Depois do sucesso de Crime of the Century, em 1974, trazendo entre outras a Maravilhosa "Rudy", o Supertramp consolidou-se como uma banda de renome internacional. Assim como toda grande banda, o fato de ter um álbum de sucesso, que alcançou a quarta posição nas paradas britânicas, exigia uma sequência no mesmo nível, e foi assim que o quinteto Roger Hodgson (vocais, teclados, guitarras), Rick Davies (vocais, piano, teclados), John Helliwell (saxofone, vocais, percussão, teclados), Bob Siebenberg (bateria, vocais) e Doug Thomson (baixo, vocais) trancafiou-se nos estúdios para a gravação do quarto álbum, após uma bem-sucedida turnê pela Europa, e a primeira turnê pelos Estados Unidos.
A novidade é que como o grupo havia conquistado um pouco do mercado americano, exatamente durante a turnê Norte Americana um fato inesperado ocorreu. Hodgson acabou ferindo sua mão durante uma apresentação, e a turnê teve que ser cancelada. Como já estavam na América, adotaram o país, mais precisamente em Los Angeles, onde fizeram as gravações de Crisis? What Crisis?, sob muita pressão da gravadora. O LP, lançado em 14 de setembro de 1975. saiu com diversas canções que ficaram de fora de Crime of the Century, e apenas duas compostas para o mesmo.
A sequência de Crime of the Century, Crisis? What Crisis? |
O resultado não foi o esperado, com o álbum chegando apenas na vigésima posição no Reino Unido, e ficando somente na quadragésima quarta posição nos Estados Unidos. O resultado não agradou principalmente Hodgson e Thomson, que descreveram o mesmo como um álbum sem força e coesão. Mesmo assim, Crisis? What Crisis? possui faixas marcantes, dentre elas "Sister Moonshine", "Ain't Nobody But Me", "Lady", "Two of Us" e "The Meaning", a mais próxima canção de ser chamada progressiva no LP.
Uma curta turnê pelos Estados Unidos e Europa e o grupo decidiu tirar férias. Afinal, desde 1970, as excursões e shows não paravam, e o descanso era mais que essencial para recarregar as baterias e criar novas composições. Foram dois anos sem atividades oficiais, fundamentais na concepção de Even in the Quietest Moments ..., o qual chegou às lojas em abril de 1977.
Rick Davies, Doug Thomson, John Helliwell, Roger Hodgson e Bob Siebenberg |
Gravado novamente nos Estados Unidos, mais precisamente nos estúdios Caribou Ranch, em Colorado, e mixado em Los Angeles, o quinto LP do Supertramp colocou-os novamente nas paradas britânicas e americanas, fazendo uma mistura soberba de baladas pop com pinceladas progressivas, comandado pelo hit "Give a Little Bit", um pop dançante levado por violão e voz, como só o Supertramp sabe fazer, que abre um dos melhores trabalhos da carreira dos ingleses, seguida por "Lover Boy", balada jazzística com a voz marcante de Davies, a hippie faixa-título, com seus pássaros na introdução, as belíssimas passagens de clarinete e a voz suave de Hodsgon. "Downstream" encerra o lado A com Davies derramando sua poesia em interpretação acompanhado pelo seu piano, uma das marcas registradas das baladas do Supertramp.
No lado B, Hodgson emociona no piano e nos vocais de "Babaji", uma balada carregada de emoção e drama, seguida por mais um grande som, "From Now On", talvez a melhor interpretação vocal de Davies em toda sua carreira, e que é uma canção magnífica para nos introduzir a maravilhosa "Fool's Overture".
Encarte de Even in the Quietest Moments …: Rick Davies, Doug Thomson e John Helliwell. Destaque para a letra de “Fool’s Overture” |
Apesar de no álbum creditada como sendo de Hodgson e Davies, é uma canção exclusivamente de Hodgson, e nela, confirma-se o que ouvimos em todo o álbum, que é o crescimento de Hodgson não só como compositor, mas também como pianista. Com dez minutos e cinquenta e dois segundos, esta é a suíte mais marcante dentre as Maravilhas Prog que o Supertramp gravou, principalmente por conta da harmonia e melodia construída durante a canção, que em essência, trata de como os homens viram heróis e tolos em tão pouco tempo.
Um dos fatos que chama a atenção de "Fool's Overture" é o fantástico trabalho com colagens de sons utilizados na longa introdução da canção, apresentando um trecho do discurso de Winston Churchill em 04 de junho de 1940 (também parcialmente utilizado na abertura da faixa "Aces High", gravada pelo Iron Maiden no álbum Powerslave, de 1984), sirenes policiais, o Big-Ben inglês, uma breve releitura para "Venus", parte da suíte "The Planets", de Gustav Holtz, e até mesmo um sampler do próprio Supertramp, resgatando um trecho de "Dreamer", entre outros barulhos diversos que estão nesta parte da canção, a qual começa com um bonito dedilhado ao piano elétrico, feito por Hodgson, construindo um solo exclusivo, apresentando vagarosamente nossa Maravilha.
Sintetizadores, imitando cordas, acompanham as notas do piano em uma segunda etapa, trazendo o breve solo de flauta sintetizada, que acompanha a melodia do piano, entrando então na série de samplers citada anteriormente, começando com as trompas que anunciam a mudança da guarda britânica, vozes, o Big-Ben e a passagem de Churchill.
Os sintetizadores tocam duas notas, com sirenes, vozes, trompas e o Big-Ben marcando dez horas, e aos poucos, o ritmo dos sintetizadores aumentam, trazendo o acompanhamento do baixo e percussão, saindo no solo de teclados que marca o início de "Fool's Overture" com suas repetições, ganhando ritmo através do baixo de Thomson e da levada de Siebenberg.
Repentinamente, a canção muda, com saxofone, baixo e piano entoando as mesmas notas sobre uma avassaladora sequência de viradas na bateria, encerrando esse trecho com vocalizações e um breve solo de saxofone.
Roger Hodgson interpretando “Fool’s OVerture” em 1977 (Rick Davies ao fundo) |
O piano traz a voz de Hodgson, falando como a história mostra sobre as grandes quedas do homem, e fazendo menções para a Segunda Guerra Mundial, principalmente ao dia D e a invasão da Normandia. Esse ritmo perdura durante duas estrofes, somente com o piano acompanhando a voz de Hodgson, que na segunda estrofe, fala sobre a forma como as pessoas tratam umas as outras, chamando de tolo, humilhando, e só valorizando após a morte da mesma.
Encerradas as duas primeiras estrofes, o ritmo do piano muda, e com a presença de sintetizadores, Hodgson segue cantando sobre a dificuldade de crescer e não parecer tolo, chegando então no belo solo de Helliwell, carregado de notas longas no saxofone e acompanhado pelo ritmo tranquilo e denso de baixo, piano e bateria.
Mais vozes e samplers aparecem junto a barulhos de ventos, enquanto Helliwell, ao fundo, sola com notas puramente jazzísticas em um grande improviso, e Hodgson traz a citação a "Dreamer". Um crescendo traz as mesmas duas notas do sintetizador que estão presentes com as vozes e sirenes, trazem o mesmo solo de teclados daquela parte, agora com Hodgson grita junto, se podem ouvir o que ele diz, o que ele toca, na mesma melodia, e é acompanhado pelas vozes de Helliwell, Thomson e Davies chama por personagens famosos (Homens Sagrados, Roqueiros, Rainha Elizabeth, Coringa, Homem-Aranha e uma citação a Meanie - personagem de Yellow Submarine, dos Beatles - e seus olhos).
O personagem encontra uma solução para seus problemas, mas será a mesma relevante, e isso é indagado por Hodgson, que acompanhado novamente pelas vozes, clama por viver intensamente, blasfemando e sendo um louco, levando nossa Maravilha com os sintetizadores aumentando seu volume, e rápidas passagens de clarinete, para concluir com um longo acorde de sintetizador e barulhos diversos.
Encarte de Even in the Quietest Moments …: Bob Siebenberg e Roger Hodgson |
A capa de Even in the Quietest Moments ... destaca um Grand Piano na neve, com a partitura de "Fool's Overture" na capa, mas com as notas do hino nacional americano, "Star Spangled Banner", e na contra-capa, a mesma imagem, porém toda quebrada, como se fosse uma gravura de um quadro que foi espatifado com uma pedra.
O álbum alcançou a décima sexta posição nos Estados Unidos (décimo segundo no Reino Unido), e foi o primeiro LP do Supertramp a conquistar ouro na América (mais de quinhentas mil cópias vendidas), três meses após seu lançamento. Foi primeiro colocado na Alemanha e Canadá, e ainda segundo na Nova Zelândia, terceiro na Noruega e quarto na França, ampliando o nome do grupo por todo o planeta.
Contra-capa de Even in the Quietest Moments … |
Dois anos depois, o Supertramp finalmente conquistaria a primeira posição em vendas nos Estados Unidos com Breakfast in America, levada pelos clássicos "Take a Long Way Home", "The Logical Song", "Breakfast in America" e "Goodbye Stranger", além de chegar em primeiro em mais oito países (Austrália, Áustria, Alemanha, Canadá, Espanha, Nova Zelândia, Noruega e Suécia), segundo na Suécia e Japão (o mais novo mercado conquistado pelo quinteto até então) e terceiro na Itália e Reino Unido). Da turnê de divulgação desse álbum, saiu Paris (1978), um dos melhores discos ao vivo de todos os tempos.
Em 1982, ... Famous Last Words ... tornou-se o último disco com a formação clássica do Supertramp. Durante a turnê de promoção do álbum, que trouxe mais clássicos através de "It's Raining Again", "My Kind of Lady" e "Crazy", Roger Hodgson anunciou sua saída da banda, por problemas pessoais.
O Supertramp seguiu como um quarteto, lançando Brother Where You Bound (1985), destacando a Maravilhosa faixa-título, e Free as a Bird (1987), cuja turnê trouxe o grupo pela primeira vez ao Brasil durante a edição do Hollywood Rock de 1988, mesmo ano do lançamento de Live, e culminando com o fim da banda após a turnê.
Tom Walsh, Lee Thornburg, Carl Verheyen, Rick Davies, Mike Hart, Cliff Hugo, John Helliwell e Bob Siebenberg |
Em 1996, o Supertramp voltou como um octeto, comandado por Davies e Helliwell e trazendo ainda da formação clássica o baterista Bob Siebenberg, além de Mark Hart (guitarra, teclados, vocais), Cliff Hugo (baixo), Lee Thornburg (trombone, trompete, backing vocals), Carl Verheyen (guitarras) e Tom Walsh (percussão). Esse time gravou Some Things Never Change, lançado no mesmo ano, que apesar de ser um excelente álbum, não contém em nada as lembranças progressivas da década de 70.
Seguiu-se uma longa turnê pela Europa e Estados Unidos, registrada no álbum It Was the Best of Times (1999), até o último suspiro do Supertramp, Slow Motion, lançado em 2002, trazendo como novidade Jesse Siebenberg no lugar de Tom Walsh, e o restante da formação de Some Things Never Change, que levou a banda para mais uma longa turnê mundial.
Rick Davies, John Helliwell e Bob Siebenberg em 2011 |
Depois disso, o grupo continuou excursionando, fazendo shows esporadicamente e mantendo a chama acesa de que um dia possa reunir no mesmo palco Rick Davies e Hoger Hodgson, para trazer novamente os velhos clássicos pop e progressivos que consagraram o Supertramp na década de 70, mas infelizmente, algo que segundo a própria dupla é muito improvável.
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