terça-feira, 14 de novembro de 2017

Aerosmith - Parte II



Depois do hiper-sucesso de Toys in the Attic, o Aerosmith começa a ganhar a segunda metade da década de 70 como uma das maiores bandas de todos os tempos, e para isso, seu quarto disco, lançado em 1976, é o principal álbum da fase inicial do Aerosmith. 


Rocks, álbum de cabeceira de muitos gigantes do rock dos anos 80

De Rocks saíram três singles de extremo sucesso, que colocaram os americanos no Top 3 da Billboard: "Back in the Saddle", pesada faixa cujo refrão é para jogar o ouvinte na parede, tamanha sua violência, e cujo final é um momento de pura ode à Jimmy Page por parte de Perry, responsável também pelo baixo de seis cordas dessa faixa, a baladaça "Home Tonight", mais uma vez atestando que o Aerosmith sempre soube fazer baladas desde suas origens, com Tyler abrindo a garganta acompanhado pelo piano, e com um show de Perry na lap steel guitar, e "Last Child", cuja introdução engana muita gente, já que a leve balada vira um funk suave e cheio de groove com destaque para o grandioso solo de Whitford, mostrando que ele estava muito além de ser um mero guitarrista base. 

Vale citar que essa canção traz a presença do banjo de Paul Prestopino, de forma bastante experimental. Aliás, as experimentações rolam solta, basta ver que em "Sick as a Dog" Hamilton assume a guitarra, enquanto Perry vai para o baixo, o que em nada prejudica a harmonia da banda, e pelo contrário, cria mais um clássico. Ainda temos mais faixas que nos remetem indiretamente ao Led, como "Combination", com os vocais dobrados de Tyler e Perry, "Nobody's Fault", cuja semelhança não fica apenas no nome", e que para Kramer é sua melhor performance musical - o que considero uma boa possibilidade - e "Lick and Promise", bela pancada para acordar aquele vizinho pagodeiro, com pinceladas punk mas com fortes influências zeppelianas na guitarra de Perry. 


Tyler refrescando-se no RFK Stadium, em 30 de maio de 1976

Porém, não é uma cópia pura e simples, existe uma incrementação musical ao som do Led que diferencia bastante o aspecto geral dessas canções, tornando o Aerosmith inovador, seja nas passagens viajantes de guitarra, na levada sempre truculenta e pesada de Hamilton e Kramer, mas acredito que, principalmente, na performance vocal de Tyler, um vocalista bastante injustiçado nas listas de melhores, e que assim como Perry e Kramer, nessa época estava vivendo seu auge musical. 

As faixas rockers também marcam presença, e esse espaço aqui é dedicado para a excelente "Rats in the Cellar", rockzão endiabrado para sacudir o esqueleto, na linha da pancada que foi "Train Kept a Rollin'" no disco anterior, inclusive com Tyler abrilhantando a presença da harmônica, e o boogie regado de malícia em "Get the Lead Out", também com a presença da harmônica.  O disco que alcançou platina logo de seu lançamento (e hoje é platina quádrupla), é influência certa para muitas das bandas do hard rock e até mesmo do heavy metal nos anos 80. 

Slash considera esse seu disco de cabeceira, Vince Neil já afirmou que esse é o disco que fez ele virar músico, e muitos outros nomes da década de 80 - Testament, Metallica, Anthrax, ... - babaram ovo para Rocks, então, não preciso falar mais nada. Apenas que foi aqui que o excesso de drogas e álcool começou a surtir efeito no grupo, com a imprensa apelidando Tyler e Perry "toxic twins", e que viria a ter efeito anos depois. Mas antes, outro grande disco chegaria ao mundo.


O melhor disco, para mim, dos americanos

Draw the Line, lançado em 1977, é o meu preferido de todos os discos do Aerosmith, é assim que defino esse álbum. Poucos discos do final da década de 70 se dão ao luxo de não ter nada para corrigir, e esse com certeza é um deles. Começando pela faixa-título, um dos riffs mais sujos que Perry e Whitford criaram, já sabemos que o quinteto veio para arrasr o quarteirão, seja pelo abuso dos slides por Perry, ou simplesmente, por que o baixo de Hamilton está socando a cara do ouvinte sem piedade. 

Depois, somos conduzidos por uma mutação stoniana incansavelmente deliciosa chamada "I Wanna Know Why", com o piano de Scott Cushnie sendo o centro das atenções, ao lado do saxofone de Stan Bronstein, piano presente também na homogeneidade sonora do viajante boogie "Critical Mass", onde junto com baixo, harmônica, vozes e muitas guitarras causa uma sensação de hipnose que fará seu corpo balance por vários minutos, ainda mais por que na sequência, o Aerosmith traz mais um daqueles hards-funks que abre o sorriso na boca do pessoal da Motown, com o nome de "Get It Up", em mais uma assombrosa coleção de notas musicais em uma mesma canção, contando com a participação dos vocais de Karen Lawrence. 


Curioso compacto de "Draw the Line", no qual a
capa apresenta uma foto invertida dos músicos
Por fim, encerrando esse incrível lado A, "Bright Light Fright" é uma faixa punk com o saxofone rasgado de Bronstein e que é a primeira canção a contar com os vocais exclusivos de Perry. Mas calma, estamos apenas no lado A. "Kings and Queens" resgata o banjo de Paul Prestopino e o piano de Tyler, bem como apresenta o produtor Jack Douglas ao mandolin, em uma balada amarga e pesada que está longe das açucaradas canções dos anos 90, e com um riffzão poderoso, bem como uma virada em sua segunda metade, a qual leva para o solo de Perry através de um baixo altíssimo, que arrepia até os cabelos do suvaco, ainda mais com os longos acordes de sintetizadores. Que baita música. 

O grupo estava tão solto que é impossível descrever o que eles criaram em "The Hand That Feeds", uma espécie de disco music com guitarras distorcidas, que nunca ouvi nada similar, e com belos solos de guitarra. Voltamos aos hard-funks em "Sight for Sore Eyes" - mais uma canção que nos remete aos Stones, e Draw the Line encerra com o cover para "Milk Cow Blues" (de Kokomo Arnold), boogiezão agitado que fecha com chave de ouro o álbum mais cru, mais punk, mais heavy, mais bom de ouvir que o grupo fez, em toda sua integridade, e que foi bastante criticado pela imprensa quando de seu lançamento, por não ser tão genial quanto Rocks. Que se ralem, o disco é duca, e mesmo tendo apenas conquistado platina dupla nos EUA, deve ser ouvido sem medo.




O famoso Live! Bootleg (acima); Aerosmith no filme de Sgt. Pepper's (centro)
e o álbum trilha sonora do filme (abaixo)

Da longa turnê de promoção do álbum pelos Estados Unidos nasce Live! Bootleg, o primeiro ao vivo da banda lançado em 1978. No mesmo ano, o grupo participou do filme Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, bem como da trilha do mesmo, registrando uma versão impecável de "Come Together" que ficou tão famosa quanto a original do The Beatles.


Considerado o mais fraco disco do Aerosmith nos anos 70

Em meio há muita turbulência, chega às lojas o sexto álbum da banda, Night in the Ruts, lançado em 1979. Nesse período, Tyler tomava drogas desde o café da manhã até a ceia, e estava com grandes dificuldades de compôr. Além disso, as baixas vendas de Draw the Line fizeram com que a gravadora da banda os obrigasse a sair em turnê mais uma vez, com o objetivo que conseguir ressarcir os gastos da gravação. 

Essa turnê gerou ainda mais brigas internas, com os músicos praticamente separando-se de suas esposas. Perry foi o que mais sofreu com isso, e consequentemente, o resultado final foi um atraso de dois anos no lançamento de Night in the Ruts. Esse longo período acabou afetando o processo de conclusão das canções, com o grupo tendo que apegar-se a três covers para fechar um track list bastante curto, que originalmente, sem as covers, ficaria com apenas vinte minutos. 

Encarte do último álbum de Perry com o grupo

O grande sucesso do disco foi a baladaça "Mia", com a participação de Richard Supa nas guitarras, substituindo Perry (conforme explico a seguir) e trazendo Tyler ao piano para dar um tapa na cara daqueles que insistem em dizer que a banda só fez baladas pós-Pump. Aliás, dentre as covers, há mais uma balada, "Remember (Walking in the Sand)", de George Mothon, um grande sucesso das The Shangri-las e que aqui ganhou um singelo mas belo solo de Perry, além de uma exímia interpretação vocal de Tyler e da participação de uma das Shangri-las nos backing vocals, no caso Mary Weiss. 

Os outros covers são o sensacional blues de Jazz Gillum, em parceria com Joe Bennett e Lester Melrose, "Reefer Head Woman", com um maravilhoso solo de harmônica por Tyler, e a versão para "Think About It", na mesma linha do último registro oficial dos The Yardbirds, até com Perry encarnando Page e aumentado ainda mais sua paixão pelo Led. Aliás, falando em Led, Three Mile Smile", poderia tranquilamente estar presente em Presence (Led Zeppelin), enquanto o slide guitar de "Cheese Cake" sempre me remete à "In My Time of Dying", mas com um refrão grudento para diferenciar dos deuses britânicos.

Há os rocks sujos que consagraram os americanos, como a ótima "No Surprize" (com Z mesmo), tendo também a participação de Supa no lugar de Perry, o ritmo dançante mas pesado da quase disco "Chiquita", com muita distorção nas guitarras e uma importante participação do naipe de metais de George Young (saxofone alto), Lou Delgotto (saxofone barítono), Lou Marini (saxofone tenor) e Barry Rogers (trombone), bem como as explícitas referências disco em "Bone to Bone (Coney Island White Fish Boy)" (certamente o The Clash deve ter ouvido essa faixa para fazer algumas de suas canções fase Combat Rock e Sandinista!. 

Aerosmith com segunda formação: Kramer, Hamilton, Tyler, Jimmy Crespo e Whitford
O nome do disco é um trocadilho com Right in the Nuts (direto nas bolas), e em termos de vendas, conquistou platina apenas em 1994, tendo como ponto máximo de colocação a 14a posição na Billboard.

Perry acabou deixando a banda no meio das gravações de Night in the Ruts, e por isso Supa ocupou seu lugar, mas não por muito tempo, já que para a turnê de divulgação do álbum, Jimmy Crespo foi o escolhido. Foi um tiro na perna para os fãs da geração antiga, já que Crespo possuía um visual bastante "colorido" e diferente, exibindo bastante seu corpo jovem e cheio de pêlos, o que atraiu a mulherada, mas mandou embora muito dos fãs antigos. Durante essa turnê, em 1980, Tyler teve um colapso em pleno palco, no que ficou conhecido como o Incidente de Portland. 

Steven Tyler, desmaiado em Portland

O Aerosmith estava no fundo do poço, e a solução encontrada pela gravadora Columbia, detentora dos direitos do grupo, foi lançar a coletânea Greatest Hits, que vendeu mais de 11 milhões de cópias somente nos Estados Unidos. Quando parecia que o gupo voltaria ao normal, Tyler sofreu um grave acidente de moto no outono de 1980, ficando hospitalizado durante dois meses. 

Decepcionado, Whitford abandonou a barca grupo, surpreendendo o mundo ao formar o Whitford / St. Holmes ao lado de Derek St. Holmes, pouco depois das gravações iniciais do novo álbum começar. Para seu lugar, o francês Rick Dufay foi o homem escolhido, devido principalmente pelo bom trabalho no seu álbum solo, Tender Loving Abuse (1980), e também pelo visual ser muito similar ao de Crespo. Era uma nova era que começava para o grupo.

Contestado na época, hoje reconhecido como ótimo disco

Depois de muita água passar por debaixo da ponte nesse período, e com a entrada oficial de Jimmy Crespo e Rick Dufay, o grupo entrava em um período reciclado, que culminou em um disco bastante contestado e depreciado pelos fãs. Porém, como muitos outros, aos poucos o pessoal vem entendendo as qualidades de Rock in a Hard Place, um disco sensacional, lançado em 1982 com muita força, que mostra que mesmo a base de drogas pesadíssimas, ainda eram capazes de criar obras atemporais como a violenta "Jailbait", a swingada e pegada "Bolivian Ragamuffin", uma das melhores faixas do Aerosmith nos últimos 35 anos, com um show de Crespo no slide. 

A presença dos teclados na bizarra vinheta "Prelude to Joanie", e principalmente em "Lighting Strike's" dá um ar oitentista ao som da banda, sendo que na última temos a única participação de Whitford. O prelúdio de Joanie leva para "Joanie's Butterfly", faixa trabalhada em um clima oriental e trazendo como convidados John Lievano nas guitarras e nos violões e o violino de Reinhard Straub. 

Formação em 1982: Hamilton, Kramer, Tyler, Dufay e Crespo

Como sempre, umas referências ao Led tem que rolar, e elas aparecem em "Jig Is Up", assim como uma baladinha, e novamente o grupo se apega para um cover, fazendo uma emocionante interpretação bluesy para "Cry Me a River" (Arthur Hamilton), onde a interpretação de Tyler é de tirar o chapéu e comê-lo sem sal, já que suas lágrimas irão temperar o chapéu com esse gosto, blues esse que embriaga a casa na chapante "Push Comes to Shove", outra faixa seminal de um disco impecável. 

Ainda temos a pegada Aerosmith de sempre em "Bitch's Brew", apresentando um enganador dedilhado de violão, e da sensacional faixa-título, com a presença do saxofone de John Turi. Vale destacar que Dufay não participou de nenhuma faixa do disco, apesar de ter sido creditado no mesmo, pois quando ele foi oficializado como o quinto membro, o disco já havia sido concluído.  Considerado o maior fracasso comercial da banda (o único disco que conquistou apenas ouro em termos de vendas), Rock in a Hard Place está aí para ser ouvido por novas mentes dispostas a superar o preconceito e deparar-se com uma incrível obra, a qual considero um Top 3 na discografia da banda. Sua turnê não foi das melhores, com Tyler novamente passando problemas durante uma apresentação em Worcester. 

A Columbia despediu o grupo, e o fim era a saída mais óbvia. Mas, como uma Fênix, em 14 de fevereiro de 1984, Perry e Whitford voltaram ao grupo, o que veremos em quinze dias como o grupo volta ao cenário mundial com toda a força, conquistando uma nova geração de fãs e se tornando uma das bandas mais vendidas de todos os tempos, gerando mais uma penca de álbuns essenciais. 

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