quinta-feira, 31 de maio de 2012

Maravilhas do Mundo Prog: Rita Lee - Superfície do Planeta [1972]



Quando o ano de 1972 começou, poucos imaginariam que ele terminaria de forma tão confusa e rancorosa para o grupo brasileiro Mutantes. Afinal, o quinteto paulista estava no auge da sua carreira, consolidados como principal banda do rock nacional e tendo na liderança um ícone chamado Rita Lee (voz, teclados, theremim, percussão, flauta).

Rita era o centro das atenções em um grupo jovem mas experiente, trazendo Arnaldo Baptista (teclados, vocais), Sérgio Dias (guitarra, sitar, vocais), Liminha (baixo) e Dinho Leme (bateria), e dois anos antes, por insistência da gravadora Polydor, havia tentado uma carreira solo com o álbum Build Up, que fez relativo sucesso por causa da canção "Sucesso, Aqui Vou Eu". Mas, mesmo com o Mutantes mandando na cena brasileira, as coisas internamente não estavam nada bem.

Tudo por que o relacionamento do casal Rita e Arnaldo estava indo de mal a pior, junto com as brigas para ver qual direção o som do grupo deveria seguir. Sérgio, Arnaldo, Liminha e Dinho defendiam a adoção do rock progressivo, enquanto Rita insistia em querer manter o tradicional som da Tropicália que havia revelado o grupo.
Rita Lee em 1972. Futuro incerto ao lado do Mutantes
A solução encontrada pela Polydor foi acalmar os ânimos do quinteto, lançando assim um disco sob o nome Mutantes e outro sob o nome de Rita Lee. Desta forma, poderiam fazer o que bem entendessem em cada um dos álbuns, sem gerar atritos e discussões, e principalmente, mantendo a união entre os membros. 

Na prática, não foi assim que funcionou. Enquanto o disco do Mutantes, o espetacular Mutantes e Seus Cometas no País dos Bauretz, mergulhava de cabeça no progressivo, destacando a suíte faixa-título, mas traz momentos Ritanianos como "Todo Mundo Pastou" e "Rua Augusta", o disco de Rita Lee virou praticamente um disco solo de Arnaldo e Sérgio, que meteram a mão literalmente na obra, fazendo desse mesmo um filho muito bem abonado do disco do grupo maior.
Rita Lee, preparando-se para sair do Mutantes
Hoje É o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida é um dos verdadeiros achados na música nacional. Em suas dez faixas, as habilidades musicais de Rita, Arnaldo, Sérgio, Liminha e Dinho são colocadas à prova, e raras são as canções onde o progressivo não aparece com ênfase. Apesar de Rita tentar de tudo que é jeito mostrar que o disco é seu, trazendo letras engraçadas e fazendo as vocalizações que marcaram sua fase inicial, a participação do Mutantes como grupo de apoio modifica totalmente o ar do disco, tornando-o muito mais atraente.

"Vamos Tratar da Saúde", "Beija-Me Amor", "Amor Branco e Preto", "De Novo Aqui Meu Bom José" e "Tiroleite" são as faixas mais próximas do que Rita Lee sugeriu para seu disco, relembrando a fase inicial do Mutantes, ainda como trio, mas sempre com pitadas progressivas, as quais viram um verdadeiro caminhão quando ouvimos a faixa-título, "Teimosia", "Tapupukitipa" e "Fique Comigo", nas quais o baixo de Liminha duela forte com os teclados de Arnaldo e a guitarra ácida de Serginho.

Arnaldo Baptista em 1972
Porém, é na maravilhosa faixa de encerramento de Hoje É o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida que Rita e os Mutantes se superam. "Superfície do Planeta" é uma obra perfeita, na qual Serginho, responsável por comandar os dramáticos vocais da canção, joga para fora qualquer bom senso de interpretação, com gritos rasgados e alucinantes que servem apenas para enaltecer ainda mais o seu talento.

Nossa maravilha começa com barulhos de vento, trazendo as variações de acordes da guitarra que acompanham o sussuro vocal de Rita, explodindo nos acordes de órgão, com o baixo e os pratos marcando o tempo para Serginho gritar forte. A segunda estrofe é feita com os sussuros de Rita, tendo Arnaldo avisando: "Preste atenção na letra!", e trazendo mais gritos de Serginho, chegando no refrão, onde um pequeno tema da guitarra surge sob os gritos.

Barulhos de tiros apresentam a complicada escala de baixo, repetida pela guitarra, e assim, começa a batalha feroz entre baixo e guitarra, um engolindo o outro através de diversas repetições do mesmo tema, voltando então para o início sussurrado da canção. Barulhos de discos voadores repetem então a segunda estrofe da letra, com Serginho gritando como nunca, e assim, "Superfície do Planeta" encerra-se com as lindas notas da guitarra acompanhadas pela imponente marcação do órgão, baixo e bateria, enquanto diversos efeitos são adicionados na voz de Sérgio.

Para complementar, um tímido Arnaldo nos pergunta, entre barulhos de disco voador, corda quebrando e tiros, a frase "Você entendeu?", uma sacanagem direta para a intrincação musical que é Hoje É o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida, e principalmente, "Superfície do Planeta".
Sérgio Dias e sua Sitar. Início de uma era progressiva
Ainda em 1972, o Mutantes lançou a maravilhosa "Mande Um Abraço Pra Velha". No mesmo ano, Rita saiu do grupo para seguir uma carreira com altos e baixos, primeiro ao lado do Tutti Frutti e depois com o marido Roberto de Carvalho, virando a Rainha do Rock nacional e mostrando aos brasileiros suas intimidades com Roberto detrás de quatro paredes.

O Mutantes seguiu peregrinando pelo progressivo por mais alguns anos, vendendo poucos discos, mas sendo reconhecido como a maior banda de rock do país, inclusive tendo a oportunidade de divulgar o rock progressivo Made in Brasil na Europa. Um ótimo exemplo de que em nosso país, música de qualidade era feita por jovens que tinham além de talento e criatividade, capacidade emocional para compor maravilhas como "Superfície do Planeta".

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