quinta-feira, 24 de julho de 2014

Maravilhas do Mundo Prog: Mahavishnu Orchestra - Hymn To Him [1974]



Depois de encerradas as atividades da primeira formação do Mahavishnu Orchestra em 1973, após o lançamento do álbum Between Nothingness & Eternity, com a Maravilhosa "Dream", o guitarrista Mahavishnu John McLaughlin dedicou-se um tempo para excursionar ao lado do também guitarrista Carlos Santana, na época sob o pseudônimo Devadip, divulgando o álbum Love, Devotion, Surrender (1973) em homenagem ao guru espiritual Sri Chinmoy. Porém, uma pulga ainda coçava na orelha do britânico, e já em 1974, a Mahavishnu Orchestra renascia das cinzas, totalmente reformulada e mais orquestra do que nunca.

Afinal, a formação agora estava maior do que o quinteto original. A base ainda era um quinteto, estabelecido agora como McLaughlin, Gayle Moran (teclados, vocais), esposa do tecladista Chick Corea, Jean-Luc Ponty (violinos, ex-Frank Zappa), Ralphe Armstrong (baixo, vocais) e Narada Michael Walden (bateria, percussão, vocais), só que agora, McLaughlin adicionou ao seu grupo instrumentos essencialmente orquestrais, através de Michael Tilson Thomas (piano), Marsha Westbrook (viola), Carol Shive (violino, vocais) e Philip Hirschi (violoncelo, vocais), além das orquestrações da The London Symphony Orchestra, regidas pelo maestro Michael Gibbs. Tudo isso acessorado pelo mestre dos produtores, George Martin.

Essa grandiosa formação registrou o terceiro álbum de estúdio da Mahavishnu, o quarto de sua carreira, com os dois pés fincados fortemente no rock progressivo. O trabalho foi batizado de Apocalypse, e é algo próximo a isso que a orquestra exala durante a Maravilhosa faixa que encerra o álbum.

A grandiosa formação de Apocalypse. Em pé: Jean Luc Ponty (violinos), Joseph Danna (empresário), Geoffrey Emerick (engenheiro de som), Gayle Morgan (teclados, voz), Michael Gibbs (orquestração), Marsha Westbrock (viola), Roger Cawkwell (copista), Carol Shive (violinos, vocais), Philip Hirsche (violoncelo, vocais), Narada Walden (bateria), Gregory Digiovine (Equipamento de som) e Ralphe Armstrong (baixo). Sentados: Michael Thomas (condutor), George Martin (Produtor) e John McLaughlin (guitarras).

Antes de chegarmos na nossa Maravilha, passamos pela abertura de Apocalypse, na qual percebemos quão diferente a Mahavishnu se apresenta em relação aos álbuns anteriores, com as belíssimas passagens orquestrais de "Power of Love", seguida pela concorrenta a Maravilha Prog "Vision is a Naked Sword", repleta de importantes variações que mesclam com proeza o jazz fusion da primeira encarnação do grupo com o rock progressivo clássico que a segunda formação trouxe, através de uma estupefante perfomance de Narada Walden, bem como o endiabrado de arranjo feito por Michael Gibbs e os solos sobrenaturais de McLaughlin e Ponty. O lado A encerra com Gayle mostrando suas qualidades vocais na linda "Smile of the Beyond", uma das mais belas canções que já ouvi, mas que mesmo com todas as suas qualidades, ainda é superada pela principal canção do Lado B.

Tal lado abre com a jazzística "Wings of Karma", contando com uma enigmática trilha sonora instrumental na sua abertura e no seu encerramento, e que conduz o ouvinte até nossa Maravilhosa "Hymn to Hin". Essa pérola instrumental de dezenove minutos  e dezenove segundos é uma aula da incrível capacidade musical de três monstros em seus respectivos instrumentos: Narada Walden, Jean-Luc Ponty e John McLaughlin. O que esses seres de outro planeta registram na última canção de Apocalypse é para ser difundido eternamente entre os admiradores de boa música.

O Lado B de Apocalypse

"Hymn to Him" surge nas caixas de som com os acordes de violoncelo que apresentam o tocante tema da guitarra, quase lacrimejando suas notas, enquanto ao fundo violino, viola e oboé executam um tema distinto. Guitarra e violino começam a aparecer lentamente, sem esforço, entre escalas velozes, bends e vibratos, e o tema ao fundo é repetido periodicamente.

Violino e guitarra puxam então o tema que estava ao fundo, solando suavemente ao mesmo tempo, nota por nota, vagarosamente executando as mesmas passagens, acompanhados agora pela bateria de Narada, que surge com força trazendo uma vigorosa passagem de cordas e uma breve sequência apenas com a guitarra de McLaughlin solando sobre as batidas desbaratinadas de Narada e as deliciosas viagens das cordas.

Narada Michael Walden

Com a entrada do piano elétrico, Narada começa a soltar os braços, e McLaughlin a soltar seus dedos, fazendo seu primeiro solo na suíte, arrancando uivos de seu instrumento, até que repentinamente, o violino interfere no solo da guitarra, modificando totalmente a canção, que pega fogo com uma velocidade absurda das notas de McLaughlin e das batidas de Narada, o qual detona os dois bumbos. O frenêsi do solo de McLaughlin é alimentado pelo veloz duelo travado com os dedos de Ponty, que acompanha cada nota da guitarra com uma perfeição cirúrgica, enquanto ao fundo, baixo e piano fazem leves marcações, e a bateria sola em um mundo a parte, de forma agressiva e muito veloz.

A insanidade toma conta, e é impossível tentar distinguir quais as notas que estão sendo apresentadas pela dupla Ponty / McLaughlin, já que a velocidade das escalas é descomunal. Uma série de acordes modifica novamente a canção, trazendo uma orquestração e longos acordes de teclados, para a guitarra e o violino apresentarem um novo tema, repetido pelas cordas.

Gayle Moran

Marcações dançantes na bateria chegam na parte central da canção, quando o piano elétrico de Moran sola como se fosse seu marido Chick Corea quem está no posto, com notas velozes, subindo e descendo a escala do instrumento, sobre uma levada funk-soul criada por baixo, guitarra, violino e bateria.

Nesse embalo suave, guitarra e violino fazem mais um solo, agora de forma tranquila, sem agressividade ou velocidade, apenas apresentando diferentes temas sempre ao mesmo tempo, dando espaço então para Ponty poder se exibir ao ouvinte, pisoteando o wah-wah e arrancando uma sonoridade inesperada e bastante diferente de seu violino. A levada de Armstrong, e as viradas de Narada, também chamam a atenção, mas é Ponty quem rouba a cena, esfregando o arco do violino no instrumento para cima e para baixo, alternando momentos velozes e outro essencialmente melodiosos, levando-nos ao trecho final da suíte.

Mahavishnu John McLaughlin


Este começa com pouco mais de treze minutos de canção, e é para levantar defunto tamanha a cavalice sonora que se passa pelas caixas de som. Depois de toda a calmaria funk, as orquestrações aparecem assombrando o recinto, duelando com a velocidade das batidas de Narada. A partir daí, para cada intervenção das cordas, em uma velocidade descomunal, temos um gigantesco duelo entre guitarra e violino, um mais veloz que o outro, estraçalhando seus instrumentos durante exatos dois minutos para cair a casa. Bateria, violino e guitarra, os três instrumentos, fazem escalas infernais, enquanto o piano elétrico e o baixo faz as marcações entre os solos e as cordas fazem intervenções perfeitamente encaixadas, que encontram-se com o duelo dos dois gigantes Ponty e McLaughlin entre as enlouquecedoras viradas de Narada, em um crescendo inesquecível para quem ouve a canção pela primeira vez, com uma potência fantástica, resgatando as notas da introdução, ao mesmo tempo que guitarra e violino tentam superar a velocidade da luz em mais um duelo incrível, até que as cordas finalmente tomam conta das caixas de som.

O tema inicial é repetido pelas cordas, deixando McLaughlin e Ponty divertirem-se por alguns instantes em um mundo a parte, pertencente somente à eles, concluindo "Hymn to Him" apenas com as cordas fazendo o tema central e um tímido solo de oboé.

Jean-Luc Ponty

Apocalypse virou um marco na carreira da Mahavishnu Orchestra. Sua linda capa, arte criada pelo artista Pranavananda trazendo um flautista construídos por uma simbologia bastante cosmológica, emergindo de um rio no meio de uma floresta, praticamente tornou-se o símbolo do grupo (assim como são as capas de Dark Side of the Moon para o Pink Floyd ou a de Blind Faith para o grupo de mesmo nome). Para George Martin, este é um dos melhores álbuns que ele colaborou em toda a sua carreira.

A parte traseira ainda traz um belo poema de Sri Chinmoy, retirado do texto My Flute, de 1972, assim escrito:

"Within, without the cosmos wide am I;
In joyful sweep I loose forth and draw back all.
A birthless deathless Spirit that moves and is still
Ever abides within to hear my call.

Contra-capa de Apocalypse

I who create on earth my joys and doles
To fulfil my matchless quest in all my play,
I veil my face of truth with golden hues
And see the serpent night and python day.

A Consciousness Bliss I feel in each breath;
I am the self amorous child of the Sun.
At will I break and build my symbol sheath
And freely enjoy the world’s unshadowed fun".

Tradução

"Dentro, sem o cosmos grande eu sou;
Em varredura alegre eu solto adiante e chamo de volta todos. 
Um espírito imortal sem nascimento que se move e ainda existe
Sempre habita para ouvir o meu apelo.

Eu que criei na terra as minhas alegrias e Doles 
Para cumprir a minha missão incomparável em todo o meu exercício, 
Eu encobri o rosto de verdade com tons dourados 
E vi a serpente noite e python dia.

A Bliss Consciência que sinto em cada respiração; 
Sou o próprio filho amoroso do Sol 
Irei quebrar e construir a bainha de meu símbolo
e desfrutar livremente a divertida serena do mundo".

Após Apocalypse, a Mahavishnu fez uma série de shows, e sofreu uma nova mutação no seu line-up. Além do quinteto McLaughlin, Narada, Ponty, Moran e Armstrong, entraram nos estúdios Electric Lady de Nova Iorque para a gravação do quinto LP de estúdio da banda, durante dezembro de 1974, os músicos Carol Shive  (violinos, vocais), Russell Tubbs (saxofones), Philip Hirschi (violoncelo), Bob Knapp (flauta, trompete, flugelhorn, vocais) e Steve Kindler (violinos).

Último álbum com Gayle Moran
e Jean-Luc Ponty
Em 1975, temos o lançamento de grande álbum, Visions of the Emerald Beyond, o qual apesar de conter elementos progressivos, retornou bastante para o jazz-fusion da primeira geração do grupo, como atestam as duas partes de "Eternity's Breath" e "Be Happy", destacando a performance enlouquecedora de Narada Walden.

Poucas passagens são realmente progressivas, dedicadas para "Pastoral", "Pegasus", "If I Could See", "On the Way Home to Earth" e "Faith". Como novidade, a Mahavishun investe em dois excelentes funks, "Can't Stand Your Funk" e "Cosmic Strut", mas a guerra de egos afundava a barca. Visions of the Emerald Beyond marcou infelizmente o começo do fim de uma das maiores bandas que a música já ouviu.

Brigas internas afetaram bastante a continuidade da Orchestra, e a primeira a sair foi Gayle, que decidiu seguir em carreira solo e acompanhando Chick Corea. Na sequência, foi a vez de Ponty pedir as contas, evoluindo sua carreira solo de forma brilhante, com nove LPs lançados somente entre 1975 e 1980 (e mais uma dezena de discos a partir dos anos 80).

Shákti em ação

McLaughlin começou outro projeto seminal na história da música, o grupo Shákti, ao lado de L. Shankar (violin0), Ramnad Raghavan (mridangam), T. H. Vinayakaram (ghatam e mridangam) e Zakir Hussain (tabla), bastante voltado para o som indiano. Nesse ano, foi registrado o primeiro álbum do grupo, Shákti with John McLaughlin.

Último disco da Mahavishnu nos anos 70

Por questões contratuais, o canto do cisne da Mahavishnu Orchestra foi lançado em 1976, batizado de Inner Worlds, no qual John McLaughlin está acompanhado de Stu Goldberg (teclados) no lugar de Moyle e da cozinha Armstrong /Narada Walden. O disco visivelmente, e até por conta da gravação às pressas, não possui as mesmas qualidades de seus antecessores.

Mesmo assim, passando-se longe das religiosas "In My Life", "River of My Heart" e "Gita", com uma performance vocal nada convincente, é impossível não destacar o andamento de "The Way of the Pilgrim", a perfeita introdução percussiva e os duelos de sintetizador e guitarra de "All in the Family", a singela "Lotus Feet" e a delirante homenagem para Miles Davis em "Miles Out", sem dúvidas a melhor do LP.

Em seguida do lançamento de Inner Worlds, McLaughlin anunciou o fim oficial da Mahavishnu, e a partir de então, concentrou-se na Shákti, lançando mais dois belíssimos álbuns: A Handful of Beauty (com a Maravilhosa "India") em 1976, e Natural Elements (1977), ambos de sucesso mundial.

Al di Meola, John McLaughlin e Paco de Lucia


McLaughlin também tocou sua carreira solo em paralelo com a Shákti, lançando quatro discos entre 1978 e 1982 (Electric Guitarist - 1978, Electric Dreams - 1979, Belo Horizonte - 1981, e Music Spoken Here - 1982), além de ter participado do excelente trio de violões ao lado de Paco de Lucia e Al di Meola, registrando os perfeitos Friday Night In San Francisco (1981) e Passion, Grace and Fire (1983) com os colegas, seguindo o sucesso que havia começado em 1979 com o projeto Meeting of the Spirits, ao lado de Al di Meola e Julian Bream, registrado no excelente VHS / DVD de mesmo nome.

John McLaughlin, Mitchell Forman, Jonas Hellborg, Bill Evans e Billy Cobham. Mahavishnu em 1984.

O retorno na década de 80
Surpreendentemente, em 1984 o guitarrista resgatou o nome Mahavishnu, sem o Orchestra. O novo grupo tinha além de McLaughlin, Mitchel Forman (teclados, piano), Bill Evans (saxofone), Jonas Hellborg (baixo, fretless) e o excepcional Billy Cobham voltando a bateria do grupo. Chama a atenção o fato de McLaughlin praticamente largar a guitarra nesse álbum, concentrando-se principalmente no uso do sintetizador Synclavier, algo que outro GÊNIO da guitarra também fez um pouco depois, Frank Zappa.

Acompanhando o quinteto, estão Danny Gottlieb (peecussão) e Katia Labeque (sinclavier), sendo esse time o que gravou  o irregular Mahavishnu no mesmo ano. Chega a ser assustador (negativamente) o excesso de modernidade de "Jazz" e "Radio-Activity", mas escampam-se no geral a bonita "Nostalgia", a Weather Reportiana "East-Side, West-Side", e as inspirações em John Coltrane de "Pacific Express". Esse álbum conta com a participação de Hari Prasad Chaurasia na flauta e Zakir Hussain na Tabla durante a faixa  "When Blue Turns Gold".

Última formação da Mahavishnu: John McLaughlin. Bill Evans,  Mitchel Forman, Jonas Hellborg e Danny Gottlieb.
A despedida da Mahavishnu
Cobham acabou saindo do grupo logo em seguida, sendo substituído por John  Danny Gottlieb, e essa nova formação lançou o derradeiro álbum da Mahavishnu em 1987, Adventures in Radioland, trazendo um trabalho inspirado na música brasileira na canção "Florianópolis", clara homenagem ao nosso país, e também no synthpop, representado pelas esquecíveis  "Half Man - Half Cookie" e "Gotta Dance", que apesar das passagens técnicas de bateria e saxofone, não garante uma boa audição, principalmente pelo excesso da utilização do Synclavier, em nada combinando com o esperado para um disco da Mahavishnu.

Salvam-se apenas "Reincarnation", lembrando bastante a segunda formação do grupo, "Jozy" e "The Wall Will Fall", mais por conta da performance individual de Evans, Gottlieb e McLaughlin do que por conta da canção em si.

McLaughlin seguiu sua carreira solo a partir de então, reunindo-se com Al Di Meola e Paco de Lucia para uma turnê mundial em 1996, assim como resgatando a Shákti em 1997, com o projeto Remember Shákti, o qual fez uma série de apresentações entre 1997 e 2001. A totalidade de álbuns solo, bem como em participações em discos de outros artistas é infindável, mas o certo é que sempre fica a expectativa de que algum dia, a Mahavishnu Orchestra possa surgir nos palcos novamente para abrilhantar-nos com uma das mais perfeitas Maravilhas técnicas que o rock progressivo já propiciou ao mundo.

Um comentário:

  1. Apocalypse é um marco da minha infância juntamente com o álbum Focus con Proby! Direto do túnel do tempo...

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