Um dos maiores guitarristas da história também é um dos mais desconhecidos entre o grande público do rock 'n' roll. Estou falando de John McLaughlin. O inglês começou sua carreira como músico solo, percorrendo diversos pubs e teatros de Londres (inclusive fazendo uma rara jam com Jimi Hendrix), e teve uma formação clássica muito sólida, já que além de tocar guitarra e violão, McLaughlin estudou piano e violino.
Em 1969, o prodígio músico mudou-se para os Estados Unidos, quando foi convidado para acompanhar a banda de Miles Davis, registrando os álbuns In a Silent Way (1969), Bitches Brew (1970), A Tribute to Jack Johnson (1971), On the Corner (1972) e Big Fun (1974), esse último trazendo registros feitos por McLaughlin ainda em 1969. Em todos esses álbuns, o guitarrista destaca-se por uma técnica primorosa, empregando velocidade com sentimento de forma inédita, propiciando que seu nome fosse aclamado em todo o mundo.
A estreia solo de McLaughlin |
O trabalho com Davis levou McLaughlin a participar de gravações de outros gigantes, como Rolling Stones, Wayne Shorter, Larry Coryell, Jack Bruce e Miroslav Vitous, e ainda em 1969, McLaughlin já tinha gravado seu primeiro álbum solo, o excepcional Extrapolation, no qual ele, conforme sugere o nome, apresentando novas escalas, timbres e distorções para uma mistura perfeita de jazz com o rock, sendo um dos grandes discos de estreia da história da música, contando com a participação dos músicos Brian Odgers (baixo), Tony Oxley (bateria) e John Surman (saxofones), e destacando as faixas “It’s Funny”, “Pete the Poet”, “Two for Two” e “Binky’s Beam”.
O trabalho com Davis levou McLaughlin a participar de gravações de outros gigantes, como Rolling Stones, Wayne Shorter, Larry Coryell, Jack Bruce e Miroslav Vitous.
Segundo álbum de McLaughlin |
Em 1970, o segundo disco solo comprova o belíssimo trabalho de Extrapolation, o também excepcional Devotion, destacando a longa faixa-título e a participação mais que especial do baterista Buddy Miles, além dos músicos Larry Young (teclados) e Billy Rich (baixo). No álbum, aslém da faixa-título chamam a atenção “Don’t Let the Dragon Eat Your Mother”, “Dragon Song” e “Siren”.
Ainda em 1970, o guitarrista registrou o seminal Where Fortune Smiles, ao lado de John Surman (saxofones, clarinete), Dave Holland (baixo), Karl Berger (vibrafone) e Stu Martin (bateria), uma aula de jazz rock que chegou às lojas somente em 1971, e é uma das maiores preciosidades para os fãs do músico inglês.
Primeira homenagem para Chinmoy |
No final de 1970, a carreira de McLaughlin começou a dar uma grande guinada. O guitarrista começou a ter contato com a religião hindu, tendo como líder espiritual Sri Chinmoy (o mesmo que veio a orientar na mesma época Carlos Santana), o qual foi apresentado ao guitarrista pelo empresário de Larry Coryell.
Chinmoy acabou influenciando bastante na parte criativa do inglês, que mudou seu nome, adotando o Mahavishnu (deus hindu que significa além da compreensão do homem) antes do John McLaughlin e gravando um álbum totalmente inspirado na música oriental, utilizando-se somente de instrumentos acústicos que foram registrados em seu terceiro disco solo, My Goal's Beyond, o primeiro álbum ligado ao músico a conter instrumentos indianos (no caso a tabla e a tanpura), lançado em 1971. Esse álbum conta com a participação do percussionista brasileiro Airto Moreira.
No mesmo ano, McLaughlin decide expandir seus conhecimentos musicais, e apostando na união de músicos de diferentes países, lançando ao mundo a Mahavishnu Orchestra, um incrível quinteto constituído de exímios músicos de diferentes países, com o inglês McLaughlin (guitarra e violões), o americano Jerry Goodman (violino), que havia feito sucesso com o grupo The Flock no final dos anos 60, o irlandês Rick Laird (baixo), que havia acompanhado a banda do tecladista Brian Auger, o tcheco Jan Hammer (teclado, piano elétrico) e o panamenho Billy Cobham (bateria), que também havia passado pela batuta de Miles Davis.
Mahavishnu John McLaughlin e sua gigantesca Double Neck |
Essa formação foi pioneira, praticamente criando o que hoje convencionou-se chamar de jazz fusion, empregando uma fusão de elementos do free jazz com o blues, o jazz tradicional, o rock e a música clássica, além da música hindu, funk e ritmos complexos, próximos ao rock progressivo. A ideia de Mahavishnu John McLaughlin era muito clara. Para ele, o violino deveria ser o instrumento principal, junto da guitarra, que não era apenas uma guitarra, mas uma double-neck composta por um braço de doze cordas e outro de seis, permitindo ampliar escalas e timbres.
A imagem de McLaughlin empunhando essa gigantesca double-neck acabou virando marca registrada do guitarrista. Além disso, os teclados de Jan Hammer não eram teclados comuns, mas um mini-moog sintetizado que permitia alcançar sons extremamente inovadores, como as famosas distorções que mudam as frequências das notas do grave para o agudo (aquele botão esquerdo que tem no lado do moog, que faz a nota soar com uma variação marcante de frequência).
A estreia da Mahavishnu Orchestra |
O álbum de estreia da Mahavishnu Orchestra foi lançado ainda em 1971, sob o nome de The Inner Mounting Flame, e é um perfeito atestado do que o fusion representa ao mundo, através das faixas "Dawn", "The Noonward Race", "Vital Transformation" e "You Know You Know", além de uma interessante rendição ao blues durante "The Dance of Maya".
Porém, escondidos entre a densa camada de fusion, elementos progressivos fazem-se presentes nas canções "A Lotus on Irish Stream" e "The Meeting of Spirits", trazendo intrincadas passagens de violinos, guitarras e teclados, bem como uma cozinha afiadíssima e concorrente a uma das melhores de todos os tempos. O álbum ainda tem a singela "Awakening", mais uma homenagem de McLaughlin ao seu líder espiritual.
The Inner Mounting Flame ficou em décimo segundo lugar nas paradas de jazz dos Estados Unidos, ficando entre os 100 mais na parada total da Billboard (posição 89).
Segundo LP da Mahavishnu |
O sucesso da Mahavishnu Orchestra propiciou uma grande temporada de shows pelos Estados Unidos, e em agosto de 1972, houveram poucas semanas para a gravação do segundo registro do grupo, com o mesmo time lançando Birds of Fire em março de 1973. O LP mantém a linha de seu antecessor, abrindo com a paulada da faixa-título, somente com canções mais curtas, que investem bastante no lado mais acessível (por que não pop) como no suingue Southern de "Open Country Joy" ou um londo solo de bateria durante "One Word".
O progressivo que escondia-se no álbum anterior está mais obscuro ainda em Birds of Fire, aparecendo com clareza somente nas linhas acústicas de "Thousand Island Park". Nas demais canções, a base do jazz fusion destaca-se, principalmente na homenagem à Miles Davis, "Miles Beyond", nas curtas "Celestial Terrestrial Commuters" e "Hope", a quase balada "Hope" e a magistral "Sanctuary". Complementa o álbum uma vinheta de vinte e quatro segundos, batizada "Sapphire Bullets of Pure Love", que pouco acrescenta ao mesmo.
Birds of Fire alcançou a décima quinta posição na Billboard, alavancando cada vez mais o nome de McLaughlin entre os americanos e o mundo.
Contra-capa de Between Nothingness & Eternity |
O grupo saiu para mais uma série de shows, mas logo começaram a surgir as desavenças. Durante a perna europeia da turnê, começam a registrar o terceiro LP em Londres, mas Hammer e Goodman já mostravam-se bastante insatisfeitos com a forma como McLaughlin governava seus colegas durante as gravações. Os músicos não falavam-se mais, e então, houve a separação final da Mahavishnu Orchestra, mas para suprir os problemas contratuais, resolvem lançar um álbum ao vivo, trazendo registros de duas apresentações no Central Park (Nova Iorque) nas datas de 17 e 18 de agosto de 1971.
Between Nothingness and Eternity é o nome da bolacha, lançada em novembro 1973, e que surpreende com uma nova sonoridade, totalmente calcada no rock progressivo e sem tantas inspirações no fusion, tanto que apenas três músicas estão no LP, o qual abre com os ensandecidos e sensacionais duelos de McLaughlin e Hammer de "Trilogy", destacando os solos de Jerry Goodman e a performance soberba de Billy Cobham, seguida pela elegante e encantadora "Sister Andrea", com seu embalo Motown e as linhas intrincadas de guitarra e violino.
“Dream”, ocupando todo o lado B de Between Nothingness & Eternity |
No Lado B, ocupando todo o sulco do vinil, está a Maravilhosa "Dream", a qual surge quase que surdamente, com o violino executando pequenos arpejos junto da guitarra. Essas notas vão aumentando de volume lentamente, assim como a velocidade das escalas soladas por McLaughlin, que sola sozinho com escalas ques tornaram-se características do seu estilo, quase que incompreensíveis ao ouvido humano tamanha a velocidade.
Goodman passa a solar sozinho, com o violino e utilizando com escalas não tão velozes, de uma forma menos agressiva, utilizando-se vez que outra de um pouco de velocidade, trazendo o piano elétrico de Hammer, que puxa o riff de "Dream" junto de baixo e bateria, explodindo no magnífico duelo de violino e guitarra, executando as mesmas notas com uma velocidade incrível, enquanto Laird maltrata seu wah-wah, tirando um som infernal de seu baixo, Cobham transforma-se em um polvo na bateria, em viradas malucas e uma velocidade assombrosa, e Hammer demole seu piano elétrico lembrando os bons tempos de Chick Corea.
Essa fantástica introdução leva-nos para mais um rápido trecho com violino e guitarra fazendo as mesmas notas, e a partir de então, começam os duelos, primeiro com Hammer e McLaughlin confrontando-se em escalas muito velozes, mudanças de acordes em um ritmo comandado apenas pelos dois, sem a presença dos outros músicos, ritmo esse que é extremamente rápido e complexo. Bateria e baixo voltam junto do violino, mostrando que o palco está pegando fogo com o duelo de guitarra e piano elétrico, e então Goodman resolve participar da brincadeira, solando entre as pesadas distorções da guitarra e as batidas aniquiladoras de Cobham.
O ritmo modifica-se, e com McLaughlin puxando um ritmo dançante, é a vez de Goodman começar seu solo, acompanhado pelo baixão de Laird e uma suingada levada de bateria. As notas extraídas do violino são furiosas, e ao fundo, é possível perceber que baixo e guitarra repetem o riff da clássica "Sunshine of Your Love" (Cream) por diversas vezes, enquanto Goodman e Cobham fazem um show a parte em seus respectivos instrumentos, um mais genial e perfeito do que o outro, com uma técnica incomum.
Goodman, McLaughlin, Cobham, Laird e Hammer |
O solo de violino encerra-se com uma série de repetições feitas por guitarra, sintetizadores e violino, levando então para o solo de McLaughlin, que mantém a velocidade e o ritmo dos anteriores. Porém, como sabemos, executar notas velozes na guitarra não é algo tão simples, e McLaughlin torna isso ainda mais difícil por que ele não utiliza-se de vibratos, arpejos ou bends. São seus dedos que deslizam casa por casa do instrumento com uma agilidade impressionante, confrontando seus ritmos com as batidas de Cobham, seja nos pratos, na caixa ou nos tons.
Esse magnífico duelo é daqueles de serem registrados nos anais da história do rock progressivo pela perfeição e demonstração do quão sobrenaturais os músicos do estilo são, já que tentar reproduzir o que é feito por esses monstros da música é impossível. Tanto McLaughlin quanto Cobham extrapolam os limites das possibilidades imagináveis de pegada, feeling e velocidade, principalmente no momento central do solo, onde chega a ser absurdo o que os dois constroem, expelindo uma quantidade infinita de notas em tão poucos segundos.
No sentido horário: Billy Cobham, John McLaughlin, Jerry Goodman, Rick Laird e Jan Hammer |
Repentinamente, Cobham torna tudo dançante, trazendo o baixo e acalmando a fúria da guitarra, que passa a construir um riff final, dividindo espaço com violino e sintetizadores, levando ao final da lunática "Dream" com uma magistral performance dos cinco instrumentos repetindo as mesmas batidas ao mesmo tempo, hipnotizando nossa mente e voltando para o riff inicial de violino e guitarra, de onde brota o suingue de baixo e bateria, com as intervenções do piano elétrico, para McLaughlin rasgar a sua guitarra com notas agressivas, que dividem espaço com o violino para mais uma pancadaria final entre os dois, e a Maravilhosa "Dream" fica com longos vibratos de guitarra e violino sobre o ritmo cadenciado do baixo, bateria e órgão, até encerrar-se com rufadas na bateria e uma singela batida no gongo, sobre aplausos frenéticos dos presentes no Central Park.
O tal álbum que começou a ser gravado em Londres saiu anos depois (1999) sob o título de The Lost Trident Sessions, trazendo como destaque a versão de estúdio para "Dream". No dia 30 de dezembro de 1973, era anunciado oficialmente o fim da Mahavishnu Orchestra, após 530 apresentações em menos de dois anos. Jan Hammer partiu para uma carreira solo de sucesso, e ainda fez parte da banda de Jeff Beck que registrou Wired (1976), bem como o ao vivo Jeff Beck With The Jan Hammer Group Live (1977).
John McLaughlin (e sua double neck), Jerry Goodman, Jan Hammer, Billy Cobham e Rick Laird |
Cobham também investiu na sua carreira solo. Em 1973, gravou o aclamado Spectrus, contando com a presença do jovem Tommy Bolin nas guitarras, e na sequência, vieram Crosswinds (1974), Total Eclipse (1975) e uma série de álbuns que consolidaram Cobham como um dos maiores bateristas de sua geração, fazendo do mesmo um dos músicos mais requisitados por outros artistas para gravar a bateria em seus álbuns.
Goodman registrou o álbum Like Children (1975) ao lado de Jan Hammer, e ficou dez anos afastado da música, até que em meados dos anos 80, voltou a aparecer em uma carreira solo que não foi de grande sucesso. O músico passou a tocar ocasionalmente em estúdio e em apresentações como convidado, mas não mais integrou alguma banda. Laird lançou um único álbum solo, em 1977, batizado de Soft Focus, e hoje é um famoso fotógrafo de performances de jazz.
Mahavishnu John McLaughlin, Sri Chinmoy e Devadip Carlos Santana |
Por fim, McLaughlin registrou, em 1973, o álbum Love, Devotion, Surrender, ao lado do guitarrista mexicano Carlos Santana, que na mesma época havia conhecido Sri Chinmoy, e adotado o nome de Devadip Carlos Santana. Em 1974, o inglês resolveu recriar a Mahavishnu Orchestra, criando uma verdadeira orquestra musical que nesse ano, lançou a segunda Maravilha Prog, como veremos em quinze dias aqui nessa sessão.
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