentirmos saudades de Rodolfo (primeiro vocalista e imagem marcante na formação do Raimundos), cantando e tocando muito bem, assim como Marquinhos sola como um animal, e Caio certamente poderia estar tocando em uma banda de Thrash Metal que não iria fazer feio. Canisso, o mais tímido dos quatro, toca e canta com habilidade, e no seu canto, faz as bases pesadas que sacodem as caixas de som.
Em uma hora e meia de apresentação, os Raimundos detonaram, mostrando estar em excelente forma, e ainda tiveram a alegria de ver que alguns, no meio da multidão insana que assistia ao show, levantaram cartazes dizendo: "Eu apoiei o Cantiga de Roda" (leia a história sobre o álbum aqui).
O Bis foi feito com "Boca de Lata" e "Puteiro em João Pessoa", já com a grade de separação entre a pista vip e a pista comum devidamente derrubada pelas diversas rodas punks que rolavam pelo local, fazendo a unidão dos mauricinhos e patricinhas que estavam ali para aparecerem nas redes sociais da cidade junto aos famintos roqueiros são-borjenses, que aguardaram ansiosamente para ver algo de tal intensidade, e assim o quarteto se despediu, deixando a marca de que pela primeira vez em sua história, São Borja pôde afirmar que uma grande banda de rock fez um espetáculo do tamanho de sua história.
Raimundos em São Borja (visão do palco) |
Ainda houve a dupla Erlon e Marcos depois dos brasilienses, mas aí eu já estava em casa curtindo meu cansaço.
Já passaram pela cidade nomes consagrados da música nacional, como os "sertanojos" Paula Fernandes e Luan Santana ou até o pop rock de Jota Quest, mas foram os Raimundos, em um show impecável, que colocaram tudo abaixo, respeitando seus fãs e fazendo valer toda a espera de anos da gurizada, e por que não, da minha adolescência em uma cidade ainda menor que a Terra dos Presidentes.
Como um aluno meu disse ao final do show: "Isso foi um coice nos ouvidos!".
Set list (em ordem alfabética)
A Mais Pedida
Andar na Pedra
Baculejo
Boca de Lata
BOP
Cachorrinha
Cera Quente
Cintura Fina
Deixa Eu Falar
Descendo na Banguela
Esporrei Na Manivela
Eu Quero É Ver o Oco
Gato da Rosinha
I Saw You Saying (That You Say That You Saw)
Me Lambe
Mulher de Fases
O Pão da Minha Prima
Palhas do Coqueiro
Pitando no Kombão
Puteiro em João Pessoa
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