quinta-feira, 24 de abril de 2014

Maravilhas do Mundo Prog: O Terço - Solaris [1976]


Depois de ter conquistado seu espaço como um dos principais nomes do rock nacional, o quarteto O Terço recebia a difícil tarefa de manter-se no topo. Com a concorrência acirrada do Mutantes de Sérgio Dias, Flávio Venturini (vocais, teclados), Sérgio Hinds (guitarra, vocais), Luiz Moreno (bateria, percussão, vocais) e Sérgio Magrão (baixo, vocais) precisavam ir além das inspirações britânicas, e a solução foi voltar às raízes do grupo, ou seja, adicionar as culturas nacionais ao rock 'n' roll setentistas.

As explorações de "Amanhecer Total" e "1974" eram perfeitas, e eram o caminho honesto, mas como todo grande empreendimento, audácia foi empregada pelo quarteto, e assim, em 1976, o grupo trancou-se em um sítio no interior de São Paulo, localizado no km 48 da BR 116, para gravar e compor as novas canções. O local foi apelidado de Casa Encantada, devido a alta energia emanada por lá, e foi esse apelido que batizou o quarto álbum do quarteto, mais um clássico do rock nacional.

Anúncio do lançamento de
Casa Encantada na revista Pop, em 1976
Nele, temos de tudo um pouco. Logo no início, surpreendem cantando em espanhol o sucesso "Flor de la Noche",  tendo a participação do percussionista Zé Eduardo e vocais de Moreno, em um belíssimo jazz rock que é seguido pelo rock empolgado de "Luz das Velas", também cantado por Moreno e recheado com naipe de metais comandado por Rogério Duprat.

"Guitarras" lembra canções da Mahavishnu Orchestra, com Hinds demolindo o instrumento que dá nome à canção, mas surpreendendo com a inclusão de instrumentos típicos do samba, no caso o agogô e a cuíca, ambos tocados por Zé Eduardo, e que assaltam a canção entre as viajantes escalas do moog e da guitarra, em um daqueles momentos mágicos que a história da música fornece aos seus apreciadores.

Os violões e as vozes de "Foi Quando Eu Vi Aquela Lua Passar" parecem ter saído dos álbuns do Secos & Molhados, mostrando a versatilidade que o quarteto gerou na Casa Encantada, e temos novamente o maestro Duprat na linda "Sentinela do Abismo", com destaque para a introdução medieval de Venturini ao piano e flautas tocadas por César de Mercês, ex-músico do O Terço. "Flor de La Noche II" encerra o lado A com a letra em português de "Flor de La Noche", em um ritmo bluesy.

A clássica faixa-título abre o lado B, e assim como "Criaturas da Noite", essa canção ficou marcada entre os fãs do O Terço principalmente pelo emocionante arranjo vocal construído por Venturini e Luiz Carlos Sá. Mercês participa na canção executando um animado solo de flauta, e a partir de então, O Terço desbanca de vez para o progressivo, com "Cabala", um épico construído por Venturini junto com Zé Geraldo - que também trabalhou nas orquestrações e tocou violão na mesma  - cheia de quebradas indecifráveis, os sintetizadores enigmáticos e sua letra citando bruxas, rituais e magia, chegando na Maravilhosa "Solaris".

Capa dupla interna de Casa Encantada

Essa curta faixa instrumental "Solaris", composta por Luiz Moreno, tem uma potência delirante mais forte que qualquer coquetel de LSD com cogumelos. Venturini surge dedilhando o piano acompanhado por leves acordes de violão, deixando o piano comandar os acordes que "aquecem" a canção com os solos individuais de moog e guitarra, feitos ao mesmo tempo.

A bateria de Moreno surge timidamente entre os solos, retornando ao dedilhado do piano e aos acordes de violão, agora com leves batidas nos pratos, para Magrão socar seu baixo e começar uma insana sessão na qual o moog nos leva por horizontes infinitos de galáxias desconhecidas, com a bateria de Moreno sendo o motor da nave que atravessa as estrelas, constelações, planetas e nebulosas em uma viagem assustadora.

Repentinamente, o piano surge dedilhando novamente, e acompanhado do moog, encerra a canção com um majestoso solo, mas o suficiente para deixar seu queixo caído pela sala.

Flávio Venturini, Luiz Moreno, Sérgio Hinds e Sérgio Magrão

"O Vôo da Fênix" é outra canção famosa deste álbum, mesclando novamente elementos do samba com o progressivo britânico e com um refrão tão conhecido como o número de dedos do Ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva principalmente pela parte percurssiva de Zé Eduardo. Uma homenagem aos amigos Sá e Guarabyra encerra o álbum, com o velho folk rock dos tempos de O Têrço, em "Pássaro", outro grande sucesso do O Terço, contando com a participação de  Venturini no acordeão.

Após o lançamento de Casa Encantada, O Terço participou do do programa global Sábado Som. A banda fez uma média de 400 concertos entre os anos de 1975-1976, lotando teatros e eventos. Além dos festivais citados acima, vale a pena lembrar da homenagem que fizeram para os Beatles, junto com os Mutantes, em 1976.

Dois momentos do O Terço em 1976:
Sérgio Magrão,  Luiz Moreno, César de Mercês e Sérgio Hinds  (à esquerda);
Sérgio Hinds, Flávio Venturini, Sérgio Magrão e Luiz Moreno (à direita)

Novas músicas começavam a surgir, como "Raposa Velha" e "Suíte". Porém, Venturini decidiu sair e tentar a sorte ao lado de Beto Guedes. Mercês retornou definitivamente e junto com ele apresenta o novo tecladista, Sérgio Kaffa, que trabalhou muito na gravação do compacto "Amigos"/"Barco de Pedra" e também do álbum Mudança de Tempo, lançado em 1978.

Contendo músicas instrumentais e belos arranjos, esse disco completa uma trilogia essencial em qualquer armário de colecionador, destacando "Terças e Quintas", que lembra bastante as canções progressivas de bandas como Gentle Giant e PFM, com bastante marcações e viradas, "Mudança de Tempo", com dois temas e momentos muito distintos, e a jazzística "Descolada".
É neste álbum que surge o logotipo que caracterizaria a banda nos anos oitenta e noventa, e que foi criado por Guernot. A capa do álbum também teve duas versões, assim como Criaturas da Noite; uma com o logotipo sobre um fundo azul, e outra com o grupo olhando por uma janela, sendo que a primeira é muito rara.

As duas capas de Mudança de Tempo

Na divulgação de Mudança de Tempo, O Terço fez os seus primeiros shows internacionais, no chamado Concerto Latinoamericano de Rock. Foram três no Brasil (São Paulo, Campinas e Belo Horizonte) e dois na Argentina (em Buenos Aires, no Luna Park e em Rosário), sempre acompanhados pela banda Crucis, que iria ganhar uma homenagem no futuro álbum do O Terço, chamado Time Travellers (1993), com a faixa "Crucis".

Problemas com a gravadora e também a sensível mudança na sonoridade acabaram abalando as estruturas da banda, bem como o grave acidente de Hinds, que o impossibilitou de continuar a tocar por um bom tempo, sendo substituído para completar a turnê de divulgação do álbum por Ivo de Carvalho. Ao fim da turnê, ainda em 1978, O Terço anunciava seu término. Luiz Moreno montou a banda Original Orquestra e participou do álbum de Elis Regina Ao Vivo, de 1979. Sérgio Magrão fundou, ao lado de Flávio Venturini, Cláudio Venturini, Vermelho e Hely Rodrigues, o famoso conjunto 14 Bis, enquanto Hinds lançou seu primeiro álbum solo.

Anúncio do lançamento de Mudança de Tempo, na revista Pop

O Terço retornou em 1982, com Hinds, Ruriá Duprat (teclados), Zé Português (baixo) e Franklin Paolillo (bateria), lançando Som Mais Puro, com destaque para a faixa "Suíte", dos tempos de Venturini. O grupo seguiu com diversas mudanças de formação, lançando material regularmente e chegando a fazer os shows de abertura do Asia e do Marillion quando os mesmos passaram por aqui. Depois de Som Mais Puro, foram lançados O Terço (1990), o já citado Time Travellers (1993), Compositores (1996), Spiral Words (1998) e Tributo a Raul Seixas (1999), além do ao vivo Live at Palace (1994). 

Em 2001, A formação clássica - Sérgio, Venturini, Mercês, Magrão e Moreno - se reuniu para participar de um show de Venturini. Foi o pontapé inicial para uma reunião, que começou a tomar forma rapidamente. Porém, devido a uma parada cardíaca, Moreno veio a falecer em 2003, adiando o retorno por mais algum tempo.

Sérgio Hinds, Sérgio Mello, Sérgio Magrão e Flávio Venturini, em 2012

Em 2005 O Terço voltou a ativa com Hinds, Venturini, Magrão e Sérgio Mello substituindo Moreno, feito registrado no CD/DVD Ao Vivo, onde o grupo tocou, entre outras, "1974", "Tributo ao Sorriso" e "Criaturas da Noite", e também teve a participação especial do talentoso Marcus Vianna (Saecula Saeculorum, Sagrado Coração da Terra). Venturini retornou para sua carreira solo, mas O Terço continua fazendo shows, tendo a presença certa da Maravilha "1974", e por muitas vezes, a apresentação de "Solaris", comprovando o valor dessas duas Maravilhas criadas em terras brasilis. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...