quinta-feira, 12 de junho de 2014

Maravilhas do Mundo Prog: Supertramp - Rudy [1974]



A década de 70 foi prolífica na difusão do rock progressivo, e isso é inegável. Todas as grandes bandas do estilo surgiram entre 1968 e 1977, quando o rock progressivo foi destruído em praça pública pelo punk, mas perdeu espaço realmente para a New Wave of British Heavy Metal (NWOBHM), que fez crescer a cena metálica a partir de 1978 e ganhar a década de 80 com nomes como Judas Priest, Iron Maiden, Def Leppard, Saxon entre outros.

Mas enquanto o rock progressivo esteve no auge, vários foram os grupos não-progressivos que flertaram com o estilo, e se saíram muito bem, diga-se de passagem. Led Zeppelin ("Kashmir"), Black Sabbath ("Megalomania"), Alice Cooper ("Black Juju") e Poco ("Nobody’s Fool – El Tonto De Nadie, Regresa") são bons exemplos de nomes consagrados que jamais foram classificados como progressivo, mas cujas canções citadas são ótimas representantes para essa série sem sombra de dúvidas.

Um grupo que esteve sempre na zona intermediária do "Ser ou Não Ser Progressivo?" foi o britânico Supertramp. Em muitas listas classificatórias de grupos, o Supertramp aparece forte sob o logo PROGRESSIVO, enquanto outras o classificam apenas como pop rock (alguns ainda o chamam de soft rock, estilo que se consagrou no final da década de 70 por ser um rock mais leve do que o rock pesado de grupos como Led Zeppelin), mas na verdade, a crise de identidade do grupo nunca afetou a qualidade e suas gravações, e também a ampliação de fãs, que independente do que classificam a banda, reconhecem-na como uma das mais importantes saídas da Ilha da Rainha, e capaz sim de criar obras-primas seja no rock progressivo, seja no pop, seja no blues, seja no mais simples rock 'n' roll.

Doug Thomson, Bob Siebenberg, John Anthony Helliwell, Roger Hodgson e Rick Davies

Os ingleses já apareceram por aqui logo no início da série, com a Maravilha desconhecida "Brother Where You Bound", lançada em 1985 no álbum homônimo e com uma participação mais que especial do guitarrista David Gilmour (Pink Floyd), mas esta não foi a única, e nesse mês de junho, o mês dos namorados, apresentarei outras duas Maravilhosas canções que o grupo com as melhores canções para namorar já criadas fez lançou em sua carreira.

No início, o Supertramp surgiu como mais uma banda de influências bluesísticas, misturando a psicodelia londrina com elementos folk que fazem dos dois primeiros álbuns da banda um caso a parte na Discografia do grupo, formado em 1970 através de um anúncio do pianista e vocalista Rick Davies no famoso semanário inglês Melody Maker, para o qual responderam diversos músicos, e os escolhidos foram Roger Hodgson (baixo, vocais), Richard Palmer (guitarras) e Robert Millar (bateria).

Richard Palmer, Roger Hodgson e Rick Davies, uma das primeiras fotos do Daddy

O quarteto foi acolhido por Stanley "Sam" August Miesegaes, um milionário holandês que havia apostado muito de seu dinheiro no grupo The Joint, e não viu a flor do sucesso surgir. Foi Sam quem ajudou Davies a montar o grupo, e financiou os primeiros ensaios da banda, já que Davies era para Sam o principal músico do The Joint, vendo nele uma promissora estrela da música.

Davies vinha de uma formação musical muito forte, calcada na música clássica e no jazz. No início de sua carreira, ele havia começado como baterista, e depois passou para o piano, quando começou a desenvolver também seu lado bluesy. Em 1966, ele ingressou no grupo The Lonely Ones, pouco depois do astro da Jimi Hendrix Experience deixar o mesmo, Noel Redding, e a The Lonely Ones evoluiu para o The Joint, cujos trabalhos não passaram de trilhas sonoras para filmes B alemães. Sem o sucesso e com o apoio de Sam, veio a oportunidade de montar a nova banda.

Raro compacto do grupo Argosy,
com Roger Hodgson e Elton John
O primeiro músico a ser aprovado foi Roger Hodgson, um jovem de 19 anos que era apaixonado pelo rock 'n' roll. Com dez anos, Roger já se destacava entre os colegas por tocar guitarra soberbamente, e aos doze, já estava compondo suas músicas. Antes de entrar no Supertramp, Roger havia feito uma série de shows ao lado do baterista Roy Hovey (formando a dupla H'bombs) e gravado a guitarra do grupo People Like Us no compacto "Duck Pond" / "Send Me No Flowers", o qual nunca foi lançado.

Esse desbunde com o People Like Us não afetou o já reconhecido talento de Hodgson, que no mesmo ano, participou de um raríssimo compacto da banda Argosy, com as canções  "Mr. Boyd" / "Imagine". O compacto não vendeu praticamente nada, e assim, Hodgson resolveu tentar a sorte no anúncio da Melody, e pouco depois, lá estava ele para formar uma das principais duplas da música ao lado de Rick Davies.

Apenas para informação, os demais integrantes da Argosy eram Nigel Olsson (famoso baterista que acompanhou boa parte da carreira de Elton John, gravando o clássico Goodbye Yellow Brick Road - 1973), Caleb Quaye (guitarrista que tornou-se reconhecido por gravar com Paul McCartney, Mick Jagger, Elton John, Pete Townshed entre outros) e um rapaz chamado Reginald Dwight no piano e teclados (posteriormente Sir Elton John).

Rick Davies, Richard Palmer-James, Robert Millar e Roger Hodgson

Hodgson estava pronto para assumir o papel de guitarrista da nova banda, chamada Daddy, mas no dia seguinte, veio a audição de Richard Palmer. O experiente guitarrista (23 anos na época) vinha de uma carreira por diversas bandas, como The Corvettes, Tetrad e Ginger Man (ao lado do baixista John Wetton), e segundo os relatos de Davies, simplesmente o deixou de boca-aberta. Além de tocar muito, Palmer tinha uma habilidade incomum para criar letras, e os olhos de Daves brilharam. Hodgson não queria perder a oportunidade de emprego, e então, sugeriu ser o baixista do Daddy, tendo que aprender o instrumento rapidamente.

Por fim, veio Keith Baker, que não durou muito como baterista do Daddy, sendo substituído por Millar. A entrada de Millar trouxe junto o primeiro contrato para uma série de apresentações na Alemanha, mais precisamente no P. N. Club de Munique. Os shows eram regados de psicodelia, com o grande momento sendo uma longa versão de "All Along the Watchtower", repleta de improvisos.

A psicodélica estreia dos ingleses

Na Alemanha, descobrem que existe um outro grupo de nome parecido, o Daddy Longlegs, e então, para evitar confusões, resolvem batizar-se de Supertramp, um apelido inspirado no livro A Autobiografia de um Super-Tramp, de William Henry Davies (lembrando que Tramp significa algo como vagabundo).

Com o novo nome, são um dos primeiros a assinar com a A & M Records, e assim lançam Supertramp, em 14 de julho de 1970, apenas no Reino Unido, Alemanha e Canadá (o álbum demoraria sete anos para ser lançado oficialmente nos Estados Unidos). Nos sulcos da estreia, uma mistura frenética de psicodelia, jazz, blues e folk, destacando a longa "Try Again", uma Maravilhosa experiência para ser iniciado no mundo progressivo dos ingleses, além das baladas "Maybe I'm a Beggar" e "Aubade / And I Am Not Like Other Birds of Prey", típicas do estilo que marcaria o grupo anos depois. Supertramp vendeu muito pouco, e para manter-se na ativa, o chefão Davies fez uma reformulação no line up, adicionando o flautista Dave Winthrop.

Supertramp na Ilha de Wight, m 1970:
Rick Davies, Roger Hodgson, Richard Palmer, Robert Millar e Dave Winthrop

Apesar de não ter vendido muito, Supertramp foi bem recebido pelos críticos, o que levou o agora quinteto a ser convidado para participar da terceira edição de 1970 do Festival da Ilha de Wight, uma grande oportunidade para divulgar a banda, ao mesmo tempo que outro gigante progressivo também estreava para um grande público, o trio Emerson, Lake & Palmer, e no mesmo palco que o The Who apresentou a ópera-rock Tommy com John Entwistle vestindo a famosa roupa de caveira.

O Supertramp abriu a segunda noite do Festival, na quinta-feira, dia 27 de agosto, seguido por Black Widow, Everyone With Every Roberts, Howl, Groundhogs e Tony Joe White. O nome do grupo até que conseguiu algum destaque, levando o grupo a começar a composição do segundo álbum.

Roger Hodgson, Frank Farrell, Rick Davies, Kevin Currie e Dave Winthrop

Infelizmente, quatro meses após apresentarem-se em Wight, em dezembro de 1970, Palmer discutiu com Hodgson, e saiu do grupo. Seu último show com o Supertramp foi em Frankfurt, e dali, Palmer saiu para se tornar o principal letrista do King Crimson, escrevendo as letras dos clássicos Lark's Tongues in Aspic (1973), Starless and Bible Black (1974) e Red (1975). Em janeiro de 1971, foi a vez de Millar sair, devido a problemas de saúde, pouco depois de o grupo fazer uma fracassada excursão pela Noruega.

Hodgson então foi para a guitarra, e no baixo entrou Frank Farrell. Para a bateria, Kevin Currie foi o escolhido, e agora o quinteto Supertramp estava pronto para lançar seu segundo álbum.

Último disco sem a formação clássica

Indelibly Stamped chegou às lojas em junho de 1971, e particularmente, é um dos melhores trabalhos da carreira da banda, famoso por sua capa com a mulher nua tatuada, o que causou uma certa polêmica, e fez com que o nome Supertramp ficasse mais conhecido na Europa. O disco é belíssimo, sendo impossível não ser contagiado com pérolas do tamanho da folk "Aries", o ritmo The Band de "You're Poppa don't Mind", o agito de "Remember" ou a balada "Times Have Changed". Porém, vendeu menos que seu antecessor, e o fim do Supertramp tornou-se eminente.

Davies estava convencido de que sua ideia musical era correta, mas talvez os nomes não fossem os apropriados. Então, reformulou o grupo mais uma vez, substituindo novamente a cozinha por dois músicos não ingleses: o americano Bob Siebenberg (bateria, vocais, na época grifado como Bob C. Benberg) e o escocês Dougie Thomson (baixo). Siebenberg veio de um grupo de jazz rock chamado Bees Make Honey, que estabeleceu sua moradia no Reino Unido em 1971. Já Thomson começou sua carreira musical em 1969, no grupo The Beings. Em 1971, passou a ser membro do The Alan Bowl Set, até ser chamado para uma audição com o Supertramp, ganhando a posição. Do The Alan Bowl Set veio o substituto para Withrop, John Anthony Helliwell. A carreira de Helliwell começou justamente nessa banda, substituindo Dave Green, e foi a sua amizade com Thomson que o levou ao Supertramp.

Com a permanência de Hodgson, nascia uma das maiores formações da música: Davies, Hodgson, Helliwell, Thomson e Siebenberg.

A nova formação passou a ensaiar em uma fazenda medieval, onde começaram a compor novas canções, para depois adentrarem por diversos estúdios ingleses (principalmente o Ramport, do The Who) para as gravações do terceiro LP. No total, quarenta e duas canções foram compostas no período de retiro na fazenda, e oito delas foram selecionadas para o disco, batizado Crime of the Century.

Contra-capa de Crime of the Century

Esse álbum está fácil nas listas de Melhores Álbuns de Todos os Tempos, e faz um resumo da ópera do que o Supertramp era, misturando elementos diversos e fazendo canções para marcar época. Crime of the Century abre com a clássica frase de harmônica de "School", marcante canção principalmente pelo riff do meio da canção, que se tornou um dos principais momentos para os fãs nos shows do grupo. Seguem a jazzística "Bloody Well Right" e a lindíssima "Hide in Your Shell", encerrando o lado A com "Asylum", e possibilitando ao ouvinte perceber que o grupo inova na construção do track list do álbum, já que as canções ímpares ficaram para Hodgson como vocalista principal, enquanto as canções pares estão para Davies.

O lado B traz "Dreamer", outro grande sucesso da carreira do Supertramp, e como é uma canção ímpar, cantada por Hodgson, e chega na Maraviha de hoje, "Rudy", sete minutos e dezessete segundos de uma aula de construção musical. A letra dessa Maravilha trata sobre as desesperanças de um homem chamado Rudy, o qual sofre de problemas sociais e busca por uma solução para encaixar-se na sociedade. Ele busca desesperadamente planejar sua vida, mas acaba não conseguindo o mais importante, que é viver.

O barulho de um trem chegando na estação leva para a clássica introdução no piano feita por Davies, mostrando toda sua qualidade como pianista e abusando de uma escala bluesy. O trem simboliza a vida que está levando Rudy, indo para um lugar qualquer, como exaltado na primeira frase da Maravilha, cantada por Davies acompanhado pelo piano e por uma leve percussão. Duas estrofes são cantadas com intervenções de sintetizadores, e a canção vai ganhando corpo, com Davies cantando mais alto e com marcações percussivas feitas por Helliwell, além de baixo e sintetizadores. Nesse trecho, descobrimos que Rudy está em busca de tempo para poder viver, e durante sua viagem, ele pensa sobre seu significado para a sociedade, já que ele não é sofisticado e tão pouco bem-educado.

"Rudy" explode em um agitado rock com a entrada da guitarra, e então, o ritmo muda, com marcações de sintetizadores, baixo e bateria feitas igualmente. O piano comanda o ritmo para o vocal de Davies ser esganiçado, falando das dúvidas de Rudy (não é gordo, tenta ser legal, mas acaba sempre sendo um tolo), levando a um curto solo de guitarra sobre uma rápida levada de baixo e bateria.

A canção acalma-se, e somente com o piano e longos acordes de órgão, mergulhamos nos pensamentos de Rudy, que considerava que as coisas boas acontecem somente para os que sabem esperar, mas que as vezes, essa espera na verdade pode ser longa demais. O saxofone perambula por trás da voz de Davies, junto a tímidas escalas de baixo, caindo em um riff muito bonito feito por uma guitarra carregada de distorção junto do baixo e de sintetizadores.

Chegamos no cerne da canção, quando o piano fica solando sozinho durante alguns segundos, dando espaço para o lindo solo de clarinete. Vozes são ouvidas, avisando da saída de um trem, e com encerramento do solo de clarinete, o ritmo torna-se tenso, com guitarra, baixo, bateria e piano puxando a frente como se fosse uma locomotiva, enquanto a guitarra delira com o wah-wah e sintetizadores saltam de uma caixa de som para a outra.

As letras do álbum

De repente, a voz de Hodgson surge sofrida no canal esquerdo, dizendo que durante toda a vida de Rudy, durante todos os seus anos, e Davies complementa que ele não teve amor e ninguém se importou com ele, preenchendo o canal direito e fazendo uma genial sequência de alternância de vozes. Ao fundo, Hodgson demole seu wah-wah sobre um ritmo frenético de baixo, bateria e piano, e enquanto Hodgson lembra que quando apagavam-se as luzes, os seus medos surgiam, Davies comenta que era impossível segurar as lágrimas. Hodgson pergunta como Rudy conseguiu viver sem amor, e Davies responde que alguém disse para Rudy sempre dar amor, mas não entende por que nunca recebeu em troca. Por fim, Hodgson pergunta o que de bom Rudy espera ouvir, e Davies responde que espera ouvir que está tudo bem para todo mundo.

O ritmo enlouquecido aumenta com Hodgson e Davies dividindo os vocais ao mesmo tempo, dizendo que é hora de Rudy agir, e finalmente encontrar uma razão para sua vida, e encontrar o seu amor, para uma série de marcações feitas por baixo, guitarras, piano, sintetizadores e bateria encerrarem esse magnífico trecho com a chegada na estação, quando ouvimos um músico interpretando uma canção ao violino, som este que é um registro de um músico de rua na Leicester Square de Londres.

O mellotron faz uma aparição no encerramento da canção, acompanhando o lamento vocal de Davies, dizendo que Rudy sai de um filme - a viagem - entorpecido de dor, e tristemente se dá conta de que em breve, continuará andando novamente no trem, concluindo com uma sequência de notas de sintetizadores que repetem-se por diversas vezes.

Encarte do LP

O álbum ainda segue com outras joias fabulosas, que são a balada "If Everyone Was Listening", uma prova perfeita de quão incrível era a capacidade musical do Supertramp não só como músicos, mas também na construção de harmonias vocais, ou ainda a bela faixa-título, uma das canções mais lindas que o ser-humano já compôs, e que serve perfeitamente para encerra a data de hoje, dia dos namorados, para aqueles casais eternamente apaixonados, sendo Crime of the Century inteiro - e por que não a discografia do Supertramp - perfeito para acompanhar a noite romântica dos mesmos casais.

Crime of the Century tornou-se o primeiro grande sucesso do quinteto, levado pelos hits "Dreamer" (nos Estados Unidos) e "Bloody Well Right" (Inglaterra). Na Terra-Natal, o LP entrou no Top 10, alcançando a quarta posição, enquanto nos Estados Unidos ficou entre os 40 mais, ganhando ouro em 1977. Tem que ser destacado também o sucesso do álbum no Canadá, onde vendeu mais de um milhão de cópias em pouco mais de um ano.

Alguns audiófilos e críticos insistem em dizer que o álbum é conceitual, fato este que foi desmentido em uma recente entrevista dada por Roger Hodgson, na qual ela afirma que apesar de os temas encaixarem-se, o álbum não foi concebido com tal propósito, e se quer Rudy é o personagem que atravessa as histórias de todas as canções.

No ano seguinte, o grupo continuou seu crescendo musical, lançando Crisis? What Crisis?, que manteve o nome do Supertramp em alta, fugindo bastante do rock progressivo e mergulhando no pop. Porém, em 1977, o grupo retornaria com o status de grande banda progressiva, ao registrar a maravilhosa "Fool's Overture", como veremos em quinze dias, aqui no Consultoria do Rock.

2 comentários:

  1. Esse disco e a banda são fantásticos!!

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  2. Crime of the Century é um ótimo álbum, mas pra mim não chega nem um dedo mindinho da majestosidade e grandiosidade do Breakfast in America (1979).

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